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CULTURA DA MiDIA E TRIUNFO DO ESPETACULO DOUGLAS KELLNER Durante as dltimas décadas, as indiistrias culturais possibilitaram a multiplicaglo dos espetéculos nos novos espacos midlifticos e ent sites, 0 espetdculo em si tornou-se um dos prinetpios organizacionais da econo- ‘mia, da politica, da sociedade e da vida cotidiana. Uma economia baseada ra Intemet vert utilizando & alta tecnologia como um meio de promot, teprodugao, assim como de circulagao & venda de produtos, usando a rmultimidia e teenologias avangadas para impressionar os consumidores. A ‘cultura da mia promove espetéculos cada vez mais sofisticados para con- quistar audiéncias e aumentar o poder € © lucro da inddstria cultural. As formas de entretenimento permeiam noticias ¢ dados, ¢ uma cultura de infoentretenimento tabloidizada esté cada vez mais popular. A rnultimédia emergente, que sintetiza formas de rédio, cinema, noticiérias de TV € pro- gtamas de entretenimento, € 0 dominio crescente do ciberespago torna- ram-se espetéculos da tecnocultura, gerando sites de informagio e entrete nimento, enquanto intensificam a forma-espetéculo. A Vida politico-social também € moidada pelo espetdculo. Os contflitos sociais e politicos sao crescentemente afastados das telas, que mostram assassinatos surpreendentes, ataques terroristas, escindalos sexuais de ce~ lebridades e politicos ¢ 2 violéncia explosiva do cotidiano. A cultura da iia nio aborda apenas grandes momentos da experiencia contermpor’- nea, mas também oferece material para fantasia € sonho, modelando pen- samento e comportamento, assim como construindo identidades, Seus ri- tuais como as Olimpiadas, a Copa do Mundo, eventos esportivas de entre~ tenimenta, como o Oscare Emmy, célebram 0s valores dominantes ¢ vali- dam wma sociedade baseada na competigao € na vitoria 19 CULTURA DA MIDIA ETRILNFO BO ESPETACULO Evctaro que existem espetaculos desde os tempos pré-modemos. A Grécia Classica teve suas Olimpiadas e festivais de teatro e de poesia, suas bata- Ihas ret6ricas piiblicas e suas guerras violentas e sangrentas. A Roma Anti- 2 teve suas ofertas puiblicas de pio e circo, suas orgias, suas batalhas titdnicas, ¢ 0 espetéculo do império com paradas e monumentos para Césares triunfantes e seus exércitos. Bssas extravagancias foram mosiradas no fil- me Gladiador, dé 2000, Como nos tembra o historindot cultural holandés Johan Huizinga (1986 1997), a vida medieval igualoiente teve seus mo mentos importantes de exibicdo e espeticulo. 0 Oriente também, Em 2003, a exibigéo de Genghis Khan e seu Legado no Los Angeles County Art Museum mostrou como Genghis Khan usou 0 espetdculo do poderio militar para conquistar grandes partes do que agora enxergamos como a regizo oriental do mundo € como seus quatro filhos fundaram o império chinés, a atual Russia, @ civilizago iraniana e a érea dos atuais “Istdos” (Paquistio, Afeganistdo, entre outros). Estes impérios de Genghis Khan usaram o espeticulo militar para aumentar seu poder € cexibiram grandes tendas cerimoniais, objetos de arte, festividades religio- sas e eventos politicos para demonstrar supremacia, Realmente, a pr6pria globalizagdo se expandiu através do espetdeulo militar e do império. A histéria pré-modema engloba a ascensto ¢ queda do império romano, a expansio dos impérios de Genghis Khan, a dissemi- nagio € 0 triunfo do Cristianismo e do Islamismo, € a ascensiio dos Esta- dos-nagSes modernos da Europa Ocidental e, por fim, dos Estados Uni- dos. No inicio do perfodo moderno, Maquiavel aconselhiou seu “principe” sobre 0 uso produtivo do espetéculo para 0 controle governamental e soci- al, € os imperadtores ¢ reis dos Estados modernos cultivaram-no como par- te de seus rituais de governo ¢ poder. Oentretenimento popular hé muito tem suas rafzes no espetéculo, en- quanto a guerra, a rligido, os esportes e outros dominios da vida péblica foram terrenos férteis para a propagagao do espeticulo por séculos, Agora, como desenvolvimento de novas tecnologias de informagao e multimidia, ‘9 tecndespeticulos vém moldando decisivamente os contornos e trajet6ri as das sociedades ¢ culturas atuais, a0 menos nos paises capitalistas avan- ‘cados. O espeticulo miditico também se tornou um elemento determinant numa exa de terrorismo e guerra 120 Socizpave MIDIATIZADA Neste estudo, apresentarei um panorama da disseminaciio do espetécu- Jo através dos principais campos da economia, politica, sociedade, cultura € cotidiano, indicando a abordagem teérica que defendo. Isso requer uma breve apresentagao das influentes andlises cle Guy Debord e a Intemacio- nal Situacionista, e como me situo e divirjo dessa abordagem, seguido por uum panorama da cultura do espetdculo contemporanea, tentando ¢sbocar contornos de uma teoria eritica do momento atual Guy Debord e a sociedade do espetaculo © conceito de “sociedade do espeticulo”, desenvolvido pelo teérico francés Guy Debord e seus companheiros da Internacional Situacionista, teve grande impacto em diversas teorias contempordneas de sociedade © cultura.’ Para Debord, o espetéculo “unifica e explica uma grande diversi- dade de fendmenos aparenies” (Debord, 1967: 10). O conceito de Debord, primeiramente desenvolvido nos anos de 1960, continua a circular pela Internet em sites académicos e culturais. Ele descreve uma midia € uma sociedade de consumo organizadas em tomo da produgao e consumo de imagens, metcadorias ¢ eventos culturais. Para Debord, 0 espetdculo constitui um conceito abrangente para des- crever a midia e a sociedade de consumo, incluindo produgae, promogao, exibigao de mereadorias e produgto, ¢ seus efeitos. Usando o termo “espe- téculo”, eu foco principalmente nas diversas formas de produgées construidas tecnologicamente que so produzidas e disseminadas através dda assim chamada midia de massa, indo do radio € televisdo & Intemet es ais recentes engenhocas wireless. Todo meio, da miisica & televisao, das noticias & publicidade, tem suas intimeras formas de espetéculo, envolven- do clementos, por exemplo, no reino da misica, como os espetéculos da miisica cléssica, da pera, do rock e, Taais recentemente, 0 kip hop. As formas de espetéculo evoluem com o tempo e a multiplicidade de avangos tecnolégicos Meu interesse principal em Media Spectacle (Kellner, 2003), porém, estd na forma pela qual determinados espetculos tornam-se fendmenos © eventos marcantes que definem suas eras. Eles incluem desde espeté- culos comerciais, como os do MeDonald’s ou Nike, até megaespetéculos politicos que caracterizam um determinado perfodo, como a Guerra do 121 ‘Cuvrura ba mibia e TROND DO ESRETACULO Golfo de 1991, o julgamento de O. J. Simpson, os escndatos sexuais, € a tentativa de impeachment de Clinton ou @ guerra contra o ter- ror atual. Existem, portanto, muitos niveis categorias de espetéculos. Os egaespetécutos sao definidos quantitativa e qualitativamente, ¢ dominam as manchetes, o jornalismo e a agitagao da Internet. Sao destacados e en- quadrados como eventos-chave de uma era, como o foram, por exemplo, 0 casamento, a morte € 0 funeral da princesa Diana, as extremamente disputa- das eleigdes americanas de 2000 ¢ os subsequientes 36 dias de batalha pela Casa Branca, ou 0 ataques terroristas de 11 de setembro e suas conseqtién- cias violentas, ineluindo a invasto e a ccupagdo do Iraque. Os megaespetdculos silo aqueles fendmenos que dramatizam controvérsias e emibetes, assim camo ‘05 modos de resolugao de conflitos. Incluem coberturas exageradas de even- tos esportivos e politicos ¢ outros acontecimentos. A prépria produgio de noticias também esté sujeita & Kégica do espetéculo, em uma época de sensa- cionalismo, tabloidizagao, escdndalos ¢ contestagdes politicas Megaespeticulos, como o julgamento de O. J. Simpson, 0s escdindalos sexu- ais de Clinton ¢ @ guerra contra o terrorisme, dominam eras inteiras € sinte- tizam seus conflitos e contradigdes bésicas. Na minha concep¢io, o espetdculo envolve os mcios e instrumentos que incorporam os valores bésicos da sociedade contempordnea e servers para douirinar o estilo de vida dos individuos (Kellner, 2003). Encfo, en- quanto Debord apresenta uma nocdo geral e abstrata do espetéculo, ct emprego excmplos especifices de como os espetdculos sao produzidos, construidos ¢ divulgados. A medida que avangamos no novo milénio. & midia se torna tecnologicamente mais exuberante € esta assumindo um papel cada vez maior na vida cotidiana. Sob a influéncia da cultura “ multimidia, os espetéculos sedutores fascinam os habitantes da sociedade de'corisumo € os envolvem nas semiéticas do murido do entretenimento, da informagta e do consumo, influenciando profundamente o pensamento € a agiio. Nas palavras de Debord: “Quando © murido rest transforma-se em simples imagens, estas toraiam-se seres reais e motivagdes eficientes de um compottamento hipnotico. O espetdéculo como uma tendéncia de fazer al- ‘guém enxergar 0 mundo através de diversas mediagées especializadas (ele no pode ser mais acessado diretamente) naturalmente revela a visio como o sentido privilegiado do ser hurmano, como o tato foi privilegiado em ou- 122 SocieDane MIDIATIZADA tras épocas” (p.18). De acordo com Debord, “o sentido mais abstrato, mais sijeito a mistificagdes, corresponde & absttagao generalizada da sociedade atual” (ibid). A experiénciae a vide cotidiana so maidadas e mediadas pelos espeté- culos, Para Debord, o espeticulo € um instrumento para a pacificagao ea despolitizagtio; € uma “guerra do dpio permanente” (p. 44) que choca os sujeitos sociais e 08 distrai da tarefa mais urgente da vida real ~ recuperar a plenitude dos poderes humanos através da prética criativa. O coneejto de Debord estd integraimente figado ao conceito de alienagdo ¢ passividade, pois, ao consumir submissamente expeticulos, 0 individuo se afasta de uma vida produtiva. A sociedade capitalista separa 0s trabalhadores dos produ- tos do seu esforgo, assim como a arte da vida e, por fim, 0 consumo das necessidades humanas e suas atividades em beneticio proprio, 4 que os indiviguos inerentemente observam os espetéculos na vida social da priva- cidade de suas casas (p. 25 € p. 26). O projeto Situacionista, por outro lado, prope uma superagio de todas as formas de alienagao, em que os indivi-

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