You are on page 1of 176
campos e canteiros ZN ee eR Reiter Vice-reter Coordenadora da Forunt de Ciencia e Ctra EDITORA VERE Diretona Eaitora Exectiva Coordenadora de Produgin Conse Etat FUNDACAO GETULIO VARGAS Presidente eprrona Fav airs Exec Coarbenadons Editi Paulo Alcansara Gomes José Henrique Vilhens de Paiva Myrian Davelsberg Heloiss Bearsve de Holanda Lucia Canedo ‘Ana Carsiro Heloies Buarque de Holanda Presidente), Carlos Lesa, Fernando Lobo Carico, Flora Sassekind, Gilbert Veo, Margarida de Souza Neves Jorge Oscar de Mello Fires [Alsia Alves de Abreu CCistina Mary Paes da Cunha l COMPRA PASSADOS RECOMPOSTOS (CAMPOS E CANTEIROS DA HisTORIA Organizagio Jean Boutier Dominique ‘alia Par pam Philippe Bosry ecquet Reel Patrick Nerbat asc Engel Claude Langlois Dominique Borne Frenois Béderida Exienne Frangois + Oise Gaesjmretin Jean-Louis Geulin “ean-Yoes Grier Frangos Harog Heine-Gerbard Haxgt Sinona Cora Olen Hlfon ‘Mare Lazer Henry Galizit Maruel Reve Piers Viler Avundbati Virmani Tinodly Teckert Antoine de Baceque Euicora UFRJ Edicora FGV 1998 Copyright © by Jean Bouter e Leminique Julia Tilo do origina: Paste recomponér Ficha Catalogs elabora pela Divisto de Procescamento Técico-SIBUATFRI 285 Fasadosrecompsts; campos ¢eanteiros da hstra/ organiza 0 Jean Boaticr (| Dominique Julia: eradugzo de Marcella Morar} Aramaria Skinner. Rio de Janeiro: Eiivra UFR: aitora FOV, 1995, 392 p16 x23 om. |. Bouts, Jean 2 Julia, Dominique 3. Mortza, Marcella, ead. 4 Panga Hira, eb 900 44 ISBN 85.7108-1989 Sane Tia Nien eee FUNDACAO UNIVERSIDADE * Sorat Babe FEDERAL DE RONDONIA Maria Beuc Guimaries BIBLIOTECA CENTRAL frases || See ee oer natin SOCEOPAtAL 05 OE eae! Universidade Federal do i Forum de Cigaia Cultura ators UFRI Av. Pastcur 2500 107 Rio de Janiro — RI (CEP: 72295-900 Tel: 21) 295 1595 ¢: 1263127 ‘TelfPax: (O21) $42 3899 ¢ (021) 298 1397 Ema edtorseforumaty.be Editora Fundagis Gzttio Vargas Pia de Botafogo, 190 — 6? andar 22253.900 — Rio de Janlvo — Brasil Tel: (O21) 536.9110 — Fax: (021) 5% email: editera@fgube ngprowyfg bel gpublicativos en ¥ SUMARIO APRESENTAGAO 9 inTRODUGKO [Em que Pensam os Historiadores? 21 ‘Jean Boutier e Dominique Julia 1 QUESTOES Certeras € Descaminhos da Razio Histbriea 65 Philippe Bousry Hist6ria Ciéncias Sociais: Uma Confrontagio Inscével 79 ‘Jacques Reve! “No Principio Era 6 Dire Patrick Nerbot seapige da-Histéri? 105 ‘Pascal Engel en Os Bfeites Retroativos da Edigio Sobre’ Pesquisa 121 Claude Langtots 1 Pade 2 Filosof Comunidade de Meméria e Rigor Critieo 133, Dominique Borne 2 COMPETENCIAS ‘As Responsabilidades do Historiador Expert 145 Frangots Bédarida (Os “Tesouros da Stast” ow a Miragem dos Arquivos 155 Etlenne Francois Abrudigio Transficurada 163 Olivier Guyatseannin ‘A-Ascese do Texto ou o Rerorno is Fontes. 173, JeanLoute Goulin [AlHistéria Quantitativa Ainds E Necessiei? 183 JeanYoes Grenic~ ‘AsArve da Narratva Hisebcica 193 Frangots Hartog 3) MUTAGOES. © Lento Surgimento de uma Hist6ria Comparada 205 Helnz-Gerbard Haxipt ‘AVioléncia das Multiddes: £ Possivel Elucidar 0 Desumano? 217 Dominique Julia A Construgio das Categorias Sociais 233, ‘Simona Coruttt ‘Mulheres /Homens: uma Questo Subversiva 243 Olwen Hufton Depois de 1989, Esse Estranho Comunismo.... 251 ‘Mare Lazar ‘A Arqueologia na Conquista da Cidade 261 Henri Galinié e Manuel Royo 4 TESTEMUNHO ” A Meméria Viva dos Historiadores 271 Entrevista com Plerre Vilar 5. FRONTEIRAS. Os Caminhos da Polifonia 301 Jean Boutier e Arundbati Virmant ‘A Comunidade Cientifia Americana: um Risco de Desintegragio? 311 Timothy Tackett ‘Um Mereadlo Mundial das Idéias: o “Bicentenirio” da Revolugio 321 Antoine de Baceque BIBLIOGRAFIAS 335 BIOGRAFIA DOS AUTORES 346 APRESENTACAO, APRESENTACAO, Francisco Jost Catazans Fatcon Passados recomposios: Campos ¢ canceiros da Histéria, obra coleti- vva ditigida por Jean Boutier ¢ Dominique Juli, apresenta ao leitoralgumas das preocupagies de mais de duas dezenas de historiadores,franceses em ‘sua maioria, acerea de questdes hoje na ordem do dia da Oficina da Histéria, “Tem seqiéncia assim um movimento historiogrfico responsével pela publi- cago, nests iltimos anos, de obras deste mesmo géner0 em diversos paises ¢ tendo em comum certas preocupagSes quanto 20s rumos ¢ tendéncias ‘observivois na historiografia contempordinea. Da percepe%o de tais rumos ¢ tendéncias deriva-se uma certa percepedo, algo yeneializada per sina, de se ‘estar, provavelmente, em face de uma crise da histéria. No Amago desta ppercepefo encontra-se uma compreenso aguda das implicagbes epistem>- l6gicas dessa crise, vale dizer-se, do que significa para as concepeSes domi- ‘nantes acerea da natureza do discurso histérico e de seu valor de verdade, ou ‘soja, a0 fim ¢ a0 cabo, é a possibilidade mesma de um discurso hist6vico enquanto conkecimento de Histéria que estaria ameagada, ‘A partir de uma perspectiva mais abrangente, pode-se situar esta obra a0 lado de inimeras ovtras editadas neste final de milénio nos mais diversos semelhantes:avaliar os resultados até agora aleancados e tentar oferecer al- gumas respostas a novas indagagBes. No caso espectfco da historiografia, vem se tornando cada vez. m: necessirio afirmar de mancira incisiva e incessante os valores destacados por Eduardo Lourengo num de seus iltimos ensaios: valor da acionalidade, a importincia do sentido, a existéncia de inteligibilidade e do conceito As- sim, contra 0s apéstolos do caos e da des sm epistemoldgica comprometi- dos com 0 desespero da razio, cabe ao historiador retomar com decisio os prinefpios fundamentais de sua propria disciplina. A emengéncia e dissemi- nagdo do irracionalismo e do ceticismo relativista, justamente ironizados por Eco ao tratat do Irracional, misterioso © enigmatico? e denunciadus entre 1nés por alguns historiadores, como Cardoso, constituem 0 horizonte princi pal de referéneia dos artigos desta coletinea, ‘Uma das questdes subjacentes aos ensaios presentes neste livre é a demanda cada vez mais forte que se exerce sobre a sividade historiadora em rea IC Passapos necomPosros tempos como estes que estamos vivendo. Tidos como senhores do passade, ‘ou donos da meméria, sottem 0s profissionais de Histéria duas solicitagbes ‘pastas: a solicitagio daqueles que desejam conhecer/compreender 0 pas- sado, ¢ dos que sonham com antever 0 futuro, Confundides com os “futurélogos”, os historiadores véem-se instados pela midia a delineur os ums mais provaveis da Histria, a partir da suposigZo algo ingénua de que passaporte garantido rumo as in- certezas do futuro.* Como se verd em alguns ensaios desta coletiinea, a ten- den (© seu conhecimento do passado constit a resgatar, na atualidade, a histéria do tempo presente’ nio significa, do ponto de vista dos historiadores que a praticam, qualquer compromisso ccom especulaces futurolégicas. Noentanto, bem mais até que o futuro, $ certamente o préprio passa- do que se tomou um sério probleme para seus tradicionais senhores. Passa- do, wale frisar, aqui entendido quer como realidade em si mesma, quer como © cbjeto por definigio da pritica historiadora que a respeitu dele produz seu préprio discurso. Um discurso, 6 bom notar, que se quer como corhecimen- to verdadeiro da realidade passada. Assim, se a nogio mesma de passado 6 passivel de interpretagées as mais diversas, cabe recorrer & conhecida frase de Pierre Vilar ~ a histéria fala da Histdria* — a fim de nos interrogarmos sobre a validade ou nio, ainda hoje, do que nela se afirma de esseneial: a “hist6ria ~ disciplina” e a “Hist6ria —_matéria” pressupdem-se mutuamente. Com efeito, ante a tio repetida declaragio de faléncia da concepeio hegeliana de Histéria’ e 0s estragos eausados & hisr4ria-disciplina pelas anilises eriti- cas associadas ao linguistic tw, 20 narrativismo, € & erise da grande teo- ria,’ 6 extremamente bem-vinda esta publicaco de trabalhos sérios e opor- tunos esritos por auténticas especialistas do ramo, isto 6, familiarizados com as verdadeiras dificuldades do processo de escrever textes de histéria ‘Tal como outras coletineas do mesmo género, Passados recompos- ‘os constitui mais uma tentativa de articular ums espécie de estado atual das quest0es, k mancira das conhecidas colecbes Cio e Nowvelle Clio, mas com uma diferan cessencial: agora, os balangos e perspectivas visam prineipal- mente os problemas gerais da disciplina ¢ cada autor busca indi thos ¢ solugées sempre do ponto de vista do historiador. Quaisquer seme- thangas com aqueles antigos manuais ficam na verdade um tanto esmaccidas quando se busca compreender o titulo ¢ subtitelo deste livro: Passados recompostos: passados (pl sado; recompastos, vale ), endo simplesmente a ps er: tefeitos mas nao exatamerte “reconstitufdos” ou simplesmente “revelados”, Em ambos os casos, tito e subtitulo, tanto a ‘Apresentagdo 11 realidade quanto a objetividade do conhecimento hist6rico sio propostas a0 leitor sob a capa de alusdes indiretas a questécs que estéo na primeira linha dos debates atuais. De fato, referir-se a passador 6 sinalizar-se, simultanea- ‘mente, tanto no sentido do problema da realidade histérica, enquanto sind- ‘ima de passado, como do discurso que se produz sobre este mesmo passa- do. Ao se propor o cariter recomposto desses passados, convoca-se para a frente do palco a figura do historiador enquanto subjetividade decisiva para ‘0 trabalho artesanal de a seu modo, segundo sus leitura, recompor um certo passado, Dificil no se pensar, imediatamente, ms interpretagSes que postu- lam a inexisténcia, ou a “irrealidade”, da Histécia, ¢ sua inacessibilidade a todo ¢ qualquer conhecimento.* 0s attores de Passados recompostas procuram fazer uma espécie de ccontraponto aos varios descaminhos da razo hisioriadora que o titulo da obra ppatece, num primeiro momento, incorporar ov, quem sabe, insinuat. Contra os fatores que favoreceram e ainda favorecem tais descaminhos, sublinham eles ‘08 aspectos do offcio capazes de frear os excesscs de subjetividade tipicos da ‘cultura contemporiinea: 0 estudo da documentagao, os lugares séc cionais de produgao do discurso histérico e as indispensiveis premissas teb- rico-metodoldgicas de toda pesquisa hist6rica qu: se preze. Fica também mui- to evidente, na maior parte destes ensaios, uma certa énfase em ditecdo A institu. hhermenéatica, a qual parece derivar como que naturalmente do carster essen- cialmente interpretativo do trabalho iiistoriador que sparentemente admitem."” ‘Hoosubtitulo, se também inova, permite no entanto que se perceba com ‘muito mais clareza uma evidente intencdo de retificar as eventuais derrapa- _gens ou exagoros a que o titulo possa ter conduzido o leityr menos atento. ‘A referéncia aos campos da Histéria serve para quebrar a tradicional afirmagio da plural hhistérico, o sem sentido das fronteiras rigidas e as possibil das trocas com os campos ide dos espacos pastes 2 disp inhos ~ das cigne'as humanas e soci A alusio a canteiros, certamente disseminades pelos diferentes cam- ‘pos, contém uma outra mensagem: escrever histéria, como trabalho de um tipo especifico de profissional, 6 atividade que rossui exig@ncia ¢ servidées inevitiveis —formagio espeeifica, famil diéncia a regras ditadas pelo oficio. Cabe 3 comunidade historiadora, hoje sidade com uma certa pritica, abe- cada vez mais internacionalizada, reconhecer ou no como de hist6ria os textos que assim se auto-intitulam. q 12. Passapos nEcoMPosToS: Nio gostaria de concluir esta parte sem fazer 0 elogio de mais uma ccaracterisiica extremamente positiva deste livro: apesar de produzido por hiistoriadores franceses, nlo espere o leitor nele encontrer mais uma daque- Jas coletineas triunfalistasjé tio conhecidas. Bem a0 contriio da tradigio das Annales, reconhece-se, sim, que existem graves ¢ importantes proble- ‘mas a enfrentar, evidencia-se muito bem a tomada de consciéncia quanto as. relagbes realmente existentes entre tais problemas e os assim chamados de- ‘safiosditigidos &histéria por um verdadeiro exército de filésofos, lingDistas ¢ especialistas em teoria da literatura, Enfim, registro meu préprio alfvio 20 pereeber que nao mais me en- contro diante de outra antologia voltada para aquelas nossas jé conhecidas e desgastadas qrerelas: objetas ~ novos ou antigos? abordagens: inovadoras/ progressistas ov tradicionsis/conservadoras? métodos: quantitativos empi- ristas) ou qualitativos (teoricamente embasados)? a diferanga/oposicio en- tte historia evenementielle, historizante, e histéria conceitual, fundada em pressupostostetricos de viésestrutural, 6 passada em revista, sim, mas como paite do processo hist6rico da prépriaescrita da Histri ‘A coletinea esté dividida em quatro blocos tematicos inttuladas: ‘Questées, Competéncias, MutagSes ¢ Fronteiras; hé, ainda, uma Introd um Testemunho. Elaborada pelos organizadores da obra, a Introdugéo sintetiza os obje- tivos e preocupugies gue norteiam 0 conjunto das intervengSes e ostenta um titulo sintomético: Em que pensam os historiadores? E como se ja soubessem da resposta mais provivel: Quem afirma que os historiadores pensam? A pro- ‘va desta suposigéo vem logo a seguir: “é por demais conhecida a povca incli- nnagSo dos historiadores pelas questées de natureza reflexiva respeitantes sa Cardaso, Cird FS, Ensaias Racionalistas. Rio de Janeiro, Campus, 1988. * Dumoutin, J. et Moise, Dominique (Org), L’historien, enere Methnclogue et le futuro= logue. Patis, Mouton, 1972. » Diversos autores ~ Ecrire histoire du temps présent, Paris, CNRS, 1993. * Vilar, Pierre, Iniciaci6n al vocabulario del anélisis histérica. Barcelona, Citica/Grljlbo, 1980, » Anderson, Perry O Fim da Histria. De Hegel a Fukuyama. Rio de Janeto, Zahar, 1992. * Charties, RA Historia Culural. Entre priticase representagdes. Lisboa, Difel, 1990; Skinner, Quentin, The Return of Grand Tiory in the Human Sciences. Cambridge, University Press, 1991. "Zaidan Filho, Michel, A crise da razdo histérica. Campinas, Papirus, 1989. "Dose, Francois, Le cournantinterprétaifetpragmatique de l'historiographie francaise, Recife, Simpésio da ANPUH, 1995, texto mimeo. Elton. G. R,, Return to Essentials. Sorte reflections on the present state of historical study. Cambridge, University Press, 1991. ' Paris. Gallimard, 1974, 3 vols; trad bras: Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976, 3 " VeyDe, Paul, Comment on rit histoire. Essai d’epistemologic. Pats, S Foucault, Michel, L’Archéologie du Savoir, Paris, Gallimsrd, 1969; Idem, Discours. Pais, Gallimard, 1971 © Retz —CEPL, Paris, 1978. | | INTRODUCAO INTRODUGAO Em que Pensam os Historiadores? Jean Bounen & Dowmigue Juua ‘Quando, no siltncio da abjegio, 156 se ouve ¢ retinir ds correate do escravo € a vor do delator; quando tudo treme diante do tirano € & tio perigoso estar em suas gragas ou merecer sun desgraca, parece 0 historiador, encarregado da vinganga dos povos. [Nero prospera em vlo, Ticitoj6 esté no Império. Chateaubriand Le Mercure de France 4 de julho de 1807. Em que pensam os historiadores? A questio pareceré a muitos uma piada pois, a0 contrério do que ocorre com os filésofos, nio se espera dos historiadores que sejam virtuoses do conceito, nem que elaborem complexas arquiteturas:te6ricas. Tanto mais que, & excegio de alguns textos hibridos entre biografia ¢ discurso do método, eles nio sio dados & auto-anilise, K verdade que, desde os anos 60, surgiv'o habito de elaborar, episodicamente, espécies de inventérios, conseqiéncia da ex- pansio sem precedentes que 0 conhecimento hist6rico conheceu a pattir do fim da Gitima Guerra Mundial. Com a conquista de novos objetos ¢ de novos territérios, a acumulagio de trabalhos erudites, 0 aprofunda- mento dos métodos, o avango da informética, a pratica do historiador foi grandemente renovada. A aceleragéo das mudangas nos sltimos anos chegou a levar certos historiadores 2 falar, na Franga e fora dela, de incertezas, de dividas, de crises. A presente coletinea se inscreve assim na urgéncia de uma reto- mada da reflexio sobre a profissao de historiador. Suas ambigdes sio, todavia, modestas: nem balango sistematico, nem manifesto de uma nova “nova histéria”, ela pretende primeiremente destacar a “longa marcha” ‘das pesquisas hist6ricas de cingGer‘a enos para cé. A empresa 6 dificil: a extraordindrie intemacionalizagio da pesquisa hist6rica, a diversidade 22 Passabos nEcOMPOSTOS das abordagens, a massa das publicagées tornam impossivel um pancrama exaustivo, mesmo restrito A escala francesa. Precisaremos entio nos ccontentar em esbogar as grandes “linhas de fuga” de uma historiografia abordada principalmente a partir do ponto de vista francés. No que a “escola hist6rica francesa” constitua ainda um: modelo: se ela mantém um real dinamisimo, hé muito tempo no possui inais © monopélio da inova- ‘¢40 metodolégica. Tanto quanto possfvel, portanto, conduziremos nésso olhar para além das fronteiras. ‘Nao procuraremos aqui defender um conjunto coerente de propo- sigées. Nem por isso cairemos em uma pseudo-imparcialidade insipida e enganasa. Engajados em trabalhos ¢ discusses, compartilhamos com vigor de certas conviogSes: seria desonesto dar a ilusio de calé-las. Ao contrétio, esta coleténea pretende participar, no mesmo plano, de alguns dos debates reais da atualidade. O exame periédico de consciéncia Nao 6 de ontem que 6s historiadores se interrogam sobze 0 estatuto de sua propria disciplina. As impaciéncias de uma geracio emergente frente as certezas da historiografia instalada, as inquietagées de uma ‘corporacio ciosa na defesa de seu territ6rio, vém por vezes se misturar as reflexdes de solitirios, cujo Iicido diagnéstico € mal recebido por estar ‘nas antipodas das correntes dominantes de uma profissio satisfeita com ‘seus pressupostos com seu patriménio. Apsnas a partic dos anos 1960, entretanto, surgem as primeiras tentativas sistematicas e coletivas de teflexio sobre a atividade do historiacor, de questionamento de alguns de seus aspectos. Tais tentativas resultaram, provavelmente, de trés séries de fenémenos, independentes umas das outras. A primeira estd ligada ds transformacdes répidas do ensino secun- drio, tornado ensino de massa: num momento em que xs mateméticas ~ © particularmente a matemética moderna ~ substituf2 0 latim como eritério de classificagio das inteligencias, a cultura hist6rica seria fundamentalmen- te necesséria & formagio do homem moderno? Os historiadores travaram duras batalhas para manter o lugar da hist6ria nos programas diante da invasio das ciéncias exatas, consideradas mais “tteis”, para sublinhar seu valor “existencial” ¢ efvico, seu antigo papel, insubstituivel, de magistra Vitae:' Fernand Braudel ou Jacques Le Goff, introdvzindo no ensino secun- ario a histria das civilizagbes, ta como ela se deeavolvia entéo em torno da revista Annales, tiveram aqui um papel decisivo. Inerodugdo 23 ‘A segunda série de questdes veio do divércio flagrante ¢ sentido como intolerdvel entre a hist6ria universitéria por um lado e a vulga- rizagao histérica tal como.era praticada — mediocremente — por histo- riadores amadores pouco informados das renovagées da historiografia, ppor outro. Mudanga de geracdo? Sentimento de um dever a ser cumprido como j& havia sugerido Henti-Irénée Marrou em De la connaissance historique (Do conhecimento hist6rico]? Ou simplesmente pressio de ‘uma demanda social erescente, satisfeita por editores dinimicos? O fato 4 que os historiadores profissionais continuam aceitando a tarefa de es- ccrever livros destinadas a0 grande pablico istruido. A partir dos anos 50, Lucien Febvre concebera uma nova colecio, “Destins du Monde”, que apresentava amplas sfnteses realizadas por historiadores profissionais*, “Les grandes civilizations” (Arthaud), colegio dirigida por Raymond Bloch — alguns volumes conheceram uma difusio sem precedentes, como ‘Civilisation de Voccident médiéval (Civilizagio do Ocidente Medieval], de Jacques Le Goff -responde, de uma forme mais sistemética, is mesmas reocupagées: “Esta colegio — esclarece © editor — corresponde a uma necessidade nova. Ao desejo de uma leitura agradével, i necessidade da sintese ¢ das amplas visbes de conjunto se acrescentam agora, entre todos 0s leitores, o gosto pela precisio, a exigéncia de um contato direto com 0s documentos ¢ os monumentos, a necessidade ainda de um guia que treine o leitor para a andlise ¢ o oriente para pesquisas mais especializadas. Assim, nos esforcamos por resolver esse problema dirigindo-nos a alguns cenuditos cujo talento de escritor, cuja ampla cultura, a pritica de um longo censino designavam para levar a bom termo um problema to complexo”. ‘A vulgarizagéo repousa sobre as mesmas exigéncias de cientficidade das publicagées eruditas, 0 que, por vezes, confunde suas fronteiras: A Re- volugo Francesa de Frangois Furet e Denis Richet, que suscitou um debate importante, aparece em dois voluzies luxuosamente ilustrados da editora Hachette (1965-1966). A partir de agora, 0 “belo” livro vale tanto por scu texto quanto pela qualidade de suas imagens. Aqui nasceu um dislogo regular — que nfo era fécil — entre a pesquisa de ponta ¢ um piblico cada vez mais amplo (renovado, de resto, pela explosio dos efetivos universitérios). Cada grande casa editora tem, doravante, 0 dever de pussuir a sua ou as suas grandes ccolegées histéricas. Trata-se de vastas sin:eses, com a colegio “Arts, Idées, Histoire” (Artes, idéias, hist6rias), eriada em 1964 por Albert Skira, com os trés volumes ¢ Georges Duby, Adolescence de la chrétienté occidentale 24 PASSADOS RECOMPOSTOS [Adolescéncia da cristandade ocidental] (1967), L’Europe des Cathédrales [A Europa das catedrais} (1966), Fondements d'un nouvel humanisme [Fundamentos de um novo humanismo] (1966), ou as diferentes séries da Histoire de France (Hist6tia da Franga] das Editions du Seuil, iaauguradas pela Histoire de la France Rurale (Hist6ria da Franca rural] (1975). Os ceditores se langam ainda a uma larga difuséo de trabalhos originais. No ‘momento em que F. Braudel langa uma ambiciosa colegio interdiscipliner =a “Nouvelle Bibliotheque scientifique” [Nova Biblioteca Cientifica] (Flammarion) -, a colegio “Histoire sans frontiéres” (Histéria sem frontei- tas] (Fayard, 1966), dirigida por,Frangois Furet € Deuis Richet, pretende ‘ocupar 0 vazio que existe “entre o jomalismo histérico fundado sobre & anedota e as tqses inéditas ou dificilmente acessiveis”, eobrir 0 espaco “entre a curiosidade de ontem, muito comumente limitada 20 passado nacional, ¢ a de hoje, extensiva & Europa ¢ ao mundo”, restabelecer uma continuidade “entre as grandes obras estrangeiras inéditas em francés © as pesquisas novas que amadurecem na Franca € fora dela”: daf 0 apelo a grandes nomes — 6 af que Pierre Goubert publica, em 1968, seu Louis XIV et 20 millions de francais (Luis XIV ¢ 20 milhées de franceses], um dos primeiros best-sellers da edigdo hist6rica — e uma politica inteligente de tradugio de obras de peso como as de Eugenio Garin, L’Education de Vhomme moderne (A educacao do homem modemo] (1968) ou de Eric J. Hobsbawm, Les Primitifs de la révolie dans l'Europe moderne [Os primitivos da revolta na Europa moderna] (1966). Numa perspectiva si- milar, cs primeiros titulos da “Bibliothéque des Histoires” [Biblioteca das istérias] (Gallimard), sob a diregéo de Pierre Nora, surgem em 1971, quase a0 mesmo tempo em que os da colecdo “Universe historique” [Universo hist6rico] (Seuil), dirigida por Jacques Julliard © Michel Winock. A propria escrita da hist6ria sentiu os efeitos dessa aberturat, Sobretudo - 6 a altima série de questées. certamente a mais im- portazte ~ a histéria é levada a redefinir probler-sticas, métodos e objetos face és cléncias sociais e humanas ~ basta pensar no impulso da socio- logia ou da psicandlise ~ no momento em que a impressionante expansio de seu questiondrio e de suas curiosidades alarga continuamente sou “territério”, 0 que suscita, desde a década de 1960, numerosas publica- des. Algumas delas conservam um aspecto muito tradicional, tal como © volume coletivo da Encyclopédie de la Piciade (Enciclopédia da pléiade], L'Histoire et ses méthodes [A hist6ria e seus métodos] (1961), dirigida por Charles Samaran, antigo diretor dos Archives de France: apés Inewodugio 25 haver consagrado algunias paginas & definigio da histria, ao tempo ¢ a0 espago, o volume se desdobra seguindo uma arquitetura cléssica, onde a parte reservada as técnicas (as famosas ciéncias ditas “auxiliares”) € primordial: “pesquisa metédica dos testemunhos”, “conservagio e apre- sentago dos testemunhos”, “exploragio critica dos testemurhos”’. No mesmo momento, vérios coléquios ¢ némeros expeciais de revistas inavguram uma reflexio mais exigente: “A caréncia de reflexio sobre 0 que, fazem, de lucidez de sea sentido, entre os historiadores profissionais — nota Alphonse Dupront ~ tem algo de estarrecedor. [. ‘Se a conversa girou sobre métodos, ¢ ainda assim muito pouco, j& 6 m do que tempo de nos perguitarmos, camo homens de boa fé, quanto & clareza do que fazemos ¢ para que servimos”*, A discussio prossegue nos anos 1970, desde Aujourd’hui lhistoire [A histéria hoje] que, no auge da vvage estruturalista, pretende reafirmar a fecundidade de um retomo de Marx,? até 20 vasto balango da Nouvel%e Histoire (Nova histéria] (Paris, Retz, 1978), dirigida por Jacques Le Goff, Roger Chartier ¢ Jacques Revel, prolongada pelo Dictionnaire des sciences historiques (Dicionério das ciéncias histéricas] (Paris, PUF, 1986), dirigida por André Burguitre?. ‘Mas essas duas obras, na 6rbita das Annales e da Ecole des Hautes Etudes fn Sciences Sociales [Escola de Altos Estudos em Ciencias Sociais), j6 ratificaram a explosio da historiografia em miltiplas diregSes; sobretudo, passando-se do balango sistemético a0 arbitrério de classificagéo alfabé- tica, o instrumento de trabalho sobrepeja uma encenagio fundamentada do método. Por isso & que 0 ambicioso Faire de Whistoire [Fazzr historia], publicado em trés volumes em 1974 tornado rapidamente um cléssico, cconstitui o balango mais revelador de um verdadeiro momento historio- gréfico, que ele permite por isso mesmo aprender’, 1974: 0 momento “Faire de Uhistoire” — vinte anos depois, como emos essa “obra coletiva e diversa” que pretendia “ilustrar e promover” (os “caminhos da pesquisa histérica hoje” — um “novo tipo de histéria” para “esclarecer a histéria a ser feita”, sem ser entretanto explicitamente programético? (Os subtitulos de cada um dos volumes manifestam esse interesse pelas mutagSes recentes da profissao: “Novos problemas”, que repensam 1 definigao da hist6ria sob a “provocag3o” das outras ciéncias humanas; “Novas abordagens”, que modificam os recortes tradicionais em diferen- tes setores bem balizados; “Novos objecos”, que em sua bulimia devorante a hist6ria apropria e que se desenrolam, seguné> uma lista a Prévert, do 26 PASSADOS RECOMPOSTOS clima & festa, passando pelo inconsciente, o corpo doente, os jovens ¢ a cozinha. Uma breve sociologia dos autores destaca trés tragos fundamen- tais. Quase todos sio “parisienses”, 30 em 33, e apenas um é “provin- ciano™ (muito especial, jé que se trata de Paul Veyne, futuro professor do Collage de France dois “estrangeiros” (Jean Starobinski, professor em Geneora, ¢ U. Zerener, professor em Harvard). Em segundo lugar, um tergo dos autores (11) vém da sexta segio da Ecole Pratique des Hautes, ‘Etudes, presidida entio por J. Le Goff; um outro tergo (12 autores) reparte-se entre as diferentes universidades parisienses nascidas da frag- mentagio que se seguiu aos acontecimentos de maio de 68: Paris-I (4), Paris-IV (2), Paris-VII (3), Paris-VIlI (3). Os restantes pertencem aos grandes estabelecimentos cientificos: College de France (3), CNRS (3), Institut d’6tudes politiques (1). A maioria dos autores atingiv a casa dos, quarenta: poucos jovens, ainda menos “grandes antigos”, as excegbes sendo A. Dupront, A. Leroi-Gourtian ¢ P. Vilar. A cuséncia mais espan- tosa é a de Fernand Braudel; mas ele poderia aceitar nio ser o mestre- de-obras? Caberie notar ovtras auséncias, enue cs “inovadores” recen- tes, como Maurice Agulhon ou Michel Vovelle. No essencial, trata-se de uma geracio formada no perfodo imediatamente pés-guerra, que dé a ver seniio um “panorama da hist6ria atual” — 0 termo € explicitamente recusado -, a0 menos as arestas mais vivas da disciplina e seus desea- volvimentos mais recentes. A proximidude dos autores com a tltima geracio de responsiveis pela revista Annales explica em boa parte a especificidade do livro. Ele ignora, desse modo, uma hist6ria diplomética e politica, muito tempo dominada pela figura de P. Renouvin, e marginaliza uma histéria econ3- mica e social construfda sobre o modelo elaborado por C.-E. Labrousse. F. Furet convida a nos voltarmos para a anilise “politico-ideolégica” das sociedades do passado e contesta a ovidéncia segundo a qual o “di mo da historia da Franga” seria de natureza econdmica: “O investimento escolar, cultural no sentido amplo, e oficial (através dos servigos pibli- cos), pode ter tido af um papel mais fundamental que o aumento do produto nacional”, Para Pierre Chaunu, encarregado todavia de tratar da histéria econdmica, a hist6ria s se lancar “de assalto sobre o terceiro nivel, a saber 0 essencial, 0 afetivo, © mecial, 0 psiquico coletivo... melhor dizendo, os sistemas de civiliza- gio”. Nao apenas tratar da civilizagio escrita ou da imagem, mas estudar (© sexo, a vida e a morte, para utingit, a exemplo do livro “pioneiro” de amis- «, “ontem, econdmica e social”, deve Tnirodugdo 27 M. Vovelle, “um lado capital de uma hist6ria do essencial”", Quanto a Georges Duby, se ele afirma de safda que “a histéria das sociedades deve fundar-se em uma anélise das estruturas materiais", € para acrescentar, imediataraente, que os progressos feitos pela pesquisa histérica nos do- minios da economia, da demografia e da écologia no curso dos anos 1940- 1970 obrigam & “elaboragio de novos questionérios”e particulermente a0 estudo dos sistemas de representagées, de valores ¢ de crengas a partir dos quais os homens modelam seus comportamentos. Enfim, Faire de l'histoire [Fazer hist6ria] acompanha— a0 mesmo tempo anuncia ~ a pasvagem de uma paradigma onde a anélise macro- econémica era primordial para uma historia que focaliza’ os sistemas cultursis compreendidos em um sentido muito amplo. Nem por isso 0 livro se prende a terminologias em moda: Jacques Le Goff critica a preciséo ¢ a maleabilidade do termo “mentalidades”; mas nfo se trata de abandonar o terreno, mesmo se os instrumentos conceituais € os ‘métodos aptos para o seu esquadrinhamento ainda faltam. Em segundo lugar, Faire de I'histoére pretudia uma fragmentagio da disciplina. E. Le Roy Laduric, a0 afirmar em seu prefacie a Paysans du Languedoc (Camponeses do Languedoc} (1966) ter-se lancado & aventura de uma histéria “total”, suscitara viclentas eriticas. Pierre Vilar, apoiando- se em um retomo teérico a Marx sensivelmente diverso da leitura operada centio por Louis Althusser ¢ seus disoipalos, & quase 0 tinico a defender, apesar dos “‘sarcasmos”, a ambicio de uma histéria tofal. Com malicia, Pierre Vilar recusa-se a deixar a presa pela sombra, a totalidade pela novidade: “Toda histéria ‘nova’, privada de ambigio totalizante, 6 uma hhistria previamente envelhecida”. Ao coatrério, para F. Furet, a“apreensio do global” nio é mais que “o horizoate da histéria": “A historiografia ‘contemporinea s6 progride na medida em que ela delimita seu projet [..). Mas a andlise global do ‘sistema dos sistemas’ hoje provavelmente est fora de seus meios”"2, Michel Serres é ainda mais categ6rico: “Os sistemas de totalidade sem exterior, de explicagio ou compreensio universais ¢ sem lacunas, estruturados por diferengas, leis seriais ¢ quadros sinbticos, hicrarquizados por referencias ¢ funcicnando a motor, ou de planos escalonados como camadas ou estratos, so dessuetos tanto quanto seus jodelos mecinicos de funcionamento, como vatiagées ortogonais a uma fncia morta", O ecumenismo de Faire de Uhistoire desemboca numa forte contradigio entre os autores, pouco ciosos de uma coeréncia de Cconjunto en suas proposigoes. 2B PASSADOS RECOMPOSTOS A dispersio das referéncias te6ricas é, de resto, proporcional as divergéncias que separam os autores em sua concepgio da hist6ria. Os grandes ancestrais, Marx ¢ Freud, ndo estio ausentes, Mona Ozouf su- blinha, a propésito da historiografia académica da festa, o “grande ausen- te das interpretagies”, a saber, a “necessidade coletiva [...], a necessidade pulsional da festa”". A psicologia das profundezas est{ presente na con- tribuigdo de A. Dupront sobre a antropologia religiosa, ainda que beba mais, ‘em Jung do que em Freud. A contribuigio mais aberta as interrogagées da psicanilise 6, sem sombra de diivida, a de Jacques Revel e Jean-Pierre Peter, que sublinham que 0 corpo, es sua alteridade, 6 “o limite onde tropeca € péra” um saber “agressivo e devorador”, que deseja abolir a diferenga: a histéria no deve mascarar muito rapidamente as falhas que’etravessam os “textos” de ontem com hipéteses redutoras, mas dar lugar aos siléncios, ‘atenta 20 infortinio, a0 sofrimento que s6 se diz indiretamente!®. ‘Quanto ao retorno a Marx, ainda que a obra pretenda romper com © modelo dominante de hist6ria econdmica, ele surge em virios nfveis. O ‘objew principal do debate 6 no entanto, a leitura filoséfica que Louis, Althusser acaba de propor em Pour Marx (Por Marx] ¢ Lire le Capital (Let (© Capital]; toda a demonstragio de Pierre Vilar se levanta firmemente contra seu dogmatismo tedrico, seu hegetianismo, seu desconhecimento ‘abissal da pritica hist6rica contempordnea: “A descoberta de Marx nio é essencialmente nem de ordem econémica nem de ordem te6rica, mas, de ordem sécio-histérica. Bla esté no desnudamento da contradicio socia! que implica a formagio espontines, livre, da mais-valia (‘acumulaglo do ca- pital"), no conjunto coerente do modo de produco que a assegura, © que cla caracteriza”."* A fidelidade a Marx encontra-se também no textu de Michel de Certeau que, recusando 0 estatuto “reservado” que Raymond Aron atribuia aos intelectuais, sublinha que os cortes epistemol6gicos sio indissociavelmente sociais ¢ intelectuais. Em verdade, Faire de Uhistoire 6 um livro datado em suas referén- cias intelectuais. As obras maiores que, na Franca, inauguraram novas ‘questées nas ciéncias humanas, de Georges Dumézil, Claude Lévi-Strauss, Michel Foucault ou Louis Althusser, subentewdem as colaboragbes de muitos autores. Era 0 apogeu do perfodo “ectrururalista”. Por outro lado, 0s trabalhos da escola de Frankfurt ~ entio disponiveis apenas em alemio = eram pouco conhecides: apenas Paul Veyne e sobretudo M. De Certau fazem referéncia & sociologia critica de Jirgen Habermas. O livro é por isso sensivel as mutagécs que afetam 0 tempo presente? P. Chaunu liga Intyodugdo 29 itidamente 0 deslocamento dos interesses dos historiadores & “crise de civilizagio que afeta, desde 1962, setor a setor, os paises que chegam, progressiva e sctorialmente, & era pés-industrial. A crise pe em questio as transposigies laicas dos valores de civilizacio de cristandade realiza- das no século das Luzes, a transposigao escatotégica da finalidade crista sobre um crescimento por muito tempo automotivante”””. Distinguem-se com muita nitidez aqui as inquietudes do historiador ~ ¢ um tanto teblogo ~ diante da perda de sentido em nossas sociedades contempordneas. O acontecimento - como poderia ter side diferente depois dos “aconteci- mentos” de maio de 68? — conquista até 0 direito a uma colaboragio particular, ade P. Nora, enquanto que as Annales nio Ihe reservavam lugar algum. Mas ele € tratado sobretudo sob seu aspecto medidtico “ce atu- lade” e sua projegio espetacular contemporinea; ¢ para além de uma fenomenologia formal, o autor, a0 comparar o historiador ao geélogo sobre um vuleSo em erupgio, designa mais ponto de vista do que os instrumentos para tratar 0 problema. Mas 6 talvez M. De Certsau quem mais lucidamente situa a falha introduzida pelo acontecimento: para ele, o historiador nio deve renunciar jamais & relagio que as séries, as regularidades percebidas “mantém com ‘particularidades’ que thes.escapam”, mas deve ocupar-se do particular como “limite do pensivel”'*, Assim ele pontua, através do modelo do- minante da hist6ria setial, 0 movimento que conduz ao interesse pelos “restos” e pelas “diferengas”: “O historiador no & mais o homem capaz de constituir um império. Nem visa mais o paraiso de uma histéria global. Ble chega a circular em torno das racionalizagSes conquistadas. Ele tra- bbalha nas margens. Sob esse aspecto, ele se tora um erradio™, Vinte anos depois. ~ Forcoso é constatar hoje que a histéria dos anos 90 difere sensivelmente daquilo que, por um momento, apresentou- ‘se como a “nova histéria"™, & bem verdade, a mudanga operou-se com freqdéncia no sentido diagnosticado ou sugerido por Faire de l'histoire. 0 “territério do historiador” prosseguit sua expansio com a introdugio de novos objetos: a histéria das “atirudes coletivas”, diante da morte (Philippe Ariés, Michel Vovellc), do medo (J. Delumeau) ou da vida (J. Gélis), a hist6ria dos gestos (J.-C. Schmitt), das cores (M. Pastoureau), dos prenomes (L. Pérouss, J. Dupiquier) ou dos “dispositivos afetivos” (A. Corbin). Novas abordagens continuaram surgindo, levando vastos setores a uma reformulagio das anélises, como a anélise das formas da sociabilidade no Amago da histéria social (M Agulhon), a.inscrigo no 30. PASSADOS RECOMPOSTOS cespaco das relacSes ¢ das dinimicas econémicas de longa duragao através das “economias-mundos” (I. Wallerstein)", 9 relacionamento das ativida- des econémicas, das estruturas demogrificas ¢ das configuragies sociais segundc 0 modelo — hoje fortemente discutido — da “proto-indstria"™, ‘ou a construgio da meméria nacional pelo trabalho com os “lugares de ‘meméria"®. Certos dominios, jé definidos, adquiriram visibilidade ¢ le- gitimidade, como a histéria das empresas, industriais, comerciais ou fi- nanceiras™. Outros constitufram-se, quase que totalmente, como a “his- t6ria do tempo presente” — que & extremamente dificil de se pensar, considerando-se a fungio critica da histéria frente &s reconstrugées da meméria (ou da amnésia) ~ que o CNRS institucionalizou 20 criat, em 1978, um Instituto de histéria do tempo presente™. Entretanto, semelhante criagSo no era to simples. Por causa, antes de tudo, da antiga ¢ tenaz crenca de que a hist6ria se institui sobre a separagio entre 0 passado ¢ presente — ilso todavia denunciada desde hi muito - para que exista entre 0 historiador e seu objeto a distincia necesséria & “objelividade”: s6 0 tecuo iibertaria das “paixées” do momento ¢ a hist6ria “imediata” deveria ser deixada para o jomalista. Em segundo lugar, porque a escola histérica francesa foi fortemente ‘marcada pela onipoténcia concedida & longa duracio em detrimento do acontecimento: F. Braudel disse sua desconfianga frente ao tempo curto, a mais eaprichosa, a mais enganosa das duragées”, pois “tal como a sentiram, descreveram ¢ viveram os contemporaneos”, reconhecendo, en- tretanto, que 6 a hist6ria “mais apaixonante, mais rica em humanidade”™, Pois foi o caréter traumético dos acontecimentos que inauguram nossa contemporaneidade - a Segunda Guerra Mundial ¢ 0 genoc‘dio nazista = que tomou necessiria a emergéncia da hist6ria do tempo presente, Francois Bédarida recorda aqui mesmo a importancia do papel do exame por peritos ¢ a responsabilidade social do historiador frente a impostura dos negacionistas. Estd em jogo a relagio da hist6ria com a verdade assim como de sua fungio civica, sem que seja certo que possamos jamais “historicizar” totalmente o fendmeno “nazismo”, tanto o horror dos cam- os toca os pr6prios limites de nossa cultura; como escreve F. Furet: “Ha uum mistério do mal na dinimica das idéias politicas do século XX"”, (s vinte anos que nos separam de Faire de U histoire nio foram ento marcados nem por uma falta de dlnanismo ~ as sinteses coletivas si0 muito numerosas, como as hisiGrias da Franga ‘ rural”, “urbana”, mais reéente- josa”, aL listoire de la vie privée [A histSria da vidaprivada)™, Inerodugdo 31 aL'Histoire économique et sociale duu monde (A histétia econémica ¢ social do mundo] ou a L’Histoire de Védition francaise (A histbria da edigio francesa], mais recentemente ainda, ¢ sob a iniciativa do editor italiano Laterza, a L'Histoire des femmes en Occident (A histéria das mulheres no ‘ocidente], seguida de uma L’Histoire des jeunes [A historia dos jovens] € agora de uma L'Histoire de Uenfance (A histéria da infincia] ~ nem pela inércia das préticas historiogréficas. A histéria social ¢ econdmica, por muito tempo dominante na Franga, apagou-se diante do avango da hist6ria ‘cultural, mas também da histéria politica, em histéria contemporinea™, mais ainda em Astéria medieval?! e moderna, como testemunham, por cexemplo, 0s importantes trabalhos consagrados & “génese do Estado mo- demo”, A rigidez dos quadros “estruturais” (0 econdmico, depois o social, depois o mental, para retomar a trilogia de E. Labrousse) desgastou-se, a quantificagio — uma das “linguagens de descrigio do mundo” preferidas peles historiadores do pés-guerza — perdeu terreno, mesmo que, como explica J.-Y. Grenier, permanega sendo um instrumento heuristico insubstituivel. A realidade hist6rica 6 cada vez menos exarninada como um objeto dotado de propriedades que preexistam & andlise, mas como um “conjunto de inter-relagBes que se movem no interior de configuragSes em @nstante adaptacio”®, Simona Cerutti aqui o demonstra a partir do pro- blema das classificagoes sociais. ‘Numa palavea, a pascagem das massas Ax margens, das andlises esta Uistica aos estudos de casos, dos obietos &s pritieas ¢sligicas sociais (como demonstra Dominique Julia s propésito da multidio) provocou, entre outras coisas, a reintrodugio dos agentes nos grandes processos histéricos © a Aiversificagio dos instrumentos analiticos. Passar a levar em consideracio, por exemplo, a diferenciagio social dos papéis sexuais em um némero cres- ‘cente de dominios (cf. 0 artigo de Olwen Hufton) no foi pequena trans- formagio. Notemos igualmente que a chegada, doravante maciga, de histo- riadores estrangeiros (americanos, ingleses, mas também italianos ou ale- mies) como Robert Damon, E. Weber, R. Paxton ou T. Zeldin, o desen- volvimento das grandes revistas angléfonas como French Historical Studies [Estudos histricos franceses] (a partir de 1962), French History (Histéria francesa] (a partir de 1987) ou Modern and Contemporary France [Franca modema ¢ contemporinea], favoreceram a renovagio das abordagens. Por que, apesar da riqueza ¢ da abundincia de um tal panorama — que além do mais é necessariamente incompleto ~ certas historiadores falam no apenas de incertezas, de dividas, mas também de crise? A 32 Passapos nECOMPOSTOs, questio £ tanto mais importante por nio se restringir 4 Franga, mas repetir-se na Gri-Brotanha ¢ nos Estados Unidos™. © fendmeno néo data de hoje: o primeiro alerta remonta ao fim dos anos 70 ~ momento de euforia persistente sob o signo da “nova histéria” -, com o artigo de Lawrence Stone que, & contracorrente de varias décadas de prética hhist6rica, diagnosticava um “retomo ao relato”®s, Ele chegaria a se integrar em uma “crise geral das ciéncias sociais’™, ‘Trata-se simples- mente de uma transformagio dos grandes modelos de inteligibilidade que, por longos anos, os historiadores utilizaram no exercicio de sua “profissio” (cf. artigo dv Philippe Boutry)? Trata-se também dos desafios que outras disciplinas podem lancar a hist6ria quando ela se esforga por historicizar 0 conjunto de realidades sociais, em particular entre 05 filésofos — trate-se da filosofia analitica, como apresentada aqui por Pascal Engel, ou da filosofia moral ¢ ética ~ que recusem a historicidade a certas realidades, em nome de um sujeito universal ¢ trans-hist6rico? Nio apenas: é préprio estatuto da hist6ria, enquanto Gisciplina cientifica, que a partir de entio & posto em jogo. De um relativo consenso passou-se a uma confrontagio ambfgua, conde a histéria, de resto, esté longe de se encontrar em uma posicio de fraqueza. Sob 0 choque da “virada lingOistica” iniciada nos Estados Unidos no fim dos anos 60*, ¢ de uma critica literdria que, levando a extremos as aniiises de Paul Ricoeur e, mais recentemente, de Hayden White sobre o relato (cf. 0 artigo de Frangois Hartog), amalgama “relato”, hist6rico ou nio, ¢ ficglo, a histéria tomar-se-ia um simples género literstio, ¢ perderia a partir disso toda pretensio a ser também um discurso de verdade. Ora, recentes proposicées da epistemologia das ciéncias sociais reinstalam a histéria no coragio das ciéncias sociais, no como a ciéncia-rainha, mas como um modelo geral de cientificidade das cién- CC. Passeron considera a todas como “ciéncias hist frente As ciéncias da natureza, as tnicas que estariam submetidas 20 modelo popperiano de validagdo experimental”. Em conjunturas diversas, segundo as disciplinas ov 0 pats, a “crise” se enuncia em termos de sobrevivéncia - Gri-Bretanha —, de futuro — Estados Unidos ~ ou de estatuto — Frang2, Estados Unidos ~ da histéria. Serd necessirio, por isso, dramatizar 0 momento presente pois, como lembrava recentemente a historiadora americana Joan W. Scott, “aqueles ‘que esperam que os momentos de mudanga sejam confortéveis ¢ isentos de conffitos ao apronderam hist6ria?™®. Irurotugdo 33 A profissio de historiador hoje A hist6ria tende a tomar-se um patriménio comum. Por cosseguinte, todo o mundo pode tomar-se historiador, de sua familia, de sua cidadezinha, de sua regio, de sua profissio, de sua dis. Diferentemente da matemstica, da até mesmo da sociologia ou da antiopologia, acontece ainda, muitas vezes, com a histéria como com a misica de amadores ov a pintura de domingo. Alguns mesmo, como certos juizes de Versailles em uma sentenca famosa ou cer:0 antigo conselheiro dc principe, se erigem pura ¢ simplesmente em historiadores. Donde um rico, clara- mente denunciado por Pierre Vilar: no “comércio da histéria”, as “marcas, [.-. estdo muito mal protegidas. Qualquer um pode se dizer histariador. [...] Contudo, nada mais dificil e raro do que ser historiador...™, Vilar acrescentava, é certo, 0 epiteto “marxista”, mas a observagio vale mesmo sem © epftety. Numerosos texios recentes. que remetem & “profissio de historiador” —as suas “regras”, como lembra aqui mesmo Frangois Bédarida ~ testemunham a atualidade da questio. Sc a patemnidade da expressio pertence a Marc Bloch, numa obra importante, ainda que inacatada®, cla pertence daf em diante a0 dominio pablico, para englobar a um lempo um ‘método — um conjunto de operagies técnicas, com seus instrumentos, seus procedimentos ¢ sua necesséria aprendizagem, ¢ eritérios de cientificidade = € uma deontologia, nao se deve esquecer a dimensio ética do trabalho hist6rico, como de todo trabalho cientifico. Certamente foram as exigénci da “hist6ria do tempo presente” que devolveram a essa antiga questio toda 2 sua urgéncia, enquanto que a reflexio metodol6gica recente tendia a promover o problema da “escritura hist6rica”, pondo como que entre pa- rénteses a imperiosa exigéncia de verdade". “pequeno mundo” dos historiadores? ~ Desde inicios dos anos 70, os efetivos universitérios conheceram um crescimento sem precedente. Os historiadores titulares de postos nas uriversidades francesas passaram. de 302 em 1963 para 155 em 1991, ou seja, seu nimero foi quase quadru- plicado, os professores de histria nas universidades italianas passaram de 252 em 1951 para 1.115 em 1983, e passaram de 1.300 em 1960 fara 1.700 ‘em 1970 nas universidades britinicas, quando eram por volta de 30 em 1900. As conseqincias so numerosas: a pesquisa profissionalizou-se ‘quase completamente, as custas dos ilustzes académicos, e, com: algumas ‘excogées, implantcu-se solidamente. O volume das publicagées dew um salto: de acordo com a bibliografia anual intemacional de histéria da Franga, 34 Passapos nEcoMPOSTOS contava-se com cerca de 3.000 publicacdes (livros, artigos, comunica- ‘qes...) por ano nos anos 1920, 5.000 por volta de 1955, 8.000 em 1960, 9.000 em 1963, 10.000 em 1970; apés um decénio de estagnagio, 0 eres- A colegio, visando 0 “grande pblico instruldo", se recusa a ser uma histéria ‘‘universel” do mundo: ela pretende multiplicar os observaiérios © recuse © euro centrismo, Cf, a introducko geral redigida por F. Braudel em A. Voragnac (Gir). L'Homme avant Uécritre, Paris, 1959, pp. VI-XU. + Geonges Duby se explica em L'Histoire contin, publicado pela editora UFRJ © Zanar em 1993, Pais, Odile Jacob, 1991, pp. 133-134, 148, 152. Ver aqui mesmo (artigo de Claude Langlois. Dos 35 colaboradores, 15 so antigos alunos da Ecole des Chares. A obra abr espag0 todavia para otestemuno sonore o cinema, ese abre (com prudéncia) a “algumas novasorientagGes" a lingitia (Marcel Cohen), as economias eas sociedades antes da era estatsica (Philippe Wolf), os dados demogrificos e estatsticos (Jean Mauviel), a histria das mentlidades (Georges Duby)- © A Dupront,“Présent, passé histoire in Histoire et 'historien. Recherches et débats du Centre des intlicctuels catholigues, Paris, Fayred, 1964, p. 18. Cf. ainda “Lhistoie, seience humaine du tempe présent” , in Revue de synthase, nimesos 37:39, 1965, ¢ 0 nimero especial da Revue de Menseignement supérieur, 1969, ‘némeros 44-45, preparada por Robert Mandrou, or: 0 uiptico “Lhistoize aprés Marx" de Pierre Vilar (pp. 15-26) e “Lhistoire aprés Freud” de A. Dupront (pp. 27-83). 7 Aujourd’hui Uhistoire, Paris, Editions sociales, 1974, resine os artigos publicados centre 1967 © 1973 pela Nova Critica durante uma enquete que, gragas as colabo~ ragSes dos mais dinimicos historiadores desse periodo (Georges Duby, Robert Mandrou, Jean Bouvier, Pierte Vilar etc), visava uma reflexio teérica sobre a evolugio da historiografia. 1 A metade dos autores da Nouvelle Histoire pertence & Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Pata 0 Dictionnaire des sciences historiques, essa proporgiv cai pars pouco mais de um quarto, Nos dois casos, a quantidade de parisienses per- rmancee amplamente majoriéria, mesmo que, com 95 autores, 0 Dictionnaire des sciences historiques se abra mais largamente aos provincianos (21% dos autores) fs historiadores estrangeiros (10,5%). + Jacques Le Goffe P. Nora (editores), Faire de Mhistoire, 1.1 Noweaus problemes, LAL Nouvelles approches, tM Nouveaux objets, Paris. Gallimard, 1974, 3 volumes. WF. Eure, “Le quamitaif en histoire”, in Faire de I histoire, op. cit. tt, p. $9-60. "-® Chaun, “L'conomie, Dépassement et perspective”. Faire de l'histoire, op. ct {L. pp. 66-67, Em 1962, comentando a tese de Michel Vovelle sobre Pidté baroque ct déchristinisation, defendiéa om 1971, P. Chaunu jé fizera um vivo elogio do ‘guantitativo no terceiro nivel", entéo em plena expansio: “Un rouveaux champ Introdugio $5 pour Mhistoire sétielle, le quantitatif au troisitme niveau", in Mélanges Fernand Braudel, t. Ml, Toulouse: Privat, 1972, p. 105-126, "F Furct, “Le quantialifen histoire", op. cit, p55. © M, Serres, “Les sciences in Faire de Phiscire, up. cit, Mp. 228. 4 poid, 4 Mp 265 : A colaboragio de Alain Besangon sobre o imconsciens,consagrada& comparagSo ‘de um mesmo epis6dio em dois romances russos dos anos 1860, um de Tehernychevski © outro de Dostoiévski, putece hoje pouco convincente. Ibid t. Il, pp. 31-3. % B, Viler, “Histoire marxiste, hi "ibid, p. 179, ids Ul, p. 67. M pbidy 1, pe 32. bid, ty ps 27. > Para um panorama exaustive da histria medieval francesa, cf. Michel Balard (iretor), L'Histoire médiévale en France. Bilan et perspectives, Pais, Le Seul 1991. 1. Wallerstein, Le Systéme du monde du XV* siécle d nos jours, Paris, Flammarion, 2 vol, 1980, em curso. 2 P. Kriedike, H. Medick eJ. Shlumbohm, Industrialization before Industialzation. Rural Industry in the Genesis of Capitalism, Paris-Cambridge, 1981 (edigéo alems, Gauingen, 1977). 3 Les Lieux de mémoire, P. Nora (dretor, 1. La République, tI La Nation, t ML La France, Paris, Gallimard, 1984-1992, 7 volumes 2 Para um balango recente da histéria dos bances franceses, Hubert Boni, “L'Histoire bancaite francaise entre I'université et les anaiversaires, L"information historique, LY, 1993, pp. 73-77; para a pesquisa italiana, Giulio Sapeti “II professor Roverato € il professor Bairat: ovvero del’ utltd © et danno della “storia d'impresa’ in alia", Societa e Storia, X, 1987, pp. 942-975. % Pode-se remeter aqui a0 beiissimo volume += homenagem a F. Bédaids, Ecrire Uhistoire du temps présent, Paris, CNRS Esitions, 1993, 2 F Biaudel, Lerits sur histoire, Patis, Flammarion, 1969, pp. 12.¢ 46. 56 PASSADOS RECOMPOSTOS 27, Furet, “La passion r6volutionnaite av XX° siécle in Le Pensée Politique , 1994, Ecrire Vhistoire du XX* siele, p. 39. = Todas publicadas, a partir ée 1975, pelas Editions Seuil. P. Léon (ditetor), L'Histoire économique et sociale du mond, Pati, A. Colin, 6 ‘volumes, 1978-1982; H.-J. Martin ¢ R. Chartier (dietores), L'Histoire de Wédition francaise, Paris, Promodis, 4 volumes, 1983-1986. 4 R. Réemond (diretor), Pour une histoire politique, Paris, Le Sevil, 1988 {Por uma histéria politica, publicado pela Editora UFRJ ¢ Editora FGV em 1996); para a historia das relagées internaciona’s, um belango problemitico recent R. Girault, “De Renouvin & Renouvin”, in P. Renouvin (¢iretor), Histoire des relations internationsles, nova edigho, Paris, Hachette, 1994, tl, pp. t+ XXXVI. 3 Para um ponto de vista estrangeiro, Charles T. Wood, “The return of medieval politics”, in American Historical Review, XCIV, 1989, pp. 391-404, = Trata-se apenas de um exemplo entre outros: cf. L’Etar modeme: ginese. Bilans cet perspective, JP. Gennet (¢4., Pasis, ed. do CNRS, 1990. |_ Revel,“L’histoire au rs du sol", in G. Levi, Le pouvoir au village. Histoire d'un cexorciste dans le Piémont di XVIIF siéele, Pais, Gallimard, 1989, pp. E-XXXI1 (edigio italiana, Turim, 1985). 5 Para a Franga, 0 diagnéstico mais articulado ¢ a obra de Roger Chartier, L'Histoire aujourd'hui: Joutes, défis, propositions. Eutopias, Universidade de Valence, vol 42, 1994, 24 pus os diagn6sticos britinico © americano sio de outra ordem: Davida CCannadine, “British history: past, present — and future?", Past and Present, n° 116, 1988, pp. 169-191; John Higham, “The future of American history”, in Journal of America History, LXXX, 1994, pp. 1289-1307. *L. Stone, “The revival of narrative. Reflections on 2 new old history”, in Past and Present, 8.85, 1979, pps 3-24, tradugio francesa: fe Débar, a. 4, 1980, pp. 116- 142 Annales ESC, XL, 1988, diferente foi formulado por R. Chartier, “Le monde comme ‘Annales ESC, XLIV, 1985, pp. 1505-1509. 6. Bley, “De yurnantlinguistique’ en I'historiographie anglo- amvérieaine des années 80°, Genéses, 7, 1992, pp. 163-193. Inerodugdo 57 » 4. C. Passeron, Le Raisonnement sociologique. L’espace non-poppérie raisonnement naturel. Patis, Nathan, 1991, pp. 24-27. du 91. W. Scott, “History in crisis? The others" side 2f 1 Review, XCIV, 1989, p. 692. story”, in American Historical ‘uma edigho erica acaba de ser pubicada por Etienne Bloch, Pars, A Colin, 1993. * Por exemplo, Paul Veyne, Comment on écrit l'histoire. Pris, Seu, 1971. “C. Langlois e R. Chatter, Les Historiens et Vorganization de la recherche, Mi nistério da Educagio Nacional, setembro de 1991, p. 18; Mirella Scardozzi, “Gli insegnamenti ai storia nell universit) italiane (1951-1983): tra immobilismo © frammentazione”, in: Quaderni storici, XX, 1985, pp. 621; D. Cannadine, art eit p. 171. A situagio € muito menos preocupante do que aquels descrita hi dez anos por Daniel Roche, “Les Historiens aujourd"hui. Remarques pour un débat”, Vingtidme Sigcle, n. 12, 1986, pp. 3-20. “ Uma diseussfo internacional sobre a questio figura no a 78 do Débat, janciro- fevereito de 1994. “© Jacques Le Goff, “Une maladie scientifique: Ia colloguite” in Sciences de homme et de la société, Lettre des départements scientifiques du CNRS, n. 32, 4ezembro de 1993, pp. 35. 10 panieo foi reproduzido no Evénement du feud, 30 de juaho-6 de julho de 1994, pp. 51 “* M, Chaudron, “Balter les sciences de "homme. Des live, des auteurs et des fecteurs", in Communications, $8, 1994, pp. 136. © Georges Duby, L'Histoire continue, op. eit, 29. 94. %M. Bloch, Berire La Soci&tétGodale. Lettres @ Henri Berr, 1924-1943, Patis, 1992. 8 E. Labrousse, “Comment contrdler Jes metcuriales? Le test de concordance”, Annales d'histoire sociale, I, 1940, pp. 117-150; J. Dupiquier, La population rurale du Bassin parisien a I’époque de Louis XIV, Lille, 1979, pp. 92-145 (estvdo critica dos dados), SA, Graffon, Faussaires et eritiques, Créativité et duplicité chez les érudits ‘occidentau, Pais, Les Belles Leties, 1993 (edigho americana, Princeton, 1990). 58 Passapos RECOMPOSTOS © CE. A tradugio recente de um grande texto do século XV: L. Villa La Donation de Constantin, edigio © tradugio por JB: Giard, Paris, Les Belles Letres, 1993, XXI, 149 p. Les “Protocoles des sages de Sion". Introduction & l'étude des *protocoles”: uns faux et ses usages dans le siécle, editado por P.-A. ‘faguielt, Berg trternational, 1992, 2 vol.t. 296 p. %M. Bloch, Apologie pour l'histoire, op. cit. (edigS0 de 1993), pp. 139-155. 571.0. Pressac, Les Crématoires de Auschwitz, la machinerie du meurtre de masse, Paris, CNRS, 1993. Os arquivos utilizados, os da “Bauleitung SS” de Auschwitz, estKo localizados em Moscor © no museu de Estado dOswiecim. % G. Noiriel, “Les enjeux pratiques de la construction de Mobjet. Lrexemple de Visumigration”, in C. Charle (dtetot), Histoire sovial, histoire globale?, Patis, MSH, 1993, pp. 105-115. Jacques Rancitre, Les mots de Whistoire. Essai de poétique du savoir, Paris, Le ‘Seeil, 1992, pp. 149-150. © Moyenne, miliew, centre. Histoire et usages. Editado por J. Feldman, G Lagneau, B. Matalon, Paris EHESS, 1991 “EP. Thompson, “Antropology and the di Hiszory, 1, 1972, pp. 41-55. pline of histori context”, Midland © C. Klapisch e D. Hetliti, Les Toscons et feurs familles. Une étude du catasio florentin de 1427, Pacis, 1978; A. Zysberg, Les Galérians. Vie e destins de 60.000 forsats sur les galeres de France, 1680-1748, Paris. Le Seuil, 1987; JP. Batdet, Rowen aux XVII et XVII siécle, Les mulations d'un espace social, Paris, 1983, 2 volumes. © Um uso meditado dessas diversas possibilidades foi realizado de modo convincente por B. Lepett, Ler Viller dans la France Moderne. Patis, Albin Michel, 1988 (cf. pp. 445-449). Um exemplo interessante de utlizacio Je um modelo de simulagio 2 taulo de avaliagio, sem ambigio “contrafactual”: J. Dupiquier e M. Demonet, Ce qui fait es familles nombreuses", Annales ESC. NXVII, 1972, pp. 1025-1045. “4. Helfer, Le Port de New York et le commerce extérieur américain (1860-1900), Pacis, 1986. Introdugao 59 Por exemplo, original e inovador © empreendimento em curso, do Adlas de la Révolution Frangaise, sob a diregio de Claude Langlois eS. Bonia, com 7 volumes publicados desde 1987. B. Croce, L'Histoire comme penseé et comme action, Genebra, Droz, 1968, p. 38 EH. Car, Qu'esnee que Uhisoire?, Pars, La Découvete, 1988, p78, (edigio sles, Londres, 1961). 6 o titulo— “Examen de conscience d’un francais” —da erceira pare de L'Etrange Deéfaite, de Marc Bloch, publizado pela primeiza vez ein 1946; ee €retomado desde 1 introdugio de Apologie pour Whistoire. Mare Bldch, L'Etrange Défaite, Folio Histoire, Pari, Gallimard, 1990, p. 150, € Apologie pour Vhisiire, op. cit, (edigho de 1993), pp. 60, 70-71, 280-282, % Mare Bloc, L' range Défaite, op. cit, pp. 155. % Citado por Mate Bloch, Apologie pour l'histoire, op. ct, pp. 77. "M, de Certeau, La prise de parole et autres écrits politiques, 2 edigi estabelecida © apresentada por L. Giard, Paris, Le Seuil, 1994, pp. 65 4, Rougerie, “Paul départementaliser Mhistoire de France?", Annales ESC, XX1, 1965, pp. 178-193. Gaitimard, 1987, pp. 1M. Moriceau, Les Fermieres del'Ile-de-France Lascension d'un patronat agricole, XV-XVIIF sidetes. Pais, Fayard, 1994, % A. Gérard, Le Révolution Francaise, mythes et interpréations, 1789-1970, Pais, Flammarion, 1970. 79G.G. Iggers,“Lihistoire sociale et Mhistoriographie est-allemande depuis 1980", in Vingtiéme Sicle, n* 34, abrilsjunho de 1992. pp. 5-24. % La Science historique polonaise dans Uhis:oriographie mondiale. Editado por Marian Lecayk, Wroclaw, 1990. R, Fletcher, “History from below comes to Germany: the new history movement J the Federal Republic of Germany”, in Journal of Modern History, LX, 1988, p. $60. 660. Passapos REcOMPOSTOS 4, Souchany, “Le navisme: ééviance allemande ou mal de la modemnité? Réflexions es historiens dans !"Allemagne des années 2ér0 (1945-1949)", in Vingtiéme Sidcle, 1. 34, abril-junho de 1992, pp. 145-156, "C. Lipp, “Writing hisiory as politcal culture. Social History versus Alltagsges- chichte. A German debate”, in Storia delle Storiografia, XVI, 1990, pp. 66-100; P, Schouler, "L'érudition ~et apis? Les historens allertands avant et apres 1945", Gendses, 5, 1991, pp. 172485. "RJ. Evans, “The new nationalism and the old history: perspective on the West German Historikerstreit, in Journal of Modern History, LIX, 1987, pp. 761- 7197; 08 principais textos do debate foram publicados em francés nas Fitions 6a Cert ein 1989. © R, Chartier, “L! re culturelle aujourd'hu in Gendses, 15, 1994, p. 123 terdseiplinarite”, “ B. Lepetit, “Propositions pour une pratique restreinte de Recue de syuthise, 1990. gp. 331-336 “Em pestcular,B. Lepetit, Les Villes dans la France Modern, Op. cit, C. Chat Les Elites de le République (1880-1900), Paris, Fayard, 1987. 24. Gauchet, “Changement de paradigme on seienees sociales?™, Le Débet,n. 50, rimvero especial, Matéridwe pour zervir & l'histoire imellectelle de la France, 1953-1987, 1988, pp. 168-169. © Uma apresentacio exfiiea dessas tendéncias em Lynn Hunt, “History, culture and text in The New Culural History, University of Catifommia Press, 1989, pp. 1-22. SG. Levi, “On microhi P. Burke (editor), New Perspectives in Historical Writing, Oxford, Polity Press, 1991, pp. 93-113, Sobre essa “mudangs de pparadigma” que nia € apenas italiana, também C. Charle, *Miero-histoire sociale f macroshistoire sociale. Quelques reflections sur les effects des changements de méthodes depuis quinze ans en histoire sociale”. in Histoire social, histoire slobale?, Sob a ditegio de C. Chatle, op. cit. pp. 45-57. " E. Grendi, “Microanalisi e storia sociale", Quaderai storiei, n. 33, 1972, pp. $06- 0: C. Ginzburg, “Traces. Racines de un paradigme indicisite”, in id, Myihes, cemlémes, races. Morphologie et histoire, Patis, Flanymarion, 1989, pp. 139-180. Le Fromage et les vers. L'univers d'un meunier du XVP sidele Fismmarion, 1980 (edigSo italiana, Turim, 1979), “GC. Levi, op. cits letemos atentamente a apresentasso de J. Revel, introducio preciosa & experigncia da. microstoria, Invrodugao 61 A. Pargs, Le gotit de Varchive, Paris, Le Seuil, 1989, pp. 145. Essa posigio ddesemboca no apagamento voluntitio do historiador para dar a palavia 20 documento: eaul, Le cours ordixaire des choses dan ta cité du XVIU siécte, Paris, Le Seuil, 1994. © A, Farge, La vie fragile, Violence, powvsirs et solidarietésd Peris au XVI si Paris, Hachette, 1986 “A, Farge, Dire et mal dire, L'opinion publique en XVII sidcle, Pais, Le Seull, 1992. “SM. de Cortens, L’Absent de Mhisture, op. eit pp. 179-180; ef ainda L'Beriure de I'histoire, Pats, Gallimaré, 1975, pp. 101-120, e 0 ® 58, de 1994, de Communications, dedicado & L'Beriture des sciences de l'homme. “4. C.D. Clank, English Society, 1688-7832, Cambridge, 1985. Um balance informado: E. Fano (editor), Una e invisible Temence atta della storiagrafia statuitense, Florenga, Ponte alle Grazie, 191. Cr. Joyce Appleby, “Recovering America’s historic diversity: beyond evceptioralise”, in Journal of American History, LXXIX, 1992, pp. 419.431 “*CI em particular os trabalnos de G. Nolrlel, Le ereusete francaise, Parl, Le Seu 1988, ¢ Lo Tyrannie du national: le droic d'asile en Europe (1793-1993), Paris, Calmana-Lévy, 1991. © Peter A. Novick, “That Noble Dream”. The “Objectivity Question” and the American Historical Profession, Nova lorque, Cambridge University Press, 1988. "©, Ginaburg, Lo starico e i gludice. Considerazion’ in margine al processo Sofri, ‘Turi, 1991 "61 Um nimeto recente da revista Quaderni storiei (9. 85, 1994) € dedicado & prova cm hits 1X Michel de Certeav, La Faiblesse de croire, texto estabelecido € apresentato por LL. Giard, Paris, Le Seuil, 1987, pp. 69. SaO.Lsand I us Certezas e Descaminhos da Razio Histérica Punuirre Boures “Nao lembrar 0 r0st0 do homem ‘que matamos no é melhor do que fazer um filho estando bébado,” Louis Aragon, La Mise & Mort Os auos 1990 nascem, por um manifesto de hist6ria “experimen- zal”, com um questionamente radical dos métodos eriticos da histéria Pretendemes, examinando as certezas ¢ os descaminhos da razéo hisié- ica, discemir as evolugoes recentes das interrogagdes dos historiadores sobre sua pr6pria disciplina, tratando da hipertrofia do sujeito do conke- cimento, des prestigios ¢ das desilusdes do quantitativo, do dectinio da razio geogrdfica em historia, dos indicios, enfim, de uma superagio do momento anti-iumanista das aventuras da razio histérica © alma decénio do séouto XX € inaugurado, no dominio ~ relat ‘vamente potco feqiente na Franga —da reflexo dos historiadores em tomo §s racionalitades de sua propia dictplina, por uma obra ambiciosa, Atter histoire [Aer hist] (1991), que reine uma dezena de ensaios de histéria experimental A frente da coleinea vem um texto assinado por Daniel Milo Pour une histoire expérimentale, ou le gai savoie” (Por uma histria expe- imental ow a gaia cifncia]. O manifeso a “histra Kies”, posta sob 0 trplo apadrinhamento de Nietzsche, Groucho Mars e Aris6teles, evindia, altemadamente, a violagio do objeto (hist rico) € a onipoténcia do historia- dor; 0 anacronismo metédico (pela superacic da conti ceneutralizagio da intencionalidade dos atores hist6ricas): 0 distanciamento em relagio a0 objeto (0 Verfremdung brecht no adaptso A hist6ria sob as formas do izacfio"); moratéria na produgio de novos documentos: 0 empobrecimento voluntirio a “des cestranhamento, imiliarizagio” € da “des-contextu: 66. PAssapos RecoMPOSTOS das fontes e a epeticio critica das pesquisas anteriores; a pritica sistemética de uma experimentacio arbitréria das hipteses interpretativas ¢ de um comparatismo radical, para além ds sSculos ¢ ecatinentes; a ampliagio do ‘campo dos possiveis histéricos; a utilizagio da quantificagao para fins ex- perimentais; 0 desrespeito ao passade, em todos os casos. (© aue um tal projeto contém de. provocacio jubilosa nio deve en- ‘retanto dissimular uma umbiglo intelectual: constituir os fundamentos de uma outra histéria ¢ exaltar a missio de uma nova “raga” de historiadores experimentais. Por isso, seria desejével, para inicio de conversa, considerar esse manifesto no tanto como um conjunto de proposigées argumentadas, ‘mas (fiel nisso a ligo de Nietzsche) como um sintoma que expri tempo as incertezas e os impulsos de um grupo importante de historiadores em relagio aos métodos, as tradigées © 20s valores de sua disciplina. \e em seu Da hipertrofia do sujeito de conhecimento [A posigio elevada conferida a0 historiador na produgio de saber constitui 0 primeiro e sem divida o principe! sintoma da criss intelectual {que 0 manifesto da hist6ria experimental traz & tona. “Violentar o objeto 00 slogan deste manifesto”, conclui Daniel Milo, que atribui ao histo- riador poderes ilimitados sobre 0 objeto de sexs estudos. O historiador experimental constitui 0 “nico sujeito pleno”: “O espago antes ocupado pelo sujeito histérico parece assim ocupado pelo sujeito historiador.” “Ex- perimentar 6 viotentar 0 objeto”: O historiader deve ser “conscientemente, violentamente ativo", para além das “reticéncias”, das “resisténcias” ¢ das “meias-medidas”. O passado é sua “vitima passiva”; ¢ as duvidosas meté- foras da violagdo como a referéncia a0 narcisismo freudiano sio explicitas: “Qual é 0 objeto final da hist6ria experimental? Qual € o lugar do eu ~ tomado no sentido amplo do termo — historiador nesse projeto? Conhecer melhor ou diversamente 0 passado, ou se conhecer melhor? Pois se falamos ‘ex matéria prima a propésito do passado estudado, se pedimos 0 desres- peito a ele, toma-se improvivel atribuir-the uma prioridade no processo de igibilidade conduzido pelo historiador experimental.” (0 que essas linhas devem 20 “nicteschismo” intelectual ¢ moral do segundo século XX, e muito particularmente ao jovem Nietzsche de De Putilité et Vinconvénient des éudes historiques pour la vie {Da utilidade € o inconveniente dos estudos hist6ricos para a vida) (1874), nio poderia set ignorado — tanto mais que @ gaia ciéncia ds ‘explicita. Conhecemos suas frincipais teses: que a época esté saturada de ist6ria experimental 0 Questoes 67 hist6ria (“o homem modemo carrega consigo uma enorme carga de pedras, as pedras do indigesto saber”, cap. IV); que esse exzesso de histéria pode ser nocivo ao presente ¢ & vida (“o passado deve ser esquecido sob pena de se tomar 0 covciro do presente, (pois) toda agio exige o esquecimento, como todo organismo necesita, néo apenas de luz, mas também de obscuridio”, cap. I; “damos mais importancia a histéria que & vida", cap. TV; “o excesso dos estudos de hist6ria & prejudicial zos vivos” cap. 11); que a proliferagdo da histéria se alimenta do surgimento da massa (“o desejo geral de popularizar a ciéncia, igual ao de feminilizé-la e infantiliz-a”, cap. VII; “a idéia muitas vezes penosa de ser epigonos”, cap. VIII; “seria verdade que nés, alemies, para no falar nos povos latinos, (...) jamais poderemcs ser sendo descendentes?”, cap. VIID; 0s limites da piedade (“o prazer que a drvore recebe dé suas raizes, a felicidade que se experimenta por nao se sentir nascido do arbitrério e do zcaso, mas saido de um passado = herdeiro, floracio, fruto —, 0 que desculparia ¢ até justificaria a exis- tncia, é isso 0 que hoje se chama, com uma certa predilegio, o sentido histérico”, cap. III); ¢ a denegagio da objetividade (“os historiadores in- génuos chamam de objetividade © habito de medir as opinides ¢ as agio passadas com as opini6es correntes no momento em que eles escrevem”, cap. VI). Em filigrana 20 raciocinio nietzscheano, hé finalmente o velho bordio do super-homem: “Apenas pela maior forea do presente o passado deve ser interpreiado (...). O igual pele igual! De outro modo abaixaricis ‘0 passado a vosso nivel. Nao acrediteis em uma historiografia que nfo saia ds mente dos cérebros mais raros (...). No 6 0 caso de se desprezar os trabalhadores que emputram 0 carrinho-de-mio, que aterram e peneiram, sob 0 pretexto de que eles no poderdo certamente se tomar grandes historiadores (...) mas olhé-los como operirios ¢ serventes necessérios a0 servigo do senhor(...). 0 homem superior que escreve a histér Para dizer a verdade, a deriva nietzscheana do historiador onipotente os anos 90 se alimenta igualmente de outras fontes, ¢ principalmente em dois momentos da reflexio sobre a histéria tal como ela, muito esporadi- camente, se desenvolveu na Franca no cltimo meio século. Houve, antes da guerra, as duas teses (de inspiragao neo-kantiana) sustentadas em 1938 por Raymond Aron, sua Introduction a la philosophie de l'histoire. Essai sur les limites da Vobjectivité historique (Introdugio a filosofia da hist6ria Ensaio sobre os limites da objetividade histsrica] e sua Philosophie critique de Vhistoire (Filosofia critica da histéria] (originalmente: Essai sur ta thedrie de Vhistoire dans l’Allemagne contemporaine (Ensaio sobre a tcoria (65 PaSsaDos nECoMPOsTOS da hist6ria na Alemanha contemporineal), que, & luz da filosofia © da sociologia alemas (Dilthey, Rickert, Simmel, Weber), se haviam atribufdo 1a missfio de reoxaminar criticamente as categorias do conhecimento hist6- rico: orientagio prolongada no imediato pés-guerra sob a forma de uma anilise (fortemente tingida de fenomenologia existencialista ou personalista) da “subjetividade do historiador” e de uma reavaliagio global da hi dita positiva, da qual uma obra de Henri-Irénée Marrou, De la connaissance historique [O conhecimento histérico] (1954), € virios artigos de Paul Ricoeur reunidos numa coletinca intitulada Histoire et verité (Historia e verdade] (1955) constituem as princi;ais etapas. Mus, ao mesmo tempo em que Raymond Aron consagra no fim de sua vida seus tl implicagées da filosofia analitica de origem anglo-saxdnica sobre o conhe- fento hist6rico (cursos de 1972-1974 publicados em 1989 sob o titulo Legons sur Uhistoire (LigSes sobre a hist6ria], uma segunda etapa da reavaliagio dos fundamentos cientificos da producdo do discurso hist se inaugura na virada dos anos 60 e 70 com (para ser breve) a publicagio ‘das principsis sinteses de Michel Foucault ~ Les Mots et les choses (As palavias e as coisas] (1966); L’Archéologie du savoir [A arqueologia do saber] (1969) -, das anilises de Paul Veyne ~ Comment on écrit l'histoire [Como escrever a hist6ria}, (1971) ~ ¢ das reflexdes de Michel de Certeau = L’absent de Uhistoire [O ausente da hist6ria), (1973); L'éerit de Vhistoire [A eserita da hist6ria}, (1975). Esses dois momentos definem no espaco de meio século um percurso relativamente linear: da objetividade & subjetividade; da critica das fontes & das eategorias e modos de escrita. O questionamento da verdade (ou jade) da hist6r uma dimensfio considerdvel de relativism: meu colega ¢ amigo Michel Foucault, que € preciso, de uma vez por todas, 10s escritos 2s vali como forma de conhecimento traz, todavia, consigo Se alguém estima, como o faz se Svrar da mitologia do verdadeiro ¢ do falso”. exclama indignado Aron ja implica, por Indo, a emergéneia crescente do sujeito do conhecimento: “Pode-se constatat, entre os historiadores recentes”, releva com prazer, igualmente em 1972, de Certeay, “que essa ressurreiga do eu uo discerso histérico jd em 1972, “0 logico depie imediatamente as armas”. inte, mas ainds adicional, atribuida 2 hisséria do sujeito-historindor: 03 Prefiicios, em extensio, se articulam histéria do objeto estudado ¢ precisam 0 lugar do locutor™, A hipertiofia do sujeito-historiador, t fests da histéria. experimental, ni como ela se exprime com procede entio apenas de Questees 69) uma vontade de potéxcia (no nivel, enfim derrisério, proprio do manipulador de textos, de imagens ou de dados), mas de ums orientagio quase secalar que viu uma reavaliagio dos fundamentos filoséficos da histéria critica € positiva da segunda metade do século XIX mudar-se progressivamente em uum questionamento radical dis légicas e das racionalidadss do raciocinio iist6rico. Avatar disante da agitagio cultural que precede e segue 1968°, 2 hist6ria experimental exprime por sua vez. uma posigio subjetiva tanto mais violenta por se omar com 0s atributos de uma liberdade absoluta, da inovagio e do desrespeito. “No nietzschismo, sublinha Vincent Descombes, a resisténcia & arregimentagio toma a forma grandiosa de uma teoria geral dos signos, com sua ontologia (ha apenas interpretacdes, nada hi a inter- pretar que j8 nio s:ja uma interpretacio) e sua epistemologia (nfo hi conhecimento, apenss discursos, ou ageneiamentos de signos, produzindo efeitos de verdade"®... Nascido jovem demais num mundo velho demai 6 historiador dos anos 90 estaria, por sobredeterminacio de sua individua- lidade intelectual ¢ rentincia & verdade de um conhecimento, votado a interpretar incessanlemente ¢ experimentar infiaitemente os signos, os discussos © as imagens de um saber acabado? Pres:igios ¢ desilusdes do quantitative Tal nao havia sido, entretanto, vinte anos mais cedo, a esperanca dos protagonistas di “nova histéria”, tal como se exprimia através dos artigos 1d um tanto euféricos que, em 1970, Pierre Chaunu consagrou & historia serial?, ¢ em 1971, Frangois Furet & histria quantitativa’, A constituigio, ld onde as fontes o permitem, de séries temporais homogé. nneas, nfo apenas nes dominios da economia e da demografia, locais de origem ¢ terras eleitas do quantitativo histGrico, mas também om hist6ria 1, politica, cultzal ou religiosa, permitia prever uma transformagio radical da nogio de acontecimento de “f3to histérico” em geral, cons- truido © nfo mais dado, a partir de premissas que dependem a0 mesmo tempo da potencialidade da fonte (a série quantifiedvel) e de uma pré- definigdo dos questionamentos a vir ¢ das respostas que a documentacio pode obter (a compesigiio prévia de campos estatisticas e de interrogagGes numéticas), “Toda a propria concepgio da srquivistica vé-se radicalmen- te transformada justamente no momento sm que suas possibili :multiplieam pelo tratamento cleti ides se ico da inform 0”, observa Francois, Furet, A quantificacio autorizava a partir de ensio o historiador a recolher fontes a priori esirinhas & seu objeto e, segundo 0 temo em uso na 70 Passabos RECOMPOSTOS corporagio, enviesd-las por uma boa causa, ou s¢ja, as necessidades de sva pesquisa (0 balanco demogrifico de uma populagio a partir da listas de comunhio pascal; a composigio socioprofissional de uma cidade na base de uma lista de impostos; a evolugio do sentimento da morte a partir de testamentos perante tabelides; a transformagio dos compertamentos mais conforme os registtos paroquiais etc.). As potencialidades mél- tiplas de iniciativa ou de manipulagén.que a quantificagio oferece nfo sio certamente estranhas, de resto, ao sentimento de poténcia, j6 evocado, que percorre a pritica hist6rica da segunda metade do sécuio XX. Com efeito, a introdugio maciga do computador no seio da pesquisa histérica a partir do final dos anos 70 constitui ao mesmo tempo um elemento fundamental no alargamento das possibilidades e a renovacio dos procedimentos ¢ raciocinios. Seu aporte se apresenta j6 agora, enquanto se ‘espera um primeiro balango das pesquisas efetuadas, no minimo formidavel. Nos mais diversos dominios, da tconometria & iexicometria, da anslise dos textos & das imagens, das taxas de fecundidad> 20s modelos de desenvolvi- ‘mento, dos presidifrios as redes urbanas, oinstru.nento informiticu permitiu ‘acumular, em uma escala absolutamente inédita, informagées perceptiveis, ‘ou quanlificdveis sob a forma de bases de dados, multiplicar as elaboragbes, renovar as interrogac6es, verificar ou anular interprotag6es. O computador para 0 historiador francés das iltimas décadas, participante ativo da revolugéo informética das ciéncias sociais e leitor assfduo de revistas espe- cializadas Histoire et mesure [Histéria e medida, Le Médiéviste et 'Or- dinateur {0 medievalista © 0 computador] etc.), 0 verculo de uma mutagio tecnolégica ¢ 0 vetor de uma revolugio metodolégica sem precedentes. “Trés perigos parecem todavia relativizar, nos primérdios dos anos 90, ‘© impacto da transformagio induzida pelo recurso 20 instrumental informético, dissipar até certo ponto as cuforias quantitativistas,e alimentar centce uma parte nada desprezivel dos historiadozes um relativo desencanto. A primeira dificuldade diz respeito a0 cariter incompleto da revolugio informatica tal como operov'se na Franca, muite progressivamente, durante ‘05 tiltimos quinze anos. Ao lado de disciplinas que pr maciga ¢ sistemética do computador, seja a titulo de base de dados © instrumento de céleulo (demografia, economics. histéria social ou politica), soja sob a forma de corpus indexaveis (andlise de textos ou de imagens), quantos pesquisadores nin consideram a tela inteligente que Ihes foi ofe- recida pelo éitimo avango tecnol6gico da modemidade apenas uma méqui nna de escrever mais cémoda, sum que precedimento, ou, a fortiori, ym uma utilizagio Quesiées 71 raciociniv informStico intervenham diretamente na construgio de seu tra- balho? Como dar conta de outro modo do declinio relativo da enqucte quantitativa em dominios onde ela havia sido pioneira, como a sociologia religiosa retrospectiva ou a hist6ria do Livro, justo agora quando as ope- rages computiveis que formam sua base seriam infinitamente inais fac litadas? As agbes de Gutenberg (para no evocar os copistas que o prece- deram) permanecem sélidas entre 0 povo historiador da fim do século XX, a onda quantitativa retirou-se por vezes bem rapidamente da praia que ela um instante pensou ter invadido para sempre. (© segundo perigo sé inscreve num processo de desagregayio da unidade dos saberes histéricos e se liga principalmente aos dominios para 0s quais 6 computador tornou facilmente praticdveis tarefus antes julgadas fastidiosas ou mesmo insuperaveis: em primeiro lugar a economettia retros- pectiva ea demografia hist6rica, Procedimentos técnicos sofisticados, como a busca de modelizagées de tipo matematico, ou o recurso & anslise fatorial, afastam progressivamente da cultura comum dos historiadores blocos teiros da pesquisa: comparados com as elaboragSes mais recentes, 0 Beauvaisis de Pierte Goubert, o Languedoc de Emmanuel Le Roy Ladurie parecem um pouco exercicios para alunos primérios, no momento em que miltiplos indicios nos fazem infelizmente pensar que as principais aquisi- .gées da demografia histérica ou da hist6ria econdmica ¢ social do segundo tergo do século XX, apenas muito incompletamente penetraram na forma- ‘lo geral de professores e de estudantes de hist6ria. A \égica institucional ¢ cientifica dos laborat6rios conduz assim, muito paradoxslmente, 20 iso- Jamento progressivo das pesquisas mais inovadoras no dominio da hist6ria ‘quantificdvel: 0 computador, em muitos dominios, aumentou as di disciplinares ¢ favoreceu o desenvolvimento em separado (em afticSner: apartheid) das problemsticas. “Vivemos a fragmentacio da hist6ria”, es- ‘ereveu Pierre Nora na abertura de sua “Biblioth¢que des histoires” [Bibli- ‘oteca das histérias), vetor do brilhante mas efémero encontro da “nova hist6ria” e do grande pablico culto no meio dos anos 70: 0 computador contribuiu sem divida de modo mais eficaz para a verificagio desse fato do que a ampliagio multiforme do campo das abordagens hist6ricas. (0 altimo perigo disposto na via ascendente que os anos 70 tragavam para a histéria serial foi, desde a origem. identificado nas exigéncias par- ticulares determinadas pela mutugio do estatuto das fontes e do papel do historiador, Quantificar é, com efeito, constituir-se estritamente prisionei to, a.um s6 tempo, de uma série documentéria ¢ de uma linha interpretativa 71. Passapos nEcoMPOsTOS determinada a priori pela propria elaboragio do material cifrado. A critica das fontes, tal como os mestres eruditos do método histérico, do sévulo XVII 20 XX, afirmaram, no perde os scus direitos: apenas se projeta do tum para o miltiplo, do documento isolado aos seus procedimentos de homogencizagéo e processamento. A constituigée do material quantitative sobre 0 qual se funda 0 raciocfnio deve igualmente responder a exigéncias dda mesma ordem, sob o risco de cair num empirismo por vezes fecundo, mas sempre, por si mesmo, insuficiente: a quantificagio exige entio a cexplicitagio dos questionamentos preliminares do historiador assim como a verificagio ulterior de sua pertinéncia‘e de sux validade, As interrogagées ¢ as interpretagées finais do historiador serial remetem, enfim, o mais das vezes, 8s problematicas globais dos dominios considerados, expressas nas ceategorias mais gerais da linguagem das cifras: alta ou baixa, aceleragio ou desaceleragio, concentragio ou difragio... A quantificagio parece assim, mas em escala diferente e segundo vias inéditas, reencontrar os métodos, ‘as questdes ¢ as debates. da histéria classica; ¢ a posicio paroxistica do manifesto da historia experimental (quantificar! quantificar!) traduz em verdade, sob a forma de uma fuga para frente, ema inquietaglo lancinante: {que 0 serial, para além dos seus aportes ¢ seus confortos, nio seja aquilo por que a razio histérica mudou de base. © declinio da razio geogréfica em histéria Quantificar & ainda operar uma redugio do rea! para fins estatis- ticos ou comparativos por abstragio proviséria do dado histérico ou gengrifico: objeto da maior importincia em ema perspectiva experimen- tal de erradicagio das contingéncias temporais, espaciais ou culturais, que reprova ¢ rejeita sem apelagio “o prazer que 2 Srvore tira de suas raizes, a felicidade que se experimenta por nio sentir-se nascido do arbitritio © do acaso, mas safdo de um pasado ~ her¥ziro, floragio, fruto..." ‘A ctise da razio geogritfica em hist6ria no dltimo decénio do século XX — que determina por sua vez o enfraquecimento gradual das causali- dades espaciais no raciocinio histérico — se alimenta todavia, para além dos imperativos computéveis dos métodos scriais. de fontes mais profundas. A Gupla formagio ~ a um tempo histérica © zeogrifiea ~ dos historiadores ica que fazer: do mapa (de localizagio, de densidade ou dinimico) no raciocinio © na exposigio, constituem, é sabido, tuma especificidade importante do recorte do campo dos saberes tal como © conecbeu, no fin do século XIX, a Terceira Repablica, recorte sinico Eranceses, a utilizagio sister Quesides 73 na Europa, ¢ que provoca ainda hoje, segundo 0 caso e o humor, a admiragio ou 0 espanto, a hilaridade ou a irritagio dos historiadores italianos, alemaes, belgas, espanhéis ou anglo-saxdes, cujos recortes associam mais comumente a hist6ria, aqui a filosofia, ali & filologi Da propria geografia veio, no curso dos anos 70 ¢ 80, a ruptura progressiva de contrato. A geografia de referéncia dos historiadores era 1 geografia lablachiana: geografia humana (demasiado humana?), anco- rada na percepgfo das glebas e das culturas, das paisagens ¢ das tradigbes, das permanéncias estruturais ¢ das lentas transformagoes hist6ricas; abor- dagem global, histria total dos pafses ¢ dos homens, construfda & imagem ¢ para a exaltagio da Franga ainda amplamente rural do desvio da virada dos séculos XIX ¢ XX. O questionamento dos pressupostos ideolégicos da construgio de Vidal de La Blache ¢ de seus herdciros, a afirmacio rigorosa ¢ por vezes veemente da autonomia do procedimento geogrifico, as novas perspectivas aberias pela cartografin informatizada, a ambigio de ‘uma geografia exclusivamente centrada em tomo da nogio de espago em suas acepgdes antigas (geografia rural, industrial, urbana, geografia dos transportes) ou novas (organizagio do territ6rio, geopolitica, geo-estraté- gia) conduziram os geégrafos, no plano intelectual, a uma separagéo de ccorpos ainda mais paradoxal, porque o eusino das duas disciplinas perma- nece estreitamente unido e porque os historiadores conservam globalmente ‘© gosto pelos mapas ¢ croquis, quando nio a nostalgia das glebas. Filha deserdada de amores levados pelo bom ou mau vento das “l6gicas espaciais”, a geografia dos historiadores neste final do século XX afirma ainda solidamente sua presenga no scio do processo hist6rico: para ficarmos com um tinico exemplo, o empreendimento coletive do Adlas de Ia Révolution Francaise (Atlas da Revolugio Francesa)’, expressio gri- fica e carlogrifica do acontecimento revolucionétio, na curta ou média duragio sob seus diversos aspectos, assccia estreitamente mapas ¢ esque- mas, elaboragées espaciais ov estatisticas ¢ discurso histérico, numa ar- ticulagio intelectual onde © mapa é a um tempo transcrigio geogrifica do saber hist6rico, clemento de racioesnio, fonte de interrogagio e motivo de interprotagio. Igualmente, a hist6ria politica como a histéria religiosa ou a histéria sécio-cconémica continuam 2 integra, mais ou menos fundamentalmente, mapa a scus questionamentos. O tempo © 0 espago ‘da geografia de Vidal de La Blache, como o acontecimento ¢ a duragio da andlise braudeliana, continuam a compor o quadro original de uma reflexio histérica obeccada pela inteligéncia global do passado. “euuoy eu 2 opssosdxo ou epios syeus se1s9 30d epure cara stots of episuonut ‘euin woo ‘2quautepins as1oouad anb o1repasgo stety opisonb v wpque ‘eyaioas syeus opSiquie e ‘zane “> opnuss ap opSou e srenposuioy, “sv2ydxo 7 pf sossou apuo eanoodsiod eumn twas opSnposiuios © un ep (onooona med) ,2Pe; jronb op s180y wo anbiod oyuaujoncaos “so10peyoysty sop 9 soyosg1sj sop oF5 8 duos winSye py apsop wersinbuess: ‘orSeinp eBuol up 9 sv sop exo vu oxojduwoo oysauieyuis¥1 opewso) ojuoure}ouaTE nos Wo ores 0 as ‘zoanesseu oyenuo>, © no emmpipin e 9g “(c66T) xp sesneyed sy] 21o1sy,p siow so7 ~ oxgtoury, sonboey op 2 ~ (€36r) ores: 2 odwag] 091 19 sdwaz — snaoary tned op st owoD opra1t0> ou 9 opSuoqu eu sorueyfowossap OF) sesqo op spnenie o1uoB1x0 9 EHIPzUL ap sogSeSoss91U] “esjoo wuundye eyas Bf “,2PEpIOA ap SOI}, sop 9 sagSeraxdioim sep ogSeynumoe ep wipye ered ope; nur ep easnq, © Z9A ons sod eywounye onb onuosUD wn 9p ‘TeUISUO enyIo] eUIN op -jwuid opSoma v ora} op waugsoduroyuos opScujos%3 wu Jo] oUpSsoo0U n sayy “2qUaLNjaAeAOsg {SeDUgIAL SogSemByuOD sep 9 SosiNOSIP SOP seuy sasygue op 9 sexoqdwos seatieinuenb sagdexoqeio 9p soduoy soysott J0JO op suatoy sojod sopuny Sop OLSeoIsIOA tp 9 opSeatjISsEIO Ep CUoIPH 09 eouipid g onedsa: zip anb ou ‘opepinusSuy “|, ,s25109 Sep 9 $9105 SOP Teyouassa o ‘wo8era ‘ossooe 191 9p 9 30985 do ses ‘opungod set ‘onugBut nig ojuaunsop op ‘oniwbse op (Zo1s0U" ep sopevoysiy win eas anb sew) eonsied gf ‘(exourorto omenb eo01seq OF) 9 onousd o {ws 0} 149 ‘sesnioepne sasaigdiy op no ‘eradso op stipad op vsin = ‘Sqn 2UIIO! SOWA “99 SoUe Sop OpuNquOW oWSIUEWINY-HUE O nod] opuo oso v sessedesyjn wed seiope soared “XX O[no9s op [eu oISou sexopeporsit opzes v anb seta se ‘soruions ‘punsoy © qos omsou ‘sya8ns a8 uta o}sps0U29) op testo sonbyenb gy anb — svjosonb o selonou op SL semvsanty “sou woysixe ogu onb sesgyed sep 9 sesto> sep ‘suotot| sop epeasasuoa gWout ep ‘ealssoons opSei08 epro eed -siy 0 ‘08of op soyuas -ontusy sosaigdiy sep eonpwoisis opSeiui 2s witd soancordxe sojspow sspues3 so 00019 wio orf op owtiowooyuoo op spop19A oun seSueoje exed cuoWNY Eze! ep ‘opepioedeo up feoipey sousu: no syeus opSeljearos Guu ‘owlsHUd!> op ‘pep! ep onugSuy onb owiod 9 o1nsq o#vf O eAtUtos so}Ue 9puO Jen} © ojnjosqe soyuas owtos ednoo Zopeisorsty op o89 0 ojwenbus “Wissy 12 asU9 wss9 1e90]0D08 esed sep oduieo op o1 op soxopesed 50 “o[n99s-op-wi apr 14 ‘oxroated anb cons Wisse essoat: -yewoutiodxe sopenorsiy op opSezremxoI0>s9p,, ap 9 ojuoumuquesso op valsianqns wsoxduia © eyjoua 2s onb eowon ep 9 sogbeSousoqu sep steroedso sejeoso se wesewoisue3) -oroyt ep eppuany jpiu0d ov ‘oWoD uSsE (,OPtDIOLH, 9p OBSOU ep owo} wo ‘eonsjod wa owos eTwoLOVe Wo ‘sepesiuse) seo!dasoz9eu sostigue sv ‘oduioy owsow oy “oyuenss etougssa 10d 9 soul anb oF -towevonsonb win ap je!2edso oxpenb o owoo sepiqaouco juoupesa8 ioe ops ‘seuosfo1 no seueseoomp seunqin no sein segesTouoe ante HSU “ofonjonor efueig ep outa wisse, SUIS uojouY op eBuRlZ vp sopEpION 1401 soy090s sop ‘sojes890% sop aued sod ‘opStyyeneai ¥y “soouRy -odwoluoo satopuLioisiy sop ;Iqord sep wotyy1S0s8 opsustmp ep OF -uowtoonbesyua 01100 win se5}e04 9p 1ex19p ‘owueyantia‘souropod OFN, soisouncomsoavssvg $l 76 Passabos RcomPosTos 0 trabalho de numerosos historiadores do tltimo decénio do século, O que 9 encontro do arquivo provoca, o que o relato torna inteligivel, é a pertir daf 2 busca do sentido ~ situe-se cle em uma intuicio inicial, uma hipétese fundamental, uma temética central, uma interpretagio final ou um “pensa- mento oculio” — que cabe fomecer-Ihe um foco cuja temporalidade por vezes 6 apenas pretexto: mas chegarfamos até pretender que o estudo da histéria € bom para a vida? Notas "Alter histoire. Essaisd’l‘stoire expérimentale, reunides porD.S. Miloe A. Bovreau, Paris, Les Belles Lettes, colegio “Histoire”, diigida por M. Desgranges.eP. Vidal Naquet, 1991. 2 Citado aqui na tradugio de HI. Albert, De Musilité et Uincouvénient des études historiques pour 1a vie (segunda consideracio in:empestiva), Paris, Garnier- Flammarion, 1988, inirodugio de PY. Bovrdil. > Legons sur Uhistoire, Paris, 1989, p. 145. 4M. de Certeau, “Une épistémologie de transition: Paul Veyne”, in Annales BSC, XXVIII, 1972, p. 1325. #L. Feny, A. Renavt, Le Penseé 68. Essai sur Manshhumanisme contemporaine, Paris, 1985. 6 Deecombes, “Le moment frangais de Nietesche”, in A. Boyer, A. Comte-Sponville, V. Descombes et alii, Parquoi nous ne sommes pas nietzschéens, Paris, Grasset, 1991, p. 113. 7 P, Chaunu, In Revue Historique, 494, 9. 297-320; ef igualmente “Histoire quantitst'se ou histoire serial", Cahiers Vitheedo Pareto, WL, 1964, pp.365-176. histoire sérelle, ban et perspectives”, * & Puret,“Lihistoite quantitative et la construction éu fait historique”, Arnales ESC, XXVI, 197V/1, p. 63-75, retomado em J. Le Gott. P. Nora (editores), Faire de Phistoire, 1 — Novos problemas), Paris, 1974. pp. 42-61 © 5, Bonin € C. Langlois (Jiretores). Atlas de la Revolution Francaise, 7 volumes jublicados desde 1987. 1. Routes et communications. 2. L’Enseignement, 1760 ISIS, 3. LiArmé loa guerre. 4. Le Territoire. Reclités © représemtations. 5. Le Quesies 77 Territoire. Les limites odiinistratves. 6, Les Societés politiques. 7. Médecine et © 4, Revel, “Lihisoire au ras du sol”, prefscio 2 tradueio francesa Wo livio de G. Levi, Le pouvoir au village. Histoire de'un exorciste dans le Pigmont di XVII sigele, Pris, Gallimard, 1989, pp. I-XXKIT (edigho italiana, Terim: 1985), "A, Farge, Le Gott de Varchive, Paris. Hachette, 1989, p. 14-15. Dols Hist6ria e Ciéncias Sociais: Uma Confrontacao Instavel Jacques Rever Nossas sociedades tornaramse mais opacas pura si mesmas, incer- tas quanto a seu presente, seu futuro e, com isso, mesmo quanto a seu passado. Ao ‘esmo tempo, os grandes paradigmas unificadores que ha- viam servido de arquitetura abrangente ao desenvolvimento das ciéncias sociais desmoronaram, € com eles 0 modelo funcionalista que tinkam, gross modo, em comum. A iistéria global (ou a historia total), cujo projeto havia orientado os esfarcos de tras geracées de historiadores, viu- se desse modo, ao menos provisoriamente, posta entre parénteses. A histria € as cincias sociais: esse paderia ser o tema de um inds hoje existissem. Poucos argumentos terio sido mais obstinadamente invocados, a0 menos na Franca, desde 0 im do século XIX. Em 1894 fot publicado o livro de Paul Lacombe, De histoire considérée comme science (Da hist6ria considerada como citn- cia}, que pode ser visto como um des primeirissimos de uma longa s Em 1994, as Annales abandonam 0 subitulo que Lucien Febvze e Fernand Braudel thes haviam encontrado apés a guerra, o eélebre Economies, concurso académico, se cles sociétés, civilizations (Economias, sociedades, civilizagées}, por uma nova Foumula: Histoire, sciences sociales [Histéria, ciéncias sociais]. Nova, entre esses dois limites de um século, Poder-se-ia sem muito esforgo estabelecer uma primeira lista das proposi- mas em verdade muito antiga: {ges ¢ dos debates que alimentaram o tema: sem qualquer pretensio de ser ccxaustiva, ela contaria muitas dezenas ~ mais provavelmente centenas — de intervengdes de importancia ¢ formas diversas. Uma aquele que dela tiresse a conclusio de que temos aqui um problema clissico, ccontinuidade nfo deve, contudo. iludir. Ela induziria a0 erto lizado em seus termas € ~ por que no? ~ em se deu a0 contririo, Durante um século, a confrontagio entre a vel, © que ainda hoje incias socisis foi o espago de um debate dificil e BO Passapos necomposTos feito, na experiéneia francesa, tudo se passou como se & manter, de diteito, relagdes privilegiadas com as citneias sociais pelo fato de sef, no fundo, uma delas. Quatro geragbes de historiadores viveram, técita |. Mas uma vez exposto o principio, tude estava por construir, Tudo, ou seja, as modalidades da coexisténcia © dda troca entre as diferentes disciplinas, Nesse ponto~ aquele onde se definem ‘ese orgonizam priticas -, a evidéneia parceia nublar-se. Por tris da mesma ‘geral, que diz que a histéria e as eiéncias sociais possuem objet precoupagbes ¢ procedimentos comuns, sucederam-se, por vezes até se com~ ou explicitamente, com essa conviced proposi bateram, projetos, modelos de conhecimento e organizagio de saberes muito progundamente difei-nciados. Uma palavra pode comodamente resumir esses aspectos contrérios: a palavra interdisciplinaridade, que, sob variéveis for- ‘mas, serve para designar uma espera e permite medi, 8 revelia, o afastamento do objetivo. A inteidisciplinaridade € um slogan voluntarista © votive (6 preciso pensar sempre nels), mas ela alimenta, ao mesmo tempo, a mé consciéncia ou a ironia dos eruditos (ela jamais se realiza). Convém, entretanto, lovat a sério esse tensio, e ver nela algo mais do que um lugar-comum da retérica académica. Ela 6, etetivamente, inse; te reivindicado na lon- ivel de um projeto intelectual continuam: ‘g2 duragio do século, mas descontinuo em suas realizagées assim como sse projeto, © 0 debs especificamente francés. Paralelos poderiam ser encontrados na Alema- em sua concepgio. que ele alimentou, niio ¢ nhs. na Itélia ou no mundo anglo-saxio, por exemplo, segundo cronolo- gis mais ou menos distanciadas, E impression: que essas diversas experiéncias ndo se parecem muito ¢ que elas no se ese constatar todavia 4 tomou forma coraunicaram entre si, ou muito pouco. Ocorre que cada ¥ e sanhou sentido no seio de um contexto cultural ¢ institucional muito inalidade caracterizar aqui; ela pode po-ticular, ao qual deve tragos irredutiveis. Todavia, hi uma orig francesa, que nos incumbitemos &: amente ser identificada com trés caracteres: mais do que qualquer radas de cla foi voluntarista, © exprimiu-se por tentativas rei strugio de um espago a mais do que qualquer outra, ela s mesmo tempo ezistemoligico e institucio 2 desenroloz em vaso fechado ¢, em todo angeitos Finalmente, iro plano frente as auras mente surda nos debates est la dev & historia um lugar de pe cizncins sociais, Para tentar compreender essa originalidade, pode ser dil reromar aos momientes sucessivos dessa confrontacio. Questées 81 © golpe durkheimiano Retomemos entio a virada dos séeulos XIX e XX. Na Universidade reconstru‘da pela jovem Terccira Repaiblica (c da qual a “Nova Sorbonn 60 setumbante emblema), a disciplina hist6rica beneficia-se de uma posicao preeminente, Freeminéncia idcoldgica: a els atribuida a missio essencial de enunciar a identidade © as expectativas de uma nagio ferida por sua derrota diante da Alemanha ~ pensemos em Lavisse. Precminéncia cientifica: cla encama por exceléncia o método “positivo”, a exigéncia eruditae, para além dela, o ideal enudito que deve contribuir para o rearmamento intelectual © ‘moral do um pafs que prepara a revanche. Preeminéncia institucional enfim: provide de uma logitimidade antiga, a disciplina se vé em via de profissionalizacio répida; ela redefine seus curticulos ¢ seus padrées, sendo, 1 esse titulo, uma beneficidria particularmente mimada do espetacular cres- cimento universitirio desses anos. Sou mé 19 ~“o método” — torna-se uma ia. No essencial, ela se identifica com a critica ceudita de textos, do qual o elissico Ineraduction aux éurtes historiques [Iniroducio aos estudos histéricos], de Langlois e Scignobos (1898), reca- pitula os principios de base para estudantes, mas cujo modelo orienta no ‘mesmo momento uma boa parte dos estucos lite outras cigneias soci fio recém-chegadas que dificilmente encontram seu lugar ¢ sou reconhecimento. A geografia, tardiamente constituida como dis ciplina unificada sob o impulso de Vidai de Ya Blache, é a que melhor perfuz seu caminho, mas permanece na condicgo de irmi cacula, na érbita da hist6ria, apesar de uma notivel florasio. A economia permanece tradicional- mente acantonada nas faculdades de direito e, ainda af, em posigio subor- dinada. A psicologia ¢ divi © ensino da medicina (em sua parte experimental) ¢ o da filosofia, A lingtistice nfo possui existéncia autGnoma, A iltima ciéncia social em data, a sociologia, & provavelmente aquela cuj fortuna é a mais paradoxal: a uma espec cular afirmagao tedrica, que se identifica de infcio com a obra de Durkheim, 2 multiplicacio das frentes de reflexio critica e de pesquisa (0 que ¢ ilustrado, a partir de 1898, por L’Année sociologique [O Ano socialégico)), nio correspond uma verdadeira acolhida no seio do mundo académico, A resistivel casreira de Emile Durkheim ¢, mais, ainda, a de seus disefpulos, 0 testemunhsa! E desse lado, 0 de uma disci mal reconhecida ¢ ultramino- 0 de wna unificagio das ciéncias constitui, em muitos aspectos, uma espécie de golpe , que surge a primeira propos 82 PASSADOS RECOMPOSTOS epistemol6gico. Ao método erudito eritico, Durkheim e os sous opéem as regras bem mais ambiciosas do método sociol6gico; & codificagio de ‘uma profissio, um plano para a crganizagio drs ciéneias sociais. Ou melhor, “da social”, da qual a sociologia seria, segundo eles, ‘chamada a definir 0 cénone epistemoldgico prescritivo ¢, a0 mesmo tem- po, garantir a unidadc do conjunto, Pois nada jestifica fundamentalmente 1 seus olhos a divisio disciplinar do trabalho, sendo as irregularidades da hist6ria ¢ a diversidade das competéncias técnica locais, que sio sem dvida importantes mas que permanecem secundéries em relagio a0 projeto cientifico de conjunto. Assim mesmo € necessério que cada uma das priticas particulares aceite tomar seu lugar no novo espago cienttfico definido pelo socidlogo, ¢ que ela resolva, ao mesmo tempo, reformular seus (maus) habitos de pensamento para se conformar ao manual de ‘encargos que Ihe & proposto. Uma série de confrontagies tensas vai desse ‘modo opor os durkheimianos — comumente representados por Frangois ‘Simiand ~ aos gedgrafos, aos psicblogos ¢ sobretudo aos historiadores ?. Em face desses tiltimos, Simiand aproveita a casio de um: amplo debate internacional sobre o caréter cientifico (ou no) da histéria: ele o faz deslacando os termos do problema ¢ demonstrando que nio é sobre a ‘rudigio que pode ser fundada uma tal pretensio & cientificidade, mas sobre a aceitacio das regras constitutivas de uma ciéneia positiva: “Nio hé, por um lado, uma histéria dos fendmenos sociais e, por outro, uma cincia desses mesmos fenémenos. H4 uma dicciplina cientifica que, para atingit os fendmenos que sio objeto de seu estudo, sc serve de um certo método, 0 método histérico”. A especificidade da hist6ria € entio rede- finida ~ e limiteda: ela pode ¢ cla deve abrir a dimensao do tempo para ‘a experimentagio sociol6gica. ‘Trata-se enti, no caso, menos de uma interdisciplinaridade do que de algo que poderiamos chamar de a-disciplinzridade, uma vez que as isciplinas sio reduzidas a especializagées inevitiveis no seio de um ‘mesmo projeto de conjunto. Em L'Année sociologique como em seus trabalhos pessoais, os discipulos de Durkheim sio 0 exemplo, tanto 20 passar pelo crivo de suas exigéncias a produgio cientifica contemporinea, quanto 20 penetrar eles mesmos em terrenos Je pesquisa especializados pés ter adquirido a competéncia necesséria. Esse plano de unificagio nio tera, contudo, um futuro imediato. O que revela esse fracasso é uma telagio maciga de forcas: por mais brilhante que seja, por mais agressiva ‘que se queira, a sociologia rio teve os meios de sua politica. Antes ci Questdes 83 mesmo de a Primeira Guerra Mundial dizimar a equipe durkheimiana, ssinais de resisténcia se manifestaram. Resisténcias coaservadoras, em face de um conjunto de proposicées que questionam, de uma vez, muitas posigdes ¢ nabitos adquiridos, mas nio apenas elas. As resisténcias sur- gem também do lado daqueles que, med:ndo a “crise da razio” que se abre por esse tempo, estimam que o modelo de cientificidade - 0 modelo das ciéncias da natureza — reivindicado pelos soci6logos ja esté obsoleto, fe que seria conveniente reconstrui-lo sobre novas bases. Aalternativa pragmatica: as “ciéncias do homem” E nesse contexto, e em particular a partir desse debate, que deve ‘er situatla e compreendida a outra propasigio esbogada entio para or- ‘ganizar as relagdes entre a histéria © as ciéncias sociais, Ela no possui € nao possuiré jomais a nitidez ¢ a seguranca epistemoldgica do projeto durkheimiano. Para falar a verdade, ela apresenta menos um modelo de cientificidade do que sugere um procedimento empitico: provar 0 movi- ‘mento ao caminhar. Em 1900, Henri Berr funda a Revue de synthése historique [Revista de Sintese Histérica]. A nova revista, cumo todos os empreendimentos ulteriores de seu animador, destinava-se a acompanhar a realizagio de um projeto desmesurado de sintese enciclopédica dos conhecimentos. Mas essa grande arquitetura importa menos do que a maneira de fazer que é escolhida. Trata-se de criar um espaco livre ~ ¢, reconhegamos, fragilmente ordenado apesar da obsessic classificatéria de Berr ~ de confrontagio entre priticas cieatificas que, as mais das vezes, ‘se ignoram. E como Bert esti convencida de que a hist6ria, e nio mais a filosofia, pode ser 0 espaco da sintese dos saberes, a primeira ocupa ‘em seu programa um lugar central, melhor: organizador. As Annales, fundadas por Merc Bloch ¢ Lucien Febvre em 1929, tomario a sucessio a0 afinar 0 projeto,livrsndo-o de suas eseérias ¢ de suas aderéncias mundanas, dando-the ainda a lesitimidade universitéria que the faltava, Bloch ¢ Febvre, cujas posigées, aligs, nio sio exatamente idénticas, io bons exemplos da trajetéria que aqui tentamos precisar. Um ¢ outro formaram-se nos primeiros anos do movimento durkheimiano, ¢ ambos reconheceram sua divida intelectual em .elagio a Durkheim: sua escolha de uma histéria social e sua recusa 3s compartimentagées disciplinares SyueyyeMIs eUIN vfo wOD uItOS wo WEY anb > “uoisny & sealsuarxa0a opow mnSje op ors ‘e:Bojorsos ep 2 vFojodonue ‘ope nas sod “e]uouos9 vp sen sorolgo eougrsty osigue @ 40039) tn ofedie ow sos som 9 on soe opuoyome! sopnysa! snas 9 sorusuuypaooud snas Temp wyquie) osenb ~ oateroduy, ousout ‘red sour sossop sag5npoid sop sages ‘pun ap ‘0 buy cu apepiss20ou &, s9puodsa1209 optpod tt -deouce 3 ‘ejuvo eidgid ens 10d “wren sessou onb uio oyuawour oa ‘anb oput ‘epfotoxe opSeunev ojuowreprony own v ‘onb op stout 29j ‘oqwauremBas ‘e}q -sietoos setougr> stjad sopedn20 sop oued sojei © a1qos sasopeioisty sop soghisod se 9 wSuasoid jodosue e ‘oroupi000 op axdwios joa ‘ssneyy 9 2119} woWN WHR ‘ep no wordng “y ‘sojuazoyip 01 ‘sefougtiodxo se “opue) stew opSeio8 ew ‘sjodop (ov-6¢61) ‘{tepney opeparsos w] a7mpopt 7171208 77 cE6T) ‘[essouesy yes euonsy ep sieuidu0 susSeuosiod] asroSuvuf aypura autoisty, 2p xmous}10 SOISOUNCOSOUVSSY 98 i i 4 ogxayor [81 s290IS0p 9p equoe ‘e ‘worasseg opne|-ueof “owuewodur ego vw 0 wos ‘pesuad :09 ej2 oduto) oy}nws 40q “S{eI90S Se|oUQ}9 sup 0198 OW teded o syugopos wsed sim “ONO v IN WeIgAD91 9s Ogu anb sorafexd ap suige op wis sew ‘sorcuy{diostp sowsuEInonsed sop wc odadsa 0 rewuoupsedoa e seuo1 9p OBTD wreN 9S OTN “oUreaEN op sowowpesord sop 9 tIstA ap soiuod sop wSusroyip B o1qos 9 eIwOUOINE aaqos epepuny vangyo oySejnox1a wu weynUEs onb “(inodo “ed yerpuoiod op seta: uso) ostoard 3 jorjio9 nas ap no ryBojod 9ustt| EP 109 oiu-onoind osina wo opSnjons spuntos jd vun ajou sca auiuo staayssod 2]u9ureAou 1 ODN] © 398 apod jenb “E1oI0190% ye onSunsIp ‘opuny ow ‘epeu og ‘S019u98 sop oBSNytOD -onue op ‘9p exauew vwn 9p v wIgqUIEL OPIS y19} 9g 2 OL SOUL sop vIoUgLIOdKD Vv ‘eed 0 \diosipas,, wun op e 9 wsjound y “soujo scsscu gos a1nbpe vyo onb sewoy se ep 9 *e20n wo ‘s9zey oped. os ‘nb Q “pszenpuoo sou vpp apuoe af ye wand opa> ‘opued -oiuoo souade piso ‘ojueyozius ‘ogdnaysuooa wssq “siv}o0s seiougio se wind paysuad ofedso wn ‘souod so8qur so sopufede ‘9s owoo ussed 9s opny, a1 ynsjsUOD>s seu} HOHE soUIDSspAOp ‘vloUg:0J0r 2p ‘9 oatisous 68 Sane) orafosd ofno *({e101v ‘uupjnssod anb est :apueil so ‘opoyiod owisout oN “opessrd nos t nos ‘oytiosoid nas v 0 .qiStqaruy ew onb op oxSojavoo vp [aapredosur ‘19 se}Bojoapy sopues® seu opezresus ‘opepioa lo — o1n09S OP EpEHA ct oploseN “Is wo ojofoxd op OPED -1qyssod ep 9 ondeoyuits ep ‘e198 siuerseg “ojonbe 9 onrowid O “sjoastt oad ‘osst 9 pep, sey -sejnonued en01 peo ua “wopod sa} ‘so sour ‘nofays sepranp ap 9 3205 ‘no olspiuoauy umn sosai2qeisa @ wesosndosd bs sreI90s se 1g “meunassv apod os sesorotenu ‘oyoout owwsowr ou ‘anb osede 30% IN {xO ewin 2p o1oford oudosd Q "tys0u! stow 9 scout Inuind & “opnisigos “(epLziaoU -oynw ayuowoysog 9 voqungy aust E qns extn 9s-nowor ‘stoop seprogp sonp ‘onb o9 soue sou [2108 [e1>0s e9}s14 up opeprfepoUt soya ‘o1gisty exjeToutop ep oxSnjoro vu ofduoxs sod os-asuod) SoUOUL vp opSu{na2D e odway owSDL oF wEACHIo! nb solsounsoom soavssv 98 4 ge eta 90 PassaDos RECOMPOSTOS * 0 texto de referéncia aqui € 0 artigo de F, Simiand, “Méthode historique et science sociale”, Revue de synthése historique, 1903, pp. 1-22 ¢ 129-157. 9 F Braudel, “Histoire et sciences sociales: Ia longue durée", Annales ESC, XII, 1958, reeditado em Eerits sur Phistoie, Paris, 1972, pp. 752-3 “CE. guisa de exemplo o némero especial das Annales, Histoire et structure, 3-4, 1971. Um testemunho mais mediatizado pode ser fornecido pelo balango:programa tecalizado por J. Le Goff ¢ P. Nota na obra coletiva Faire de I'histoire, Paris, 1974, 3 volumes. + A. Burguiéte, “L’anthropologie historique”, in J. Le Goff, R. Chartier, J. Revel (org), La Nouvelle Histoire, Pati, 1978, p. 61. * Desta continuidade enconitatemos um testemunho significative no artigo de J. Le Goff, “Les mentalité. Une histoire ambigha" in J. Le Goff e P. Nora (orgs. pe. 2 Pistoire, op. city . 7 & féemula aparecew pela primeira vee, até onde sei, 62 apresentacio da “Bibl éque es histoi™s” (Gallimard) por P. Nora, em 1951: “Nés vivemos 4 explosio da histria." Ela foi etomada, dessa vez em chave pokEmica, por F. Dosse, “L’Histoire en miettes". Dos Annales 3 La Nowvelle Histoire, Paris, La Decouverte, 1987. * Cf. os dois editoriais sucessivos das Annales, “Histoire et sciences sociales: w tournant critique”, Annales ESC, XII, 1988, pp. 291-3, e “Tentons lexpétiénce” ‘bid., 1989, pp.1317-23. Ver também B. Lepetit. J. Revel, “Lexperimentation contre Harbitraire”, i6i., 1992, pp. 26 * este ponto concordo com 3s reflexées proposias por B. Lepetit, “Propositions pour ¢ pratique resticinte de iaterdisciplinaite", Revue de synthése, 486rie, 3, 1990, pp. 331-8, © Jean-Claude Passeron, Le Raisonnement saciolog que. espace non poppérien de cisonement naturel, Paris, Nathan, 1991 a ‘TREs No Principio Era o Direito... Parnice Nernor Que a historia tenha nascido do direito nessa disputa entre 0 verdadeiro e 0 falso, ¢ que a questdo da verlade no seio do pensamento ocidental renha inteiramente confundido os métodos hist6rico ¢ juridico, 0 que a enquete ilustra. Forma exclusiva do conhecimento da verdade em nossas sociedades, ela se impde sobre 0 ordélio os primérdios de nosso segundo milénio, através da busca judictéria da verdade. E a hist6ria nasceu do dircito. Nestes termos é que seria con- veniente estabelecer a relagio entre a hist6ria ¢ 0 direito, embora uma tal formulagio deixe pairar a pesada ambigidade de um “direito” presente desde sempre, sempre idéntico a si mesmo, O que € conve- niente afirmar vigorosamente, entretanto, ¢ que essa férmala poss: vantagem de indicar, 6 que 0 que nés identificamos pelo termo histéria & nosso modo de conhecer ¢ de atestar © verdadeiro (0 debate ocorrido algum tempo na Franga, cujos participantes queriam definir a his- t6ria como um romance, assimilar 0 método historico a0 método ro- manesco, era um enorme absurdo, notadamente porque demonstrava © tragico desconhecimento, da parte daqueles que defendiam essa hipétese, do lugar ocupado pela “histéria” na epistéme ocidental). Esse modo de atestagio ¢ de reconhecimento do verdadeiro, portanto, re- toma, retomou,, 6 nossa tese, o(s) modo(s) de conhecer € de atestar o verdadeiro préprio(s) a0 método jur Se Michel de Certeau! podia considerar que a histéria moderna ocidental comecava com a distingio ¢ a cisdo entre presente € pasado, € porque, € antes de tudo na nossa opinio, 0 saber juridico ocidental, nisso aliado inseparivel dos tedlogos (podemos nos ceferir a esse(s) tempo(s) que Jacques Le Goff to maravilhosam estuco sobre 6 nascimenio do purgatSrio), reeserevia seus mecanismos de explicagio causal identificando seus efeitos de sent totalmente crista, do tempo, te examinow em seu = 92 Passapos nEcoMrostos Que a histéria tenha nascido do direito nessa disputa entre 0 ver- dadeiro e 0 falso, € que a questio da verdade no seio do pensamento jontal tenha inteiramente confundido os métodos histérico © juridico, 60 qui stra. Forma exclusiva do conhecimento da verdade tem nossas sociedades, ela se impde sobre o ordilio nos primérdios de nosso segundo milénio, através da busca judiciria da verdade. Demors- trar nossa tese sobre a articulagio entre histérie e dircito é, dese modo, aventurar-se, primeira ¢ fundamentalmente, em questdes ¢ 6, com efeito, propor o problema da atestagdo € da aceitagio dos modos de enunciagio da verdade no seio de nossas sciedades. Quando a enquete enquete i se tora 0 modo dominante, primordial, de autentificar a verdade, de ssuscitar em outros termos esses materiais através dos quais se atesta uma verdade, ento, talvez, algo que um dia reconheceremos como a “histéria” ji existe, porém através de mecanismos que pertencem exclusivamente As priticas jurfdico judiciériss Uma nova linha divis6ria entre sagrado e profano Mare Bloch via no ano de 1681, data da publicagio do De Diplo- ‘matica de Dom Mabillon, uma data exiremamente importante para 0 pensamento, porque nessa ocasifo estabelecia itivamente a critica dos documentos de arquivo. Segundo uma sintese recente, as origens da escola metédica dos historiadores yofissionais, também nomeados ‘posi séeulo XVII, mais do que a partir dos escritos de Auguste Comte. Todos se det stas”, tornam-se mais claras se examinadas a luz dos erudites do tm razio certamente, entretanto é preciso perceber que tudo isso ocorre porque a escola metédica saiu dos procedimentos da critica textual (da pritica da dvida met6dica) na “Ieitura” dos testemunhos, quer dizer, desses sabores que participam da identificagae do verdadeiro utilizados 1 método juridieo, desse modo efetivamente bem juridico de atestar © sentido “auténtico” de um texto. © projeto da modemidade sempre foi separar cuidadosamente o que fosse da competéncia de um conhecimento cientifico auténtico (ne- ‘tado do uma auto-interrogagio, que teodicionalmente se chama epistemologia) desse outro modo de saber, mento das “leis naturais” do mundo, mas que \do como estando Ii Jo mais ligado a0 conheci. . também tradicionalmente, ies cujos fundamentos lo a especula permanecessem principalmente tcoldgicos. Sobre essa separacio acha- mos que seria conveniente nos interr a em todo 1s, Seniio para neg: Questdes 93 ‘caso para redesenhé-ta cuidadosamente, repropor uma outra visio que nfo seguiria com certeza a idéia classica de ums “linha diviséria” entre 0 que seria da ordem do religicso e da orden: do piofano por ums leitura da verdade, Principalmente por essas razes pretendemos, através de nossos trabalhos atuais e futuros, recumpor. as teméticas epistemolégicas © jos do dife- rengas que nio csses de uma exclusio, na enunciagio-reconhecimento do hetmenéuticas, recomposigio que reeseroveria outros pi verdadeiro, entre o que seria da ordem do sagrado e da ordem do profano. Os juristas sempre se voltaram a0 culto do “documento auténtico”, via obrigatéria da comprovagio da verdade, mas que, evidentemente, ¢ ‘mesmo que isso hoje possa parecer obscuro, nico podia ser percorrida sendio quando jé pudéssemos identificar um “texto” (lembremos, a propési disso, a0 eventual desatento, que interpretar “corretamente” um texto antes de tudo dimentos discursivos diversos pelos quais se desvela “o” texto). Seja esse lestar esse “texto”, quer dizer, enunciar as regras e proce- termo “ja”, que ocupa um lugar tio particular na filosofia hermenéutica contemporfinea ¢ gragas co qual (enta-se traduzir os mecanismos cognitives pelos quais se afirma a atestagdo de um sentido. Por esse termo pperspectiva filoséfica, entende-se estar sublinhada a idéia de um movimento perpétuo no prinefpio do sentido, isto 6, de mecanismos segundo os quais, ‘compreender, "nessa erpretar, néo consiste jamais em ide jear pontos origi- nrios (¢ seu equivalente que sio os pontas de chegada), quer dizer, pontos sempre presentes (paradss do sentida) que bastaria entio identificar na propria forma da presenca, presenga eterna, presenga imutével, para atestar 6 verdadeiro. Tomar a percorer historicamente essa via equivale a abrir esse espago, nem acabado nem definido, a prior’ da ratio ocidental que poderia se esbocar a partir dos pontos de referéncia fundamentais que foram 2 exegese medieval e sua inseparivel critica “humanists, levada a cabo por jusistas como Lorenzo Valls’, © que repercutitia sobre 0 que Foucault chamou periodo “clissico” ou a aventura solitéria da Tinguagem’, Assim, pensar essa relagio entre hist6ria e direito obriga a uma reflexio que insereve em sou principio a questio da racionalidade. Identidade de método ‘Uma tal reflexio niio pode em nenhum caso, todos teri compre~ endido, dar-se por satisfeita com a época contemporanes. Um fildsofo do dircito escocés, N. MacCormick*, para definir o método juridico ta esses quatro pontos: a) pesquisar os Fatos; b) intorpretar os Fatos; Se Se 94 Passapos RecoMosTos 6) interpreta as regras; d) aprecté-tas em relacdo a0 conjunto das regras juridicas consideradas como um sistema tanto qvanto sua integragio nessa cordem. Taine, citado por Bourdé e Mar indo © método hist6riea ¢ antecipando os Langlois ¢ Seignobos: ) pesquisar os fatos; by) classified-los distingzindo cada classe de fatos; ¢) defini-los; d) esta- boclecer as reiagSes de dependéncia entre as diversas definigées para ver fem que medida formam um sistema. Notemos de passagem que os hermencutas mais finos apreciario que “a interpretagio de ums regra” entre os juristas tem por nome: “definigo dos fatos” entre 0s histori ddores mas o que 6, efotivamente, uma regra interpretada senio esse efeito r?, 56 dicta, de de sentido que ja se introduz no que se chama “o fato"? Como quer que seja, o método histérico, tal como se define ja no século XIX, 6 i (apresentado aliés muito dogmaticamente por um jurista que ainda por cima pertence a uma escola angléfona, definida tradicionalmente como completamente estranha as escolas continentais!...) ¢ essa identidade nos interroga vigorosamente, Tal identidade de métado, que H. G. Gadamer* jamais percebeu, deve ser-pensada muito seriamente e, longe de nos wolver em uma reflexdo sobre a “modemnidade”, nos envolve a0 con- {ririo em uma reflexfo que trata da questo da racionalidade ¢ que se qualifica por trés termos: ocidental, cristd, pré-moderne. feo em todos os pontas ao método juridico atual Historicismo ¢ historicidade ‘A questio da racionalidade, assim colocada, nfo se reduz a historicismo, mas se insereve na questao da historicidade. Que se deve entender por tal distingo? Digamos antes de tado, figis nisso & filosofia hhermenéutica de Heidegger e Derrids?, que a questio da historicidade pretende propor © problema do sentido come “abertura da histéria’™, Com isso, distinguimos a tus de explicagGes histGricas que “descrev: ricismo); fazemos, ao contrério, da questio ¢3 historicidade © que torna possivel a enunciag “abortura do sent questo da historicidade de todos esses conjun- verdades passadas (histo dessas verdades, e 2 traduzimos entio como a questo de toda filosofia hermensutica; essa distingfio é no apenas essencial no que concere & cnunciagio-reconhecimento da verdade, mas também pelo descarte te6- rico da hipstese relativista. Esse postulad» Ja introduz efotivamente & hipdtese de “condic “cs de possibilidade” para a Tocamos af a grai abertura da histéria” enunciagio-reconhecimento de toda proposicia de verdade. Questdes 95 ‘Vejamos 0 exemplo da critica textual “humanista” (que mais tarde seri identificada como a “filologia”). Bla se inscreve em uma perspectiva {que permanece fundamentalmente erista no proprio momento em que cconstréi suas oposigdes seminticas as Ieituras eatéicas. O historicisme, {fo dissemos, pretende estar traduzindo uma verdade “atestada histori ‘camente”. Esse 6 0 primeiro gesto fundamental de nossa filosofia herme- nGutica; ele retoma, jf 0 dissemos, Heidegger e Derrida, mas se acom- panha de uma ovtra distingdo, fundamental, € que deséa vez nos é mais especitica (apesar de nos sentirmos muito préximos do 2 distinglo entre histria © passado. sofo francés), : Historia e passado ‘Quando se “escreve a hist6ria, o “sentido”, a “realidade” sfo essas ‘variagdes significativas as quais se referia Michel de Certeau, e se ins- crevem assim, 6 banal dizé-lo hoje, numa linha, homogénea, do tempo, traduzindo assim uma relagio de causalidade (racionalidade formal): a dissipagio do mistério, do tempo presente, pela instauragic, no presente, de uma figuracio ambivalente passado-futuro, Com efeito, o que sempre se perde de vista, sem duivida porque isso parece realmente banal, € que todas as nossas interrogacSes remetem sempre a uma s6 e mesma questio: 2 que consiste em identificar 0 que constitui realmente problema para 0 ator histérico, a saber, scu prépric tempo! Se soubéssemos, sem a menor ambigiiidade possivel, quem nés somos, se a questio do sentido que é 0 nosso jé estivesse totalmenté resolvida, estaria resolvida a0 mesmo tempo 2 questio filoséfica, por exemplo nessa forma particular que é a pesquisa a razio pela qual um sentido, no preseate, se vlabora pela constituicio de um passado, se clabora nessa variagio ou diferenca; nesse gesto hermenéutico, o presente ndo é jamais presente, mas ja futuro. I 4 questo do “limite” tal como surgia, nés lembramos, nos diversos tra- balhos que tratavam de questées de método nos anos 70"! & uma tradugdo, centre outras possiveis, disso. Historicizamos assim 0 “atual” ou, 0 que d& no mesmo, efetuamos, no presente, efeitos de sentido (nogbes tie “situagio”, de “acontecimento”, de “fato"), ¢ isso s6 se pode faze rez, aqui, pouco importa) aos quais 6 reconhecido o estatuto de verdade. Nés partir de argumentos (euja fazemos acontecer alguma coisa, que podemos chamar 0 contecimento (poderiamos também chamé-lo “fato”, “situagio”...); nesse gesio, $6 0 espitito estreito pode ver 0 triunfo do pensamento subjetivista, pois se vessou ap 2 [end o woo 9 oss}, 0 anb s9z1p wun ‘owny 9p ‘iowuesndos soo yen’ uippt eusdosd essa eurgiqord 0 9 onb 9 ‘oyjeqen oprdes ‘syeuap 104 9p sexop souispod ogu anb eui>}qord oaow wn vsod owas, ‘esuop wag piso opxayos e ow soyjour oonod win ypure sowapusosdwos 9 ep ogwsonb © coyysolss ewiaiqosd owoo aodosd aonb 0 1000 oLHUa ZBJ ‘oIuasaxd op o} © edissip uasaid ou ‘siuasasd op oxjunuinisa) siuoueUaUED ung soouewued opessed 0 ‘oquasoid win 9p ov5i wos 9 ob opsop jo1d ‘sopeztoine ogjus 9 soyyosexd sous ou ordsfosd eum owos owpdxa as (caupiod nodquo) wifor ap onaau09 0 io Sou ag “(,01x01,, Ossou) BISoIe 98 opepioA vuN anb sod ol|nbe 311959 vUWN 9p OpHuDs op ossad01d WI Poeun vo [IOUT *e 1621 OLN 01 ypussed sowusu|D91uO9e op 04 soap sonb anb 0 ‘omous sous sosso opuo 98-¥anwu0} OFX} 0 pu! *, tuto “ynbe avsuadas as ostooid 9 :,01801, op (: 50 teacuasopos ‘souds op woenstuy wun sous SoNINO Uk anb ‘opunus op apspsoa & sop 9 soBojoa1 sop saroqes sossatt Loosop ‘opus op apeps9a e a20quOda! 9s syenb sojad 9 sop cidjoursd ou giso onb 4 yeweppo ape} raoid oxning tua owoo opuayea sf 9 “(onuou9 1.9 ‘opepy9a vtun ap oYuNuDIsO1) opessed tum opurjnaye ‘e0qe[o 98 (omtason ssap “[eiWapioo epep!{euozses vp viougtIedxo ep onb sous epett ap ees SOLSOUNOON SHAVES 96 noted unpsse © ‘OHDIIP op exjosoyyy Pup “oysodosd op v10) wHsSE nOIy p sozip vsed ‘oustan ‘opeprouoisiy essop orSeBouaqut y voipap os ‘woquuey 9 onb ‘ovraip op eyosotly v “apep!oy01 “onage pf odtso win wo opuas ardurn> 9s ovtt opnyuss ap ossaoord wp) “esroubU! ewisour ep oprsoyuosos oxdwos St Sepo1 9p 2 soquoULUOD so sopor ap ‘So|nas so ‘sopo1 ap ‘sodua} so sopo} 2p suatoy so sopoy anb jess9atun ~uosoud opessed 9 opessed ayuasaad *jaastodsyp ‘oy o1ofgo oss9 oto opessed 0 rqoouod O14 tuey91 sog5ez ras oxduros ‘your nu Swsse soueju9} “sy V0 ‘st 9 sezo1i99 se synsysuos oyywsed onb 9p on1gou09 ossou weyuo0 gf oney sinb gwoye eyosorly © onb ‘pepruspow edeoso onb oSedso wn eyuasopas epiqaoucd Wis: nquowsay Vy -,SOUISAW SOU, a1qos BULOUL sou “cutsuo sou pf 9 opesoauy 9 opessed wn onb « aiqoad y auge 98 ,o1u2sard, ossou onbiod g -umaydy as onb “o19 sora -und ‘seifor op oxderounus e owe oornguauiay oss9ao1d 0 “olspsuOo oe ‘sowaqaouoa “(uSuasoid ep eorsiyeioul ‘apeprruapl) [aajasoustoo adios umn sejnisod ap aBuo] ‘,opessed,, cp soumeSoqso onb opSdsou09 Jaq jafqo wpoupioyas ‘owos tisse ‘ours 198 op ovsonb g ‘eonpu 66 sey sesadso 9p aqu0Z opis yaoi anb apep: “orXe2 OssOU 9p o1Dsu! Ou “SoU-oUMUOFOY “_yHowEpED soumestwosus onb [eouDsso 0 ‘op anitd v ef-yooas owuotuezides sowopod ‘es19auo> ussotts1njauioo vied 3 011g Stop sassa sod epi ors ‘,eH9rsH| ep cant jo wun rraupzoduioquoa woxynguowscy 01 ‘Sonuzat ‘ojo! up ofury oxsdord ou Sows, -niuia}s0} so o¥s onb 2 ouex ‘ssopessed op opSisodwosas & ‘siod ‘9 pnts Q *,2foy ‘esso unmisore onb *,0p1 80g ‘sopvjaasop +990, ‘oywosoad 198 9p sont}, ‘sopussed oafqo wn ‘opessed 0 2 ronisuos onb ossoo0sd win 9 eH v onvawinow wa “pugyadxe umn ‘epepreuores ‘opessed op oupistur ow sesyouad ze} sou anb ‘nb o ‘oppiuas ap owtistuesot ossout SoU ‘9p “‘opried ap opejmisod 0 ‘orsar ap ‘2889 9 ‘opessed op eilsoso et opepzon \np tag “opnuss op soytoyo seyfosns eaed vystI9 oB5t 1050 owsiue20u wn 9 v9 ‘syuasaud wn ap opSvo4ftausinD pum nnd owunttsisay wa erouvurod eID SeUL ‘SeIp So Sopo} ExsuoWap 6 (sopepoisty op ‘2iuouyend} ‘sowfo!) eisunf op oufeqn o 9 ‘oxSeq -noojs tp optiodap ogu opout ossop oudipen & LessoUl aaatositt 25 9puo opepiiiqissod 9p oxbtpuod ‘iezip sonb ‘sowruop 6 owing jer opessed asso 9 oEdipen & ‘,e1B9}09p yunus91 soy, un eptagp tos 9 opSIpeN VY “ONS apuv4d vp 0} up tofingtowoy epeztemu9 ov) essop ‘souIe) 1uyzos eBoy speeef on5ipen v onbiog “(aquasosd ossou) apepsoa 1» owoD 9[eA anb ‘eHOISIY ep HOSOI ‘oonugrne opyuds o ~ sowEsas ‘nb op stew ep onisonb w 9 ofof wa piso cord op uoroes vssou ap o79fqo O souraseydeo ssou ep 0: » 9 OU TIO 4 sousouNoomsoavssy 96 Hist6ria e direito Essa historicidade 6 traduzida por esses construgées, hist6ria real do mundo, da qual quisemos reconhecer um momento decisivo em uma conjungio entre juridicismo ¢ teologin. Que 0 Ocidente cristo, pré- moderno, renove as experiGneias da racionalidade, nés induzimos forte- mento desses signos quo sio as estruturas ten.poririas, esses segmentos de tempo linear, dotados de sentido (causalidade), “Historia est rerum ‘geszarum narratio”, por principios que reconstroem o passado e se estrutura como um relato, gesta temporum; a histéria é assim uma representagio, descriptio temorum, mas cla é também ¢ finalmente uma certeza, ¢emporum cerzitudo; a cronologia tornou-se uma precupacio constante, obsedante, de um tempo tomado integralmente mensurdvel, uma medida dnica (que nos anuncia jé a racionalidade filol6gica). Se 0 “Ocidente cristio, racional, pré-modemo” é esse “Texto” dizia Hugues de Saint-Victor; 0 verdadciro se prova particular, & leitura do qual se exercem a epistemologia ¢ a hermenéutica, ento uma tal especificidade se inscreve nessa indisscciabilidade entre método histérico ¢ método jurfdico, Os conhecimentos diversos ¢ sempre renovados que participaram, que ainda participam, do que reconliecemos como a histéria, sio insepariveis desses conhecimentos que eram, que io, operantes no método juridico. A hist6ria no se separa em nada deste mé:odo, tudo © que se reconhece como © pensamento ocidental na ex- perigneia da racionalidade traduz exatamente essa indistingio entre @ histéria e o dircito. Ainda uma vez, 0 fato de 0 oficio do historindor ter suas regras, que niio coincidem forgosamente com as remete a um problema, diferente, que no tinhamos a intenclo de tratar; € a dogmética juridica se afastard muitas vezes de numerasas regras que o historiador consider: 10 honesto de sua profissio (pensemos especialmente no papel da ficgo em certos racioefnios juridicos). A experiéncia da racionalidade ocider clzsio, tal como tentam traduzi-la as pespectivas hermenduti epistemolégicas, se apresenta como “gras que um jurista pode util como snciais ao exer- s saberes, sempre renovados, que coshecem ¢ reconhecem, instituem ¢ interpes:am esses signos que cons- tiszem um “Texto” (que nfo € 0 livro), que ado é jamais desde sempre © Gesde ji dado a ler, mas que se institui como uma eseri de eituza the ceujos modos “io constitutivos © nos quais participam, participaram de Questdes 101 maneira essencial, 0 que se reconhece, 0 que se reconhecia (vestigios em parte também perdidos), como a histéria e 0 dircito. Notas * Lieriure de Vhistoire, Pats, Gallimard, 1975, p. 9. ? Nao € flcil falar em to poucas piginas do que constitu, jé Né vérios anos, lum aspecto essencial de nosso trabalho, A questio da hist6ria atravessa, cefetivamente, mais ou menos conscientemente, mais ov menos explicitemente, nossas pesquisas de filosofia do dircito. Remetemos agui a nossas publica. ‘g6es, que puderam tratar estas questées de maneica menos alusiva: P. Nerhot (01g), Imterpretotion and realty, Essays in Epistemology, Hermencatics and Jurisprudence, Dordtecht-Boston-Londres, Kluwers Academies Publishers, 1990, em particular paginas 193-226; Legal Knowledge and Analogy. Frag: mentes of Legal Epistemology, Hermeneutics and Linguistics, Dordrecht Boston-Londres, Kluwers Academics Publishers, 1991, em particular pginas 183-198. P. Nethot, M1 Diritto, lo seritto, if senso. Saggio di Ermencutica Giuridiea, Ferrara, Corso Editor, 1992; wove edigio modificada, Padua, Cedam, 1994; Law, Writing, Meaning. An Essay in Legal Hermeneutics, Ecimburgo, Edinburgh University Press, 1992; L'ipotesi perduta della leg Padua, Cedam, 1994 3G, Bourdé © H. Martin, Les Ecoles Historiques, 5, Le Seuil, 1983, p. $2, * Por exemplo, seu ore Traité te fa donation de Constantin, radugSo francesa por A. Bonneau, Paris, 1879; texto entretanto incompleto, sendo a versio inglesa Superior The Treatise of Lorenzo alla on the Dunutin of Constantine, CB. Coleman, Yale University Press, 1922, J.B. Giard acaba de publicar uma nova versio francesa desse tratado com uma introcucio de Carly Ginzburg, O melhor cexemplo que podemos oferecer dessa critica textual humanista é a demonstracio que Valla faz da impostura que represeatava esse documenta 3 partir do termc "Augusto"; podemes também remeter a nosso estud, Law, Writing, Meaning, An Essay in Legal Hermencutics, op. ct, pp. 105-109. * Miche! Foucault, Les Mfots et les choses Pacis, Gallimard, 1966. * Nosso semi de 1985, jo de filosofia do dreito no Instituto Universitirio Europeu, Fevereiro Op. cits p. 108, Remetemos aqui essencialmente sua obra Vere! et méthode (\radusio frances) Paris, Le Seuit, 1976 ‘te -d “1 do “omdosonyd 2p ap so8soyy ‘epysiog sonboss “218140 op4 eSussayip reugnbssue> exw ‘opuas oF oYSe]>3 ‘opisonb ey, “eSuaiaj3p wp owoesesusd ojad epeifaqu 9 arb (opuss prnuosp wa no 28 soe 2s-opunsyay lwayauwa! Ogu opnuss ss1se09'u $0 °979 waed “anbred ‘jospity © anb 0 ‘opeaywuais opow wn8ye 2p 34 of =I9}5 nb off 2589 109 Ogxa}}o4 Cue 9 “ou 195 op eSuouoyip e “eign a= ab wae 1opuoaidio> sextop 2s 2 s18ins apod oF 9 9p 18) 159 ered ew 19 squoworuaptaa anb o 'spsingySanboer woo oJOsors 3559 aww issaoau9 jayssod opoU au ‘reyuosjvo> eied axdwg anys 1 oftaqaauina 20) 98 anb 0 ‘e oiduios seu “opepsoa ep ea8neur owuanpe wn 9 0% nb suuipyy w9 198B9p19}| 30 op tun ap ewioy © gos sopessed sieraaoso ‘sasso seuade Ow Seu ‘SoUHSI00 jou So se|nonHed WO “soqdaH'S uIDq o\dux9 Wn sep LILI ‘SOUPIOU SO ys J8apyou eonnguaUoy ue op ofopdse stun 7 sgoues} ojosoIy o1ed eprSawos ‘yp do “oporg 9 apepiay, £19 do *xduay 12 2413 og 95 91 wommunassiq 97 2161 WW 9p “Pe ‘9-oyonunuDAs oy . ‘any Dawn 507 yoaaypoue ‘09H 2p "He auusuDuRp;A9 Souja feAstpau aeaTax wp OD!yEHNES ‘opmise tn eieg “sowestput anb orzes vjad avauesioaid oynw 9 “ouws|an|sod wa gf 9 wisiendayy up feanvane e883 “opi 7 2nb on apuodsoss0> ‘aamnog, fp 21 1 suru C01 Sagi 0 soxsounco soavssvd ZOT ‘quarre Pode a Filosofia Escapar da Histéria? Pascas Hé, em filosofic, um certo nimero de problemas que, embora suas formulagées divirjam segundo os autores, as escolas, os estilos de pen- samento ¢ as épocas, tém uma situagao bastante permanente ou durdvel para que possamos reconhecé-los, apesar da variedade de formutagdes fe respostas. Por mais diversas que elas sejam segundo os contextos ihistéricos, essas respostas apresentam similaridades suficientes para que possamos ainda hoje compreendé-las e avalia-las, e dizer se as const deramos corretas ou nao. ‘A meu ver, a filosofia pode se cumprir sem que se faga necessa- riamente hist6ria da filosofia. Esta declaracao, para muitos escandalosa, me parece profundamente banal. Para precisar mew ponto de vista, ten- tarei, de modo esquemitico, defender duas idéias. A primeira é a de que fazer filosofia néo 6 essencialmente uma atividade de historiador, mas uma atividade de busca da verdade, ainda que se trate de um tipo de verdade especifico, de ordent sobretudo conccitual © nfo empirica ou demonstrativa, A segunda é que um dos meios de se chegar a esse género de verdade — mas de modo algum 0 tinico — é ler os autores do passado, ainda que essa leitura no tenha um objetivo principalmente histérico, ‘mas argumentativo: ela visa avaliar as teses desses autores para observar se elas podem contribuir ainda para nossa compreensdo dos problemas {que si, em uma medida muito ampla, independentes de suas Formulagdes especiticas a0 longo da ‘A cultuca filoséfica contemporsinea, ac menos na Franga ¢ a filosoti \éria dessa disciplina, parte dos paises europeus (em particular na Alemanha ¢ na Itilia), é quase for parte, em ‘um ensino da hist6ria da filosofia, e mesmo quando um curso ganha um spect um poco “sistemitica”, 0 mestre © seus ‘otalmente histérica, O ensino da filosofia consiste, em sua unos se sentem um pouco perdides quando se navega sem ceferéncia a0 que X ou Y (tal grande Figura da hist6ris da filosofia) ss0 sobre © sssunto. O curso é melhor 106. Passabos necomnostos compreendido e recebido se ele se conhecimento em X” ou exames ¢ dos concursos ama (por exemplo) “o problema do questo inoral de X a Y". Os programas dos hoje obrigados a propor dissertagbes fal 10, um grande autor, ¢ a tiltima oferecendo em eral a iltima a alguma grande figura contemporinea — segundo lcager ou Husserl. Quando ea seguia, inand Alquié, um desses grandes mesires da igfo, cle dizia, desde a primeira aula, que ndo se critica um grande jesmente aprender 2 staré no programa, ¢ muit © “seu” autor estudante escolhe um ass vezes 6a consagracio de uma carreira quando to de “autor de agrégation”. Quando um de dissertagao ou de tese, ele se propde 0 exame da obra de X, ou do problema Z “em X". Se ele e 1a profissio de professor e pesquisador, ele escrevers artigos autor, sobre tal questo em X ou Y. Quando esci ico!. Pode-se responder que tais pr o fazem necessariamente éaqucles que as Questdes 107 mais ou menos bot que faca, adi em geral que ele faz uma lloséfica da filoso! losofia ndo € s opgbes filosSficss préprias do que seja a resposta a essa pergun- que eles se perder permanecessem hist 108 _Passapos necoMpostos rita, e 0 sistema das “duas cul proporgées inguietantes. Um filésofo que se aria” (que se tornard vezes, sua di 1a primeira). Nada fora do normal: « filosofia é uma disciplina muito vaga em suas fronteiras, muito pouco segura de seus resultados e de seus métodos, para poder se desenvolver sem referé a.um discurso julgado mbém, muitzs A gar ia da seriedade? De seu conhecimento profundo de uma lingua, © grego, 0 latim, 0 rabe, ou ovtra, de seu conheci ico, uma série de dominios que estario, novamente, a servigo da hist6ria, a tnica discipl que parece haver resistido a0 ceticismo que inspiram ainda a psicologia, a Lingiistica ou a sociologia Nao lamento esse esiado de coisas. Ele permite que nossos alunos stejam, quando comparados aos que se formaram em outras tradigSes, bem mais informados quanto as obras do passitlo, e Ihes fornece uma cultura muito mais profunda Ele ainda foi o responsavel pela pro\ de tratalhos admiriveis da filosofia uma das m que fazem hoje da escola francesa em hist6ria wes do mundo. Lamento apenas que tal estado de coisas seja exclusivo, que se tenha se fazer filosofia rigorosa fora das disci pressio de gue nao é possivel 5) € que toda para fora desse territério seja vista como um mergulho perigoso nos is dos jomais. Questées 109 1 favor das quais, ou contra as quais, 0s fil6sofos do passado apresentaram ou contra as quais, nds podemos 1 razbes © objegdes. Essas questdes merccem ser ainda discutidas raades ou objegdes, € a favor cas q fam, Refiro- me a questdes como as da relagio entre o mental ¢ 0 fisico, da natureza eda existéncia dos universais, da origem e da possibilidade do conhe- icago, da realidade dos valores mor smpo e da mudanga, das entidades materiais ¢ das entidades mateméticas, ‘m por diante. Algumas dessus questOes apresentam, sem divida, certas épocas e em certos contextos, um aspecto mais problemético que com outros, ¢ existem diferencas de acento. Certos problemas assumem nomes diferentes segundo as 6pocas, ou so menos mareautes que outros. Mas, sejam quais forem as diferencas, existe um fundo comum, algo que eu nao recearia chamar de philosophia perennis, esse 30 conotado. Ha também um fundo comum, de respostas: & possfvel, apesar da variedade de formas que tomam essas teses, caructerizar de inancira trans-histérica 0 que € 0 empirismo, 0 platonismo, 0 nominalismo, o utilitarismo, o realismo ou 0 idealismo em diversos dominios. E existe uma maneira comum de proceder: 0s filésofos reconhectv se este termo nio est desses argumentos pode ser avaliads, No entanto, a filosofia nio 6 a uma confirmagio empitica de suas, to nfo consiste apenas em regras Iégicas que respeitamos para irarmos coneluses: as premissas podem ser mais ou menos 110 Passapos necomrostos do pensivel, 6 0 que distingue a filosofia das cién 16g , € a aproxima da vezes, também da fiegio cientifica. As experiéncias de imento so, muitas vezes, © melhor meia de explorer as possibilidades conceituais. Mas isso nio subtrai a filosofia & critica, permitindo-Ihe inventar qualquer possibilidade: s6 a argumentacio serve de garantia intersubjetiva da corregio das i Acabo de descrever em grandes linhas as idéias de base de uma certa concepeio racionalista da filosofia. Os prineipais defensores desta concep- Go, no universo intelectual de hoje, parecem-me ser os filésofos “anali- ticos”. Bles aereditam que existe algo como ter ou nao ter razio em filo- Sofia, que se podem enunciar teses ¢ submetG-Ias a critica, que quanto mais, se & claro © argumentativo no estilo, tanto mais se ter oportunidare de ser icado e, por conseguinte, de ir para a frente. A tradigio eontemporiinea, que remonta a Frege ¢ a Russell, me parece uma das melhores encarnagdes esse estilo, Os Hlésofes dessa tzdi¢ao trabalham, em geral, mais na escala do artigo que na do livro: pretendem produzir contribuigies curtas sobre assuntos especificos que, em geral, recebem respastas, ¢ o debate pode se desenvolver. Um artigo ¢ tanto mais importante quanto maior o nimero de Ciscussées que suscitou. O fildsofo analitico no se considera um genio, nem sente 2 necessidade de sé-lo. Nao procura produzir um sistema, nem ser um “autor”. © que ele vis é sobretudo ao reconhecimento de uma contribuicio a um trabalho coletivo?, resolvidas”? Quuis so as questoes sobre as quais esses fildsofos discutem? Se abrirmos uma revista de filosofia ana exemplo) os condi , 0S paradoxos sorites, a teoria funcionalista dos estados mentais, a teoria disposicional do valor, os cérebros em tinas, a teoria combinatéria das possibilidades, os relatos de atitudes Proposicionais, ou o predicado “vreu” de Goodsaan, temas estes que n dirdo nada 20 leigo, ¢ que fardo com que ele se pergunte como pode se ‘rater, neles, dos “grandes problemas” de que falei acima. Nao devemos nos iludir: a filosofia € hoje uma disciplina muito téeni 05 fildsofos ana itica, Iezemos artigos sobre {por iomis contrafactual ticos discutem es “grandes” questées parece muitas vezes as sob discusses de detalhe, que afigurardo aos olhos dos leitores exteriores como perfeitamente escolisticas, A palavra esti dita: a 10 de tratar de questées tradisio analitica comtemporinea, com sua pret \ependentemente de seus ant consideradas, Jentes hist6ricos, nio est Questes 111 reinventando 0 estilo € a pritica dos filésofos medievais, tio depreciados desde a Renascenga? E sobretudo, ela nc confundirs, sob a sparéneia de uma investigagio “intemporal” relativa & veidade de teses e de anilises julgadas pertinentes por uma escola de pensamento, sua figura histérica particular com aphilasophia perenris? & inegavel que os problemas tSenicos ‘mencionados acima adq jgno de interesso" esd muito ligado aos inferesses temporais, de uma comunidade de pesquisadores num momento determinado. Mas isso fam sua forma numa tradigio, que seu cariter “urgente” ou % rio implica que essas quest0es, por mais antiquadas que possam parecer, estojam ser; relagio com as questées mais perenes. Tomemos, por exemplo, © problema dos enunciados condicionais contrafactuais, do tipo se p fosse 6 caso, entdo q seria 0 caso. Os fil6sofos analiticos se perguntam qual & 1 somintica desses enunciados, isto 6, em que condigSes sio verdadeiros ou falsos. Isso parece ser uma questo de pura lingiiistica. Mas implica também problemas muito tradicionais: 0 da natureza do possivel, por oposigio a0 real, © 0 da natureza de todas as nogbes que a isso se ligam: as de potencialidade ¢ de ato, de disposicao, de modalidade, mas também a do papel dos condicionais em nossa compreensdo das ages € das decisdes, ou ainda da avaliagio da probabilidade de um acontecimento, Quem diria que essas questées nio sio “grandes quest6es" filoséficas? Vosso prever a resposta de um filésofo formado na tradicio historicista descrita acima, Ele admitiré que essas questées sdo bem tradicionais, mas contestaré que ainda possam ser propostas hoje, justamente porque, em sua opinifo, essas questOes nao podem mais ter, no contexto presente, 0 sentido que possuiam na filosofia antiga ou clissica. Nisso reside talvez a divergéncia mais prafunda entre o filésofo continental tipico € 0 fildsofo analitico tipico. O primeiro sustenta a tese metafilosdfica seguinte: os problemas filos6ficas “tradicionais” coloca- se apenas no contexto histérico no qual ainda tinam um sentido, isto é, no qual a filosofia era concebida como uma busca da verdado, segundo uma perspec € nfo critica; mas nés nfo podemos mais. depois de Kant (Hegel, Marx, Nietzsche, Heidegger), colocar os problemas assim. E por isso que, aos olhos dos fildsofos pds {pés-kantianos. pés-hegelianos etc), analitien 6 essencialmente ingénua, de uma ingenuidade que ignora iblemas © sua caducidade. O alitico reivindiea, ao contririo. esta ‘a que um kantiano descreveria como “dogmitica” atitude precisamente a inscrigio hist6riea dos filésofo igenuidade, Ele sustenta a tesc metafiloséfiea inversa: por mais interessanles ¢ convincentes que 112 Passabos recomnosros poss 's “crfticas” em filosofia propostas desde Kant, ¢ por mais historicamente determinadas que sejam as questées sobre as quais 0 fit6sofos discutem, essas posigées eritieas nio foram estabelecidas, & um Ser as py nao mostram de modo algum que problemas como o dos universais, da realidade do mundo exterior etc., cessam de se propor au, por Se proporem maticamenie”, “4 io insoldveis. Ele também no admite que essas questées cessem de se propor porque teriam sido resalvidas. Michel Serres diz que os filésofos analiticos s6 propBem questies *jéresolvidas”, pois ele reconhece, em certas problemétieas contemporineas analiticas, questées que sua cultura histérica o leva a julgar datadas, discutidas ad ‘nauseam nos séculos passados. Mas, mesmo que falta de cultura hist6rica nossa dar aos estudantes formados na tradigo analitien a falsa impressio 4c lidar com um problema novo, em nome de que se pode dizer que esses problemas foram “resolvidos"? Em que, por exemplo, o problema do sentido dos nomes préprios, o da natureza aas esséncias, ou 0 da indugfo, = respeito dos quais 0s filésofos analiticos ainda discutem asperamente, forzm resolvidos™? Nao & porque uossa cultura histériea nos faz reeo- nhecer que um problema jé foi tratado por filésofos do passado, forma mais ou menos semethante, ou mais ou menos diferente, que temos 0 dircito de dizer que esse problema jé receteu uma solugdo, ou que @ abundancia das discusses passadss que no alcangaram resultados tangiveis prova que € iniiil continuar diseutindo sobre ele. De Serres adots ‘ob uma uma atitude positivista: ele pensa que o: problemas filo séficos que nao foram resolvidos pela ciéncia sé podem ser problemas metafisicos vios, que € necessario examinar de novo. E os historia- dores que pensam que ndo vale a pena retomar este ou squele problema tradicional justamente porque j& foi discutido, adotam implicitamente, Wu a idéia de que esse problema jé recebou uma solugao satisfat, certo autor, ou entiio a idéia de que essas questées nio tém solucio. Nao igo que ess: Juidas. Mas ndo vejo em que isso foi mostrado. De fato, eu também suspeito que, em filosofia, a maioria das respostas aos problemas tradicionais é conhecida, Sabe-se, por exemplo, qual & a resposta “realista” a0 problema dos wniversais, possibilidades devam ser ex quat a resposta “nominalista”. Mas isto nao significa que a questio tenka sido resolvida, nem que no se possa fazer prog rcensio. O progi sso em filosofia se prende muito raramente a natereza das posigdes e das teses defendidas. Prende-se a natureza dos métodos, das estratégias de argumenta Questies 113 A hist6ria como jurisprudéncia Se adctarmos @ atitude que descrevi, a histGria da filosofia nao é 6 tribunal de segunda instancia, ou mesmo 0 supremo tribunal de justiga dos problemas fileséficos; nem o tribunal de primeira instincia (ou, pelo ‘menos, 0 tinico tribunal de primeira instncia). Podemos levantar questées filos6ficas, e tentar responder, sem nos referirmos necessariamente aos grandes fildsofos do passado. Esta atitude tem sido muitas vezes ilustrada pelos fildsofos analiticos. Alguns deles, como A. J. Ayer ou WV.0. Quine, excluiram essa disciplina dos departamentos em que ensinavam. Em conseqiéncia, seus alunos e seus discipulos discutiram de preferéncia as teses de Ayer © de Quine, ou de seus contemporiincos imediatos! Nio ereio que, com isso, a filosofia tenha necessariamente perdido, salvo, evidentemente, quando essa atitude era imitada por filésofos de menor envergadura. Mas, finalinente, em que esta situagio difere da maneira como as escolas filos6ficas se constitufam no pasado? Contudo, essa atitude voluntariamente anistérica é uma fiegé: as teses dos outros fildsofos, quer sejam ou ni afastades no tempo, ¢ 0s fil6sofos analiticos no fogem a esta regs referéncias ao que disseram os autores do passado, no pr6prio contexto de sussées acerca de questées “contemporiincas”. a histéria, Isso equivale a reconhecer a validade do ponto de vista histori- eista, que eu estou eriticando aqui? Nio, poi como se faz essa discussio. Para retomar 2 metifors juridica, dire’ que as teses dos outios filésofos © as do passado deveriam ser, para um autor contemporineo, a jurisprudéncia em filosofia4, Devemos nos referir a elas, mas essas teses uo esto, por assim dizer, fochadas sob a relagio “X ja disse que p. hist6rico). A jurisprudéneia evolui, & medida que se apresentam novos 30S (que, muito freqlentemente, vém da ciéneia, mas também das outras formas de saber ¢ pritica). Pode-se modifi por contribuir para a jurisprudéncia. Mas ela nio esti fechada, il6sofos discutem quase sempre uilas veres, encontrames neles se trata de negar tudo depende da maneira © € initil voltar a isso” (0 que se pode chamar de fecltamento a, ¢ cada filésofo se esforga sta concepgio jurisprudencial ¢, meitas vezes, criticada, Ela tende a levar 0s fil6sofos analiticos a fazerem como se tal tese, suponhamos de Aristételes, pudesse ainda ser avaliads, er) termos contemporineos, um pouico como se Aristételes tivesse p: cado recentemente um artigo numa revisia, € pudesse se dispor re nos responder em nossos proprios toriador da filosofia Michael termos. Como dizia maldosamente © 114 Passapos neconPostos ‘Ayers, 2 respeito do fil6sofo analitico Jonathan Bennett, que se tornow famoso nesse tipo de leitura, principaimente a propésito de Locke, Berke- ley, Hume ¢ Espinosa, isso equivale a fazer como se compreender esses, autores nio fosse mais dificil, ou mai que compreender o prépri Bennett’. f inegavel que isso ieva a distorgGes. Critiea-se, por exemplo, certo intérprote de Aristételes, que procura utilizar as categorias da logica contemporinea para compreender a légica e a metafisica deste iltimo, ou que confronta as toses de Aristételes a respeito da alma com teses contem- porincas, como o funcionalismo ¢ a tcuria materialista da identidade do espirito e do corpo®. E evidente que os intérpretes podem cometer erros, fe que tal ou tal reconstrugio de uma doutrina do passado em termos contempoi de um autor, ou deforma seu verdadeire pensamento ~ caso possa ser mostrado que essas reconstrugies so infiéis. Eu diria que depende dos casos, dos tipos de reconstiusio, Mas temas também, freqilentemente, a impressio de que 6 a prépria idéia de uma reconstrugio, ou de uma reinterpretagio, de uma doutrina do pascado er termos contomporaneos, ‘ou mesmo simplesmente de uma confrontacdo entre as doutrinas do passado ¢ os pontos de vista presentes, que ilegitima, um pouco como ‘se nio se pudesse compreeender o universo de pensamento de um fil6sofo senio do interior, e como se a tinica base de medida da verdade das teses de um fil6sofo fosse o préprio autor, ¢ 6 contexto do saber que Ihe era contemporiineo, eos pode ser julgada incorreta, porque nio se aplica & letra Contra o relativismo Encontra tico dessa atitude na .¢ um exemplo bastante paradi recente rags do histsiaor da filosfa medieval Alain de Liber un tivo. do histriador “analfco” da filosofia Claude, Panaceto sobre Guillaume d’Occam ?. Panaccio propée uma lei 1a de Oceam que permite confrontar seus pontos de vista com os problemas da filosofia analitica de hoje, em particular no que diz respeito 4 questo do nominslismo, da referéneia dos signos, ou A da linguagem mental. Desde 0 inicio, ele admite separar essas questdes das posigées de Occam em teologia, ¢ poder avaliar aquelas independentemente destas. Para cle, o importante em filosofia é a formulaca de teses, € 6 porque os fildsofos do pas possivel € tem uma ignificagio filos6fica, j que se pode “traduzi-las num idioma filoséfico de ho} De Libera vé, nessa mancira de proceder, nio somente uma Questdes 115 forma de anacronismo, mas um verdadeiro erro sobre a propria natureza do pensamento de Occam. De um lado, porque, para ele, esse pensamento 6 insepardvel de sua teologia, ¢ de outro, porque o préprio “mundo” de que falava Occam no pode, segundo ele, ser o mesmo de que fala o filésofo de hoje: “Nés argumentan.os longamente, em ouiro lugar, contra a idéia de uma continuidade fenomenol6gica do mundo, ¢ contra 0 preconccito a favor da realidad que leva, em nossa opinido, indevida. mente, = crer que os Antigos viam @ mundo como nés o vemos, Nosso relativismo histérico se prende a0 fato de que toda tese 6, para nés, relativa ao undo que a viu nascer ¢ a reclama, ac mesmo tempo, para mpreendido € um holismo, e, por esta razio, é também descontinuista’. (De Libera, ibid., p. 161.) ‘Tem-se a impressio de se estar lendo um texto de Kuhn sobre os, ymas, ou de Foucault sobre a descontinuidade das epistemai. Com ofeito, a posic ser mundo, O relativismo bem ismo. No entanto, ‘embora, notoriamente, o historiador possa ser levado para o relativismo ¢ para 0 descontinuismo, nao é de modo algum evidente que esta posigio seja filosoficamente justificada, Ela repousa na idéia de que existem, segundo épocas ou segmentos variados, “esquemas conceptuais” ou de pensamento, intraduziveis no idioma de “outro” esquema, ¢ que, por n questo. De Libera parece ignorar que esta idéia foi criticada vigorosamente por numerosos fildsofos contemporineos*, Nao procurare! aqui repetir esses arguments, Bastard uma ilustracio intuitiva. Quando Aristétcles fala da lua, designa Por acaso um astro diferente daquele de que nés falacaos hoje? Indis- cutivelmente, cle tem uma visio do mundo “suolunar” inteiramente Siferente da que nés temos hoje, e mesmo aqueles de nossos contem- ordneos que ignoram tudo da astconomia tém dele uma visio totalmente conseguinte, ndo hi referente tnico dos discursos Sistinta da que tinham os Antigos. Mas sera que disso resulta que estes niio estavam falando da mesma cois:? Existe, é verdade, um sentido, ao qual, provavelmente, de Libera faz alusdo, em que as propriedades que atribuimos. 3 um objeto fazem deste um objeto diferente, se Ihe atribuirmos outras propriedades contradit6rias com as primeiras, Por exemplo, & possivel sereditar, neste sentido, que o doutor Jekyll © Mr. Hyde sio dois ind Gistintos, ou que o estrela da tarde niio é a estrel lua de que filavam os Antigos. Eles nao a confundiam com outro planeta, Talvez dissessem coisas distintas de nés (e falsas), mas inavam quanto ao referente. Neste sentido, & falso dizer que © da manhd. Mas este no €ocaso em relagi 116. Passabos necourosros mundo de Arist6teles era totalmente diferente do nosso, e que nds nio estamos falando da mesma coisa. Devem existir muitos objetos e propriedades para os quais se di ,€ isso basta para garantir uma compreensio num grande nimero de casos, jé que podemos traduzir o grego. De Libera responderia provavelmente que, se isso é talvez verdade pata objetos mundancs habituais, muito menos certo para os ubjetos teéricos, ou pelo menos nio empirices, de que se trata em filosofia: a alma, 0 corpo, ou os universais, Mas, mesmo que Aristételes tivesse uma concep. totalmente diferente da nossa, ou da de Deseartes, deve-se dedi ele ni a maesma co a alma ir que jo estava falando da mesma coisa? Quando os gregos diziam que » medo esté nos joclhos, designavam por acaso uma emogio tio profundamente distinta? Afinal de contas, eram humanos, ¢ néo primat nao to diferentes, genética © biologicamente, de nds. Se um marciano ou um leo pudessem nos falar, pode ser, como dizia Wittgenstein, que és nio pudéssenos compreendé-los. Mas existe uma continuidade itiva, natural, suficiente para que possamos compara:, compreender, € discutir as opiniées dos humanos do passado. Sem 0 que, duvido que hist6ria fosse possivel, levissemos 0 relativismo até a je que fala de Libera. Quanto ao “holismo” que ele invoca, parece-me ou trivial ou absurdo, Se © holismo significa que existem lagos de interdependéncia reeiproca entre as teses de um filsofo em diversos dominios, ¢ entre sua obra ¢ a de seus contempo- Haneos, quem 0 negaria? Mas se o holismo significa que a “realidade” de que fala um fildsofo é sempre interna ao “mundo” que ele elabora ¢ 20 gue elaboram sous contemporineos, nfo vejo como disiinguir a filosofia da literatura, que, cla também, constr6i “mundos” eoerentes. E possivel compreender as teses de Occam sobre a semntica independentemente de sun teologia, ou as de Descartes sobre a meta independentemente de sua fisica? Provavelmente aio, se nés nos interes- sarmos unicamente por Occam, por Descartes. O que eu reivindico € © direito de separar certas teses de outras para avalid-las. Ora, 6 evidente que as teorias de Oceam sobre a semantica ainda podem ser discutidas pelos contemporincos. Se nfio pudessem si Lo. as eritieas que os contem- ineos dirigiram a teoria das suposigdes. por exemplo, nfo teriam jum sentido”. Pior ainda, a discussio cacional dentro do préprio contexto contemporanco também no teria aenhum sentido, Pois isso fi j2 que eu no posso, por exemplo, compreender 0 que um westbes 117 hoideggeriano entende por Dasein, porque nfo vivo no mesmo “universo” de pensamento. Ora, por mais dificil que possa ser para mim, e-eio poder comprecnder o que ele eniende com isso, ¢ crtici-Io, Descontio que os que sustentam 0 contrério acreditam que a discussio racional é impossivel, © quc $6 6 possivel a exegese histOrica do que foi pensado. Nada disto implica que nio haja incompreensoes, causadas m do pensamento. Se nio podemos fazer filosofia totalmente livres da gravidade, desligados de qualquer conheci- mento hist6rico, é igualmente errado nos privarmas do que désseram os autores do de inspiragio. Existe contudo um bom uso da histéria em filesofia, que consiste em supor que 0s filsofos do passado procuraram visera verdade ¢ dar razées do que eles afirmam, que o que nds fazemos no € muito diferente, ¢ que é isso que nos permite nos comunicarmos com eles, para allém da histéria™®, vvezes pola ignordincia da hist6 ado, pois isso ainda pode nos servir e ser fonte pormanente Notas 4 Devo essa observagio a J. Proust, em sua introdugio 20 niimero ée Philosophie, 35, 1992, sobre Philosophie continental et philosophic analytique. ? Uma boa ilusiragio das diferencas entre este estilo e o das priticas “eentinentais™ cortentes & 9 mimero de pessoas a quem, cm geral, © autor de um artigo agradece. Uma anedota o relembra. Hi alguns anos, uma polémica opis 0 jcamo J, Searle e J, Derrida. Searle evticava, de modo efet lgumas proposigbes fantasistas que Derrida fazia a tespeito di teoria dos alos de lingvagem de Austin, Derrida respondeu num longo texto enpolado, ¢, Sobretudo, tendo notado que Searle, no fim de seu artigo, agradecia a alguns colegas e amigos por suas abservagdes, fez como se estivesse respordendo, no 8 um individuo, ¢ sim a ume sociedade anSaima; daf o titulo de sta #>sposta Limited Ink (ogo de palaveas!) (ef. Derrida, Limited uk, Paris, Galilée, 1990, © J. Searle, Pour réitérer le 1990). No fundo, Derrida estava surpreso com o fate de se poder «scr comum com vérias pessoas, elaborar os textos num trabalho mais ou menos coletivo, Sua reagio era bem tipica d2 atitude das fildsofos continentais, para (8 quais se exereve sozinho (como foi notado frequentement, foram 9s fil6sofos morte do autce”, que Finalmente se encontraram mais dopressa na condigio de “autores”) filgsofo am breve, diffsrences, trad, ft 1. Provst, Combss, L'Belat, 1s me fez observa, un dia, que a tearia Segunda a qual a sentido dos nomes proprios & dado por uma cescrici0 definda "J" se encontrava em ‘Anvisteue. Em si, & observacio € interes‘ante, Mas 0 que € que ela 210v8? Que 118 Passabos necoMrostos Russo teve predecessores? Quem o negaris? Que, porque nihil novi sub sole, nio vale a pena discutir disso? Leibniz rata que mostraram a Casaubon a Sorbonne dizendo-the: "Aqui se tem discutido durante seculos”, e que ele respondeu: “C que foi que conclufram?”. O fatu de que as discussdes em filosofia nd chegam a uma conelusio signifies, por acaso, que clas nunca chegario a una conclusio? Esté cerrado, O acotdo € © progresso podem ser obtides em certos pontos. Por exemplo, hoje conlecemos as implicagbes da teoria do sentido dos nomes préprios como deserigBes muito melhor que hi vine séculos. 4 Tiro esta erminologia de I Ishiguro, “La philosophic analytique et Phistoire de la philosophie", Critique, 1981, aiimero especial sobre Les philosuphes angio saxons par euxsmdmes. MM. Ayers, “Analytical philosophy and the history of philosophy”, in J. Tée, M. Ayers © A. Westoby (ed), Philosophy and its Past, Brighton, Marvester Press, 1978, p. 54. A orinicita critica fo ditigida a J, Vuillemin 2 propésito de seu livro De la logique 4 la théologie, Pasi, Flammarion, 1967. Por wsi.a reviravolta bastante irdnica d coisas, foi o préprio J. Vuillemin que me eriicou no segundo ponto, quando eu aprovava D. Charles por ter considerade Adstoveles como wm “materialisia nao reducionista” (el. D. Charles, Aristote’s Philosophy of Action, Londres, Duckworth, 1985, ¢ minha resenha deste livro, “Aristote et la philosophie de I’action”, 1’ de ta science, It, 1990). 7 C. Panaccio, Ler Mots, lee Concepts et les Choses. La sémantique de Guillaume @Occam et te nominalisme d'ayjourd'lui, Montres! ¢ Paris, Bellarmin e Vtin, 1991, A. de Libera, “Retour de Ia philosophic médisvale?”, Le Débar, a. 72, 1992, ppp. 155-169. Nao & por acaso que tomo o exemplo de um filbsof0 “escolistica”: ‘como vimos acina, existem similaridades induvidaveis (menos a tcologia, justamente) entre 0 estilo dis discussbes escobisticas ¢ 0 da filesofia analitica Ccontemporinea, ¢, na miaha opinito, essas simitaridades sio positivas. E por isso {que estou ainda mais espantado porque um historiador que ques, como de Libera, fazer “retomno” & Wade Média, iasiste tanto, ao contro, na descontinuidade em rel 50 8 filesofia contemporinea, quando é justamente essa continuidade que me * Em particular D. Davidson, “Oa the very ides of conceptual scheme”, in Inquiries inco Truth and Interpretation, Oxford, 1984, wad. fe. P. Engel, Enguétes sur la nes, J. Chambon, 1993, verité er Minterprétation, Ni * Por exemplo, PT: Geach, Ref © 168, sce and Generatiay, Connell University Press, 1962 Quando eu estiva aeabando a redagio deste artigo, tomei conhecimenta do de C. Panaccio, “Le la reconsirtion en histoie de a ilosop hie” (Cahiers d'épistemotogie, Questes 119 1, 189, Universidade do Québec em Montreal, 1994), que aborda es mesma temas, ce defende, muito mais claramente do que eu fago aqui, ids similores, através de uma respasta a de Libera. Sé posso, pois, recomendar a leitura de seu ensaio, cinco Os Efeitos Retroativos da Bdicao Sobre a Pesquisa Cuavve Lawovots Nao existe pesquisa histérica sem livro que ll tados. Que estratégias um publique os resul- istoriador ansioso por publicar desenvolve m mercado editorial complexo e diversficado? As custas da pesqusa histrica? ‘Avs ollios de nossos colegas do setor cientit toriadores, somos tidos por origin: pesquisas, nfo recorremos cbrigatoriamente as revistas com comit ternacional de presuncio de publicar livros em francés, ¢ até mesmo de sustentar que ff se encontra o esseneial do trabalho cientifico que produzimos. Nés Fazemos que to da edigho, pela propria natureza de a, que exige, vale lembrar, que 9 demonstragio passe prioritariamente pela narracio. ‘Acrescentemos a essa especialidade disci dade by 0, nds outros, his~ . pois, para divulgarmos nossas ura, necessariamente escritas em inglés, mas temos a nossa discipl ar uma pa:ticulari- is: na Frangs que também nos torna suspei histéria interessa um grande pablico, ela se vende bem, é comprada em revistas, em livros de bolso, em colegdes de luxo. Sem divida, os editores se queixam regularmente da conjuntura adversa', da concor infernal da fotacdpin, do gosto escasso dos jovens pela leitura © fato € que o francés gos sabem disso, ¢ que acabou de vez 0 ros de histor efeitos im efeito? Deixando-se claro que 0 em; ser Lido por am entrar numa colegio de 4. Tomemos apenas inte, nessa perspectiva? Uma revista francesa, ou mesmo amet 1m manual, que Ihe peri cer suas idéias a um grande pit Mas se cada historiador deseja que sua pesquisa pessoal — tudo, sua tese ~ seja editada, © que ocorre na real deixou de ser feita em exem| jade? Desde que a ue © miimero das teses ir dos anos 60, e que seu tamanho aumento , Mio foram mais editadas todas. E o que dizer da tese também da nova tese. Como seleciona? Como? sgada? Em outras 0 permanece det pequeno niimero de pe: a sva pesquisa um tempo bastante Ihes ofereca a possi fudo leva @ pensar que, fico coberto por essa it le oferecidas cargos aos tuldade em deixar os pesquisadores exercerem sua menos dificuldades que outros para serem editados, e que esta va a pesquisa nesse set das publicagSes, sua imp. igualmente o piblico, porque, enfim, a inho. Mas 0 “efeito pi ico bem cquinhoads, que asscgure a um lores selecionados a possibilidade de dedicar generoso, © que, apés a defesa da tos i nente numa colegio d nessas condigdes, no com suas origens, ‘no minimo aumentando, pi ‘em relago aos outros. | 124 Passapos necounosros mercado ~ este, privado ~ 6 conhecido do grande piblico, pelo menos através dos editores mais A vista, como Le Seuil, Gallimard, Fayard, Albin Michel, mas também Aubier, Le Cerf, sem falar em outros, alguns dos quais aparecem ou desparecem segundo a conjuntura. Os editores deste grupo, que obedecem estritamente as leis do mercado, tiram no mit 2.000 exemplares, comercisliz im sem difieuldade os livros de histsria, ‘mas por tempo limitado, como acontece cam as outras obras de grande consumo. As colegées, felizmente, fornecem, a uma parte desses titulos, uma vida mais longa que a um romance sem leitores, suais para estudantes da universidade 5 editores de livros diditicos perce- O terceito mercado ~ 0 m: surgiu em meados dos anos 60: beram que o forte crescimento do pibiico estadantil criava uma nova necessidade de obras de iniciacto. Os editores de livros di Nathan, Masson e Armand Colin, tentaram implantar-se nesse mereado, sticos como ‘com éxite desigual, enquanto os editores mais cléssicos, a partir de suas colegées de bolso, também procuraram aproveitar esse novo piblico. O quarto mercado € mais antigo e permanece sempre importante, jé que se trata do livro de histéria para 0 Primeiro Grau (eollges) e sobretudo 0 Segundo (Iycées). Os secretirios de educaco e os professores université- rios disputam tradicionalmente entre si a diregio lucrativa destas dltimas obres; as mudaneas de programa tém sido por muito tempo uma boa fonte de Iucro para editores ¢ autores, garantindo, se a reparticao do bolo for eqiiitativa, tiragens substanciais, A situagio atual — crise oblige — reduz as perspectivas de lucro. Ora, num conjunto editorial amplo, mas heterogéneo, © mercado propriamente cientifico permanece estreito, por ser insuficientemente alimentado pelas aquisigbes institucionais (bi tudantes e professores). Em conseqiiéneia disso, se compararmos a sitwa- io francesa com a dos Estados Unidos, nos dzremos conta de que, do outro lado do Atlantico, © mercado do lives de parece ser mais homogéneo, ¢ refletir methor a produgio cientifica, a0 passo que, na ranga, existe uma original interpenetragio de um piiblico escolar, de um piblico “culto” ¢ de um piblico “cientifico”. Mas, enquanto nos Estados Unidos a pesquisa me parece bastante estimulada pela existéncia desse vasto mercado, alimentado também por maior competi jotecas) ¢ individuais (es- Jo entre uni sidades e entte historiadores, na Fi ranca ela seria. de certa forma, contida por um sistema hibrido que impde ao historiador dirigir-se, quando es- creve, a um piiblico mais amplo que aquele, por demais limitado, de seus Queses 125 pares. Disso também deriva, talvez, uma atitude duravelmente ambigua dos prdprios historiadores em relagio ao sucesso editorial, individualmen- te desejedo, mas coletivamente suspeito. Poder-se-ia, pois, considerar que, em relagio a um conjunio homo- ‘géueo que se definiria como “a pesquisa”, a edigio se encontra, ns maioria dos casos, na mesma situagio que aquela analisada pelo historiador das citncias, quando estuda os processos da vulgarizagio cienlifies nos sé- culos passados. Redugdo, sedugio, até mesmo, is vezes, ilusio®, Redugio dos sinais mais visiveis da ilegibilidade cientifiea; recurso inevitivel a processos de seducio, mesmo modestos; coabitacio, enfim, com uma hhist6ria ndo-cientifica, que deseja se enfeitar com as plumas do pavéo. Esta promiscuidade se explica em parte pelo fato de que os editores que tomam 0 risco de perder dinheiro com “bons” (cientificamente falando) livros, precisam ganhar dinheiro com livros menos bons, comercialmente nas também pelo fato de que a opinio pibliea, como fa recentemente, « propésito da atitude dos pretensos mais vendiveis; alguém o lemb: historiadores “revisionistas™, ainda ponsa que qualquer pessoa, contanto que fale do passado de mancira aparentemente fundamentada, pode se proclamar historiador sem ser acusado de usurpagio de titulo. Resta a pergunta formulada: como apreciar 0 “efeito retroativo” de tal situagio editorial sobre a pesquisa? Na falta de enquete sisemética, procuremos tirar algum ensinamento da situagio dos anos 1950-1980, levando em consideragio dois aspectos diferentes, a amplitude da tese @’E1at ¢ a evolucio da conjuntura editorial, Salvo caso excepsiousl, a grande tese nao era publicével para um editor, que “jogava a toalha®acima de 600 ou 700 paginas: os infelizes autores deviamn, portono, rtahar € cortar ~ horrivel automutlagio ~ ou, se se recusassem a iso, reescrever completamente sua tee; com mais sorte, tinham a possibilidade de juntar uma versio vulgarizads, elaborada por eles, em colegdes que inpunham utras resriges, como Champs, Archives (Campos, Arquivas} oa La vie quotidienne (A vida cotodiana}. A conseqiéncia de tudo isso? Prolongando dois ou trés anos 0 “tempo da tese”, atrasar mais ainda para a coletividade 0 acesso 2 inovagio que ela devia constituir; mas também, para © autor, extenuado por esse penoso acréseimo de trabalho, limita: as prd- prins capacidades de se renovar investindo em outro eampo de investigagio. E verdade que, nesses mesmos anos 60, a conjuntura fivoravel podia compensar a morcsidade da A chrgada maciga de estudantes, como vimos, tornava neces stio — \clusive editorial ~ da tese. ‘pida | | 126 Passapos necourostos colocagio de novos manuais no mereado. Vara os mais ditosos, entio, Gepois da tese, a sintese; depois do Loir-et-Citer ou do Maconnais, & sociedade francesa ou o mundo medieval¥. Ou seja, a possibilidade imedia- ta, ndo somente de vulgarizar suas intuiges pessoais, mas também de ” sua abordagem peculiar. E, sem di benéfico para a pesquisa elteri 2, i830 fol Mas a conjuntura ccondmica se inverteu rapidamente, © 0 crescimento dos estudantes se estabilizou, Os editores Proctrarsm tomar suas colegSes lucrativas sem renovar seus titulos nem refundir seus manuais: com isso, a vulgarizagio dos anos 69, alimentada pelas pesquisas mais recentes, estava inevitavelmente envelhecida, vinte ‘anos mais tarde?. A renovagio dos manuais do ensino superior, atwalmente fem curso, esti, no entanto, longe de chegar ao fim. Seria preciso poder medir as conseqiéncias desses sobressaltos editoriais, mas a formagio inicial dos jovens historiadores, base indispensvel para uma pesquisa futura, soffey, provaveliaente, com 0 afasiam:ento

You might also like