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Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Tardif, Maurice © trabalho docente : elementos para uma teoria da docéncia como profissio de interagées humanas / Maurice Tardif, Claude Lessard ; traducao de Jozo Batista Kreuch. 5. ed. ~Petrdpolis, RJ : Vozes, 2009. ISBN 978-85-326-3165-7 ‘Titulo original: Le travail des enseignants 1. Ensino — Trabalho em grupo 2. Interagio em educagio 3. Pritica de ensino ~ Canadé ~ Québec 4. Professores ~ Trabalho ~Canadé — Québec 5. Sistemas de ensino ~ Canadi ~ Québec I, Lessard, Claude, 1. Titulo 05-2820 cpp-37 es para catilogo sist le docente e pedagogia : Educagio 371.1 Pritica docente Cignelas pedagégicas : Educagio 371.1 Maurice Tardif Claude Lessard 0 trabalho docente Elementos para uma teoria da docéncia como profissio de interagdes humanas ‘Tradugio de Joo Batista Kreuch y EDITORA VOZES Petropolis, 2 tabaio dosent docentes fazzm com os diversos objetivos eas conseqiléncias de suas opgbes ¢ decisdes sobre sua propria atividade a. E nesse espirito que propo- mos a nogio de “trabalho curricular”, para compreender os processos de in- (expretagio, transformagio e adaptagio com os quais os docentes realizam seu mandato de trabalho. Depois de situar os quadiros organizacionais da docéncia no ambiente es- colar e de evidenciar a dinémica interna de seus objetivos, passamos, entio, a abordar seu objeto de trabalho, que nos parece essencialmente formado por relagdes interativas que unem os professores aos alunos. O capitulo 7 trata das representagdes ¢ das expectativas dos professores com relaga0 aos alunos, € apresenta as dinimicas interacionais € comunicacionais cotidianas entre sm lasse. Esse capitulo se prope a visuali- ‘questdes relacionadas aos resultados ou produtos da agao docente, suas tec nologias. Por meio de tais desenvolvimentos, pretendemos apresentar de que modo as interagdes humanas que constituem o trabalho docente mar- ‘cam profundamente todos os outros componentes do processo de trabalho, tendo efeitos sobre o préprio trabalhador e modificando profundamente 0 cconjunto das suas relagdes, suas ages e sua identidade profissional Em suma, esta obra propde uma visio panorimica do trabalho dos pro- fessores hoje, mas mutrida e, esperamos, enriquecida ¢ matizada pela pesqui- sa de campo nas escolas, nas classes e junto aos profissionais da docéncia a ‘quem demos a palavra para que nos dissessem com suas proprias palavras {que eles fazer, vivem, pensam e sentem. Ao mesmo tempo, a obra quer co- locar em evidéncia as condigSes, as tensdes € os dilemas que fazem parte des: mo a vivéncia das pessoas que o realizam diariamente, Escrevemos este livro com a esperanca nio sé de dara conhecer melhor a realidade do trabalho dos professores, mas também de demonstrar a importéncia de se analisi-lo para compreender ‘mente nossas sociedades, onde o ser humano se assume mais ¢ ms mo como objeto de ago e projeto de transformacao, Oo trabalho docente hoje: elementos para um quadro de anilise [esse primeiro capitulo, apresentamos esclarecimentos sobre nosso cam- po de investigacio e nosso quadro de anilise e interpretagio. Antes de mais nada, gostarfamos de definir o interesse desta obra 1.1. Por que estudar a docéncia como um trabalho? Com efeito, por que abordar 0 ensino em ambiente escolar a partir do angulo analitico do trabalho? Em que essa perspectiva contribui, de algum ‘modo, para aclarar a natureza da docéncia? Cinco espécies de motivos situa dos em diferentes niveis de andlise fundamentam nossa abordagem da do- céncia como um trabalho interativo, Iremos exp6-los longamente, visto que fa perspectiva que preconizamos nio atraiu, até agora, a atengao dos pesqui- sadores. E mecessério, portanto, justificar e mostrar sua pertinéncia e sua ne- cessidade. Num primeiro momento, deixaremos claro o status crescente que os offcios eas profissdes humanas interativas vm adquirindo na organizasio socioecondmica do trabalho; num segundo momento, situaremos a docén- ‘cia nessa organiza¢io; num terceiro, vamos discutir modelos de trabalho do- cente impostos pela organizacio industrial; num quarto momento, diremos Slgumas palavras sobre a necessidade de vincular a questio da profissionali- Zacio do ensino com a da anilise do trabalho docente; ¢ enfim, num quinto momento, sero destacados os postulados que justificam nossa abordagem © a importancia que damos 3 interacio humana na andlise da docéneia 1.1.1. Panorama do trabalho interativo e reflexivo Aimportincia do trabalho sobre a matéra inerte (matérias-primas, pro- dutos derivados, artefatos técnicos, utensilios, miquinas, dispositivos mate is, vegetais, et) & considerdvel,jé que cle festé na base das sociedades industrais modernas, Nessas sociedades, até um 15 OQ trabalno dogente ¢, 0 trabalho material foi considerado o arquétipo do tra- balho humano e, mais amplamente, da atividade humana, definida de acordo com as orientagées tedricas, como prixis ou atividade produtiva. Tanto os ‘marxistas como os funcionalistas ¢ os liberais, passando pelos psicélogos ¢ os engenheiros do trabalho e os ergénomos, tiraram os modelos teéricos do tra- largamente da esfera das atividades humanas sobre a matéria e sobre os artefitos técnicos. Seguindo o movimento comunista ¢ as abordagens criticas, (Escola de Frankfurt, neomarxismo, etc.), a sociologia do trabalho tentou defi- nira identidade e a a¢i0 dos atores sociais pelo satus de que gozavam no siste- ‘ma produtivo de bens materiais, esse mesmo caracterizado por critérios como a modemnizagao, a divisio do trabalho, a especializacio, a racionalizagio, ete. Era, portanto, o fato de estar envolvido por relagoes sociais de produgio que definia o trabalhador e, mais que isso, o cidadio. Essas relagies sociais de pro- dugio, por sua vez, eram vistas como o coracio mesmo da sociedade, € 0 tra- balho produtivo, como o setor social mais essencial, aquele pelo qual se garan- tiam 20 mesmo tempo a produso econdmica da sociedade € seu desenvolvi- mento material. Na verdade, é ainda a mesma visio que esti por tris, hoje, das Ideologias desenvolvimentistas e neoliberalistas ppassado muito rect sses modelos clissicos de trabalho procedem substancialmente de cinco postulados (de Coster & Pi 998; Touraine, 1998): rabalho industrial produtor de bens maieriais € 0 paradigma do tra- + esse paradigma estende sua hegemonia tedrica e pritica is demais ativi- dades humanas, * os agentes sociais se definem por suas posig6es no sistema produtivo; + as posiges centrais sio ocupadas pelos detentores (capitalistas) e os produtores (operérios) de riquezas materiais: + enfim, o sistema produtivo € 0 coragao da sociedade e das relagSes sociais. [Esses postulados nao refletem apenas as idéias dos teéricos, de socidlo- gos ou de econ a5, mas estdo de acordo com a ideologia dominante na sociedade industrial e com seu ethos, como 0 analisou, por exemplo, Weber rite d capitalismo (1967). Esse ebes remete a uma moral fi 8, p. 58) assim res tear seu justo lugar na sociedade, passa pela assungio de ‘uma fungio e papéis preciss figadas ao tabalho, Qual 60 lugar da docéncia e qual o significado do trabalho dos professo- res em relagio a esses postulados e ao ethos que eles impdem? Fundamental ‘mente, 0 ensino é visto como uma ocupacdo secundéria ou periférica em re- lagio ao trabalho material e produtivo. A docéncia e seus agentes ficam nisso subordinados a esfera da produgio, porque sua missio primeira é preparar ‘os filhos dos trabalhadores para o mercado de trabalho. O tempo de aprender zndo tem valor por si mesmo; é simplesmente uma preparagio para a "verda- deira vida", ou sea, o trabalho produtivo, 20 paso que, comparativamente, ‘a escolarizagao 6 dispendiosa, improdutiva ou, quando muito, reprodutiva. [Em grande parte, a sociologia da educacio, adotando, nesse ponto, as ideclo- gias sociais, interiorizou essas representagSes e trouxe essas categorias para dentro do campo da anilise do ensino. Desse modo, os agentes escolares tém sido vistos como trabalhadores improdutivos (Braverman, 1976; Harvis, 1982), seja como agentes de reprodugio da forga de trabalho necesséria & tengo ¢ a0 desenvolvimento do capitalismo (Bowles & Gintis, 1977), s como agentes de reprodugio sociocultural (Bourdieu & Passeron, 1970). mais ou menos no mesmo sentido ~ ou seja, enquanto agentes de uma ins- igo repressiva que gera problemas sociais ¢ reforga as desigualdades na .e do sistema socioecondmico — que tém sido tratados outros agentes de servigos pablicos, tais como os funcionérios da justica e do sistema carcers- rio, do servico social, da satide, ete. Contudo, esta visio do trabalho nio corresponde bem 3 realidade soc econdmica das sociedades modernas avangadas'. A primeira tese que preten- demos defender € a seguinte: loge de ser uma ocupasosecndria ou prifrca em rla~ sia hegemonia do uma das chavs para compre ‘xsi das transfommagies auais das scidades do trabalho, Esta tese se apéia em quatro constatagbes: 1.4 expressio “sociedades modemnas avancadas”, emprestada do soctélogo britinico Anthony Giddens (1987; 1996), indica que nés ainda estamos na faseda modemidade € Zo auma pos-modemidade (Lyotard, 1976) vilida somente para alguns fendmenos tados a uns poucos setores das sociedades modemnas avangadas. 17 © trabaine docente. Primeira constatagZo: desde cerca de cingjienta anos, a categoria dos tra- balhadores produtores de bens materiais esté em queda livre em todas as so- ciedades modemas avangadas. Hla nio forma mais o protétipo nem mesmo da classe assalariada, laboriosa, e, acima de tudo, no constitui mais o princi- pal vetor da produgio e da transformagio dessas sociedades. A evolugio da economia americana, 20 mesmo tempo a mais poderosa do planeta ¢ aquela sobre a qual se delineiam as outras economias, é particularmente esclarece- dora a esse respeito, Os trabalhadores produtores de bens materiais forma- ‘vam, em 1900 nos Estados Unidos, o segundo grupo em importincia, de- pois dos colonos (Ritzer & Walcrak, 1986). Em 1930, apés o declinio das, quintas e da industializago, esse grupo tornou-se 0 primeiro, embora 0 cres- ‘cimento da érea burocritica jé esté provocando uma verdadeira onda de co- larinhos-brancos que chegam na segunda posicio. Desde 1956, os colari- ahos-brancos ultrapassam 0s operirios da indistria, ¢ essa superioridade s6 faz confirmar-se. Desde 1940, os trabalhadores produtores de bens materiais estio em queda livre (1940: 51,4%; 1972: 35,8%; 1980: 32%; 1990: 27%), a0 passo que os trabalhadores da érea dos servigos crescem sem parar (1972: 64,2%; 1980: 68%). Em suma, segundo a tese clissica de Bell (1973), are- vvolugao dos servigos suplantou a revolugdo industrial. Os mesmos fendme- nos se encontram no Canadé (Gera &Massé, 1996) ¢ também na Europa (Co- missio Européia, 1995). Segunda constatasio: na sociedade dos servicos, grupos de profissio- nais, cientistas e técnicos ocupam progressivamente posig6es importantes € até dominantes em relacio aos produtores de bens materiais. Esses grupos riam e controlam 0 conhecimento teérico, técnico e pritico necessirio as decisdes, as inovagSes, ao planejamento das mudangas sociais e & gestio do ico. Hssa importancia dada 20 conhecimen- numa sociedade da informacio ou do conhecimento, mais do que numa so- ciedade dos servigos orientados para produtos materials, Segundo esses auto- res, mais e mais ocupag6es socialmente importantes estio sendo agora en- volvidas na gestio, distribuigio e na criagio de conhecimentos. Essas novas ocupagées sio centradas em processos de producio, gestio, manipulacio armazenamento dos conhecimentos. Flas prefiguram a emergéncia de uma nova economia, cujos efeitos estruturais comegamos a sentir sobre os empre- ‘90s, jd fragilizados na medida em que se distanciam das novas atividades de a economia, estaria surgindo 30 Buropéia, 1995), 0queos anglo-saxGes chamam “the Knowledge Society’ 18 1.0 trabalho docente hoje: elementos para um quadro de anatise ‘Terceira constatagdo: essas novas atividades trabalhistas estio relaciona- das historicamente is profiss6es e aos profissionais que sio representantes ti- picos dos novos grupos de especialistas na gestio dos problemas econémicos €e sociais com auuxilio de conhecimentos fornecidos pelas ciéncias naturals € sociais, O niimero de profiss6es quadruplicou entre 1900 ¢ 1982, ehoje per- tencem a elas cerca de 23 milhées de trabalhadores nos Estados Unidos, que é um efetivo mais numeroso do que 0 dos produtores de bens materials. (0 crescimento das profissées e também das semiprofissbes (Etzioni, 1979) esti claramente ligado, em diversos setores econdmicos ¢ sociais, 20 impo- nente crescimento dos conhecimentos formais, das informagSes abstratas ¢ das tecnologias, que exigem uma formagio longa e de alto nivel. No mesmo sentido, o crescimento das atividades burocraticas é igualmente muito im- portante, pois se trata da categoria mais imponente de empregados: em 1970, contavam-se nos Estados Unidos 13 milhdes, em 1982, 18,4 milhées, eem 1995, perto de 24 milhies. (ra, essas atividades burocriticas também dispensam, freqiientemente, servigos de especialistas integrados a uma nova divisio do trabalho. Hles tra~ balham em fungio de uma racionalidade instrumental e planificada, orienta- da para 0 sucesso € a coordenagio eficaz, dos meios ¢ dos fins. Um trabalho assim supe, portanto, implicitamente, uma integracio de conhecimentos formais na esfera da gestio social: utlizacio da estatistica e de varios instru~ mentos de medida, teorias dos comportamentos, das organizagdes, an pesquisas freqiientes, etc. Em grande parte, os debates atuais sobre a profis- sionalizagdo do erisino devem ser relacionados a essas orientagées gerais na cevolugio das profissées e das atividades burocriticas “racionais” Enfim, quarta constatagio: entre as transformagbes em curso, parece es- sencial observar 0 crescente status de que gozam, na organizacio socioccond- ‘ica, nas sociedades modernas avangadas, os oficios e profissées que tém se- res humanos como “objeto de trabalho”. Estas ocupagSes se referem a0 que chamamos aqui de trabalho interotivo, cuja caracteristica essencial é colocar em relagio, no quadro de uma organizacio (escola, hospitais, servigos socials, prisbes, etc.), um trabalhador e um ser humano que se utiliza de seus servi- os (Maheur & Bien-Aimé, 1996). Os offcios e profissées que lidam com o outro, com certeza nem sempre tém contornos bem delimitados. Por exemplo, em alguns setores dos servi- ‘90s (vendas, seguradoras, indiistrias de restauragdo, etc.) as interagdes entre os trabalhadores e seus clientes sio nominais e epis6dicas; elas sio igualmen- te mediatizadas por produtos. Em todo caso, em diversas outras ocupagdes socialmente centrais (educagio, servigos terapéuticos, psicolégicos ¢ médi 19 Q trabalho docente: servigo aos clientes: consultores, advogados, balhadores e as pessoas constituem 0 processo consiste em manter, mudar ou melhorar a situa¢o humana das lusive as pessoas elas préprias, como é 0 caso, por exemy Todas essas ocupages tf a implicincia de fortes mediagdes e simbélicas entre os atores, bem como, da parte dos trabalhadores, de com peténcias reflexivas de alto nivel e de capacidades profissionais para gerir melhor a contingéncia das interagdes humanas na medida em que vao se rea- lizando. f por isso que essas ocupagdes normalmente exigem trabalhadores que tenham qualificagdes elevadas € possuam conhecimentos abstratos (ge- ralmente de navureza universitiia): teorasterapéutias, psicol6gicas, socio logicas, diagndsticos, estatisticas, sistemas de classificacio de pessoas (cate- gorizacao, anotagées, etc.), concepedes pedagégicas, argumentos juridicos, legals, etc. Seus trabalhos cotidianos baseiam-se em conceitos complexos (necessidade, personalidade, desenvolvimento, projeto de vida, orientasio, insergio, aprendizagem, desenv que traduzem a complexidade das préprias preci- sam assumir junto as pessoas. Ora, o trabalho interativo parece um dos principais vetores de transfor~ ‘ma¢io atuais da organizagio socioeconmica das sociedades modernas a sadas. Com efeito, observa-se af uma demanda social maior dada a pres por parte de profissionais compefentes, de servigos mais e mais especializa- cee os ne fees ee 1édicos mais variados, ¢ também os servigos psiqulitricos e pstepl6gicos, legais e juridicos, sem falar da multiplicagio fenomenal dos servigos basea~ dos nrelasfo de sud com o objetivo desatfizero “eid dea de que sult (1984): sexdlogos, gerontélogos, t ‘ , gerontélogos, terapeutas sem fim, espe- cialistas da organizagio do lazer ou de satide, de crescimento pessoal, acu- ra, Massagem, orientagio vocacional, etc. Em suma, essas constatages e os fendmenos que elas indicam mostram que as anilises classicas baseadas sobre o paradigma hegeménico do trabalho 5 de inspiragio marxista, fi poncem bem 4s transformagSes em curso nos tiltimos a em cuitso nos éitimos cingitenta anos. Além disso, tudo leva a crer que essas transformacdes estio longe de concluir-se, 20 1.0 trabalho docente hoje: elementos para umm quadro de anaise ‘considerando-se as tendéncias atuais, caracterizadas pela globalizagio das eco- rnomias, dos intercimbios e das comunicaOes € pela desestruturagso/reestru- turagio das priticas e das formas do trabalho. 1.1.2. Centralidade da docéncia na organizagao do trabalho Qual 0 lugar da docéncia entre essas transformagées? Lembremo-nos a docéncia é uma das mais antigas ocupagdes modernas, to antiga quan- medicina ¢ 0 direito. Ora, quando a situamos dentro da organizagio so- cioeconémica do trabalho, ela representa atualmente um setor nevrilgico sob todos os pontos de vista. Damos algumas indicagoes de seu alcance. ‘AUnesco (1998) aponta que existem cerca de 60 milhGes de professores no mundo trabalhando em condigées muito diferentes segundo os paises © as culturas. Tomando pot base a OCDE: jto dos indicadores da educa- ‘gio (1996; 2002), nota-se que, no dos paises da OCDE, os agentes scolares que trabalham com 0 ensino primério ¢ secundirio representam fem média 5,5% de toda a populagio ativa. Esses paises destinam em. 14% de seu PIB ao ensino primirio e secundirio 8,3% de seus gastos P cos para essas mesmas categorias de ensino (mas cerca de 14% na América do Notte e 10% para a Unido Buropéia). Bsses paises dispensam em média anu- almente US$ 3.320,00 por aluno do primndrio ¢ USS 4.730,00 por aluno do ‘secundirio, Mais de 80% da soma investida no primétio e no secundério des- tinam-se 4 remuneragio dos fancionarios escolares, ¢ trés quartos desse i- nanclamento vio para os professores. ‘Nos estados, contam-se, atualmente, cerca de 45 milhdes de alunos na es- cola priméria e secundéria, Aproximadamente 2,$ milhOes de professores (ra- cesses altunos, sem falar do pessoal de apoio e dos funcionérios ad~ ‘ministrativos. Em 1993, as despesas eram de 5.3 14,00 délares americanos por aluno, ou seja, cerca Jes de délares para todos os alunos. Os custos totais da educagio subiram para 43 bilhdes de délares americanos (Choy eal, Johnson & Fowler, 1994). Segundo a Statistique Canada (2001), cerca '00 funcionsrios escolares atuam na escola priméria e secundaria cana~ ito a $.400.000 alunos. No Canada, as despesas destinadas 20 ensino primivio e secundério correspondem a 8,3% das despesis piblicas. Em 1995, hho Quebec, as despesas totais relativas 4 educasio eram de 14,5 bilhbes de d6~ lates, o que representa 8,3% do Produto Interno Bruto (PIB). © primério € 0 secundirio representavam 63,4% dos custos de funcionamento total Na Franca, segundo dados do Insee e da DEP, havia mais de 15 ge alunos no fim dos anos 1990. O custo interno da educagéo equivalia a 24 trabalho docente 578 bilhdes de francos, ou seja, 7,4% do PIB. O custo médio por aluno mul- tiplicou-se por 1,6 em 20 anos. O sistema de ensino emprega 6% da popula~ fo ativa, mais de um milhio e ineio de pessoas, ¢ 78% delas sio empregadas pelo Ministério da Educasio nacional. Desde 1985, o efetivo do pessoal do sistema educacional aumentou 11,5% contra 4,9% do conjunto da popula- Gio ativa, Na Franga, como em boa parte dos paises da OCDE, as outras fun- {ges do ensino ocupam mais de um tergo dos ativos do sistema educacional e quase 50% nos Estados Unidos. Elassio realizadas por classes de agentes bas- tante diversas: chefes de estabelecimentos; conselheiros-chefes de educa- logos, arquivistas, inspetores e principalmente pes- 8, opersrios, servigos gerais e de satide, Somando-se o pessoal escolar ¢ os alunos é mais de um quarto da populagofran- «ea que et vnculad de uma maneiea ou dé outta no sistema elucacional. Os dados sao se- melhantes em outros paises da OCDE. No Brasil, segundo os iltimos dados do Ministério da Educagio e Cultura (MEC, 2003) e do Instituto Nacional de Estudos Pedag6gicos (Inep, 2003), cexistem perto de 2,5 milhdes de professores atuando nas escolas secundatias das redes puiblica ¢ privada. Cerca de 250.000 entre eles at no nfvel pré-escolar; 41.000 trabalham nas classes de alfabetizacio (1*série); 1.600.000 nas escolas primarias (5 8" séries) e 450.000 no ensino médio; por fim, 43.000 atuam no setor da educagio especial. Ao mesmo tempo, & preciso considerar que uma grande parte dos professores tém mais de um emprego e precisam cumprir dois ou trés contratos semanalmente para rece- ber um salirio decente. Hi aproximadamente $3 milhdes de alunos na escola primaria e secundétia e os investimentos em educagio representam 5,2% do PIB brasileiro (MEC/Inep, 1997-1998). im média, as despesas anuais com educagio ficam em 225 délares americanos por aluno. Bstas poueas indicagdes deinonstram o lugar central dos a res na organizagio socioeconémica do trabalho em alguns dos paises europeus ¢ norte-americanos como também no Brasil. A praticamente a mesma nos outros paises da OCDE. Longe de ser grupos economicamente marginais, profissdes periféricas ou secundarias em re- lacdo & economia da produgio material, os agentes escolares constituem, port fanto por causa de seu niimero como de sua fungi0, uma das principais pegas da economia das sociedades modernas avangadas. Nes- sas sociedades, a educacio representa, com os sistemas de satide, a princi- pal carga orcamentéria dos estados nacionais. Portanto, no se pode enten- der nada das transformagées socioeconémicas atuais sem considerar direta- mente esses fendmenos 22 4.0 trabatho docente hoje: elementos para um quadro de analise. Dito isto, 6 evidente que o impacto do ensino sobre a sociedade nio se i- ita a varidveis econémicas, na medida em que a escolarizacio esti mais do {que nunea no corasio do procesto de renovagio das fungSes sociosécnicas, Jomo também da distribuicio e a partilha dos conhecimentos e competéncias atre os membros da sociedade. A importincia econ6mica do ensino caminha 4 par de sua centalidade politica ¢ cultural. Com efeito, 0 énsino no contexto sceolar representa hi quasetrés séculos o modo dominante de socializagioe de formagio nas sociedades modernas. A partir dos séculos XVI ¢ XVI, juntamen- tecom a emergéncia de novas formas de poder do estado, com a industrializa- {Go c a urbanizagao, o ensino em ambiente escolar se impBe pouco a pouco somo uma nova pritica social insttucionalizada que iri substituir progressiva- mente as outras formas de socializagio e de educagio (tradicionais, familiares, locais, comunitirias, informais, etc.). Ora, longe de se desfazer com o tempo, constata-se que esse modo de sotializagao e formagio, que chamamos de ensi- tno escolar, no pira de expandir-se, ultrapassando em muito a instituigfo que Ihe serve historicamente de supose, ot sea 2 escola. Na val hoje os setores socials (familias, corporagbes ¢ profissdes, indiist t i quedo se conte moos desocaliasio edeformasto Gque reproduzem as formas e conteiidos da escolarizaglo: aprendizagem por objetivos, abordagens por competéncia, etc. cla pass sme be ints eta te os posts cntrgiea escola no Gnada mas que uma imensa conch vrs. Mas est it~ alr iio, ds formar ries ee tutaran 29 do trabalho ds professors sobre ecom os ricamente, a edificario ea insti- ybalho, a docéneia escolar no seio da (Go anteriores serio ou remodela- teroges nfo acontecem de qualquer forma: ao co ambito do proceso de uabaho escolar, principal duos. Em suma, a escolarizacio supée tucinaliasio de um novo campo d sual os modos de socializagio de a ee a te dep prios do trabalho dos professores na escola. Neste sentido, seas interagdes pocidianas entre os professores e os alunos constituem bem o fundamento dlas elagSes socials na escola, essas relacdes sio, antes de tudo, relagoes de trabelho, quer dizer, relagSes entre trabalbadores e seu “objeto de trabalho inuo neligncado. A es- m0 CG, ta dnc nil cio um eo Ja, enquanto organizagio do trabalho, normaln : Se aac mplieta ou parcal para a diseussio do currculo, das disci a on das estratégias pedagdgicas. Fm nossa opiniao, o perigo 4 pesquisa sobre a docéncia e, mais amplamente, toda a pesquisa so- bre ecucasio, € perigo da abstragio: elas se fuandamentam as mals das veves sobre abstragSes--a pedagogia, a didatica, a tecnologia do ensino, o conheci- 23 . serve apenas Q trabalho docents | mento, a cogni¢Zo, a aprendizagem, etc. ~ sem levar em consideragio fend- menos como o tempo de trabalho dos professores, 0 dificuldades e suas diferengas, a mat a.a cobrir e sua natureza, os recursos disponiveis, as dificuldades presentes, a relago com os colegas de trabalho, com 0s eépecialistas, os conhecimentos dos agentes escolares, 0 controle da administragio, a burocracia, a divisio e a especializagio do trabalho, et. No fundo, o que freqi sa0, équea repousa femente se esquece ou negligencia na educa- la, da mesma forma que a indiistria ou o sistema hospitalar, ncia sobre o trabalho realizad liversos gru- pos de agentes. Para que essa organizagio exista e perdure é preciso que esses, agentes, servindo-se de diversos conhecimentos profissionais ¢ apoiando-se em alguns recursos materiais ¢ simblicos, cumpram tarefas especificas, tea- 5 cos. portant, imperativo do trabalho dos professes lizadas em fangio de obrigagées e objetivos espe: aque. estudo da docncia se site no contexto mais maplo da rcis amplamente, do taba escolar. 1.1.3. Organizagio do trabalho escolar e organizasio industrial e do Estado Esse Imperativo € tanto mais importante por ser, 2 escola, ligada histori- camente ao progresso da sociedade industrial e dos Estados modernos: ela é ‘uma instituicao tipica das sociedades do trabalho. Historicamente falando, a organizacio da escola tem sido concebida, tanto nas suas formas quanto no contetido, estritamente relacionada aos modelos organizacionais do trabalho produtivo ¢ & regulamentacZo dos comportamentos e atitudes que susten- tam a racionaliza¢io das sociedades modernas pelo Estado, Dessa forma, ela Estados-Nages 980; 1994). De {tulos seguintes, a escola moderna reproduz no plano ferna um grande mimero de caracteristicas tiradas do mundo usineiro e militar do Estado. Bla trata uma grande massa de indi duos de acordo com padrées uniformes por um longo periodo de tempo, para reproduzir resultados semelhantes. Ela submete esses individuos (pro- fessores ¢ alunos) 2 regras impessoais, gerais, abstratas fixadas por leis e re- gulamentos. Ela estabelece um sistema de vigilancia, de punigdes e recom- pensas que nao s suas formas e modos: (Compre, 1997; Fo fato, veremos nos de sua organizagio ‘mas também a ‘tudes e posturas corporais, modos de se expri- mir, de sentar-se, etc. Dentro da escola, o trabalho escolar —ou seja, 0 con- junto de tarefas cumpridas pelos agentes escolares, inclusive os alunos ~é, ele proprio, padronizado, dividido, planificado e controlado. Os professores 24 1. O trabalho docente hoje: elementos para, um quaco de anSise cencontram-se integrados a uma estrutura celular do trabalho (Lortie, 1975) Sobre a qual se sobrepoe uma burocracia impositiva (Johnson, 1990). ‘Alaan disso, como o analisamn Darling-Hammond & Scan (1996) e Har- greaves (1994), a evoluglo do ensino é principalmente caracerizads, sobre- edo no Canad, nos Tstados Unidos, no Brasil ena Gré-Bretanha, pela tntro~ ‘Guedo de contrles burocriticos na gestéo do trabalho docente. Os responsi- ‘Jans eocolares adotarn uma atitude prescritiva quanto as tarefas € aos conteli- “Tos ecnolares; intzoduzem medidas de eficiéncla € um controle cerrado do fempo (mensuragao das tarefas por se arc pts rnitas ves sem rclagio ene si, engen de do o parcelamento do tra mos so Gque 0: professores difclmente chegam a conhecer seus prOprios alunos arccearn executar também diversas tarefas que nem sempre tém relagao en= reat Observa-se, ainda, um crescimento da burocracia dentro das proprias tunefis do dia-a-dia, Os governos, por outro lado, presstonados por contex- tes eeondmicos, consideram mais e mats a educagao escolar como uum inves- timento que deve ser entivelo que se tad por um 28 aiasio dasor- nizagoes escolares € enxugamentos substanciais nos orgament aie airultaneamente a zumentar sua eficécla e sua “imputabilida de priteas e normas de gestio ¢ de organizagio do tabalho provenientes di. retamente do ambiente industrial e administrativo gen sido historicamenteinvadids ecoti- ‘Bm suma, pode-se dizer que a sola ¢0 ens ‘nam aida ose or mods de gest ede exec dora oud eament do c= voto indus! ede oatesoranzagcscconimica hegeminicas, A introdugao de novas Ceonologias da comunicagio na escola (Internet, mulemidias, computado- ‘em geral, no mesmo sentido: o ensino se assemelha 2 um Pro esse de "tratamento da informacio” eseaplicam a ele modelos de raciona}- sepao tirados diretamente do trabalho tecnol6gico, sem se dar 20 tabslhio de Gjucstionar gua Validade¢ sobretudo de avalir seu impacto sobre os cone s alunos. O mesmo acontece dade, competén- mentos escolares, o ensino e a aprendizagem é inte: nisafrmamnos queé ‘A segunda tese que apresentamos é seguinte: i fesores realmente fazem sem, a0 mesmo tempo, de realizag de sex trabalho. Grande parte de nossas se ses nesta obra é consagrada a esta tarefa. Analisando tanto as formas co iMflcadas do trabalho dos professores quanto seus aspectos mais informals, 25 Qrabatho docento mais delicados, tentamos trazer 3 luz as tenses internas que surgem de den- professores, as quais decorrem, em boa parte, da presen- los heterogéneos ou contradit6rios orientando a orga- nizacio do seu trabalho na escola. sensonons 1.1.4. A profissionalizagao do ensino ¢ o trabalho docente ssa questio dos modelos de gestio e de realizagio do trabalho docente nos leva diretamente ao tema da profissionalizacio do ensino. Sabe-se que desde cerca de quinze anos os debates, as pesquisas e as reformas relaciona- das ao ensino vam dando bastante espago a este tema, Junto com este tema central vem se enxertando toda uma série de proposigSes visando transfor- mar e melhorar tanto a formacio dos mestres quanto 0 exercicio da docén- cia. Tanto na Europa quanto na América no Norte observa-se a existéncia de alguns comensosaespeto dito dar novament poder, sobretnd ss et, lecimentos locais e aos atores da base; promover uma ética profission: fundamen no tespeto as cane ¢ no cldado conta de fvercer seu aprendizado; construir com as pesquisas uma base de conhecimentos 20 ‘mesmo tempo rigorosa ¢ eficiente que possa ser realmen 4 derrubar as divisbes que separam os pesquisadores ¢ os professores experien- colaboragées frutuosas; valorizar a competéncia profissio- loras mais que as agdes realizadas segundo receitas ou a vida da escola e nos processos de decisio a respeit Scuslunos rena burowac que des sas ea ar fo or favor; introduzir no ensino novos modelos de carreira favorecendo uma di- versificagzo das tarefas; valorizar 0 ensino na opinigo paiblica. Todavia, com o tempo se constata que essas proposigées generosas nun- ca chegam 2 ser incorporadas realmente no funcionamento dos estabeleci- ‘mentos escolares ¢ nas priticas dos profissionais do ensino. De fato, os inte al., 1998, para (05 diversos projetos de reforma do ensino esbarram em alguns fenémenos importantes, que representam alguns obstéculos & profissionalizagio dessa atividade. Ts ro: os professores se set 12 Euro} tanto na América do Norte o diagnéstico é seve- sm pouco valorizados e sua profissio sofreu uma perda de prestigio; a avaliacio agravou-se, provocando uma diminuigio de stia autonomia, a formacao profissional & deficiente, dispersiva, pouco rela- 26 1.0 trabatho docente hoje: elementos para um quacro de andlise __ cionada 20 exercicio concreto do servico: a participacio a vida dos estabeleci- rmentos fica reduzida, a pesquisa fica aquém do projeto de edificagéo de uma ase de conhecimento profissional, etc. Além disso, muitos professores per~ rmanecem amarrados a préticas e métodos tradicionais de ensino, enquanto os estabelecimentos escolares sio, muitas veres, reftatérios a reformas, seja por inércia e costume, seja simplesmente porque no recebem recursos fi yranceiros, materiais e temporais necessirios para levé-las adiante. Enfirn, a prépria estruturagio das organizagbes escolarese do traballio dos professores Je presta pouco a uma profissionalizacio séria desse oficio: fechados em suas ‘classes, 05 professores nio tém nenhum controle sobre o que acontece fora elas; cles privilegiam, conseqiientemente, priticas marcadas pelo indivi- ‘dualismo, auséncia de colegialidade, o recurso & experiéncia pessoal como critério de competéncia, etc. Em suma, longe de estar se profissionalizando, ‘constata-se que esses diferentes fatos levantam no fundo toda a questio da proletarizaio do trabalho docente ou, 20 menos, da transformagio de gruc pos de professores em equipes de executivos que nao tém menhum vinculo com as decisdes que os afetam. ‘Nessa questo podemos, com certeza, levar em conta as coisas edescon- siderar, por exemplo, tanto os partidirios da profissionalizagso do ensino {quanto 0s defensores da tese de sua proletariza¢io, mostrando que as col- sas sio bem mais complexas do que afirma essa alternativa, bindria demals, (Gourdoncle, 1991; 1993; Labaree, 1992; Lessard & Tardsf, 1996). Contudo, G também verdade que os importantes desvios observados entre os projetos de reforma do ensino e sua efetiva realizagio levantam necessariamente um problema relacionaco & naturezairealista e até utGpica dessas mesmas refor- ‘se elas nfo acontecem, se no chegam a se firmar no uni- vyerso das priticas cotidianas dos profissionais do ensino, nio é, simplesmen- te, porque elas sio concebidas fora dessas priticas, etestemunbam uma vi- io abstrata do trabalho docente tal como, na verdade, é realizado nas classes e nas escolas? esse sentido, e esta é a nossa terceiratese, acreditamos ser necessénio ligar 0 da profissionalizagio do ensino questo mais ampla do trabalho Por qué? Simplemente porque profisonlino clea conertametoprablana do pole na eri; do cba ear edoente. Uma profisiio, no fundo, nto & outra folsa senzo tum grupo de trabalhadores que conseguiu controlar (mais ou me~ hos completamente, mas nunca totalmente) seu proprio campo de trabalho & pavesso ale através de uma formagio superior, e que possu uma certa 2000 Cidade sobre a execucSo de suas tarefas ¢ os conhecimentos nécessirios 4 sua qealizagdo, Ora, ese poder das profes ndo flurua no vazio, mas est enralza- do, ao contrario, numa organizagio de trabalho que possui diversos grupos © 27 OQ rabaho docente subgrupos detentores de diferentes poderes (vero capitulo 3). Por exemplo, ‘mostramos em outro lugar (Tardif & Lessard, 1992; Tardif etl, 1997; Tardif ten 00) gs gone pss tena poison tala que psi alguns aos tcs de piss bem exaiec enravar em conto direto com outros grupos de wabulbadores que at spam mt erganiaio eco net, sodas prfisiona sta ,universitios, responsiveis piblicos pela educagio,et., que os impedi- amde_levara termo seu projeto profissonal, For isso, nossa opiniio é que ate tic apical do sino nope tar swida da prolamin otha xclare doce, ds mada que regen aera. 1.1.5. A docéncia como trabalho interativo e seu objeto humano Através do desenvolvimento precedente tentamos destacar 0 stat veriasimpoventequen dct ve scent Pot. € reso mas longs porque as tansformagoes tals que cracteroam o rmundo do tab 10 constituem, em nossa opinio, um momento intelectualmente parce iho ede nin ele sole os eon redo ab tho que tém servido, até hoje, de referencias & anlise da docéncia. Na verds- de, acreditamos que a presensa de um “objeto humano” modifica profunda- mente a propria natureza do trabalho e a atividade do trabalhador. f este ar~ gumento que vamos reforgar agora. Comecemos situando a discussio no plano dos fundamentos filoséficos que regem os modelos tedricos do trabalho. De maneira simples, pode-se di- era concebido numa rela¢io puramente exterior em relagio ao sujeito que trabalhava e este, a0 agir sobre o objet fo’. . nfo se modificava por sua ago" em outro objeto, mas é envolver-se ao mesmo tempo numa préxis fundamental em que o trabalhador também é transfor ‘mado por seu trabalho. Em termos sociol6gicos, dir-se-& que o trabalho mo- “nus ope ct do xis a prc os 1.0 trabalho docente hoje: elementos para um quadro de anise difica profundamente a identidade do wabalhador: 0 ser humano torna-se que ele faz. Oagir, quer dizer, aprxs, deixa entio de ser uma simples ia que exprime as possibilidades do sujeito humano de intervir no a categoria central através da qual o sujeito realiza sua ver~ dadeira humani ‘A concepsio marista do tabalho, porém, nZo continua dominada pela oposicio sueto objeto, na medida em que o sujeito é identifcado com o ser humano, a0 passo que o objeto é visto como a natureza ¢ a matéris ai ser humano é, slmente, ou 0 companheiro de trabalho ou o capitalist: €0 outro opers lado na linha de montagem, ou o patrao que determina a velocidade d: de montagem, Nessa estrutura elementar, a interacio humana é conceb ‘cords com a relagio lado a lado entre os trabalhadores, ou da oposi¢ao socio- eeondmnica entre duas dasses sociais, a dos proletirios ¢ a dos burgueses Ora, nio é dificil aplicar essa visio, uma vez.que 0 outro nio & mais 0 tae palhador que esté ao lado nem o burgués que esténa parte oposta, maso prprio cho de abalho? A presenga de outrem diante do trabalhador condiuz, inevis~ “yum novo modo de relagio do trabalhador com seu objeto: a inte- “dicional oposi¢a0 sujeito /objeto—e sua derivada trabalha~ jo se torna, por sua vez, inoperante ou, a0 menos, profunds- nuando 0 objeto de trabalho & um outro sujeito? Pode-se redu- vir a interacio a pritica transformadora de um trabalhador sobre um Sbjeto material? Quals si0 os rscos derivados, os perigosinerentes 2 uma t redugio de outrem a um objeto? Tomemos um caso-limite “Aindtéstria dos campos da morte e dos campos de trabalho dos nazistas © stalinistas oferece uma dolorosa imager do que pode produzir-se quando eres humanos si0 reduzidos completamente & categoria de objetos: cles pas” fam a ser tratados como matéria-prima a ser exterminada, como bois levados wo matadouro, cofsas sem subjetividade cujo pranto e cujos gritos jé nfo in- cmodam mais do que as méquinas e demais aparethos. O que choca nesse processo de exterminio em massa, para além das ideol mmentam, é precisamente a identidade entre o trabalho indus tendo atingido tal amplitude, a destruicéo nio pod nar sendo assumindo estreitamente as formas da produsao capaz de garantir as condiges mortiferas que condzem 20 exter massivo, regular, de trabalho (aqui stntio em forma de indiferenca, quer dizer, na anulacao ética do outro ¢ de Sea “rosto” (Lévinas, 1982; 1995), que conduz.& auséncia completa de res- 29 © trabatho docente ponsa diante dos demais seres humanos, que nio sio mais exata- ‘mente seres humanos, mas produtos exterminaveis, logicamente, na escala ampla do trabalho industrial. [sas realidades extremas revelam que todo trabalho sobre e com sees hurnanas faz retornar sobre si a humanidade de seu objeto: o trabalhador pode assumir ‘ounegar essa humanidade de mil maneiras, mas ela é incontornvel para cle, pelo simples fato de interrogar sta propria humanidade. 0 tratamento rserado im, no pode mais erluzr@suatranformazioobetiv, es complex do poder, da afetividade da mana, deli cam o otro. Bssas questOes sio ainda mais exigentes quando 0 ob- jeto humano de trabalho se encontra em posicao de fragilidade, humana- mente falando, em relagio ao trabalhador: as criangas, os idosos, os enfer~ mos, 0s prisioneitos, as vitimas, as pessoas necessitadas de assisténcia, etc. Dai resultam, entio, riscos constantes de abusos, manipulagio e de indife- renga burocritica. Essas questdes sio um dos principais fios condutores de nossa reflexao nesta obra, Hlas nos levam a uma discussio critica dos modelos tradicionais que dominam 0 trabalho, concebidos a partir da relagio sujei- to/objeto, trabalhador/matéria. Reduzidos & sua mais simples expressio, esses modelos representam um dos projetos fundamentais da modernidade, a saber; do ser humano sobre os objetos que o rodeian ambiente natural jé objetivado na e pela tecnologia. Seja ele pensacio em ter mos de representacio (de Descartes ao cognitivismo recente) ou de prixis (de Marx 20 ativismo tenolégico contemporines), esse controle instru- mental traduz uma relagio de poder do sujeito humano — do “homem se- nhor e possuidor da natureza”, como 0 anu fa Descartes ~ sobre o mun- do material reduzido & categoria de objeto pela subjetividade humana e para ela, seja individual ou coletivamente (uma classe, um grupo, ou mesmo toda a humanidade enquanto sujeito da hist6ria) de relagdo de poder define-se historicamente no trabalho mo- satisfagio das necessidades humanas que se tornam a medida de todas as coi- sas, O mundo natural toma-se, entio, um objeto de consumo e cada coisa (as a fibere da vaca, 0 corpo dos dominado, Heidegger, em seu célebre texto sobre A qustodatéca (1954), fala, alifs, de “racionalizagao” para designar a violéncia da racionatidade jetivista do complexo tecnoindustrial diante do mundo natural, 30 1.0 trabalho docente hoje: elementos para um quadro de enélise este, enquanto dispositive e potencial a ser desenvolvido pel dutivista da economia moderna, Com o crescimento atual das fe das neurociéncias, parece que sio os seres vivos, inclusive os seres huma- nnos, que constituem o préximo objetivo dessa logica de exploragio do mun- do visto como conjunto de objetos & disposicio da produgio ¢ sumo humano; atualmente, j& se concebe o DNA como um cbdigo passivel de ser reescrito e modificado para adaptar-se & produgio de seres vivos que desem- penhem fungGes utiitrias e produtivas, Desta forma os seres fisicos, os seres Diologicos e os seres humanos estario sujcitos as mesmas regras de uso produtividade. Passando da fiegio 3 realidade, o Ciborg, 0 homem tecnoneu- ral, o humano objetivado integralmente como sistema biotecnolégico tor- zna-se, assim, o espectro da economia de ponta; o super-homem nietzscheni- ano pode recompor-se...amenos que o Ciborg o substitua num futuro pro ximo como 2 figura emblemitica da nazificagao do homem superior. Cra, apesar de sua hegemonia, nossa tese & de que os modelos de traba~ tho material e tenol6gico nao podem explicar 0 processo de trabalho sem negiclo ou desfiguriclo, quando ele acontece num contexto de interagées yhumanas, como € 0 caso do trabalho docente. Com efeito, esr €trabalhar com sere humane, sobre sees humans, pre sees humancs.Fsta impregna¢ao do trabalho pelo “objeto humano” merece ser problematizada por estar no centro do tra balho docente. Em qualquer ocupa¢io, arte ou ciéncia, oficio ou profissio, a relasio do trabalhador com o seu objeto de trabalho ¢ a propria natureza desse objeto sio essenciais para se compreender a atividade em questio. © fato de wa- tar-se de um objeto material, simbélico ou humano, requer, em cada caso, modalidades adequadas de trabalho e de tecnologias, bem como conheci- mentos diferenciados. Nao é a mesma coisa transformar um objeto fisico, ‘uma mensagem informatica ou comportamento de uma pessoa e sua iden- tidade, Cada um desses “objetos” possui certas caracteristicas prOprias, que cexigem tecnologias e atividades particulares, canalizando a ago do tral dor em certo sentido e impondo-Ihe, ao mesmo tempo, alguns limites. © erabalho material No caso do trabalho industrial, seu objeto concerne realidades tangiveis, ‘ateriais, que possuem uma substincia ¢ uma forma determinadas, defini- Trata-se de produtos, utensilios, miquinas, organismos vivos ou mnanimada, Essas colsas so manipuliveis fisicamente, No pro- ‘cesso de trabalho material elas sio, por exemplo, ajustadas, ordenadas, m3 nejadas, amontoadas, amassadas, quebradas, entortadas, trabalhadas, ete. Os 31 Q trabalho docente ponderiveis ¢ separiveis, cesso do trabalho funciona segundo uma rotina materialmente sistematiza- da onde intervém instrumentos e tecnologias materiais: cadeias de monta~ tia, bombas, etc. © proprio proceso é sustentado por ages causalidades materiais, por exemplo, press Ges, mas do exemplar de uma série, a qual define suas caracteristicas ontol6- ‘gicas. Enfim, esse objeto material pode ser tratado conforme uma légica pu- ramente instrumental e axiologicamente neutra: ele pode ser desfeito, refei- to, consumido, vendido, etc. © erabalho cognitivo Por sua vez, o trabalho sobre os simbolos remete a processos cognitivos baseados em informagies, conhecimentos, concepeées, idéias, etc. He € li ado a atividade 4 lise ea criagio i bolica. Essas produgées sio o apan: (Cientistas, escritores, redatores, jomnalistas, pesquisadores, artis- tas, tradutores, profissionais de informética, criadores, etc.), cuja atividade ipal consiste na gestio, manipulagdo ¢ no precesing de informacdes, de dados simbélicos. Todo o trabalho humano consiste em manipular informa- :ma representacio de seu préprio trabalho antes de ea fim de executé-lo, Todavia, os trabalhadores intelectuais nio fazem mais que utili- zar informagdes; essas constituem 20 mesmo tempo o processo, a matéria €0 resultado de seu trabalho. Atualmente, muitos autores inspirados nas cigncias cognitivas procuram definir a docéncia como um trabalho, sobretudo cog mento de informagGes diversas, que utiliza material simbélico (programas, livros, etc.) € cujo objetivo propriamente sobretudo simbélico: favorecer a aquisicao de uma certa cultura, permitira construgdo de conhecimentos, etc. Contudo, se & inegével que 0 coi no centro da docéncia, achamos que ele no constitul, porém, 0 elemento central desse trabalho. Como veremos nos ¢: 32 1.0 trabalho docente hoje: elementos pare um quacro de andlise O trabalho sobre 0 outro Quanto ao trabalho sobre e com os seres humanos, esse leva antes de tudo a relagbes entre pessoas, com todas as sutilezas que caracterizam as rela- ¢5es humanas estudadas, por exemplo, pelo psicossocidlogo Goffman em La ine (1973): negociagio, controle, persuasio, sedu- supervisar, servir, ajudar, entreter, divertir, curar, cuidar, controlar, \dalidades complexas em que .guagem, a afetividade, a personalidade, ou seja, um melo em ta de fins: 0 terapeuta, o docente, o trabalhador de rua engajam direta- ‘mente sua personalidade no contato com as pessoas c estas os acolhem em fungio dela. Componentes como o calor, a emp. ensio, a abertura de espirito, ete., constituem, entio, os trunfos inegiveis erativo. Esse tipo de trabalho sobre 0 outro envolve necessari ‘a existéncia de meandros recorrentes de conhecimentos, emogdes, 5 de ser constantemente reformulados mas rela- 1996, p. 190). Entretanto, como mencionamos anteriormente, 0 trabalho sobre outre levanta questdes de poder e até mesmo conffitos de valores, pois seu objeto ele mestno, um ser humano capaz de juizos de valores e detentor de direi- e privilégios que os simbolos, as coisas inertes ¢ os animais no possuem. s vezes, os oficios e as profiss6es de interagio humana se destinam a ajudar pessoas carentes, com o objetivo de sustentar, melhorar ou transfor- ‘mar a situagio dessas pessoas: idosos, enfermos, pobres, mendigos, criarigas abandonadas, aleijados, etc. Em tais casos as relages com essas pessoas Sio por demais assimétricas e 0s rabalhadores poderiam facilmente abusar delas. Geralmente incapazes de se defender, de resistir, os clientes podem ser mani- pulados e tratados até quase como coisas ou animais. Pensemos aqui no trata mento burocritico que algumas instituigdes infligem as pessoas de idade avangada, aos que sofrem doengas graves, aos doentes mentais, aos pristo- éneces- 20s de valores suscepti Ses entre 0 produtor e o usudrio” (Maheu & Bien-Aimé Outros offcios e profissdes sio exercidos junto a clientes capazes de con- trolar eles mesmos, 20 menos em parte, os trabalhadores. F 0 caso, por exem- plo, dos dentistas, dos terapeutas, dos médicos, vendedores, advogados, etc., 33 Q.trabaino docento ‘cujo salério depende até um certo ponto da preferéncia dos clientes. Se esses satisfeitos, podem simplesmente mudar de profissional. Passa a . portanto, ao trabalhador que esse tipo de relacdo se instaure prestado e dos resultados esperados. Essa relagZo pode ainda se modificar 20 longo do percurso. Ela repousa sobre fendmenos complexos como a con- © crédito dado ao profissional, o grau de éxito do tratam ‘0 caso das transagSes nos bancos, do pedi- do de informagées no guiché de atendimento, da troca de informages entre os comerciantes, das centrais de atendimento nos colégios e nas universida- des, ou de outros servigos governamentais, etc, Diversas organizagdes gover- namentais estdo cercadas por um verdadeiro cinturdo formado por trabalha- dores desse género, que interagem com os cidadios para classificé-los, divi- diclos em categorias, trid-los, etc. A maioria das grandes organizagdes priva- das possuem também esse tipo de servigo a partir do qual os clientes si0 identificados, classificados, orientados para os determinados departamentos ce servigos oferecidos. Para os clientes, isso comporta concretamente um risco de estigmatizacZo e marginalizagio, como se vé, por exemplo, no tratamento dado por alguns funcionérios a algumas categorias de clientes. ‘Outros trabathadores— e este é 0 caso dos professores ~se dirigem a pes- soas cuja presenca na organiza¢io com o fim de receber um tratamento ou servigo € obrigatéria. Os alunos sio obrigados a ir para a escola até a idade prevista na lei. Contudo, diferentemente das pessoas necessitadas (enfermos, idosos, efc.), essas pessoas podem opor resisténcia aos trabalhadores e as ages que Ihes sio impostas. f 0 que acontece, por exemplo, com pessoas condenadas a submeter-se a terapias, clientes de agentes sociais detidos con- ‘ra sua vontade em instituigées, prisioneiros em condicional, testemunhas convocadas a depor, et. Os clientes involuntitios sempre podem neutralizar aacio dos trabalhadores, porque esses tm necessidade da participacio deles dar prosseguimento ao seu tratamento ou fazer seu servigo. inte, esses trabalhadores precisam, se isso ainda nao tiver a 1.0 trabalho docente hoje: elementos para um quadko de andlise Como diziamos, os alunos sio clientes forgados, obrigados que so air para a escola. A centralidade da disciplina e da ordem no trabalho docente, ‘bem como a necessidade quase constante de “motivar” os alunos, mostram_ ofessores se confrontam com o problema da participagio do seu objeto de trabalho ~ 0s alunos — no trabalho de ensino e aprendizagem. Eles precisa convencer os alunos que “a escola é boa para eles”, ou imprimir as suas atividades uma ordem tal que os recalcitrantes nio atrapalhem o desen- volvimento normal das rotinas do trabalho. Em sfntese, os alunos precisam. acreditar no que é dito a eles ou fingir que acreditam e no perturbar os pro- fessores e os colegas de classe. Contudo, um certo grau de vulnerab manobra em relagio 20s trabalhadores tipo de trabalho interativo, Ta coletiva, privada ou piblica, sores trabalham com grupos de alunos, com uma coletividade pitblica, a0 ppasso que médicos e terapeutas trabalham na maior parte do tempo em am- bientes restrtos, protegidos, com um s6 cliente de cada vez. O fato de traba- harem com coletividades apresenta dois problemas particularmente: a ques- to da eqiiidade do tratamento e 0 controle do grupo. Voltaremos a esse as- sunto nos outros capitulos, pois sfo fandamentais para compreender a natu- re2a do trabalho docente. lade dos clientes ¢ a margem de Além disso, no que diz respeito 3 relagio com 0 objeto, nio é indiferente saber, por exemplo, se o trabalhador possu 0 objeto, se o objeto pertence a ‘utrem, ou se nio pertence a ninguém, que nao se possa defini-lo por uma relacio de propriedade, como no caso dos seres humanos em nossas socieda- des, Nesse titimo caso intervém probleméticas originais, nas quais interfe~ rema ética, o direito da pessoa a dispor de si prdpria, aspectos juridicos ¢ le- do trabalho e as relagées do trabalhador com ele sio elementos nevré para a compreensio de qualquer atividade profisstonal. A decncia é um trabalho ajo objeto io consttuido de matri inerte ow de simbolos, mas derelaées hamanas com pesso- scapes de iniciatva e dotadas de uma cert eapacdade de de participar da ago des profesors. Entio acreditamos, como o sugerem as descrigdes anteriores, que esse tipo de objeto possui determinagbes especificas que condicionam a pré- pria natureza do trabalho docente. O fato de trabalhar com seres humanos, o naanilise da ati 05 ‘teabalhads’ que itoia sobre todas as outs funges edimensies do mite. 35 O trabalho docente Portanto, esses so 0s principais motivos que justificam, aos nossos olhos, amecessidade de estudar a docéncia sob o angulo da anilise do trabalho. Dito isto, aflrmar a necessidade desse estudo € apenas 0 ponto de partida, que exige agora tomar-se preciso em fungio de um contetido determinado e de uma abordagem particular. & sobre essas questdes que vamos agora nos estender. 1.2. Como analisar o trabalho dos professores? Parece-nos que © primeiro pas professores é fazer uma critica resol da docéncia, quesse i do fer, deixando de 1s tém suas rafzes hist6ricas no ethos religioso da profissdo de en- antes de tudo tum trabalho orientado por uma ética do dever com gras codificadas pelas autoridades escolares, e muitas vezes, ante muito tempo, ensinar foi sinénimo de obedecer e de fazer obedecer (Vincent, 1980). Em diversos paises, a docéncia ainda esti vinculada a isso. Depois, esse ethos religioso passa a ser criticado, mas também retomado pelo “ discurso filoséfico da modernidade” (Habermas, 1988) que, a partir do sé- culo XVII, interpretaré a educagio como um instrumento de emancipagio coletiva e atribuiri aos professores uma missio quase evangélica, mas. de fando profano e laico: instruir 0 povo, formar cidadios esclarecidos, gragas as Luzes da instrugio e do conhecimento, finalmente partilhado (Condorcet, 1989). Nos séculos XIX e XX 6 0 poder piiblico que retomard por conta pré- pria esse discurso investindo massivamente no campo educativo ¢ tratando 0 professores como um corpo do Estado des fo. Mais uma ver, a obedigncia re ado a prestar servigos 4 ma- la-se a chave-mestra do trabalho docen- te, embora ele mude de sentido: ji nio basta obedecer a regras cegas, meci- nicas, mas trata-se de compreendé-las e interiorlai-las como cidadios res- ponsiveis. Desde entio, os professores sio considerados agentes sociais in- vestidos de uma multidao de misses, varlévels segundo as ideologias e os contextos politicos € econémicos vigentes. Desde a Segunda Guerra Mundial, quando o movimento de escolarizagio atinge seu apogeu no Ocident ‘mos surgir uma reform nio se passa mais uma década sem que veja- ensino e da escola visando & moralizagio dos professores. A pesquisa em ciéncias da educagio eas ideologias pedagégicas que nela se fundamentam partilham, igualmente, em diferentes niveis, des- sas vis6es normativas e moralizantes do o' que elas as apresen 36 trabalho docente hoje: elementos para eda administrasio: eficicia, gestio, estratégia, melhoria, rendimento, medi- da, desenvolvimento, exceléncia, compe! as principais palavras de ordem desses novos poderes simbélicos. predizem uma catéstrofe se os poderes pitblicos Jionar os professores para que embarquem na vi- net. f por causa de milhées de d6- tistrlas privadas da comunicaga0 1¢ 0 ato de ensinar tivesse cons- adentram agora por esse caminho, co! tantemente necessidade de um suplemento tecnolégico, para adequar-se 20s fantasmas de uma sociedade que no reconhece mais seu proprio poder se- nio através dos artefatos tecnolégicos que engendra, Claro que, & inal dades e 0s valores mudam, mas o que permanece praticamente invaridvel 6 de que, no fundo, a docéncia & apenas um ofcio moral (amoral rf, Tom, 1984), que nio é necessério estudar e compreender, mas simplesment -vestir ¢ manipular em favor das erengas dominantes do momento. A at «que aqui fazemos vai de encontro a essas visdes e propde, portanto, jam colocados entre parénteses os julgamentos de valor sobre a docéncia, a fim de compreender melhor qual 6 obra dos professores nas suas diferentes tarefas cotidianas. Esta epokhé metodoligica permite, como veremos, registrar os componentes normativos e étic xém exige, 20 mesmo tempo, no red! a época a outra, de uma sociedade a outra, as finali- quer aba 1a docéncia carrega necessariamente um peso de normatividede, € igual- cas, objetivos, um ‘mente outras coisas que se precisa conhecer: saberes, té objeto, resultados, um proceso... 1.2.1. Considerar 0 que os professores fazem: modelos indutivos e componentes do trabalho ‘Mas como superar os pontos de vista moralizantes e normativos sobre a docéncia? Privilegiando mais o estudo do que os docentes fazem ¢ no tanto prescrigdes a respeito do que deveriam fazer ou nio deveriam fazer. Dito de outra forma, nosso estudo € orientado pela idéia geral de que a docéncia hhumano, ou seja, descre- 1s dos trabalhadores tais, trabalho. jo as atividades materiais ¢: como elas sio realizadas nos proprios locai ssa idéia tem duas conseqiién Ela implica, inicialmente, um deslocamento da pesquisa, indo das estruturas as nos planos ani ¢ interpretativo. 37 Q.trabalho docente dos grandes atores coletivos que mo versidade, administragio, poder p asseguram a perpetwagio e t formas e contetidos da escolarizacio. Obviamente, nio se trata de repudiar as perspectivas tedricas que abordam o ensino “pelo alto”, privilegiando o es- tudo das grandes varidveis sociolégicas e das forgas sociais que estruturam © cespago das praticas escolares ¢ a identidade dos seus agentes. Além disso, en- dossamos uma perspectiva desse tipo em nossa obra precedente, dedicada & evolucio da profissio docente (Lessard & Tardif, 1996). Contudo, acredita- ‘mos que a anélise do trabalho docente nao pode se limitar a registrar e estu- dar os quadros sociais globais que encerram o processo de trabalho coi la, a transformagio das através de uma perspecti levando a pesquisa ao campo propriamente dito das priticas cotidianas pelas aquais se realiza e se reproduz.o processo de trabalho dos atores escolares. A forga, mas igualmente a peculiaridade das préticas cotidianas, é que elas reproduzem bem as variaveis do sistema, mas o fazem introduzindo nele constantes deslocamentos, desorientagées, conflitos, desvios, tensdes e con: tradigdes, cujo peso acumulado dial apés dia acaba produzindo, 3s vezes, ou- tra coisa em vez daquilo que as variéveis anunciavam. No plan se pelo estudo das priticas cotidianas emana, portanto, de seu potencial de alteridade. Se os professores fossem apenas ogentes dessa instituigao chamada es- cola, bastaria analisar suas fungSes determinadas e seu status legal para com- preender sua ago. Mas esta obra mostra, como outros estudos semelhantes conduzidos em diversos paises, que os professores so também ators que in- vvestem em seu local de trabalho, que pensam, dio sentido ¢ significado aos seus atos, e vivenciam sua fungio como uma experiéncia pesoal, construindo conhecimentos e uma cultura propria da profissdo. Em sintese, 0 trabalho docente nio consiste apenas iprir ou executar, mas é também a ativi- dade de pessoas que nao pod har sem dar um sentido ao que fazem, € uma interacio com outras pessoas: 0s alunos, os colegas, 0s pais, os diri- gentes da escola, Conereacnnt, uso gna que nie do taba deve evap car sobre a docéncia categorias e pressupostos oriundos de outros cont ou simplesmente deduzidos de fendmenos globais (as classes sociais, os me- canismos da reprodugio, as leis da aprendizagem, as regras do ensino eficaz, 3s, permitindo poupar o esforco necessirio para sua c no existem 38 descriges perfeitamente objetivas, interpretagdes neutras, ou seja, sem cate- gorias ou pressupostos. Contudo, privilegiar um Angulo de anslise “por bai- x0" exige colocar & prova as categorias ¢ os pressupostos dos pesquisadores no contato com o campo de pesquisa, aceitando as variagSes e os desvios que necessariamente ocorrem em relagio idealizagio teérica inicial: um campo de pesquisa nao é outra coisa senio um espago de inteligibilidade tracado progressivamente pelo olhar teérico do pesquisador; sm um local de relagGes e atividades humanas onde a subjetividade do pesquisador se mes- cla, inevitavelmente, colocando & prova sua inteligéncia, mas também seus, valores, suas emogées, suas crengas € preconceitos. Isso gera também a ne- cessidade de estar atento As variagées, is diferengas ¢ as nuances que mio dei- xam de aparecer quando se comega a estudar aquilo que os ator res realmente fazem. Enfim, no plat vo etedrico, est ataque por baixo favorece a construgdo do que se pode chamar modelos indutivos do trabalho docente, a saber, modelos de interpretagio e de compreensio basea- dos no est istemas de ago concretos nos quais os docentes atuam. Outra conseqiiéncia dessa abordagem é a necessidade de estudar a do- céncia levando-se em conta a totalidade dos componentes desse trabalho, 0 Wolve num pag jé organiaado pparticulares e pe em agio co- trabalho cuja prépria natureza & como veremos, cheia de conseqiiéncias para os trabalhadores; enfim, a docéncia se realiza segundo um certo pro- cezsso do qual provém determinados resultados. Organizagio, objetivos, conhe- ccimentos ¢ tecnologias, objetos, processos e resultados constituem, conseqiien- temente, os componentes da docéncia entendida como trabalho. ndéncias marcantes da pesquisa sobre o ensino, marcada pela mental, consiste em separar completamente um do ou- Essa tendéncia, contu- utiliziveis para aumentar a eficicia deste ou daquele gesto cotidiano, repro- duzido em centenas de exemplares que basta mensurar de acordo com deter- minada média. (Os componentes que acabam balho humano; o estudo deles pen Q trabatho docente geral deste tiltimo; permite, a0 mesmo te racteristicas proprias dessa ocupasio, trabalho, Alé estio intimament 30, refletir os tracos tipicos, as ca~ iguindo-a das outras formas de 10 processo cotidiano do trabalho, esses componentes igadios e formam, aos olhos dos docentes, um quadro di- namico que encerra e condiciona suas proprias atividades. Nossa anilise con- sistiu em isolar e estudar os diversos componentes sem, por um lado, desfa- zer suas interagGes dinimicas e sem, por outro, ignorar a experiéncia viva dos professores que 0s reconstituem como aspectos integrantes do seu pro- prio trabalho. 1.2.2, Ensinar: um trabalho composto ‘Tendo claras essas coisa: a respeito das pesquisas cont clas, substancia ostarfamos agora de situar nosso propésito :porineas sobre o ensino. © que nos dizem Na América do Norte © as pesquisas sobre o ensino foram {niciadas hi aproximadamente cem anos. Mas é, sobretudo, a partir da Se- gunda Guerra Mundial, quando o movimento de escolarizacio se intensifi- ‘mais ¢ mais necesséria ¢ importante na cam. Depois disso, eles no pararam a cada ano sio escritos milhares de textos s0- linas cientificas que no contribuem a esse geragGes no ambiente escolar. Além disso, diversas outras disciplinas, como a medida ¢ a avaliacio, 0 estudo do curriculo, a diditica, a administragio escolar, em suma, o que se chama cléncias da educagio, estio ligadas histo- Hi fe A expansio da escolarizagio e & institucionalizagio da docéncia como setor de trabalho especializado. Enquanto as questdes relativas & aprendizagem dominaram a pesquisa fem educacio durante varias décadas, desde 0 inicio dos anos 1980 0 ensino, a formagio para 0 magistério e a profissio docente tornaram-se temas maio- res de pesquisa. No plano da organizagio escolar ¢ das ideologias pode-se fazer a mesma constatacio. Enquanto as décadas de 1960 ram caracterizadas, 05 alunos (democratizasao, igualdade, des, medidas compensat6rias, ajuda fi zem respeito, em boa parte, |. as reformas atuais di- entais, 20 corpo de pro- 40 fessores, suas condigdes de trabalho, sua formagio € sua profissionalizagio (Tardif etal, 1998). Essas reformas resultam tanto de uma insatisfagio do grande piblico ¢ da classe politica diante das performances da escola quanto de uma inquietagio, que parece profinda, que, como diziamos anterior- mente, esté afetando em todo lugar os professores, que se sentem desvalori- zados e pouco reconhecides. sas reformas provocaran tante literatura em tomo da docén lemicas, estatisticas € discursos pol emaranhado de estudos, 20 tempo cientificos e politicos, a propésito da docéncia e dos docentes. Por exemplo, os pesquisadores se interessam hoje pelo planejamento do ensino, pela avaliagio da aprendizagem e do ensi- no, pelas crengas ¢ representagées dos professores, pelos processos cogniti- ‘vos € decisdrios que orientam a a¢io prética, pelos saberes produzidos pelos professores, por suas condigées de trabalho, pelo envelhecimento, 0 desgas- te profissional, etc. A lista de assuntos de pesquisa ligados & docéncia é bas- tante longa e razoavelmente diversificada Como visto nessa literatura, existem diferentes maneiras de descrever compreender o trabalho docente. Todavia, parece-nos que esses estudos se concentram geralmente em dois pélos, que chamaremos aqui o batho nio-codificalo. Com efeito, pode-se ‘os aspectos nitidamente burocréticos ¢ codificados ou prescritos do traball ‘com tudo que traz de rotineiro, de obrigagdes formais, de cargas institucio- nais, de normas, regulamentos e procedimentos, em sintese, tudo aquilo que 4 ter previsivel ¢ rotineiro. Por outro lado, pode-se também considerar os componentes informais da atividade, aq {do implicitos ou “invis previstos, ou seja, as dreas, lo do aspectos que es- no oficio e suas iniimeras contingéncias, im- tes que revelam sua complexidade. Analisemos as conseqiiéncias dos procedimentos segundo esse duplo onto de vista, Assim fazendo, poderemos tomar consciéncia de que a ativi- dade docente no contexto escolar no tem nada de simples ¢ natur ‘uma construgio social que comport dica implica necessariamente em escolhas epistemolégicas. Essas escolhas algumas coisas, mas, simultaneamente, ocultam mo uma floresta da qual no se fa tudo ver; pelo contririo, & precis inhos e trilhos particulares, sabendo que também ou- Itiplas facetas e cuja descrigio meté- at Q tabaino docento A docéncia como trabalho codificado Atualm we, a docncia é unrtrabalho socialmente reconhecido, realiza- do por um grupo de profissionais especificos, que possuem uma formagio longa'e especializada (geralmente de nivel universitirio ou equivalente) que atuam num territério profissional relativam ‘mum na maioria dos casos. Mesmo no plano das atividades cotidianas, o tra- balho em classe apéia-se amplamente sobre rotinas ¢ tradigbes: os professo- res entram nas classes, tomam a palavra, apresentam a licio do dia, etc. Além disso, o trabalho docente se realiza em funcio de um mandato prescrito pelas autoridades escolares ¢ governamentais. Ora, esse mandato € geral ¢ vilido para todo 0 conjunto dos membros dessa profissio que, apesar das particula- ridades de sua situagio e formagio, so levados a pers ‘muns, gerais. Com as normas sindicais e patronais, otra ‘va estritamente vinculado a uma rede de obrigagdes e © de natureza variada (legais, sociais, econdmicas, ete), que fisionomia particular. O trabalho é temporizado, calculado, controlado, pla- nejado, mensurado, etc. Fica submetido a um conjunto de regras burocriti- ‘as. O espago ¢ a duracio de sua realizagio séo controlados. Trata-se de um, trabalho cujo desenvolvimento é agendado em conformidade com progra- ‘mas, avaliagSes e, em sentido global, com os diferentes padres e mecanis- ‘mos que direcionamn 0 andamento dos alunos no sistema escolar. Desse ‘modo, 0 ano letivo é cadenciado por toda uma série de medidas que formam uma espécie de percurso temporal bem delimitado, Resumindo, pode-se bem ver que o trabalho docente comporta iniimeros aspectos formais, codi- ficados e rotineiros. Para descrevé-Lo, portanto, o acento serd colocado sobre elementos insti- tucionais, por exemplo, considerando o status dos diferentes agentes escola- \s relacionados & divisio técnica do trabalho, & administraggo demarcagao das atividades segundo normas ofici 42 por procedimentos formulados metodicamente. Nesse contexto, a docéncia aproxima-se bastante dos oficios e das profis- ses cujo universo de trabalho cotidiano é burocratizado, onde as atividades pre subsistem zonas intermedirias, em que os trabalhadores omia, mas essas zonas sio um pouco como os fios de uma rede: sio bem amarradas e bem delimitadas. Enfim, o docente se parece com um agente da organizagio escolar, cle € seu mandatério e seu representante. Sua identidade profissional definida pelo papel que exerce ¢ o status que possui na organi zagio do trabalho, ‘A docéncia como trabalho flexivel , contudo, inegivel que a docéncia também comporta diversas ambigii- dades, diversos elementos “informais”, indeterminados, incertezas, imprevis- tos, Em suma, o que se pode chamar de aspectos “varia ‘uma boa margem de manobra aos professores, tanto para interpretar como para realizar sta tarefa, principalmente quanto as atividades de aprendizagem tem classe e a utilizagio de técnicas pedagégicas. Esta margem de manobra é apenas um efeito perverso, causado pela falta de codificacio ou de formalis- ‘mo, e parece, 20 contririo, fazer parte do trabalho docente: ensinar, de certa ‘manera, é sempre fazer algo diferente daquilo que estava previsto pelos regu- Jamentos, pelo programa, pelo planejamento, pels ligio, etc. Enfim, é agit dentro de um ambiente complexo e, por isso, impossivel de controlar inteira- ‘mente, pois, simultaneamente, sS0 vérias as coisas que se produzem em Js de realidade: fisico, biol6gico, psicolégico, simbélico, indi- c. Nunca se pode controlar perfeitamente uma classe na medi- da em que a interacio em andamento com os alunos é portadora de acontecl- ‘mentos e intengées que surgem da atividade ela mesma. ‘Além disso, lidando com seres humanos, os docentes se confrontam com a lade do individuo em relagio as regras gerais, aos esquemas glo- as coletivas. Trata-se de um trabalho cujo produto ou objeto: pre escapa, em diversos aspectos, 4 agio do trabalhador, enquanto © mesmo nas quais 0 objeto de trabalho 0 produto, etc.) fica inteira- mente submetido a agio do trabalhador, que o control como quer. 43 Q trabalho dogente ‘Mais que isso, o trabalho docente nio se limita nem as atividades de clas- se, nem is relages com os alunos, embora essas atividades e relagSes, como se veri, sejam essenciais no exercicio da profissio. Com efeito, veremos no capitulo 3 que um dos maiores tragos desse trabalho a grande diversidade de tarefas para cumprir, bem como seu cardter assaz diferenciado que exige ‘A organizagio escolar na qual o trabalho é desenvolvido tampouco é um de um contexto social uma abstragio so- izagbes sociais: familias, sindicatos, igrejas, movimentos associati- utidos politicos, universidades, associagoes profissionais, ular: dia apés dia, os alunos entram e saem da classe, tmo escolar, introduzindo pontos de resisténcia, fa- zendo com que a escola perca o controle sobre aqueles que ela forma. Visto de um outro angulo, o ensino aparece como uma atividade forte- ‘mente marcada pelas interagées humanas, pouco formalizada, diferenciada e 4ificil de controlar. Seus objetivos parecem problemiticos por serem definidos em fungio de contextos variaveis de trabalho e de imprevistos. O ensino pa- rece, entio, regido por uma “racionalidade fraca” caracterizada pela uilizagio de conhecimentos personalizados, saberes oriundos da experiéncia, enraiza- dos na vivéncia profissional e que ajudam os docentes a adaptar-se, bem on. ma su ambiente de trabalho composto e em constante transformagio. Essa “racionalidade fraca” situa-se do lado da “arte”, ou seja, da improvisagio regulada a partir de esbosos flexiveis de agio, de rotinas modeladas pelo uso, ‘mas que possibilitam também importantes variages de acordo com as novas contingéncias das situagdes escolares que sempre se transformam, 44 1,0 trabalho docente hoje: elementos para um quadro de analise ensino aproxima-se bastante, assim, daqueles oficios e daquelas pro- fissGes cujo espago cotidiano de trabalho é marcado por wma grande autono- mia e em que as atividades sio desenvolvidas de acordo com representagies, imuitas vezes, renovadas, méveis, imprevisiveis na sua concretizasio e onde, sgrante do proces- se assemelha mats ‘nas com seus altunos e seus colegas de trabalho; sua situacio tem menos a ver com 0 organograma da organizagio do que com as negociagdes diérias com (5 outros agentes educativos. ‘Qual dessas duas imagens da docéncia é vilida? Sem diivida, € dificil e até infil querer responder a essa pergunta. O que é preciso considerar & que 0 trabalho dos professores possui justamente aspectos formais e aspectos infor- iis, e que se trata, portanto, ao mesmo tempo, de um trabalho flexivel codificado, controlado e auténomo, determinado € contingente, etc. Conse- Gieatemente, absolute necessio etudé-o sob esse dup ponto evista se quisermescom- preendr a noturena particular dessa atvidade. Chamaremos de heterogéneo rn tal traba~ que comporta uma combinagio varidvel de elementos, no apenas diver- também potencialmente contraditérios, diversificados, estranhos smadas no desenvolvimento daqui adiante {que esses aspectos heterogéneos da docncia remetem concretamente a ten ‘Ges ou dilemas internos dessa profissio (Berlak & Berlak, 1981; Lampert, 975; Perrenoud, 1996). Essas tensdes, esses dilemas, estrutu- de dos docentes em diversos aspectos ¢ em diferentes niveis, que teremos ocasizo de analisar: autonomia ¢ controle na realizacio da ativi- 10 ¢ indeterminagio da tarefa, generalidade dos idez. dos programas ¢ recursos didéticos, universa- fidade dos alunos, rotina das tarefas e impre- jonais com os alunos, acom- anhadas de um grande investimento afetivo e pessoal, etc. Pi 2 P Observando a evolugao das pesquisas sobre a docéncia, constatamos que 0s primeiros trabalhos dedicados & descrigao dessa atividade, geralmente de inspiragio positivista e behaviorista, tinham a tendéncia de colocar em evi- déncia a regularidade das situagdes de trabalho, Numa 6tica essencialmente tecnol de especificar as ligagdes causais que poderiam aumentar a eficiéncia da do- céncia, como por exemplo os tragos da personalidade do professor ideal ou as “varidveis do ambiente da classe” que favoreciam a aprendizagem dos alu- 45 Qtrabano docente vvés da taylorizacio, e nos servicos puiblicos, através da estatizagio e da buro- cratizagio, Depois, progressivamente, a partir da contribuicio de diferentes, Pontos de vista (antropolégicos, sociolégicos, oriundos das pesquisas quali- , de campo, etc.) e das descrigdes mais refinadas das priticas no con- texto real do trabalho, a docncia apareceu como uma atividade mais mais complexa e construfda dentro de um ambiente interacional fluido, trazendo ‘um alto grau de indeterminagio, e demandando, conseqiientem forte contribuicio dos professores na manutengio das estruturas de aso. Hoje, uma das tendéncias da pesquisa sobre a docéncia consiste em pri- vilegiar os aspectos maleiveis ou fluidos do oficio, as vezes em detrimento dos aspectos codificados ou formalizados. A docéneia comega a ser apresen- ‘ada como um trabalho fortemente contextualizado, concreto, posicionado (ch3n, 1983), marcado principalmente pelas contingéncias situacionais. Ensinar torna-se uma atividade de improvisagio mais ou menos regulada (errenoud, 1996; Tochon, 1993), de certa maneira parecida com o frejaze fundamentada na intuigio (Van Manen, 1990), ou mesmo na idfossincrasia de cada professor (Elbaz, 1983). A docéncia €, entio, concebida como um “artesanato”; uma arte aprendida no tato, realizada pi padelas e por reagSes parci na coloracio bastante experimental, sinar” parece um recurso exclusivo da vivéncia, ior, familiar ou escolar (Butt et idade também assume, aqui um lugar de destaque, pois € a iéncias afetivas fortes (relagdes com os alunos, experiéncias 1984) se constr6i e se atualiza, ssas diferentes idéias, abundantes na literatura atual, no nos parecem falsas; ps contririo, pois elas descrevem bem certos aspectos importantes ¢ entais do trabalho docente. Contudo, achamos que elas contintain sendo incompletas se nos detiverimos somente nelas. Na verdade, precisamos Jembrar aqui que a escola existe, sobretudo, porque milhares de professores € milhdes de alunos fazem a cada dia goso 1 situages, com os apontado por Dur 1997), uma pedage fo a mesma coisa, nas mesmas smos recursos ¢ em fun¢io dos mesmos fins. Como & Biddle (1974, p. 32; citado por Gauthier et al., institucionalizada, justamente como a dos professo- 46 S, etc.) que 0 “eu-profissional” do professor (Abraham, trabalho escolar implicar uma regularidade nas ages, , por exemplo, Goflman (1973) em seus trabalhos sobre as interagSes cotidianas, ou Schutz (1987), nio €, certamen- te, as mesmas das leis da natureza, mas.as das situages sociais em que os ato- resagem em funcio de expectativas diante dos outros. Ora, essas expectativas sio regularmente atendidas, pois os outros agem justamente como previsto. Obviamente, as regularidades sociais sempre permitem o surgimento de des- ‘mas a anomia s6 pode surgir sobre o pano de fundo daquilo rular. Além disso, sao essas regularidades que constituem 0 das ciéncias sociais e humanas, pois elas t i velo estabelecimento de modelos tebricos da sociedade: sem regularidades nio haveria um discurso sociolégico nem, mais amplamente,

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