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Paulo Celso da Silva (*) Musica e modernismo () Doutor em Ciéncias (Geografia Humana) pela Universidade de ‘Sto Paulo e professor do Curso de Geografia na Universidade de Soracaba ~ UNISO. Revs oe Esrunos Unvensitanos | Sonocaan, SP [v. 26 |v? 1 [ Juv. 2000 |p. 133-138 RESUMO- Aproveitando as comemoragdes dos 500 anos da chegeda de Cabral nestas terras, a Colegao “Descobrindo o Brasil’ ditigida por Celso Castro, Tetine os mais variados temas: religido, ecologia, imigracao, politica, miisi- a, futebol, segundo a orcem clos lancamentos proposta. Este artigo pre- tende comentar, ligeiramente, 0 sexto volume dos vinte e quatro que com- poem a colecao. Trata-se da obra de Elizabeth Travassos, Modernismo e muisica brasileira (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, 76 p.). ABSTRACT ‘Taking advantage of the commemoration of the 500" anniversary of the arrival of Cabral in Brazil, the Collection “Descobrindo o Brasit’ (Discovering Brazil) directed by Celso Castro, combines the most varied themes: religion, ecology, immigration, politics, music, soccer, according to the proposed order of appearance. This article intends to comment briefly on the sixth tome of the 24-volume collection. This study deals with the work entitled Modernismo e Musica Brasileira by Elizabeth ‘Travassos (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, 76p,) MUSICA, ‘Comecemos pela informacio da contracapa, explicando a origem e a finalidade da Colegio “Descobrindo o Brasil”: "...trata de temas da historia e cultura brasileiras” E. continua a informagao: “Escritos por especialistas, em linguagem acessivel a todos, sao livros que buscam transportar 0 leitor «ao palco dos acontecimentos. Um convite @ aventura de se descobrir o Brasil, pelos mais diferentes caminhos’. ‘A autora da obra em apreco, Elizabeth Travassos, é Doutore em Antro- pologia, pesquisadora desde 1980, da misica popular, e professora de Fol- clote e Etnomusicologia no Instituto Villa-Lobos, da Universidade do Rio de Janeito, A obra esta dividida em cinco partes (p. 9-10), a saber: 1. A fronteira entre miisica erudita e popular no inicio do século XX; 2. A Semana de Arte Moderna e a presenga de Villa-Lobos; 3. 0 nacionalismo dos anos 20 e as idéias de Mario de Andrade; 45. A busca da verdadeira miisica popular e a ambigitidade da pro- dugaio mercadolégica. Dividida em sete capitulos, a obra traz, como acréscimo, cronologia, referéncias bibliogréficas e outras fontes, além de sugestao de leitura e pequena biografia da autora, Nas paginas 38 ¢ 39, encontramos ilustragdes ¢ fotos de Mario de Andrade e Villa-Lobos e uma interessante charge de Raul Pedemneiras sobre a geografia musical do Rio de Janeiro, nas Scenas da vida carioca, demarcando 0s baitros nos quais a musica popular e eru- dita eram ouvidas. Accapa ea contracapa lembram Mario de Andrade, com a obra Soirée de familia (presente o scu piano), de Noemia Mourao, num bonito contraste com 0 fundo azul. Penso que 0 leitor “nao iniciado em misica’ tera as mesmas dificuldades encontradas em outras obras que abordam 0 tema, Logo na Introducao (p. 7), mostrando as duas vertentes conflitantes {que se encontram no final do século XX entre a miisica européia ensinada e tocada no Brasil e a miisica brasileira, ainda tentando se descobrir, a autora aponta para outros movimentos, como a vanguarda dodecafonica, a bossa nova, o tropicalismo, Cita autores em plena atividade artistica, como Hermeto Paschoal e Egberto Gismonti e, no decorrer do texto, apresenta as obras de Villa-Lobos. Sera que todos conhecem esses movimentos e misi- cos citados? Fis uma pergunta que nao poderia deixar de ser formulada. m Filosofia da Nova Mtisica (Perspectiva, 1974), T. W. Adorno busca analisar “por que a dissonancia 6 mais racional que a consondincia” sob o ponto de vista marxista. Trata-se de uma obra densa na qual desfilam au- tores como Stravinsky, Schoenberg, Webern, e menciona-se obras como 136 REVISTA DE ESTUDOS UNIVERSITARIOS eee Concertino para Quarteto de Cordas, do primeiro; Terceiro e Quarto Quar- teto, do segundo; Trio para Cordas, do ultimo. Acreditande que o leitor “especialista e naio-especialista” (contracapa) esteja ‘ouvindd, contextualiza © cenatio br do inicio de sua obra musical. 0 que normalmente acontece é que 0 leitor segue adiante sem entender a dimensio da revolu- cao musical. Fazer-se acompanhar de um Compact Disc (CD), como nas obras de Flo Menezes, Miisica Eletroactistica, Histéria e Estética (EDUSP, 1996) e Atualidade Estética da Mtisica Eletroactistica (UNESP, 1999), ajudatia bas- tante o leitor, porém elevaria 0 custo para o consumidor. No caso do livro discutido, 0 personagem Villa-Lobos ¢ conhecido do grande ptiblico, Mas, serd que sua obra 0 @ Adentrando o texto de Elizabeth ‘Travassos, a “Pequena digressio sobre pseud6nimos” apresenta 0 cenério brasileiro do infcio do século XX, mos- trando-nos a disctiminagao sofrida por artistas, quando compunham e to- cavam géneros populares (marchas, serestas, choros, miisica de cinema), tando, por exemplo, a declaragéo de Chico Bororé ou Francisco Mignone: “B que, naquelas priscas eras do comego do século, escrever mtisica popu- lar era coisa defesa e desqualificante mesmo” (p. 11). Se ha discriminagao pelo piiblico, o mesmo nao acontece em relagao as editoras, cinemas e teatros, Estes, com a visto mercantil do produto cultu- ral que é a misica, veem a boemia, da qual a mtisica faz parte, talvez como elemento essencial do setor de entretenimento, 0 Brasil mudava, impulsionado pela burguesia urbana no grande cen- tro paulista e carioca, A Semana de Arte Moderna (13, 15 e 17/2/1922) além da pintura, escultura e literatura, teve, na mtisica, em Villa-Lobos, partici- pacao importante. f o que indica o capitulo Villa-Lobos e os modernistas: um compositor na Semana de Arte Moderna (p. 17-33). Mario de Andrade, modernismo e nacionalismo (p. 33-51) é 0 capitulo mais extenso ¢ demonstra a importancia do autor de Paulicéia Desvairada para a teorizagao e critica da mésica no Brasil, e 0 chamado modernismo nacionalista, predominante até 0s anos 40. Cinco sao suas proposigées (p. 33-4); 1.A miisica expressa a alma dos povos que a criam; 2.A imitagao dos modelos europeus tolhe os compositores brasileiros formados nas escolas, forgados a uma expresso inauténtica; 3,Sua emancipacao serd uma desalienagao mediante a retomada do contato com a mitsica verdadeiramente brasileira; MUSICA. 137 4,Bsta miisica nacional esté em formagao, no ambiente popular, ¢ af deve ser buscada; 5, Blevada artisticamente pelo trabalho dos compositores cultos, estard pronta a figurar ao lado de outras, no panorama internacional, levan- do sua contribuigao singular ao pattimOnio espiritual da humanidade, Buscava-se o regional como fonte de inspiragao e universalidade para amvisica brasileira, mas, para a erudigao de Mério de Andrade, caberia aos “compositores cultos” a tarefa de traduzir o regional para o universal. Fica clara a intengao dos modernistas em romperem com a influéncia européia €, a0 mesmo tempo, serem identificados como artistas universtis, criativos ¢ possuidores da admiragao européia. ‘A-cultura popular proposta e acalentada pelos modernistas na literatu- ra (Manifesto da Poesia Pau Brasil, de Oswald de Andrade), nas artes plas ticas (Abaporu, de Tarsila do Amaral) na mtisica (Choros n° 3, de Villa Lobos, em que 0 coro repete Pica pau, Pau Brasil) nada tem de sindnimo de cultura de massa, como a temos hoje. £ 0 que Folclore e Cultura de Massa (p, 51-7) retrata. 0 Epilogo (p. 61-5) comega com a afirmagao: “A década de 30 é lendaria para a musica popular, O samba instituiu-se como genero por exceléncia na consciéncia dos brasileiros". No final da Segunda Guerra Mundial, as experiéncias sociais ¢ politicas que o populismo havia engendrado muda- ram a forma de pensar e viver o mundo. Nesse novo contexto de reestru- turagao, Hans Joachim Koellreutter, professor e mtisico alemao radicado no Brasil, langa, em 1946, um manifesto denunciando um “falso naciona- mo’. dodecafonismo de Koellreutter denunciava a fragmentagao do perfodo pés-guerra, Como falar em nacionalismo, progresso clentffico, depois da bomba atémica? Camargo Guarnieri, discfpulo de Mario de Andrade (falecido em 1945) reagiu: "..,contra 0 dodecafonismo as acusagdes de cerebralismo, ameaga a integridade da cultura musical brasileira, degeneragao cosmopolita e eli- tismo” (p. 64). Patricia Galviio, a Pagu dos anos 30, sai em defesa do professor alemao, em artigo publicado no jornal A Fanfulla (1950), que traz 0 titulo “Livio ‘Abramo, um prémio merecido — Camargo Guarnieri, um manifesto antido- decafnico”, Eis parte de sua critica: “...Ai est o nosso compositor trans- formado em escriba comunistéide, em defesa da mais reacionéria onda anticultural de nosso tempo. E, assim, a sta carta-manifesto nio pode ser levada a sério, como argumentagao contra a mtisica dodecafonica, O que 138 REVISTA DE ESTUDOS UNIVERSITARIOS af se situa é apenas uma expressao facciosa’. Elizabeth ‘Travassos encerra seu livro com a frase lapidar: *..as chamadas polémicas dodecafonicas...e tudo quanto se seguiut s4o outra histéria’ (p. 65). A obra ora discutida poderia ser mais abrangente. Porém, suas 75 p4- ginas, deixam o sabor de “quero saber mais’. E esse carter inconcluso é positivo, Fica a cobranga de um CD com, pelo menos, algumas miisicas citadas 20 longo do texto, Isso enriqueceria muito o entendimento do perfodo abrangido, o que, por sinal, descobrimos somente no final de livro que é de 1890 -1930, mais ou menos. A cronologia para em 1933, sendo que Mario e Villa-Lobos, os “petso- nagens principais" do livro, morreram muitos anos depois. Logo, caberia um acréscimo nas préximas edigées, Falta uma referéncia a Cornélio Pires (1884-1958), o primeiro a registrar em disco, no ano de 1929, anedotas e moda de viola com a Turma Caipira Corélio Pires. Afinal, nao 6 0 modernismo nacionalista um dos aspectos abordados no livro? ‘Também precisa ser revista a pagina actescentada pela ecitora, no final do livro. Ali alguns titulos aparecem incompletos, faltando letras ou mtime- ros,, Por exemplo: Sistemas partiddrios 1945-20. Tais erros nao comprome- tem a obra resenhada, contudo, nao poderia ser omitida essa observ

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