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i Ee ee Seep tae) CE en eae aaa eet nadas pela Suhrkamp Verlag, com a excelente tra- eae Race [orld Re sce ar 5 eae eae eet ncaa ea eaten bre'o conceito: de Histéria, 0 Surrealismo, a obra eg Pra ee eee ey idlises das obras de Marcel Proust Ce ae Se ee aoe rere re a iguras do: Pensamento: Infancia em Berlim oy oe men ae ice eens ee kee ete Copyright © by Sukrkamp Verlag. Titulo o1 armazenada em sistemas eletronicos,fotocopiada, Teproductiéa por.meios mecénicos ou outros quaisquer ‘sem autorizaro prévia do editor. ISBN: 85-11-12030-0 Primeira edicao, 1985 78 edigao, 1998 Revisdo: Marcia Copola e Elvira da Rocka Capa: Ettore Bottini Dados Internacionais de Catalogapio na Publicasso (ct?) (Camara Brasileira do Livro, s, Brasil) 94-3074 (Cultura -Histéria 3. Filosofia alema 4. iteratura ~ Histériae critica 1. Titulo, epp.193 Tndices para catdlogo sistemadico: 1, Benjamin : Filosofia alema 193, brasiliense An Margués de Sio Vicente, 1771 (1139-803 ~ Sto Paulo - SP Fone (O11) 861-3366 - Fax 861-3024 IMPRESSO NO BRASIL Indice Prefécio — Walter Benjamin ou a histéria aberta—Jean- ne Marie Gagnebin .......... O surrealismo. O dltimo instant&neo da intel ropéia A imagem de Proust Robert Walser .. | A crise do romance. Sobre Alexanderplatz, de Déblin ‘Teorias do fascismo alemo. Sobre a coletanea Guerra e Guerreiros, editada por Ernst Jiinger . a Melancolia de esquerda. A propésito do poemas de Erich Kastner . Que é 0 teatro épico? Um estudo sot Pequena historia da fotografia . A doutrina das semelhangas . Experiéncia e pobreza .... © autor como produtor. Conferéncia pronunciada no Ins- tituto para o Estudo do Fascismo, em 27 de abril de 1934 eee ieee eeeeeeceeeneeecseeceeuns 120 ersario de sua 168 WALTER BENJAMIN advocacia. A porta da justica é-0 direito que nao é mais prati- cado, e sim estudado. A porta da justica é 0 estudo. Mas Kafka nio se atreve a associar a esse estudo as promessas que a tradigdo associa no estudo da Tord. Seus ajudantes so bedéis que perderam a igreja, seus estudantes sao disefpulos que perderam a escrit Ela nao se impressiona mais com “a viagem alegre e vazi Contudo Kafka achou a lei na sua viagem; pelo menos uma vez, quando conseguiu ajustar sua velocidade desenfreada a um passo épico, que ele procurou durante toda a sua vi segredo dessa lei esta num dos seus textos mais perfeitos, ¢ nao apenas por se tratar de uma interpretagio. “Sancho Pan- ¢a, que alids nunca se vangloriou disso, conseguiu no decorrer dos anos afastar de si o seu deménio, que ele mais tarde cha- mou de Dom Quixote, fornecendo-lhe, para ler de noite e de 2as mais delirantes, mas que nao faziam mal a ninguém, por falta do seu objeto predeterminado, que deveria ter sido o pré- prio Sancho Panga. Sancho Panga, um homem livre, seguia Dom Quixote em suas cruzadas com p: certo sentimento de responsabilidade, dai de de sua vida um grande e util entretenimento. Sancho Panga, tolo sensato e ajudante incapaz de ajudar, mandou na frente o seu cavaleiro. Bucéfalo sobreviveu ao seu. Homem ou cavalo, pouco importa, desde que o dorso seja ali- viado do seu fardo. 1934 Retybes so fd producto Restate . OF 4 A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica Primeira versao* “Le vrai est ce qu'il peut; le faux est ce qu il veut.” ‘Madame de Duras Marx empreendeu a andlise do modo de pro ta, esse modo de producto ainda estava em 's primérdios. Marx orientou suas investigagdes de forma a dar-lhes valor de prognésticos. Remontou as relagdes funda- mentais da produgio capitalista e, a0 descrevé-las, previu 0 futuro do capitalismo. i Tendo em vista que a superestrutura se modifica mais lentamente que a base econdmica, _ 86 hoje podemos indicar de que forma isso se deu. sua yez comportar alguns prognésticos. 6 ‘cos n&o se referem a teses sobre a arte de proletariado depois (©) 0 texto aqui publcado & inédito no Brasil. O enssio traduzido em por- tugués por José Lino Grnnewald e publicado em A idéia do cinema (Rio de Janeiro, CCivilizagto Brasileira, 1969) ena colegio Os Pensadores Cultural, a segunda ‘ersio lem’, que Benjamin comerou a escrever em 1936 ¢ 86 fo! publicada em 1958. 166 WALTER BENJAMIN da tomada do poder, e muito menos na fase da sociedade sem classes, ¢ sim a teses sobre as tendéncias evolutivas da arte, nas atuais condig6es produtivas, A dialética dessas tendéncias no € menos visivel na superestrutura que na economia. Seria, portanto, falso subestimar o valor dessas teses pata o combate politico. Elas poem de lado numerosos conceitos tradicionais — como criatividade e génio, validade eterna c estilo, forma e contetido — cuja aplicagio incontrolada,.e no momento difi- cilmente controlével, conduz & elaboragao dos dados num sen- tido fascista. Os conceitos seguintes, novos na teoria da arte: distinguem-se dos outros pela circunstancia de nao serem de modo algum apropridveis pelo fascismo. Em compensacao, podem ser utilizadas para'a formulagao de exigéncias revolu- cionérias na politica artistica. Reprodutibilidade técnica Em sua esséncia, a obra de arte sempre foi repredutivel. O que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros ho- mens. Essa imitagao era praticada por discfpulos, em seusexer- cicios, pelos mesires, para a difusio das obras, e finalmente por terceiros, meramente interessados no lucro, Em contraste, are- Produgao técnica da obra de arte representa um proceso novo, que se vern desenvolvendo na historia intermitentemente, atra. vés de saltos separados por longos intervalos, mas com inten- sidade crescente. Com a xilogravura, o desenho tornou-se pela primeira vez tecnicamente reprodutivel, muito antes que a im- Prensa prestasse 0 mesmo servico para a palavra escrita. Co- nhecemos as gigantescas transformagoes provocadas pela im- Prensa — a'reprodugaio técnica da escrita, Mas a imprensa re- presenta apenas um caso especial, embora de importancia de- cisiva, deum processo histérico mais amplo. A xilogravura, na Idade Média, seguem-se a estampa em chapa de cobre e a 4gua-forte, assim como a litografia, no inicio do século XIX. Com a litogratia, a técnica de reprodugio atinge uma etapa essencialmente nova. Esse procedimento muito mais preciso, que distingue a transcrigao do desenho numa pedra de sua incisdo sobre um bloco de madeira ou uma prancha de cobre, permitiu as artes grAficas pela primeira vez colocar no mercado suas produgdes no somente em massa, como j& acontecia antes, mas também sob a forma de criagées sempre MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 167 novas. Dessa forma, as artes graficas adquiriram os meios de ilustrar a vida cotidiana. Gragas & litografia, elas comecaram a situar-se no mesmo nivel que a imprensa. Mas a litografia ainda estava em seus primérdios, quando foi ultrapassada pela fotografia. Pela primeira yez no processo de reprodugio da imagem, a mio foi liberada das responsabilidades artisti- cas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho. Como o olho apreende mais depressa do que mao desenha, 0 Processo de reproducdo das imagens experimentou tal acele- Tago que comegou a situar-se no mesmo nivel que a palavra oral. Se o jornal ilustrado estava contido virtualmente na lito- grafia, o cinema falado estava contido virtualmente na foto- srafia. A reprodugao :éenica do som iniciou-se no fim do sé- culo passado. Com ela, a reprodugio técnica atingiu tal pa- dro de qualidade que ela ndo somente podia transformar ern seus objetos a totalidade das obras de arte tradicionais, sub- metendo-as a transformagées profundas, como conquistar Para si um lugar préprio entre os procedimentos artisticos. Para estudar esse padrao, nada é mais instrutivo que exami- nar Gomo suas duas fungdes — a reprodugio da obra de arte € a arte cinematografica — repercutem uma sobre a outra. Autenticidade Mesmo na reprodugéo mais perfeita, um elemento esté ausente: 0 aqui e agora da obra de arte, sua existéncia nica, no lugar em que ela se encontra. E nessa existéncia i somente nela, que se desdobra a histéria da obra. Essa hi ria compreende no apenas as transformagoes que ela sofreu, com a passagem do tempo, em sua estrutura fisica, como as, Telagdes de propriedade em que ela ingressou. Os vestigios das primeiras s6 podem ser investigados por andlises quimicas ou fisicas, irrealizdveis na reproducdo; os vestigios das segundas so 0 objeto de uma tradigio, cuja reconstituigdo precisa par- tir do lugar em que se achava o original. O aqui e agora do original constitui o conteiido da sua autenticidade, e nela se enraiza uma tradigéio que identifica esse objeto, até os nossos dias, como sendo aquele objeto, sempre igual ¢ idéntico a si mesmo. A esfera da autenticidade, como um todo, escapa a reprodutibilidade técnica, ¢ natural- mente no apenas a sécnica. Nas, enquanto 0 auténtico pre- 168 WALTER BENIAMIN serva toda a sua autoridade com. telagdo & reproduce ma- nual, em geral considerada uma falsificag&o, 0 mesmo nao ccorre no que diz respeito a reprodugio técnica, e isso por duas razdes. Em primeiro fugar, relativamente ao original, a teprodueao técnica tem mais autonomia que a reprodugao manual. Ela pode, por exemplo, pela fotografia, acentuar cer- tos aspectos do original, acessiveis & objetiva — ajustavel e ca: paz de selecionar arbitrariamente o seu Angulo de observacZo ~, mas no acessiveis ao olhar humano. Ela pode, também, gracas a procedimentos como a ampliagdo ou a camara lenta fixar imagens que fogem inteiramente a 6tica natural. Em se- gundo lugar, a reproducdo técnica pode colocar a cépia do ori- ginal em situagdes impossiveis para o préprio original. Ela Pode, principalmente, aproximar do individuo a obra, seja sob 2 forma da fotografia, seja do disco. A catedral abandona seu lugar para instalar-se no estidio de um amador; 0 coro, execu- tado numa sala ou ao ar livre, pode ser ouvido num quarto. Mesmo que essas novas circunsténcias deixem intato o contetido da obra de arte, elas desvalorizam, de qualquer modo, o seu aqui e agora. Embora esse fendmeno nao seja exclusive da obra de arte, podendo ocorrer, por exemplo, numa paisagem, que aparece num filme aos olhos do espec- tador, ele afeta a obra de arte em um nticleo especialmente sensivel que nao existe num objeto da natureza: sua autenti- cidade. A autenticidade de uma coisa é a quintesséncia de tudo 0 que foi transmitido pela tradicao, a partir de sua ori- gem, desde sua duracio material até o seu testemunho hist6- Tico. Como este depende da materialidade da obra, quando ala se esquiva do homem através da reprodugio, também 0 testemunho se perde. Sem diivida, s6 esse testemunho desapa- Fece, mas o que desaparece com ele é a autoridade da coisa, seu peso tradicional, Oconceito de aura permite resumir essas caracteristicas © que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte sua aura, Esse proceso ¢ sintomatico, e sua significagao vai muito além de esfera da arte. Generalizando, podemos a teproduco, substitui a existéncia tinica da obra por uma existéncia serial. E, na medida em que essa técnica permite & Teproducio vir ao encontro do espectador, em todas as situa- MAGIA B TECNICA, ARTE E POLITICA . 169 ses, ela atualiza o objeto reproduzido. Esses dois processos resultam num violento abalo da tradi¢ao, que constitui 0 re- verso da crise atual e a renovago da humanidade. Eles se relacionam intimamente com os movimentos de massa, em xnossos dias, Seu agente mais poderuso ¢ o cinema. Sua fungao social ndo éconcebivel, mesmo em.seus tracos mais positivos, e precisamente neles, sem seu lado destrutivo e catartico: a li- quidacao do valor tradicional do patriménio da cultura. Esse fendmeno ¢ especialmente tangivel nos grandes filmes histé- ticos, de Cleépatra e'Ben Hur até Frederico, o Grande ¢ Na poleo, E quando Abel Gance, em 1927, proclamou com en- tusiasmo: “Shakespeare, Rembrandt, Beethoven, fardo ci nema... Todas as lendas, todas as mitologias e todos os mitos, todos os fundadores de novas religides, sim, todas as rel gives... aguardam sua ressurreicdo luminosa, e os herdis acotovelam as nossas porta: la, sem o saber talvez, para essa grande liquidago. Destruicao da aura No interior de grandes pertodos histéricos, a forma de percepeio das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existéncia. O modo pelo qual se orga- niza a percepcao humana, o meio em que ela se da, nao é ape- nas condicionado naturalmente, mas também historicamente. A 6poca das invasées dos bérbaros, durante a qual surgiram a indtstria artistica do Baixo Império Romano e a Génese de Viena, nfo tinhs apenas uma arte diferente da. que caracteri- zava o perfodo clissico, mas também uma outra forma de per- cepeao. Os grandes estudiosos da escola vienense, Rieg! ¢ Wickhoff, que se revoltaram contra o peso da tradicao classi- cista, sob o qual aquela arte tinha sido soterrada, foram os primeiros a tentar extrair dessa arte algumas conclusdes sobre a organizagao da percepgao nas épocas em que ela estava em vigor. Por mais penetrantes que fossem, essas conclusdes es- tavam limitadas pelo fato de que esses pesqui tentaram em descrever as caracteristicas formais do estilo de Percepeo caracteristico do Baixo Império, Nao tentaram, (2) Gance, Abel. Le temps de l'image est venu. In: L’Art Cinématographique 1M. Paris, 1927. p.946, 170 WALTER BENJAMIN talvez nao tivessemi a esperanca de consegui-lo, mostrar as convulsdes sociais que se exprimiram nessas metamorfoses da percepeao. Em nossos dias, as perspectivas de empreender com éxito semelhante pesquisa so mais favordveis, e, se fosse Possivel compreender as transformagées contemporaneas da faculdade perceptiva segundo a 6tica do declinio da aura, as causas sociais dessas transformagées se tornariam inteligiveis, ) © que é a aura? E uma figura singular, com. ntos espaciais e temporais: a aparig&o tnica.de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja. Observar,’ em repouso, numa tarde de verdo, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nos, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho. Gra, cas a essa definicao, é facil identificar os fatores sociais espe- cificos que condicionam 0 declinio atual da aura, Ele deri de duas circunstincias, estrei i fusao sas ‘‘ficarem mais préximas” é uma preocupagio to apaixo- nada das massas modernas como sua tendéncia a superar o carter tinico de todos os fatos através da sua reproduti dade, Cada dia fica mais irresistivel a necessidade de possuir o objeto, de tio perto quanto possivel, na imagem, ou antes, na Ba sua reprodugao. Cada dia fica mais nitida a mitre a reprodugao, como ela nos é ofere: revistas ilustradas e pelas atualidades imagem. Nesta, a unidade e a dura imamente como, na reproducdo, a transitoriedade e a repe- tibilidade, Retirar o objeto do seu invélucro, destruir sua aura, éacaracteristica de uma forma de percepeao cuja capacidade de captar “o semelhanie no mundo" é tao aguda, que gragas @ reprodugao ela consegue capté-lo até no fendmeno tinico, Assim se manifesta na esfera sensorial a tendéncia que na es. fera tedrica explica a importincia crescente da estatistica, Orientar a realidade em fungao das massas e as massas em fun¢do da realidade € um processo de imenso alcance, tanto Para o pensamento como para a intuiciio. Ritual e politica A unicidade da obra de arte ¢ idéntica A sua inserg&o 110 contexto da tradicio. Sem diivida, essa tradigfo é algo de® MAGIA B TECNICA, ARTE E POLITICA m muito vivo, de extraordinariamente variével. Uma antiga estd- tua de Vénus, por exemplo, estava inscrita numa certa tra- digdo entre os gregos, que faziam dela um objeto de culto, € em outra tradiedio na Idade Média, quando os doutores da Tereja viam nela um idolo malfazejo. lais primitiva de insercao da da tradieao se exprimia no culto. As mais antigas obras de arte, como sabemos, surgi de um ritual, inicialmente magico, e depois de importancia decisiva é que esse modo de ser auratico da obra de arte nunca se destaca completamente de sua funcdo ritual. Em outras palavras: o valor tinico da obra de arte “auténtica” tem sempre um fundamento teolégico, por mais Essas formas profanas do culto do Bel lo, surgidas na Renas- cenca e vigentes durante trés séculos, deixaram manifesto esse fundamento quando sofreram seu Pi abalo grave. Com efeito, quando o advento da primeira técnica de reprodugao verdadeiramente revolucionaria — a fotografia, contempora- nea dc do socialismo — levou a arte a Pressentir a pro- ximidade de uma crise, que s6 fez aprofundar-se nos cem anos Seguintes, ela reagiu ao perigo iminente com a doutrina da arte pela arte, que 6 no fundo uma teologia da arte. Dela re- sultou uma teologia negativa da arte, sob a forma de uma arte Pura, que nao rejeita apenas toda funcdo: social, mas também qualquer determinag&o objetiva. (Na literatura, (allarmé © primeiro a alcangar esse estagio.) E indispensavel levar em conta essas relacdes em um estudo que se Propde estudar a arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Porque elas pre- Param 0 caminho para a descoberta decisiva: com a reprodu. ipa, pela prime , de sua existéncia parasitéria, destac do-se do ritual. A obra de arte Teproduzida é cada vez mais a reprodug4o de uma obra de arte criada Para ser reprodu- zida, A chapa fotografica, Por exemplo, permite uma gran- de variedade de cépias; a questio da autenticidade das d- Pias nao tem nenhum sentido. Mas, no momento em. que o critério da autenticidade deixa de aplicar-se a produgo ar- tistica, toda a fungio social da arte se transforma. Em vez 1m WALTER BENJAMIN de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se em outra préxis: Nas obras cinematogrificas, a reprodutibilidade técnica do produto nfo é, como no caso da literatura ou da pintura, uma condi¢ao externa para sua difusio maciga. A reproduti- bilidade técnica do filme tem seu fundamento imediato na téc- nica de sua produgdo, Esta nao apenas permite, da forma mais imediata, a difusdo em massa da obra cinematogréfica, como a torna obrigatéria. A difusdo se torna obrigatéria, por- que a produgao de um filme € téo cara que um consumidor, . que poderia, por exemplo, pagar um quadro, ndo pode mais Pagar um O filme € uma criagao da coletividade. Em 1927, calculou-se que um filme de longa metragem, para ser rentével, precisaria atingi i iho is importante, contudo, que registrar esse retrocesso, que de qualquer modo sera em breve compensado pela sincroni- zagao, € analisar sua relactio com o fascismo. A simultanei- dade dos dois fendmenso se baseia na erise econémica. As mesmas turbuléncias que de modo geral levaram a tentativa de estabilizar as relagdes de propriedade vigentes pela violén- cia aberta, isto é, segundo formas fascistas, levaram o capital investido na industria cinematografica, ameacado, a preparar © caminho para o cinema falado. A introdugdo do cinema fa- lado aliviou temporariamente a crise. E isso nao somente por- que com ele as massas voltaram a freqiientar as salas de ci- nema, como porque criou vinculos de solidariedade entre os novos capitais da indiistria elétrica e os aplicados na produgao cinemetografica. Assim, se numa perspectiva externa, o ci- nema falado estimulow interesses nacionais, visto de dentro ele internacionalizou a produco cinematografica numa escala ainda maior. Valor de culto e valor de exposigaio Seria possivel reconstituir a historia da arte a partir do confronto de dois pélos, no interior da propria obra de arte, e ver 0 contetido dessa histéria na variacio do peso conferido MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 173 seja a um pélo, seja a outro. Os dois pélos so 0 valor de culto da obrae seu valor de exposi¢ao. A producio artistica comeca ‘com imagens a servigo da magia. O que importa, nessas ima- gens, que elas existem, e no que sejam vistas. O alce, co- Piado pelo homem paleolitico nas paredes de sua caverna, é um instrumento de magia, s6 ocasionalmente exposto aos olhos dos outros homens: no maximo, ele deve ser visto pelos espiritos. O valor de culto, como tal, quase obriga a manter secretas as obras de arte: certas estatuas divinas somente sto acessiveis ao sumo sacerdote, na cella, certas madonas perma- necem cobertas quase o ano inteiro, certas esculturas em cate- drais da Idade Média so invisiveis, do solo, para o observa- dor. A medida que as obras de arte se emancipam do seu uso ritual, aumentam as ocasiGes para que elas sejam expostas. A exponibilidade de um busto, que pode ser deslocado de um lugar para outro, é maior que a de uma estétua divina, que tem sua sede fixa no interior de um templo. A exponibilidade deum quadro é maior que a de um mosaico ou de um afresco, que o precederam. E se a exponibilidade de uma missa, por sua propria natureza, nfo era talvez menor que a de uma sin- fonia, esta surgiu num momento em que sua expor Prometia ser maior que a da missa. A exponi obra de arte cresceu em tal escala, com os ¥: sua reprodutibilidade técnica, que a mudanga de énfase de um pélo para outro corresponde a uma mudanea qu: comparavel 4 que ocorreu na pré-histéria. Com efeit como na pré-histéria a preponderancia absoluta do valor de culto conferido & obra levou-a a ser concebida em primeiro Tugar como instrumento magico, e s6 mais tarde como obra de arte, do mesmo modo a preponderiincia absoluta conferida hoje a seu valor de exposicao atribui-lhe fungdes inteiramente novas, entre as quais a “artistica”, a tinica de que temos cons- ciéncia, talvez se revele mais tarde como secundaria. Uma coisa é certa: o cinema nos fornece a base mais util para exa- minar essa questao. E certo, também, que o alcance hist dessa refuncionalizagao da arte, especialmente visivel no ci- nema, permite um confronto com a pré-histéria da arte, nao 86 do ponto de vista metodolégico como material. Essa arte registrava certas imagens, a servico da magia, com fungdes Prticas: seja como execugao de atividades magicas, seja a ti tulo de ensinamento dessas praticas mégicas, seja como obje- ima WALTER BENJAMIN to de contemplacio, & qual se atribuiam efeitos magicos. Os temas dessa arte eram o homem e seu meio, copiados segundo as exigéncias de uma sociedade cuja técnica se fundia inteira- mente com 0 ritual. Essa sociedade é a antitese da nossa, cuja técnica é a mais emancipada que jamais existiu. Mas essa téc- nica emancipada se confronta com a sociedade moderna sob a forma de uma segunda natureza, ndo menos elementar que a da sociedade primitiva, como provam as guerras e as crises econémicas. Diante dessa segunda natureza, que o homem inventou mas ha muito nio controla, somos obrigados a aprender, como outrora diante da primeira. Mais uma vez, a arte pie-se a servigo desse aprendizado. Isso se aj primeira instfncia, a0 cinema, . Fazer do gigantesco aparelho ti to das inervagoes humanas — é essa a tarefa historica cuja realizagao d4 ao cinema o seu verdadeiro sentido. Fotografia Com a fotografia, 0 valor de culto comeca a recuar, em todas as frentes, diante do valor de exposigao. Mas o valor de culto no se entrega sem oferecer resisténcia. Sua dltima trin- cheira é 0 rosto humano. Nao é por acaso que o retrato era 0 principal tema das primeiras fotografias. ‘A aura acena pela ultima vez na expressao fugaz de um rosto, nas antigas fotos. E o que Ihes da sua beleza melancélica ¢ incomparavel. Porémh, quando o homem se retira da fotografia, o valor de exposi¢ao supera pela primeira vez o valor de culto. O mérito inexcedivel de Atget é ter radicalizado esse processo ao fotografar as ruas de Paris, desertas de homens, por volta de 1900. Com justiga, escreveu-se dele que fotografou as ruas como quem fotografa © local de um crime. Também esse local é deserto. E fotogra- fado por causa dos indicios que ele contém. Com Atg fotos se transformam em autos no processo da histéria. esté sua significagio politica Iatente. Essas fotos orientam a recepcao num sentido predeterminado, A contemplacio livre no thes € adequada. Elas inquietam 0 observador, que.pres- MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 175 sente que deve seguir um caminho definido para se aproximar delas, Ao .nesmo tempo, as revistas ilustradas comecam a ‘mostrar-lhe indicadores de caminho — verdadeiros ou falsos, pouco importa. Nas revistas, as legendas explicativas se tor- nam pela primeira vez obrigat6rias. E evidente que esses tex- tos t8m um cardter completamente distinto dos titulos de um quadro. As instrugées que o observador recebe dos jornais. ilustrados através das legendas se tornardo, em seguida, ainda thais precisas e imperiosas no cinema, em, que a compreensio de cada imagem é condicionada pela seqiiéncia de todas as. imagens anteriores. Valor de eternidade Os gregos s6 conheciam dois processos técnicos para a reprodugdo de obras de arte: 0 molde e a cunhagem. As moe- dase terracotas eram as tinicas obras de arte por eles fabrica- das em massa. Todas as demais eram tinicas ¢ tecnicamente irreprodutiveis. Por isso, precisavam ser tinicas e construidas para a eternidade, Os gregos foram obrigados, pelo estagio de sua técnica, a produzir valores eternos. Devem a essa circuns- tAcia o seu lugar privilegiado na historia da arte e sua capaci- dade de marcar, com seu proprio ponto de vista, toda a evo- lugao artistica posterior. Nao ha divida de que esse ponto de vista se encontra no pélo oposto do nosso. Nunca as obras de arte foram reprodutiveis tecnicamente, em tal escala e ampli tude, como em nossos dias. O filme é uma forma cujo carater artistico éem grande parte determinado por sua reprodutibi- lidade. Seria ocioso confrontar essa forma, em todas as suas particularidades, com a arte grega. Mas num ponto preciso esse confronto 6 possivel. Com o cinema, a obra de arte adqui- riu um atributo decisivo, que os gregos ou nfo aceitariam ou considerariam 0 menos essencial de todos: a perfectibilidade. O filme acabado nfo é produzido de um sé jato, e sim mon- tado a partir de inimeras imagens isoladas e de sequiéncias de imagens entre as quais o montador exerce seu dit Iha — imagens, alias, que poderiam, desde o ini gem, ter sido corrigidas, sem qualquer restricdo. Para produ- tir A opinido pidblicd, com uma duragio de 3000 metros, Chaplin filmou 125000 metros. O filme é, pois, a mais per- fective} das obras de arte. O fato de que essa perfectibilidade 176 WALTER BENJAMIN Para os gregos, cuja arte visava a produgdo de valores eternos, a mais alta das artes era a menos perfectivel, a escultura, cujas criagdes se fazem literalmente a partir de wm s6 bloco. Dai o declinio inevitavel da escultura, na era da obra de arte montavel. Fotografia e cinema como arte A controvérsia travada no século XIX entre a pintura e a fotografia quanto ao valor artistico de suas respectivas produ- Ses parece-nos hoje irrelevante e confusa. Mas, longe de re. Guzir o alcance dessa controvérsia, tal fato serve, a0 contrério, para sublinhar sua significagao. Na realidade, essa polémica foi a expressio de uma transformago histérica, que como tal no se tornou consciente para nenhum dos antagonistas, Ao se emancipar dos seus fundamentos no culto, na era da reprodu- tibilidade técnica, a arte perdeu qualquer aparéncia de auto. ém a é fa da refuncionalizacio Ela nfo foi percebida, durante muito tempo, nem sequer no século XX, quando o cinema se desenvolveu. Muito se es- creveu, no passado, de modo tao sutil como estéril, sobre a questo de saber se a fotografia era ou nfo uma arte, sem que ‘se colocasse sequer a questo prévia de saber se a invengdo da fotografia néo havia alterado a propria natureza da arte Hoje, 0s tedricos do cinema retomam a questo na mesma perspectiva superficial. Mas as dificuldades com que a foto- grafia confrontou a estética tradicional eram brincadeiras in- fantis em comparacio com as suscitadas pelo cinema. Dai a violéncia cega que caracteriza os primérdios da teoria cinema- tografica. Assim, Abel Gance compara o filme com os hieré. slifos. “Nous voila, par un prodigieux retour en arriére, reve- russur le pian d'expression des Egyptiens... Le langage des images n'est pas encore au point parce que nos yeux ne sont Pas encore faits pour elles. Il n'y a pas encore assez de respect, de culte, pour ce qu’elies expriment.” Ou, como escreve Sé. i “Quel art eut un réve... plus poétique a la f A ntend In almferatannambn detonctens MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 7 moyen d'expression tout a fait exceptionnel, et dans son at- mosphere ne devraient se mouvoir que des personnages de la pensée la plus supérieure, aux moments le plus parfaits et les Plus mystérieux de leur course”.” E revelador como o esforco de conferir ao cinema a dignidade da “arte” obriga esses ted- ios, com uma inexcedivel brutalidade, a introduzir na obra elementos vinculados ao culto. E, no entanto, na época em que foram publicadas essas especulagdes, j4 existiam obras como A opinido pitblica ou Em busca do ouro, 0 que nao impediu Abel Gance de falar de uma escrita sagrada e Séverin-Mars de falar do cin fala das figuras de Fra Angelico, ‘omentando a transposic&o cinematografica, por Reinhardt, do Sonho de uma noite de veréo, Werfel observa que & a ten. déncia estéril de copiar o mundo exterior, com suas ruas, in teriores, estagdes, restaurantes, automéveis e pragas, que tém impedido 0 cinema de incorporar-se a0 dominio da arte. “O cinema ainda nao compreend ve i verdadeiras posiblidacee, Seu sendo esth os vos face Cinema e teste Fotografar um quadro € um modo de reprodugao; foto- grafar num estidio um acontecimento ficticio é outro. No pri- meiro caso, 0 objeto reproduzido é uma obra de arte, e a re- Produc&o nao o €. Pois o desempenho do fotégrafo manejando ‘sua objetiva tem tao pouco a ver com a arte como o de um. maestro regendo uma orquestra sinfOnica: na melhor das hi- péteses, 6 um desempenho artistico. O mesmo nfo ocorre no caso de um esttidio cinematografico. O objeto reproduzido nko € mais uma obra de arte, e a reprodugdo nao o & tam- (2) Liart cinématographique I. Paris, 1927. p. 101 e 102 9) Werle, Franz. Ein Sommernachtatreum. Ein Film von Shakespeare und 178 WALTER BENJAMIN Pouco, como no caso anterior. Na melhor das hipéteses, a obra de arte surge através da montagem, na qual cada frag- mento é a renradugdo de um acontecimento que nem constitui em si uma od+a de arte, nem engendra uma obra de arte, ao ser filmado. Quais so esses acontecimentos nao-artisticos re- produzidos no filme? A resposta esté na forma sui generis com que o ator cine- matogrifico representa 0 seu papel. Ao contrario do ator de teatro, o intérprete de um filme nao representa publico qualquer a cena a ser reproduzida, e sim diante de um. srémio de especialistas -— yrodutor, diretor,-operador, enge- nheiro do som ou da iluminagao, ete. — que a todo momento tem o direito de intervir. Do ponto de vista social, é uma ca- Tacteristica muito importante. A intervencao de um grémio de téenicos 6 com efeito tipica do desempenho esportivo e, em geral, da execucio de um teste. E uma intervengiio desse tipo que determina, em grande parte, o processo de produgao ci- nematogrifica. Como se sabe, muitos trechos sao filmados em méltiplas variantes. Um grito de socorro, por exemplo, pode ser registrado em varias versGes. O montador procede entio selecdo, escolhendo uma delas como quem proclama um re- corde. Um acontecimento filmado no estidio distingue-se as- sim de um acontecimento real como um disco langado num estadio, numa competicao esportiva, se distingue do mesmo Sisco, no mesmo local, com a mesma trajetoria e cujo lanca- mento tivesse como efeito a morte de um homem. O primeiro ato seria a execugdo de um teste, mas nfo o segundo. Porém a execucao desse teste, por parte do ator de ci- nema, tem uma caracteristica muito especial. Ela consiste em ultrapassar um certo limite que restringe num ambito muito estreito 0 valor social dos testes. Esse nao se aplica a competi¢do esportiva, e sim aos testes mecanizados. O espor- tista sé conhece, num certo sentido, os-testes naturais, Ele executa tarefas impostas pela natureza, e néo por um apare- Iho, salvo casos excepcionais, como o do atleta Nurmi, de quem se dizia que “‘corria contra 0 relégio”. Ao contratio, 0 Processo do trabalho submete o operdrio a intimeras provas mecAnicas, principalmente depois da introdugao da cadeia de montagem. Essas provas ocorrem implicitamente: quem nao as passa com éxito, & exclufdo do proceso do trabalho. Elas podem também ser explicitas, como nos institutos de orienta. MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 179 40 profissional. Num ¢ noutro caso, aparece o limite acima teferido. Ele consiste no seguinte: essas provas nao podem ser mostradas, como seria desejavel, e como acontece com as pro- vas esportivas. E esta a especificidade do cinema: ele torna mostrével a execugao do teste, na medida em que transforma num teste essa “mostrabilidade”. O intérprete do filme nfo representa diante de um piiblico, mas de um aparelho. O di- tetor ocupa o lugar exato que 0 controlador ocupa num exame de habilitago profissional. Representar & luz dos refletores e a0 mesmo tempo atender as exigéncias do microfone é uma Prova extremamente rigorosa. Ser aprovado nela significa Para o ator conservar sua dignidade humana diante do apare- Iho. O interesse desse desempenho é imenéo. Porque é diante de um aparelho que a esmagadora maioria dos citadinos pre- cisa alienar-se de sua humanidade, nos balcdes e nas fabricas, durante o dia de trabalho. A noite, as mesmas massas enchem 6s cinemas para assistirem a vinganca que o intérprete exe- cuta em nome delas, na medida em que o ator no somente afirma diante do aparelho sua humanidade (ou o que aparece como tal aos olhos dos espectadores), como coloca esse apa- relho a servico do seu préprio triunfo. O intérprete cinematografico Para o cinema € menos importante o ator representar diante do puiblico um outro personagem, que ele representar a 'esmo diante do aparelho. Pirandello foi um dos primeiros a pressentir essa metamorfose do ator através da experiéncia do teste. A circunstancia de que seus comentarios, no ro- mance Si gira, limitam-se a salientar 0 lado negativo desse Processo, em nada diminui o alcance de tais observagdes. Elas nao so afetadas, tampouco, pelo fato de que est se referindo ao cinema mudo, pois o zinema falado nfo trouxe a esse pro- cessa qualquer modificagao decisiva, O importante é que o intérprete representa para um aparelho, ou dois, no caso do ma falado. “O ator de cinema”, diz Pirandelk exilado. Exilado nao somente do paleo, mas de Com um obscuro mal-estar, ele sente 0 vazio inexplicavel re- sultante do fato de que seu corpo perde a substincia, volati- a-se, 6 privado de sua realidade, de sua vida, de sua voz, 180 WALTER BENIAMIN até dos ruidos que ele produz ao deslocar-se, para transfor- mat-se numa imagem muda que estremece na tela ¢ depois Gesaparece em siléncio... A camara representa com sua som- bra diante do piblico, ¢ ele proprio deve Tesignar-se a repre- sentar diante da camara. Com a representasdo do homem pelo aparelho, a auto- alienagao humana encontrou uma aplicagde altamente cria- dora. Essa aplicacao pode ser avaliada pelo fato de que a es- tranheza do intérprete diante do aparelho, segundo 2 desea, », € da mesma espéci ie que a estranheza do homem, no periodo romantico, diante de sua imagem na co pelho, tema favorito de Jean-Paul, como se sabe. ‘Hole, sen imagem especular se toma destaével e transportivel. Trane, Portivel para onde? Para um lugar em que ela possa set vines Pela massa. Naturalmente, o intérprete tem plena conscionis desse fato, em todos os momentos. Ele sabe, quando ent diante da camara, que sua relagio é em tiltima instanela eons massa. E ela que vai controlé-lo. E ela, precisamente, nic oets Yisfvel, ndo existe ainda, enquanto o ator executa a atividade que ser por el it. Mas a autoridade desse controle é reforcada por lidade. Nao se deve, evidentemente, esquecer que a utilizacio politica desse controle teré que ex, i te da sua exploracdo pelo capi. ital cinematogrdfico da um cardter contra. revoluciondrio as oportunidades revoluciondrias imanentes a sae controle. Esse capital estimula o culto-do estrelato, que nko visa conservar apenas a magia da personalidade, hd invite 2 80 claro putrefato que emana do seu carater de preetdoria, mas também o seu complemento, o culto do pi, blico, e estimuta, além disso, a consciéncia cormupta das wha, S25, que © fascismo tenta pér no lugar de sua consciéncia de classe. A arte contempordnea serd tanto mais eficaz quanto mais fe orientar em fungiio da reprodutibilidade e, portanto, quon, Rrmenos colocar em seu centro a obra original. E obvio, & lus dessas reflexdes, por que 2 arte dramitica & de todas que cnfrenta a crise mais manifesta. Pois nads contrasta mais i ignification du cinéma, In: L’Art Ciné: MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 181 dicalmente com a obra de arte Sujeita 20 proceso de repro- dugto técnica, por ele engendrada, a exemplo do cinema, due @ obra teatral, caracterizada pela atuagdo sempre nova ¢ crigindria do ator. Isso é confirmado por qualquer exame cé, tio da questo. Desde muito, os observadores especializados Teconheceram que “os maiores efeitos so aleaneados quande gm 1930 cPresentam o menos possivel”. Segundo Arnheim, em 1832, ‘o estigio final sera atingido quando o intérprets fey tratado como um acessério cénico, escothido por suas carac teristicas... © colocado no lugar certa”.* Ha outra cireunstans cia correlata, O ator de teatro, ao aparecer no paleo, entre ne interior de um papel, Essa possibilidade € muitas vesse ne gada ao ator de cinema. Sua atuago ndo 6 unitéria, mas to, composta em varias seqiiéncias individuals, cuja concretiza. Sfo determinada por fatores puramente aleatérios, como o aluguel do estidio, disponibilidade dos outros atores, ceno- grafia, etc. Assim, pode-se filmar, no estidio, um ator eal, tando de um andaime, como se fosse uma janela, mas a fuga subseqtiente serd talvez rodada semanas depois, numa t. mada externa. Exemplos ainda mais paradoxals de montagem Sto Possiveis. O roteiro pode exigir, por exemplo, que um per, Sonagem se assuste, ouvindo uma batida na porta. O desem. Penho do intérprete pode nao ter sido satisfatdrio. Nesse caso, © diretor recorrera ao expediente de aproveitar a Presenga oca- sional do ator no local da filmagem e, sem aviso prévio’ man, dara que disparem um tiro as suas costas. O susto de inten contexto total no qual se insere sua pré- Pria agdo, A exigéncia de um desempenho independente de qualquer contexto vivido, através de situagdes externas ao espeticulo, é comum a todos os testes, tanto os esportines (S) Ammbeimn, Rudol, Film als Kunst. Berlim, 1932, p.176-7. 182 WALTER BENJAMIN como os cinematograficos. Esse fato foi ocasionalmente posto em evidéncia por Asta Nielsen, de modo impressionante. Certa vez, houve uma pausa no esttidio. Rodava-se um filme baseado em O idiota, de Dostoievski. Asta Nielsen, que repre- sentava o papel de Aglaia, conversava com um amigo. A cena seguinte, uma das mais importantes, seria o episédio em que Aglaia observa de longe o principe Mishkin, passeando com Nastassia Filippovna, e comeca a chorar. Asta Nielsen, que durante a conversa recusara todos os elogios do seu interlocu- tor, viu de repente a atriz que fazia o papel de Nastassia, to- mando seu café da manha, enquanto caminhava de um lado para outro. “Veja, é assim que eu compreendo presentar no cinema”, disse Asta Nielsen a seu visitante; en- carando-o com olhos que se tinham enchido de lagrimas, 20 ver a outra atriz, exatamente como teria que fazer na cena se- guinte, € sem que um miiscuio de sua face se tivesse alterado. AS exigéncias técnicas impostas ao ator de cinema sto diferentes das que se colocam para o ator de teatro. Os astros cinematogréficos s6 muito raramente so bons atores, no sen- tido do teatro. Ao contrario, em sua maioria foram atores de segunda ou terceira ordem, aos quais o cinema abriu uma grande carreira. Do mesmo modo, os atores de cinema que tentaram passar da tela para o palco nao foram, em geral, os melhores, ¢ na maioria das vezes a tentativa malogrou. Esse fendmeno esté ligado A natureza especifica do cinema, pela qual é menos importante que o intérprete represente um per- sonagem diante do publica que ele represente a si mesmo diante da cimara. O ator cinematogréfico tipico s6 representa a si mesmo. Nisso, essa arte é a antitese da pantomima. Essa circunstancia limita seu campo de agao no palco, mas o amplia extraordinariamente no cinema. Pois o astro de cinema im- pressiona seu pablico sobretudo porque parece abrir a todos, a partir do seu exemplo, a possibilidade de “fazer cinema”. A idéia de se fazer reproduzir pela cimara exerce uma enorme atragdo sobre o homem moderno. Sem divida, os adoles- centes de outrora também sonhavam em entrar no teatro. Po- rémo sonho de fazer cinema tem sobre o anterior duas vanta- gens decisivas. Em primeiro lugar, é realizével, porque 0 ci- nema absorve muito mais atores que o teatro, j4 que no filme cada intérprete representa somente a si-mesmo. Em segundo Iugar, € mais audacioso, porque a idéia de uma difusio em MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 183 massa da sua propria figura, de sua propria yoz, faz empali- decer a gléria do grande artista teatral. Exposicao perante 2 massa A metamorfose do modo de exposicao pela técnica da re- producto é visivel também na politica. A crise da democracia pode ser interpretada como uma crise nas condi¢des de expo- si¢do do politico profissional. As democracias expdem o poli- tico de forma imediata, em pessoa, diante de certos represen- tantes, O Parlamento é seu piiblico. Mas, como as novas téc- nicas permitem ao orador ser ouvido ¢ visto por um némero ilimitado de pessoas, a exposicao do politico diante dos apa- relhos passa ao primeiro plano. Com isso.os parlamentos se atrofiam, juntamente com 0 teatro. O radio e o cinema nao modificam apenas a funcio do intérprete profissional, mas também a fungao de quem se representa a si mesmo diante desses dois veiculos de comunicacio, como é 0 caso do poli- tico. O sentido dessa transformagao é 0 mesmo no ator de cinema eno politico, qualquer que seja a diferenga entre suas starefas especializadas. Seu objetivo é tornar “‘mostraveis”, sob certas condig6es sociais,'determinadas agdes de modo que to- dos possam controlé-las ¢ compreendé-las, da mesma forma ;como 0 esporte o fizera antes, sob certas condicées naturais. Esse fendmeno determina um novo proceso de sele¢io, uma seleciio diante do aparelho, do qual emergem, como vencedo- res, o campeao, oastroeo ditador. Exigéncia de ser filmado [A técnica do cinema assemelha-se & do esporte no sentido de que nos dois casos os espectadores sio semi-esp: Basta, para nos convencermos disso, escutarmos um jovens jornaleiros, apoiados em suas bicicletas, discutindo os resultados de uma competic%o de ciclismo. No que diz. res- peito ao cinema, os filmes de atualidades provam com clareza que todos tém a oportunidade de aparecer ria tela. Mas isso nao é tudo. Cada pessoa, hoje em dia, pode reivindicar 0 di- reito de ser filmado. Esse fenémeno pode ser ilustrado pela 184 WALTER BENJAMIN Situagdo histérica dos escritores em nossos dias. Durante sé- culos, houve uma separaco rigida entre um pequeno nimero deescritores e um grande niimero de leitores, No fim do século assado, a situacdo comegou a modificar-se. Com a ampliagio, gigantesca da imprensa, colocando & disposic&o dos leitores uma quantidade cada vez maior de érgios politicos, religio- sos, cientificos, profissionais e regionais, um ntmero cres- cente de lei de sua correspondéncia na seco itores”. Hoje em dia, raros s4o os europeus inseridos no processo de tra- balho que em principio ndo tenham uma ocasiio qualquer para publicar um episédio de sua vida profissional, uma recla- mac&o ou uma reportagem. Com isso a diferenga essencial entre autor e-piiblico esté a ponto de desaparecer. Ela se trans- forma numa diferenga funcional e contingente. A cada ins- tante, o leitor esta pronto @ converter-se num escritor. Num Processo de trabalho cada vez mais especializado, cada indi- viduo se torna bem ou mal um perito em algum setor, mesmo que seja num pequeno comércio, e como tal pode ter acesso & condig&o de autor. O mundo do trabalho toma a palavra, Sa- ber escrever sobre o trabalho passa a fazer parte das habilita- des necessérias para executé-lo. A competéncia literéria pas- sa a fundar-se na formacao pol ica, e nao na educacio especializada, convertendo-se, assim, em coisa de todos. Tudo isso 6 aplicdvel sem restrigées ao cinema, onde se realizaram numa década deslocamentos que duraram séculos no mundo das letras. Pois essa evolucao j4 se completou em grande parte na pratica do cinema, sobretudo do cinema rus- 80. Muitos dos atores que aparecem nos filmes russos no sio atores em nosso sentido, e sim pessoas que se auto-represen- tam, principalmente no processo do trabalho. Na Europa Oci- dental, a-exploracao cay i i lista do cinema impede a conereti- ima do homem moderno de ver-se re- sto, ela também 6 bloqueada pelo desem- prego, que exclui grandes massas do processo produtivo, no qual deveria materializar-se, em pri stincia, essa aspi- ago. Nessas circunstncias, a indistria cinematogrdfica tem todo interesse em estimular a participagao das massas através de concepcdes ilusérias e especulagdes ambivalentes. Seu éxito mann é nm ac mutharec Cam ecce ohietiva ela mohiliza nm MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 185 Poderoso aparelho publicitario, poe a seu servigo a carreirae a vida amorosa das estrelas, organiza plebiscitos, realiza con- cursos de beleza, Tudo isso para corromper e falsificar o inte- esse original das massas pelo cinema, totalmente justificado, na medida em que é um interesse no proprio ser ¢, portanto, em sua consciéncia de classe. Vale para o capital cinemato- grafico o que vale para o fascismo no geral: ele explora secre- tamente, no interesse de uma minoria de proprietarios, a in- quebrantave' aspiragdo por novas condigdes sociais. J4 por essa razdo a expropriaco do capital cinematografico é uma exigéncia prioritéria do proletariado. Toda forma de arte amadurecida esté no ponto de inter- seceao de trés linkas evolutivas. Em primeiro lugar, a técnica atua sobre uma forma de arte determinada. Antes do advento do cinema, havia dlbuns fotogréficos, cujas imagens, rapida- mente viradas pelo polegar, mostravam ao espectador lutas de boxe ou partidas de ténis, e havia nas Passagens aparelhos automaticos, mostrando uma seqiéncia de imagens que se moviam quando se acionava uma manivela. Em segundo lu- gar, em certos estagios do seu desenvolvimento as formas ar- tisticas tradicionais tentam laboriosamente produzir efeitos que mais tarde serio obtidos sem qualquer esforgo pelas novas formas de arte. Antes que se desenvolvesse 0 cinema, os da- dafstas tentavam com seus espetaculos suscitar no piblico um movimento que mais tarde Chaplin consegui sociais muitas vezes imperceptiveis acarretam estrutura da recepcdo, que serao_nais tarde utilizadas pelas novas formas de arte. Antes que o c:nema comegasse a formar seu piblico, j4 o Panorama do Imperador, em Berlim, mos- trava imagens, jé a.essa altura méveis, diante de um publico reunido. Também havia um piblico nos saldes de pintura, porém a estruturacdo interna do seu espaco, ao contrario, por exemplo, do espago teatral,-n&o permitia organizar esse pu blico. No Panorama do Imperador, em compensacio, hat assentos cuja distribuicko diante dos varios esiereoscépios pressupunha um grande nimero de espectadores. Uma sala vazia pode ser agradavel numa galeria de quadros, mas é indesejével no Panorama do Imperador e inconcebivel no ci- nema. E, no entanto, cada espectador, nesse Panorama, dis- nunba de cna nrénria seaiiéncia de imagens. como nos salbes 186 WALTER BENIAMIN de pintura, Nisso, precisamente, fica vistvel a dialética desse Processo: imediatamente antes que a contemplacdo das ima- gens experimentasse com o advento do cinema uma guinada decisiva, tomando-se coletiva, o principio da contemplagao dividual se afirma, pela diltima vez, com uma forga inexee. divel, como outrora, no santurio, a contemplagio pelo sacer. dote da imagem divina. Pintor e cinegrafista A realizagao de um filme, pi sonoro, oferece um espetéculo jamais visto em outras épocas, Nao existe, durante a filmagem, um tinico ponto de observa, $40 que nos permita excluir do nosso campo visual as cdma. Tas, os apareliios de iluminacdo, os assistentes e outros objetos alheios @ cena. Essa exctustio somente seria posstvel se a pupila do observador coincidisse com a objetiva do aparelho. que muitas vezes quase chega a tocar o corpo do intérprete. Mais due qualquer outra, essa circunstncia torna superficial e irre. levante toda comparagto entre uma cena no esttidio € uma cena no paleo. Pois o teatro conhece esse ponto de observacdo, que permite preservar o caréter ilusionistico da cena. Esse Ponto no existe no estiidio. A natureza ilusionistica do ck nema € de segunda ordem ¢ esta no resultado da montagem, Em outras palavras, no esttidio o aparelho impregna tao pro. fundamente 0 real que o que aparece como realidade “pura”. sem 0 corpo estran’:o da maquina, é de fato o resultado de um Procedimento puramente técnico, isto é, a imagem é filmada outras da mesma espécie, A realidade, aparentemente depu- tada de qualquer intervencio técnica, acaba se revelando a: ficial, © a visio da realidade imediata no é mais que a visto de uma flor azul no jardim da técnica. Esses dados, obtidos a partir do confronto com 0 teatro, Se tornaraio mais claros ainda a parti pintura. A pergunta aqui é a seguin: cinegrafista ¢ 0 pintor? A Tesposta pode ser facilitada por uma construgao auxiliar, baseada na figura do cirurgiao, O cirur. MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 187 sifio esta no pélo oposto ao do magico. O comportamento do magico, que deposita as maos sobre um doente para curé-lo, & distinto do comportamento do cirurgiao, que realiza uma in- terven¢do em seu corpo. O magico preserva a distancia natu- ral entre ele e o paciente, ou antes, ele a diminui um Pouco, gragas & sua mao estendida, ¢ a aumenta muito, gragas A sua autoridade. O contrério ocorre com o cirurgiao. Ele diminui muito sua distancia com relacdo ao paciente, ao penetrar em seu organismo, ¢ a aumenta pouco, devido a cautela com que sua mio se move entre os érgdos. Em suma, diferentemente do mégico (do qual restam alguns tragos no pratico), o cirur- sido renuncia, no momento decigivo, a relacionar-se com seu ‘Paciente de homem a homem ¢ em vez disso intervém nele, bela operacdo. O magico ¢ o'cirurgiao estio etre si como 6 vintor ¢ o cinegratista. O pintof abserva’em seu trabalho uma distancia natural etre a realidade dada ¢ ele proprio, ao Passo que o cinegrafista penetra ptofundameiite as visceras dessa realidade. As imagens que cada um produz sio, por isso, essencialmente diferentes. A imagem do pintor é total, a do operador & composta de imimeros fragmentos, que se te- compéem segundo novas leis. Assim, a descrigio cinemato- srifica da cealidade é para o homem modemo infinitamente mais significativa que a pict6rica, porque ela the oferece o que temos o direito de exigir da arte: um aspecto da realidade livre de qualquer manipulagao pelos aparethos, precisamente grax gas ao procedimento de penetrar, com os aparelhos, no amago da realidade, Recepeiio dos quadros A reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a relacao da massa com a arte. Retrégrada diante de Picasso, ela se torna progressista diante de Chaplin. O comportamento Progressista se caracteriza pela ligagdo direta e interna entre o Prazer de vere sentir, por um lado, ¢ a atitude do especialista, Por outro. Esse vinculo constitui um valioso indfcio soci: Quanto mais se reduz a significagdo social de uma arte, maior fica a distancia, no piiblico, entre a atitude de fruicio e a 188 WALTER BENJAMIN atitude critica, como se evidencia com 0 exemplo da pintura. Desfruta-se 0 que é convencional, sem criticé-lo; critica-se o que é novo, sem desfruta-lo. Nao assim no cinema. O deci- sivo, aqui, € que no cinema, mais que em qualquer outra arte, as reagées do individuo, cuja soma constitui a reagdo coletiva do piblico, sio condicionadas, desde 0 inicio, pelo carater coletivo dessa reagdo. Ao mesmo tempo que essas reagdes se manifestam, elas se controlam mutuamente. De novo, a com- Paracio com a pintura se revela Gtil, Os pintores queriam que seus quadros fossem vistos por uma pessoa, ou poucas. A con- templago simulténea de quadros por um grande piblico, que se iou no século XIX, ¢ um sintoma precoce da crise da Pintura, que néo foi determinada apenas pelo advento da fo- tografia, mas independentemente dela, através do apelo diri- gido as massas pela obra de arte. Na realidade, a pintura nao pode ser objeto de uma re- cepeao coletiva, como foi sempre o caso da arquitetura, como antes foi o caso da epopéia, e como hoje 6.0 caso do cinema. Embora esse fato em si mesmo nao nos autorize a tirar uma conelusio sobre o papel sccial da pintura, ele nao deixa de Tepresentar um grave obstéculo social, num momento em que a pintura, devido a certas circunstincias e de algum modo contra a sua natureza, se vé confrontada com as massas, de forma imediata. Nas igrejas e conventos da Idade Média ou nas cortes dos séculos XVI, XVII e XVIII, a recepedo coletiva dos quadros nao se dava simultaneamente, mas através de imdmeras mediagées. A situacio mudou e essa mudanca tra- duz 0 conflito especifico em que se envolveu a pintura, du- rante o século passado, em conseqiléncia de sua reprodutibi- lidade técnica. Por mais que se tentasse confrontar a pintura com a massa do piiblico, nas galerias e saldes, esse piblico nao podia de modo algum, na recepeo das obras, organizar- see controlar-se, Teria que recorrer ao escdndalo para m; festar abertamente o seu julgamento. Em outros termos: a manifestagdo aberta do seu julgamento teria constituido um escfindalo. Assim, o mesmo piblico, que tem uma reago pro- sressista diante de um filme burlesco, tem uma reagao retré- grada diante de um filme surrealista. 7 MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 189 Camondongo Mickey Uma das fungées sociais mais importantes do cinema é criar um equilibrio entre o homem e 0 aparelio, O cinema no realize essa tarefa apenas pelo modo com que o homem se representa diante do aparelho, mas pelo modo com que ele Tepresenta o mundo, gracas a esse aparelho. Através dos seus grandes planos, de sua énfase sobre pormenores ocultos dos Objetos que nos sao familiares, ¢ de sua investigacéo dos am- bientes mais vulgares sob a direcdo genial da objetiva, o cinema faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que determinam nossa existéncia, e por outro assegura-nos um grande ¢ insuspeitado espago de liberdade. Nossos cafés ¢ nos- $a$ Tuas, nossos escritérios € nossos quartos alugados, nossas estagbes e nossas fabricas pareciam aprisionar-nos inapelavel- mente. Veio entioo cinema, que fez explodir esse universo car cerario com a dinamite dos seus décimos de segundo, permi- tindo-nos empreender viagens aventurosas entre.as ruinas arre- messadas a distancia. O espaco se amplia com o grande plano, © movimento se torna mais yagaroso com a cAmara lenta. E evidente, pois, que a natureza que se dirige a cdmara nao é a mesma que a que se dirige ao olhar. A diferenga est princi- palmente no fato de que’o espaco em que o homem age cons- cientemente é substituido por outro em que sua ago ¢ incons- ciente. Se podemos perceber o caminhar de uma pessoa, por exemplo, ainda que em grandes tragos, nada sabemos, em compensa¢ao, sobre sua atitude precisa na fragdo de segundo em que ela dé um passo. O gesto de pegar um isqueiro ou uma colher nos 6 aproximadamente familiar, mas nada sabemos sobre o que se passa verdadeiramente entre a mao ¢ o metal, € muito menos sobre as alteragdes provocadas nesse gesto pelos nossos varios estados de espirito. Aqui intervém a camara com seus intimeros recursos auxiliares, suas imersdes e emersoes, suas interrupeBes e seus isolamentos, suas extensdes © suas aceleragdes, suas ampliagdes suas miniaturizagdes. Ela nos abre, pela primeira vez, a experiéncia do inconsciente dtico, do mesmo modo que a psicandlise nos abre a experiéncia do in- consciente pulsional, De resto, existem entre os dois incons- cientes as relagdes mais estreitas. Pois os miiltiplos aspectos que © aparelho pode registrar da realidade situam-se em grande parte fora do espectro de uma percepgdo sensivel nor- 190 WALTER BENIAMIN mal. Muitas deformagies e estereotipias, transformagdes & catastrofes que o mundo visual pode sofrer no filme afetam realmente esse mundo nas psicoses, alucinagdes e sonhos. Desse modo, os procedimentos da cdmara correspondem aos procedimentos gragas aos quais a percepgio coletiva do pti blico se apropria dos modos.de percepeao individual do psi cético ou do sonhador. O cinema introduziu uma brecha na ve- Iha verdade de Heraclito segundo a qual o mundo dos homens acordados é comum, o dos que dormem é privado. E o fez menos pela descrigiio do mundo onfrico que pela criago de Personagens do sonho coletivo, como o camondongo Mickey, que hoje percorre 0 mundo .. Se levarmos em conta as Perigosas tensies que a tecnizaco, com todas as suas conse- auéncias, engendrou nas massas — tensdes que em estagi criticos assumem um caréter psicético —, perceberemos que essa mesma tecnizacao abriu a possibilidade de uma imuni- zagdo contra tais psicoses de massa através de certos film capazes de impedir, pelo desenvolvimento artificial de fanta. sias sadomasoquistas, seu amadurecimento natural peri- 050. A hilaridade coletiva representa a eclosio precoce e sau- davel dessa psicose de massa. A enorme quantidade de epis6- dios grotescos atualmente consumidos no cinema constituem um indice impressionante dos perigos que ameacam a huma- nidade, resultantes das repressdes que a civilizagao traz con- sigo. Os filmes grotescos, dos Estados Unidos, e os filmes de Disney, produzem uma explosio terapéutica do inconsciente, Seu precursor foi o excéntrico. Nos novos espagos de liberdade abertos pelo filme, ele foi o primeiro a sentir-se em casa, E aqui que se situa Chaplin, como figura histérica, Dadaismo ‘Uma das tarefas mais importantes da arte foi sempre a de gerar uma demanda cujo atendimento integral sé poderia pro- duzir-se mais tarde. A histéria de toda forma de arte conhece €pocas criticas em que essa forma aspira a efeitos que s6 po- dem concretizar-se sem esforgo num novo estigio técnico, isto é, numa nova forma de arte. As extravagdncias e grosserias artisticas dai resultantes e que se manifestam sobretudo nas chamadas “épocas de decadéncia” derivam, na verdade, do MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 7 seu campo de forcas historicamente mais rico. Ultimamente, foi o dadaismo que se alegrou com tais barbarismos. Sua im. pulsio profunda s6 agora pode ser identificada: o dadatsmo tentou produzir através da pintura (ou da literatura) os efeitos que 0 pilblico procura hoje no cinema. Toda tentativa de gerar uma demanda fundamentalmente nova, visando a abertura de novos caminhos, acaba ultrapas- sando seus préprios objetivos. Foi 0 que ocorreu com o da- daismo, na medida em que saci intrinsecos ao cinema, em beneficio de intengdes mais signifi- cativas, das quais naturalmente ele nfo tinha consciéncia, na forma aqui descrita. Os dadafstas estavam menos interessados em assegurar a utiliza¢do mercantil de suas obras de arte que em tomné-las impréprias para qualquer utilizaco contempla- iva. Tentavam atingir esse objetivo, entre outros métodos, pela desvalorizagao sistematica do seu material. Seus poemas séo “‘saladas de palavras”, contém interpelagdes obscenase t dos os detritos verbais concebfveis. O mesmo se dava com seus quadros, nos quais colocavam botées e bilhetes de transito, Com esses meios, aniquilavam impiedosamente a aura de suas criagdes, que eles estigmatizavam como reproduce, com os instrumentos da producdo. Impossivel, diante de um quadro de Arp ou de um poema de August Stramm, consagrar algum tempo ao recolhimento ou A avaliagio, como diante de um quadro de Derain ou de um poema de Rilke. Ao recolhimento, que se transformou, na fase da degenerescéncia da burguesia, numa escola de comportamento anti-social, opde-se a distra- ¢0, como uma variedade do comportamento social. O com- portamento social provocado pelo dadaismo foi o escindalo, Na realidade, as manifestagdes dadafstas asseguravam uma distragdo intensa, transformando a obra de arte no centro de um escndalo, Essa obra de arte tinha que satisfazer uma exi- géncia basica: suscitar a indignagio publica. De espetéculo atraente para o olhar ¢ sedutor para o ouvido, a obra conver- ia-se num tiro. Atingia, pela agressio, o espectador. E com isso esteve a ponto de recuperar para o presente a qualidade tatil, a mais indispensavel para a arte nas grandes épocas de reconstrucdo hist6rica. dadaismo coiocou de novo em circulagao a formula bé- sica da percepeio onirica, que descreve ao mesmo tempo o Indo tatil da percepgdo artistica: tudo © que € percebido e tem 192 WALTER BENJAMIN carter sensivel é algo que nos atinge. Com isso, favor-ceu a demanda pelo cinema, cujo valor de distragao é fundamental- mente de ordem tatil, isto é, baseia-se na mudanga de lugares e Angulos, que golpeiam intermitentemente o espectado dadaismo ainda mantinha, por assim dizer, 0 choqu embalado no choque moral; 0 cinema o libertou desse invél cro. Em suas obras mais progressistas, especialmente nos fil- ou 08 dois efeitos de choque, num Compare-se a tela em que se P: em que se encontra 0 quadro. Na primeira, a imagem se move, mas na segunda, nao. Esta convida o espectador & contem. plac&o; diante dela, ele pode abandonar-se as suas associa- Ges. Diante do filme, isso nfo é mais possivel. Mas o espec- tador percebe uma imagem, ela nio é mais a mesma. Ela néo pode ser fixada, nem como um quadro nem como A associacao de idéias do espectador é interromp: tamente, com a mudanga da imagem. Nisso se baseia o efeito de choque provocado pelo cinema, que, como qualquer outro choque, precisa ser interceptado por uma atencdo aguda. O cinema é.a forma de arte correspondente aos perigos existen- ciais mais intensos com os quais se confronta 0 homem con- tempordneo. Ele corresponde a metamorfoses profundas do aparelho perceptivo, como as que experimenta o passante, numa escala individual, quando enfrenta o tréfico, e como as experimenta, numa escala histérica, todo aquele que combate aordem social vigente. Recepgio tatil e recepcao ética ‘A massa é a matriz: da qual emana, no momento atual, toda uma atitude nova com relagio a obra de arte. A quanti- dade converteu-se em qualidade. O nimero substancialmente maior de participantes produziu um novo modo de participa- so. © fato de que esse modo tenha se apresentado inicial- mente sob uma forma desacteditada nao deve induzir em erro © observador. Afirma-se que as massas procuram na obra de arte distrapao, enquanto 0 conhecedor a aborda com recolhi- ‘mento. Para as massas, a obra de arte seria objeto de diver- jeta o filme com a tela | SS eno ste ee MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 193 perto essa critica. A distragao e o recolhimento representam um contraste que pode ser assim formulado: quem se recothe diante de uma obra de arte mergulha dentro dela e nela se dissolve, c.mo ocorreu com um pintor chinés, segundo a len- da, ao terminar seu quadro. A massa distraida, pelo contra- rio, faz a obra de arte mergulhar em si, envolve-a com o ritmo de suas vagas, absorve-a em seu flux. O exemplo mais evi- dente 6 a arquitetura. Desde o infcio, a arquitetura foi o pro- t6tipo de uma obra de arte cuja recepedo se da coletivamente, segundo 0 critério da dispersio. As leis de sua recepcio sio extremamente instrutivas. Os edificios acompanham a humanidade desde sua pré- ia. Muitas obras de arte nasceram e passaram. A tra- se origina com 0s gregos, extingue-se com eles, ¢ renasce séculos depois. A epopéia, cuja origem se situa na juventude dos povos, desaparece na Europa com o fim da Renascenca. O quadro é uma criagdo da Idade Média, e nada garante sua duragao eterna. Mas a necessidade humana de morar per- manente. A arquitetura jamais deixou de existir. Sua historia 6 mais longa que ade qualquer outra arte, e é importante ter presente a sua influéncia em qualquer tentativa’ de compreen- der a relacdo histérica entre as massase a obra de arte. s edificios comportam uma dupla forma de revepcdo: pelo uso e pela percepeio. Em outras palavras: por meios té- teis e éticos. Nao podemos compreender a especificidade dessa recep¢do se a imaginarmos segundo o modelo do recolhi- mento, atitude habitual do viajante diante de edificios céle- bres. Pois ndo existe nada na recepeio tatil que corresponda ao que a contemplagao representa na recepclo ¢&o'tatil se efetua menos pela atencao que pelo hal iz respeito a arquitetura, o habito determina em ida a propria recepcao Stica. Também ela, de in liza mais sob a forma de uma observagao casual que de uma atengio concentrada. Essa recepgio, concebida segundo 0 modelo da arquitetura, tem em certas circunsténcias um valor candnico. Pois as tarefas impostas ao aparelho perceptivo do homem, em momentos histéricos decisivos, sao insoltiveis na erspectiva puramente ética: pela contemplagtio. Elias se tor- nam realiziveis gradualmente, pela recepedo tatil, através do habito. Maco dictraida também node habituar-se, Mais: realizar 7 194 WALTER BENJAMIN certas tarefas, quando estamos distraidos, prova que realizé- las se tornou para nés um habito. Através da distragdo, como ela nos é oferecida pela arte, podemos avaliar, indiretamente, até que ponto nossa percepcao estd apta a responder a novas tarefas, E, corno 0s individuos se sentem tentados a esquivar- se a tais tarefas, a arte conseguir4 resolver as mais dificeis importantes sempre que possa mobilizar as massas. E o que ela faz, hoje em dia, no cinema. A recepgdo através da distra- ‘edo, que se observa crescentemente em todos os dominios da larte e constitui o sintoma de transformagées profundas nas estruturas perceptivas, tem no cinema o seu cenério privile- igiado. E aqui, onde a coletividade procura a distragio, nao falta de modo algum a dominante tatil, que rege a reestrutu- ragao do sistema perceptivo. B na arquitetura que ela esté em seu elemento, de forma mais originaria. Mas nada revela mais claramente as violentas tensdes do nosso tempo que 0 fato de que essa dominante tatil prevalece no proprio universo da ética. E justamente o que acontece no cinema, através do efeito de chogue de suas seaiéncias de imagens. O cinema se revela assim, também desse ponto de vista, 0 objeto atual- mente mais importante daquela ciéncia da percepgao que os gregos chamavam de estética. Estética da guerra Acrescente proletarizagZo dos homens contemporaneos € acrescente massificag’o so dois lados do mesmo processo. o fascismo tenta organizar as massas proletarias recém-surgidas sem alterar as relagdes de produg&o e propriedade que tais massas tendem a abolir. Ble vé sua salvago no fato de per- mitir As massas a expresso de sua natureza, mas certamente nao a dos seus direitos. Deve-se observar aqui, especialmente se pensarmos nas atualidades cinematograficas, cuja signifi- cagao propagandistica nao pode ser superestimada, que a re- produg&o em massa corresponde de perto @ reproducio das ‘massas, Nos grandes desfiles, nos comicios gigantescos, nos espeticulos esportivos e guerreiros, todos captados pelos apa- relhos de filmagem e gravagio, a massa vé o seu proprio rosto. Esse proceso, cujo alcance é imitil enfatizar, esta estreita- mente ligado ao desenvolvimento das técnicas de reprodugo € MAGIA E TECNICA, ARTE E POLITICA 195 registro. De modo geral, o aparelho apreende os movimentos de massas mais claramente que o olho humano. Multiddes de milhares de pessoas podem ser captadas mais exatamente numa perspectiva a v6o de passaro. E, ainda que essa pers- pectiva seja t&o acessivel ao olhar quanto & objetiva, a imagem que se oferece ao olhar no pode ser ampliada, como a que se oferece ao aparelho. Isso significa que os movimentos de massa e em primeira instncia a guerra constituem uma forma do comportamento humano especialmente adaptada a0 apa- relho. As massas tém 0 direito de exigir a mudanga das rela- ¢6es de propriedade; o fascismo permite que elas se. expri- ‘mam, conservando, ao mesmo tempo, essas relacdes. Ele de- semboca, conseqientemente, na estetizaciio da vida politica. A politica se deixou impregnar, com d’Annunzio, pela deca- déncia, com Marinetti, pelo futurismo, e com Hitler, pela tra- digo de Schwabing.* Todos os esforgos para estetizar a politica convergem para urn ponto, Esse ponto é a guerra. A guerra e somente a ‘guerra permite dar um objetivo aos grandes movimentos de massa, preservando as relages de producao existentes. Eii como 0 fendmeno pode ser formulado do ponto de vist tico. Do ponto de vista técnico, sua formulacao é a seguinte: somente a guerra permite mobilizar em sua totalidade os meios técnicos do presente, preservando as atuais relagdes de produgao. £ ébvio que a apoteose fascista da guerra nao re- corre @ esse argumento. Mas seria instrutivo langar os olhos sobre a maneira com que ela é formulada. Em seu manifesto sobre a guerra colonial da Etiépia, diz Marinetti: “Ha vinte ¢ sete anos, nés futuristas contestamos a afirmagéo de que a guerra é antiestética... Por isso, dizemos: ... a guerra bela, porque gracas ds mascaras de gés, aos megafones assustado- res, aos langa-chamas ¢ aos tanques, funda a supremacia do homem sobre a maquina subjugada. A guerra € bela, porque inaugura a metalizagdo onfrica do corpo humano. A guerra é bela, porque enriquece um prado florido com as orquideas de fogo das metralhadoras. A guerra é bela, porque conjuga numa sinfonia os tiros de fuzil, os canhoneios, as pausas entre duas batalhas, os perfumes e os odores de decomposigao. A (*) Bairro botmio de Viena. 196 WALTER BENJAMIN guerra é bela, porque cria novas arquiteturas, como a dos grandes tanques, dos esquadrdes agreos em formagéo geomé- trica, das espirais de fumaca pairando sobre aldeias incendia- das, e muitas outras... Poctas e artistas do futurismo... lem- brai-vos desses principios de uma estética da guerra, para que eles iluminem vossa Iuta por uma nova poesia e uma nova escultura!”. Esse manifesto tem o mérito da clareza. Sua maneira de colocar o problema merece ser transposta da literatura para a dialética. Segundo ele, a estética da guerra moderna se apre- senta do seguinte modo: como a utilizagiio natural das forcas produtivas é bloqueada pelas relagdes de propriedade, a inten- sificagdio dos recursos técnicos, dos ritmos e das fontes de energia exige uma utilizacdo antinatural. Essa utilizagao é encontrada na guerra, que prova com suas devastacdes que a sociedade nao estava suficientemente madura para fazer da técnica o seu drgko, e que a técnica nao estava suficientemente avangada para controlar as forgas elementares da sociedade. Em seus tragos mais cruéis, a guerra imperialista é determi- nada pela discrepaincia entre os poderosos meios de produgéo € sua utilizagao insuficiente no processo produtivo, ou seja, pelo desemprego ¢ pela falta de mercados. Essa guerra 6 uma revolta da técnica, que cobra em “material humano” 0 que Ihe foi negado pela sociedade, Em vez de usinas energéticas, ela mobiliza energias humanas, sob a forma dos exércitos. Em vez do tréfego aéreo, ela regulamenta o trdfego de fuzis, ¢ na guerra dos gases encontrou uma forma nova de liquidar a aura. “Fiat ars, pereat mundus”, diz o fascismo e espera que a ne a satisfagdo artistica de uma percepeio sensivel modificada pela técnica, como faz Marinetti. E a forma mais perteita do art pour lart, Na época de Homero, a humanidade oferecia-se em espeticulo aos deuses olimpicos; agora, ela se transforma et espeticulo para si mesma. Sua auto-alienagao atingiu o ponto que the permite viver sua pré- pria destruig&o come um prazer estético de primeira ordem. Eis a estetizagéo da politica, como a pratica o fascismo. O comunismo responde com a politizagdo da arte. 1935/1936 O narrador Consideragées sobre a obra de Nikolai Leskov 1 Par mais familiar que seja seu nome, o narrador nao esté de fato presente entre nés, em sua atualidade viva. Ele é algo de distante, e que se distancia ainda mais. Descrever um Leskov* como narrador nio significa trazé-lo mais perto de nés, ¢ sim, pelo contrario, aumentar a distancia que nos se- para dele. Vistos de uma:certa distiincia, o$ tracos grandes e simples que caracterizam o narrador se destacam nele. Ou melhor, esses tragos aparecem, como um rosto humano ou um corpo de animal aparecem num rochedo, para um observador localizado numa distfncia apropriada e num Angulo favor4- vel. Uma experiéncia quase cotidiana nos impde a exigéncia dessa distdncia e desse Angulo de observagao. E a experiéncia de que a arte de narrar est4 em vias de extingfio. Sao cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando rola} Leskov nasceu em 1831 na provincia de Orjol ¢ morreu em 1695, ‘em S, Petersbutgo. Por seus interesses e simpatiae peles eampont idades com Tolstoi, por sua orientapto religicsn, com Dostoivs ‘menos duradouros de sua obra so exatamente aqueles em que assumen uma expresso dogmatic «deutinria — os primres romance, A lo de Leskow estéem suas narrativas, que pertencem 2 ums fase posterior. Desde fim da guerra houve vérias tentaivas de difundir essas narrativas nos paises de lingua alert. Além das pequenas coletancas publicadar pelas editoras Musarion ©

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