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g00CACKG socispade & cuiiupas EREIRE, Paulo, A Educacdo na Cidade, Sio Paulo: Cortez Editora, 1991, 144 p FREIRE, Paulo, Pedagogia da Autonoma Saberes necessdrios a prdtica educativa, $0 Paulo: Paxe Feria, 1997, 165 p. © trabalho de Paulo Freire, enguanto educador, pedagogo ou politica, constituise numa Fonte rica de idefes, de concepedes ¢ de possibilidades de discuss2o para quem 0 12 So 05 resultados de uma vida dedicada & educagio € 2 defesa dos oprimidas, que se foram formalizando nio sb em acgoes, mas também em diversos livros, artigos, comenti- tios, entrevista, ete Se as publicagdes elzbo rades por P Freire, ou construidas com a sua colaboracio, sto em grande niimero. também 6 de refect a riqueza de signficados nos seus textos e dos seus comentirios em diferentes cnirevistas, abordando os temas com paixio ou com amorasidade, como ele prépno defi nia 0 empenho no seu traballio de educados ‘lids, um leitor menos prevenio, ou também ele mais apaixonado, pode perder-se no dis curso do educador progressista, comprome- tudo com a caus de: uma educacio conscten- izadora, ou na ire pelos problemas sociais € econdmicos da actualidade, de um mundo sem élica, como 0 desemprego ou 2 ideologia de opressio (0 discurso poético que caracteriza 0 se teabalho nao oculta 0 significado pottico das suas ideas Pelo contcirio, as suas palavras sio sempre de defesa de quem & marginali- zado ou subordinado, a favor de uma socie- dade mais justa e democritica, onde as prati- cas educativas sao desenvolvidas ne respeito pelos educandas, das seus mundos das suas histérias A peslagogia que defende, baseada ra curiosidade epistemolégica, numa iilosofia hbumanista © na preocupaglo com a vida de quem aprende, tem como fim 2 desoculagio a ideologia repressora e exercicio criativo da liverdade Os dois livros acima referidos sd0 0 resul- tado do seu trabalho e, apesar de dlstintos, io obras que falam de democracia de liber dade, nos sentidos mais abrangentes que estas palavras possam conter, e em particular de aullonomia: de autonomia na construcio de uma escola piblica popular, de autonomia pedagégica e da autonomia dos forman- os/alunos de care rectiar © conhecimento € 25 suas proprias histrias de vida © primeico lio, A Hducapto na Cidade de 1991, divide-se em duas panes intituladas “Eduear para a Liberdade Numa Metropole Contemporinea: e -Reflexdes sobre a Expe- rigncia com Irés Educadores., ¢ € 0 resultado de uma compilagio de eatrevistas concedidas por P Freire a diferentes revistas e jornats, brasileros ou ao, 2 saber, as revistas LEIA, Escola Nova, Tera Nuova, Convergence € Forma, e 20s jornais Psicologia e Jornal do Fundoeste Esta obta contém, também. ovtras tués entrevistas realizadas ao autor por um representanie do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino de Minas Gerais, por Ana Maria Sail (professora da Pontificia Universidade Caislica de Sto Paulo) © por Catlos Alberto Torres (professor da Universidade da Califémnia, Los Angeles), assim como apre- senta 0 discurso de despedida de P Freire da Secretaria Municipal da Educaczo de Sao Paulo, de Maio de 1991. Todas estas entrevis- tas foram realizadas entre Fevereiro de 1989, 2 goUCACAS socrspane & curiuras alguns meses depois de P Freie ter assumido lugar de Secretirio, e Maio de 1991 [Nesta obra, © autor elabora diversas anali- ses ao estado da educaglo na cidade de Si0 Paulo € & sua pritica, enquanto politico. apoiado mum projecto de mudanga ¢ de democratizacio da escola Nas suas reflexbes, P Freite parte da carcterizagio da insitaigao escolar, tendo por base de andlise a escola nos finais di década de oitenta Refere os aspectos positivos da insttwigo, nomeada- mente a integracio vertical € horizontal das contetidos e 2 co-educacio que acontece entre todas as pessoas envolvidas no processo educative, mas sobretudo menciona as carén- cias quantitaivas © qualitativas da edueagio brasileira, como a insuficiéncia de escolas que impede uma resposa correspondente 2 ces- cente procura cle criangas em idade escolar ou a inadequacao do currculo Esas difculdades evar 2 que muitos alunos sejam expulsos da escola por no conseguirem ultrapassé-las, num acto que € vulgarmente entendido como abandono escolar Esta caracterizagio do estado da educa. cdo em Sio Paulo € seguida, 20 longo das diferentes enteevistas, pela consirugio de uma nova escoli, enquanto esfera publica demo- exdlica O autor refere-se 3 necessidade de ‘audar a cara da escola, mudanga esta enten- dda enquanto melhoria objectiva das condi ces materias, pela reconsirugdo de indimeros cedificios e espagos circundantes, pelo apetre- chamento de salas, pelo aumento dos saléios dos professores, assim como pela transforms- ‘¢20 da miquina burocritica, que torna os pro- cessos administrativos © pedagigicas morosas ‘ou desajustados. No entanto, esta mudanga também implica ema distinta compreensto politica da escola Sobre este aspecto, 9 utor relere que (1991.28) -A natureza da prétics education, a sua necessdria divectidade, os objectoas, os sonios que se berseguens na prdi- ica ndo permitem que ela sefa neue, mas politica sempre Baa iso que ex chamo de poll Hetdade da exlucagto, ‘to 6 a qualidade que tem a educagto de ser politica A questo que se-coluca & saber que pottica é essa, a favor de que de quem, contra o qué e contrat quem se realize A orientacao democritica que P Freire imprimiu & sua pottica educativa passou pelo desenvolvimento dos seguintes objectivos aumentar as possibilidades de acesso € de permanéncia dos sectores populares na ‘escola; democratizar 0 poder pedagogico, pet- ‘mitindo que todos os actores (alunos, fencio- nitios, professores, pais. ete) tivessem voz; melhorar a qualidade da exucacdo, pela cria~ 20 de um novo curriculo interdisciplinar & pela formagio permanente dos professores; ¢ eliminar 0 analfabetismo dos jovens e adukos do municipio (id 16 15) A consecucio destas metas dependia fundamentalmente da cons- trugio da autonomia da escola e da autono- mia pedagogica Relaivamente & autonomia da escola, 0 autor defende que 2 administracio ¢ a gesito escolar devern passit pela discussao de todos os assuntos relacionados com a escola € pela promogio da panicipacio de todas as pessoas envolvidas nos processos educativos Participar no significa simplesmente oferecer 4 oportunidade gos pais de cumprirem obriga- des préprias do Estado, como ceparar ecifi cios degradados, mas consiste na discussio, na tomada dz palavra pelas diferentes pessoas envolvidas no processo, ganhando-a na pol 2] EvUCAcay sociepape & curiuras tica educative A promogio da participagio pode, assim, ser fomentada por diferentes estratégias, como a criagio de grupos de dis- cussio entre profissionais, a elaboragio em cada escola de projectos pedagdgicos pré- pries de scordo com os contextos sociais em ‘que esta se inseia, a formagdo permanente de professores, ou a instalae2o dos conselhios de escola, Grgdos criados em anteriores governos mas que nunca foram operacionalizados Jodas estas formas permitem uma gestio negociada da escola eo desenvolvimento de priticas de natureza democritica, em que 0s actores aprendem a lidar com a tensio entre autoridade e liberdade No que conceme a autonomia pedagé- gica, 0 autor defende que & necessitio alterar a compreensio do que é ensinar € do que é aprender As priticas educativas dos formado- res/professores devem promover 4 formacio os sujettos populares enquanto individuos cailicos € conscientes das suas possibilidades e intervir no mundo Nesta concepeo peda- ogica, a escola surge como um centro prod tor de cultura, no qual © corhecimento no seri vansferido pelo professor ¢ consuiido pelo aluno, mas no qual o saber seré eriado € rectiado Registe-se, desta forma, uma vatori zagio do proceso de ensino-aprendizagem fem que se verificam discussbes, reflexdes, & através do qual os actores envolvidos v20 sis tematizando as suas experiéncias, pois a escola ndo se constitui unicamente num expaco fisico (id: 16), mas é sobretudo um local de cago e de acto Relativamente % autonomia pedagdgica, 0 segundo livro que selecciondmos € particular mente elucidativo, uma vez que nos apresenta dliversos aspectos para a compreensio da pri- tica docente, enquanto dimensio social da formagio hurnana e defesa da autonomia dos formandos A obra Pedagogia cla Autouomia Saberes necessdrios & prdtica educativa & constiqlda por u8s capftules, ao longo dos quais P Freire analisa a questo da formacio docente, sem desligar esta discussio da refle- x0 sobre 2 pritica educativo-progressiva na construgio da autonomia de quem aprende (id ib: 19) Nio era ese um tema novo no trabalho do autor, como ele proprio recanhe- cexr nas Primeiras Palavras» Cntrodugio), mas a sua relevincia e actualidade justficaram a ‘oped, pois @ educaclo é algo de inerente #0 ser humano E interessante verificar que os dois primeiros capttulos «Nao hi docéncia sem discéncia: € Ensinar no & trensfesir conhecimeniose, com titulos definidos pela negagio, deconstroem o ensino € 0 aco de ensinar, enquanto que 0 terceifo ume afi magio, -Ensinar é€ uma especificidade hamana., revelando que @ educscio é um acto positivo Este segundo trabalho constitu -se num livro ditigido aos professores, mas também a todos os que directa ou inditecta- ‘mente se relacionam com os processes educa- tivos Embora os temas abordados neste segundo trabalho jf tenham sido referidos no primeiro livro, 4 Kducagito na Gidade, 0 objective de andlise de Pedagogta da Autonoma permite-Ine ic mais longe na dis- cuss da autonomis pedagogica Nestz publicagio sio abordados trés, aspectos relevantes sobre as priticas docen- tes: a relacao dos professores com 08 conte dos, um tema jé abordado no anterior livro analisado, a relagio dos professores com os alunos e 2 relaglo dos professores com a sta prépria pritica profissional Relativamente a0 : gpUchcay socispape & curturas ‘currculo, P Freire retomna a reflexo realizada 1 primeizo live sobre a dimensio potica € ideologica da educagao, entendida enquanto estratégia de intervengio no mundo. Neste sentido, a igacio entre 0 que é ensinado, os conteiides ¢ 0 mundo de quem aprende tem que exist, de forma a que 0 curriculo ganhe significado paca os alunos A dimensio ideo- \gica da educagio deve ser desoculada pelo ensino, na investiggio © na curiosidade de conhecer a razio de ser das coisas ‘A celagio dos professores com os alunos, € com outras pessoas envolvidas nos proces 0s educativos, € outra aspecto considerado neste livio Destaca-se a defesa de uma ati tude de respeito pelos saberes dos educan: dos, pela rjcigdo de qualquer forma de dls- criminaglo e pela promogio da autonomia Registam-se aqué concepcdes complementa- res de autoridade ¢ de fiberdade, vulgar- mente entendiéas como acepgdes contradité- rias, na medida em que, tal como @ autor refere (1997: 104), «a autoridade coevente- mente democratica, fundando-se na certeza da impoudueta, quer de st mesma, quer da Iiberdade dos educandos para a constugéo de um clinia de real diseiplta, jamais mini rniza a lherdade Pelo contiirto, aposta neta Empenha-se om desaftécla sempre e sempre, jamais v8 na rebeldia da berdade win sinal de deierioragio da onder A autoridade coe- rentemente democitica est conicta de que 4 disciplta verdadetra 1do existe na estag- agdo, wo siléucto dos sHlenctadas, raas ito alsarogo dos inquietos, na diiotda que tnstiga, na esperanga que desperta Desta forma, a liberdade assume una dimensio ética, de direitos © de deveres: de possibilidades e de limites. Mas € sobretudo, no momento em que 0 sujeito toma umta decisto consciente & responsivel. se autonomiza, que a liberdade se objectiva Assim, a escolha livee na educse cao consiste na capacidade que os educandes desenvolvem quando apreendem 0 conheci mento € the dio significado de acordo com as suas historias de vide, pois, tal como tefere ‘0 autor, { ) somos as ticas em que apren- der é uma aventura criadora, algo, por isso siesnio, mutio mats rico do que repatt a tiga dada Aprender pac 6s & construtt, recon trutr,constatar para mular, 0 que nda se faz Sem abertura ao risco @ & aventura do esptitto (id 1b: 7) Um outro aspecto ainda abordado neste livro e relevante para a actividade docente prende-se com 2 formacio permanente de professores Esta é entendida com uma Gimens2o que nto pode ser esquecida nas polticas educativas de qualquer governo que pretenda mudar 4 escola, mas constitui-se também numa consequéncia daquilo que P Freite define como sendo educagzo: uma pré- tica de reflexdo critica quotidiana Esta and: lise, realizada nas duas obras, casacteriza-se por uma aparente confusio na utilizagao de palavras como professor, formador & educt- dor, ou afuno, formando e educando No fentanto, 0 autor recorte a todas estas pulavras nas suas discussdes, nao Ihes atribuindo ‘outros significados que néo sejam os sentidas de uma educacio progressista (O tema da telagio entre a teoria € a prée tica, entre © discurso educativo € a aco coe- rerte do professor & um assunto em discwssio no segundo livro © autor abordla esta rela- (20, panindlo do pressuposto que conhecer, enquanto acto compreensivo, & uma tarefa que pode ser desenvolvide pelas pessoas, er¥cAgay socizpape & cursuras quer sejam elas professoras, formadoras ou alunas, formandas A reflexio sobre os mun- dos e 0s quotidiancs, realizada por quem esina e por quem aprende, pesmite-nos pen- sor na formacio enguanto momento no qual se verifica uma relagga hermenéutica do sujeito com 0 saber (por oposigio a uma zela- io epistemolégica) Nesta concepcdo, 0 conhvecimento € entendido como algo de pro- ximo e de familiar, que comuniica com guea ‘aprende, tornando-se 6 formando agente de contemplagio, mas sobretudo de transfonna- io do mundo Neste contento, pensar a prisica, indagar em tomno do que se faz e porque se faz fundamental Esta tarefa tem como objectivo 2 compreensto da acgio, para poder melhorisla Nesta procura, a teoris, entendida enguanto a articulacio {6gica de conceitos que nos dio a razio de ser das coisas, é necessitia, porque, a0 reflect sobre © que s¢ faz, pode-se melhofar 2 pritica Sao, a te0- tia © a pritica, duss realidades contradit6rias mas complementares, pois a pritica de pen- sat a toria desprovide de sério ¢ bem fun- dado instrumental te6rico, poderse-ia con verter num jogo estérl e enfadonho Freire, 1991: 108) A tarefa de pensar a prética implica 2 sua progcamaglo e avaliasite, com vista a um maior rigor na apropsiagzo dos bjectos, da realidade sobre a qual se age © conhecimento que daqui decorre ¢ mais ert tico e através dele procura-se superar 0 puro saber da experiencia feto Ese acto de des- vendar a pritica, de verificaglo éo rigor com aque se actua, de svaliago do que se encon- tra, € uma tarefa tedrica ou de pritica tedrica Cid th: 108) Na formacio de professores, pela qual se pretende que estes sejam mais reflexivos © et ticos, esta relago entre a teoria e a pritica é um aspecio determinante A fonmacio consti tué-se rum momento durante © qual sto trans- mitidos eonteidos, discutidas ideias e formas de imervengao pedagégica Format é uma tarefa que vise estimular x divide, a critica, a curiosifade, a pergunta, © gosto do risco, 2 aventura de crac (id ib: 54) Pretende-se que 4 formagio permita aos formandos fazer eseo- has e compreender a dimensio politica das suas opcdes Neste sentido, formar, tal como ensinar, nao se limita 2 uma acco de repro- dugio de conhecimentas Consiste numa ci tica da realidade, numa reflexio que conduza 2 desocultagao e 2 deconsugzo des proble- mas que quem ensina e quem aprende encontram ‘A focmagio, entendida enquanto estraté= ‘gia que permita ler © compreender 0 mundo, é também um momento de reflexto sobre 2 pritica de quem forma E um trabalho de accio-reflexdo-aceo, permanente, portanto, pelo qual o professor interpreta as sues prt cas, avaliando as dimensdes dos seus actos Esa tarefa envolve a explicaglo e anilise do uotidiano das professores, dos seus proble- ras, de aspectos relacionados com as suas acgoes, «, em particular, do modo como os alunos se apropriam do conhecimento O que se aprende ¢ como se aprende depende do que é ensinado e de como se ensina, mas também € deierminado pelas visdes do soundo do formando e da sua bistria Neste sentido, € importante estabelecer uma neces- sitia«intimidade- entre 08 saberes curriculares ea experiéncia social gue os formanclos tem com individuos (Frere, 1997: 34), de forma a respeitar os que aprendem # nao tomar a for eDUCACay socizpape & cuirunas magio-aum espago de ideologizacio ¢ buro- catizagio da mente Paulo Freite insurge-se assim contra as perspectivas neoliberais, nas quais a formagao ‘s€ encontra associada a treino técnico, como processo de melhorar 2 qualidade dos produ- os produridas ou dos servicos prestados De acordo com estas concepcdes, defendese 2 adaptacao dos formandos as constantes mudangas tecnol6gicas, econdmicas ¢ sociais que caracterizam as sociedades contempora- reas Neste contexto, fortiar signitica tansmni- tir determinados contetidos, tendo em vista lum desempenbo eficiente e eficaz das compe- téncias técnicas Dada a natureza do ensino, as estratégias de formagio s¥o autoritiias, plas quals 0 formador transfere conbwecmen: tos Ao formando cabe-the a tatefa de repro- duzir os saberes @ aceitar a sua condigio de inadaptado e de analfabeto funcional Esta pritica reduz 0 acto de formagio a uma domesticacio alienante (fd ib: 128), asso-

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