You are on page 1of 179
PALLAS GISELE OMINDAREWA COSSARD SUMARIO Introducio.... 9 As origens..... 15 A escravidio . 25 Qs ministros de Olodwmaré ..... 35 A comunidade.... 67 As consultas.. 79 As festas.... 5 A iniciagao... 133 A vida apés a iniciagao..... 77 final da vida........... 191 Os ancestrais .. 201 Obras CONSUITAGAS eesti ZIT INTRODUCAO Aparentemente, nada me ligava tio fortemente a Africa. Nasci no Marrocos, pais que deixei antes de completar dois anos de idade, muito pequena para ter conservado qualquer lembranga. Mas meus pais, que eram franceses, guarda- vam desta terra uma imagem encantadora, que embalou toda a minha infin- cia. Nossa casa era cheia de lougas, tapetes coloridos, pecas de latdo e cobre, ‘objetos misteriosos, que me fascinavam e atraiam, agugando o meu desejo de conhecer toda aquele continente. Em 1937, a exposigdo sobre as colénias africanas, em Paris, aumentou 0 meu sonho de ir para a Africa. Os anos se passaram; vieram a guerra e a ocu- pacado alem, uma época sombria, perigosa ¢ sem perspectivas. Entrei para o movimento de Resisténcia francés, no qual conheci um jovem professor, inte- lectual brilhante com quem me casei em 1945, Em 1949, ja com dois filhos, surge a oportunidade de ir para os Camaroes, col6nia francesa na Africa, onde meu marido foi nomeado diretor da Educagdo. Fiquei muito entusiasmada em realizar um antigo desejo. Apesar da vida sem conforto, em condigdes precarias, com abrigagies so- ciais desinteressantes, era a Africa ao meu alcance, No entento, logo percebi de que 0s negros e os brancos viviam em mundos separados. Os brancos ndo freqiientavam os negros e quem os recebia em casa estava se rebaixando. Os brancos se achavam superiores e nao faziam esforco algum para compreender a mentalidade dos africanos. Em 1952, fomos viver no Tchade, ao Sul do Sara. O contato com © povo de 14 era ainda mais dificil. A populagao era islimica e a minha condigao de mulher dificultava a aproximaco. Ao longo dos oito anos em que morei na Africa, no consegui reduzir a distancia entre o meu mundo e¢ este outro, ape- sar dos meus esforgos. Eu percebia que o mundo negro tinha outras normas, outras referéncias, mas ndéo conseguia alcanca-las. Gisele Omindarewd Cossord Ss Durante uma viagem de carro do Tchade até o Oceano {ndico, em 1956, sentimos que as populagdes estavam a beira da revolta, que a explosdo era iminente € que os brancos seriam expulsos qualquer que fosse a forma de sua presenga. Decidimos nao aguardar a crise e voltamos para a Franca, com 0 co- ragdo cheio de saudades. Em 1959, meu marido foi nomeado Conselheiro Cultural da Embaixada da Franca no Rio de Janeiro. Descobri um pais novo e encantador, mas as obri- gag6es da vida diplomatica deixavam pouco espaco para conhecer mais pro- fundamente as outras camadas daquela sociedade. Mesmo assim, aos poucos, senti de novo a presenga africana nas cores do povo, no gingar das mulheres andando pelas ruas, no cheira do dendé nas esquinas e na exuberincia da muisica ¢ das dangas. Nessa época, conheci Abdias Nascimento, fundador do Teatro Experimen- tal do Negro, ¢ entrei também em contato com os antigos integrantes do gru- po folclérico Brasiliana; esses bailarinos, entéo desempregados, passaram a ser meus amigos ¢ me ajudaram na organizacdo de recepgées do Servigo Cultural. Com eles, subi morros ¢ corri subirbios para reencontrar a Africa, Durante uma dessas fugas, um acontecimento extraordinario transformaria a minha vida. Em uma festa de Candomblé na casa de Jodozinho da Goméia, em Ca- xias, cai no chao, sem dominio de mim mesma. Nesse momento, comegou a minha vida com os Orixds. Joaozinho da Goméia teve muita coragem quando decidiu me iniciar — preparar a minha cabega para receber 0 orixd; estava abrindo as portas do Candomblé para a esposa do Conselheiro Cultural da Embaixada da Franga, a quem chamava de embaixatriz. Eu nao era embaixatriz, s6 queria ser uma yaw6 © aprender. Foi dificil conquistar a confianca desse grupo. Mas, com paciéncia, fui fazendo amizades. Estava num mundo completamente diferente do meu, que me encantava eno qual, aos poucos, encontrei respostas para as minhas diividas e realizei minhas expectativas. Mas ainda era muito dificil ter uma visio global desse universo. Por sua tradi¢ao, o Candomblé nao dispensa um aprendizado sis- tematico e organizado para seus filhos. Passei entao a buscar este conheci- mento ao acaso, um pedacinho aqui, outro ali. Ainda assim, pouca coisa fazia sentido, Quando voltei para a Franga em 1963, a minha vida se modificou comple- tamente. O meu casamento, que ja vinha balangando, acabou se desfazendo e tive que trabalhar para criar meus dois filhos. Foi um perfodo arduo, com mui ‘tas saudades do Brasil. Para superar a tristeza, decidi escrever sobre o Candom- blé da Goméia, Sem possuir formagao sociolégica ou etnoldgica, fiquei muito receosa, mas decidi procurar um pesquisador dessa rea, o professor Roger Bas- tide, da Ecole des Hautes Etudes, em Paris, Ele me recebeu com muita gentileza, escutou atentamente a minha conversa, as minhas diividas e disse: “escreve, escreve, vocé sabe muito mais do que eu”. Durante os seis anos seguintes, todos os meus momentos de lazer foram dedicados a escrever, e também a ler e a estudar. O Candomblé comegava a se estruturar lentamente na minha cabega. A tese de doutorado ficou pronta em 1970, mas nao foi publicada, pois nao tive recursos para isso. Nessa época, a administragio francesa, depois do choque da revolugdo dos estudantes de 1968, nao via com bons othos qualquer pesquisa sociolégica. Com isso, a tese ficou engavetada. Nesse periodo, trabalhei duro e vim ao Brasil para visitar a Goméia, em 1966 ¢ 1970. S6 voltei para © Rio de Janeiro em 1972, como Conselheira Pedagégica do Servigo Cultural Francés, mas Jodozinho da Goméia, o meu babalorix4, tinha falecido no ano anterior. Tudo estava mudado, e sem ele a Goméia nao era mais a mesma. Foi ent4o que meu amigo Pierre Verger me apresentou a um baiano, Balbino Daniel de Paula, um filho de Mae Senhora, do Ilé Axé Opé Afonja. Eu os hospedei no Rio, enquanto se preparavam para ir a Africa filmar a hist6éria de um mogo 4 procura de seus ancestrais. Na volta dessa viagem, Balbino ficou um tempo no Rio ¢ nos reencontramos. Em 8 de dezembro de 1973, sofri um sério acidente de carro, que me deixou muito ferida ¢ Balbino se prontificou a me ajudar. Trouxe alguns de seus ini- ciados e ficou comigo em Santa Cruz da Serra, na casa que eu acabara de com- prar. No dia 19, onze dias depois do acidente, era o dia do meu aniversario de iniciagao e ele fez questao de preparar as oferendas para Yemanja, meu Orixa. Mesmo estando eu gravemente acidentada, sem poder me mexer, sem poder andar, a minha Yemanjé veio, dangou ¢ ele se encantou com Ela. Nossa liga- ¢4o se estreitou e ele acabou se tornando meu segundo babalorixé; implantou comigo essa casa de Candomblé ¢ ajudou a desenvolvé-la. Ele ainda ficou um tempo ao meu lado; depois voltou para a Bahia, Mudei de nacdo sem ter procurado por essa mudanga. Jodozinho da Go- méia era de tradi¢do Angola. Balbino praticava um ritual Ketu, muito apurado, do Tlé Axé Opé Afonjé, um dos mais antigos terreiros da Bahia. Para segui-lo, tive que aprender tudo de novo: a misica, as cantigas, as dangas, o ritual estri- tamente elaborado e preciso. A partir de 1974, com o incentivo de Balbino e de seus filhos, a minha casa de Candomblé se desenvolveu bastante e as ativi- dades nao pararam mais. = ° 8 . 2 = E ® s 3 2 N Giséle Omindarewd Cossard Durante esses anos, sempre fui muito solicitada a publicar a tese de douto- rado, mas ainda tinha receio, Todo ano, retornava 4 Africa para me aproximar das origens. Em 1968, havia encontrado Nestor Adissa Ogulola, um africano nascido no Benin, que estudava na Franga, como bolsista, e me ajudou na tra- ducao de algumas cantigas, Fui sua hspede em Cotonu e ele me levou a varias casas de culto em Pobé, Saketé e Ketu, Nessas viagens sucessivas, notei a influéncia crescente do Isl na populagio. No decorter dos anos, vi a invasdo das religides evangélicas, de forma mais agressiva, Mas, em 2001, constatei uma profunda modificagdo: a politica do novo governo pretendia valorizar a antiga cultura africana, as tradigdes reli- giosas auténticas ¢ a medicina tradicional. Na beira das estradas viam-se placas que indicavam o caminho dos Tradi-Praticiens (médicos conhecedores das et- vas tradicionais). A Africa vivia um processo de transformagao muito profundo, A eletricida- de j4 chegava a aldeias distantes e com ela vieram a televisdo, 0 computador e a Internet. O ponto mais longinquo da Africa passou a estar em contato com ‘0 mundo. Os jovens babalorix4s se comunicavam por e-mail. Em Agoué assisti a uma festa comemorativa do inicio do ano, na qual os antigos da nagdo Gen (os jeje-mahi do Brasil) vao buscar na floresta a pedra sagrada que determinara © signo daquele ano. Estava com minha méquina fotografica, porém fiquei receosa de usd-la ¢ criar algum constrangimento com os presentes - receio este que se mostrou infundado quando, dias depois, me ofereceram um video de ‘toda a festa. A mentalidade havia mudado, Nesta mesma viagem tive uma conversa decisiva com o principe Olefin II Akandé Olofindji, presidente da Fundagao Internacional Africa Culturas, que muito me incentivou a publicar a tese, argumentando que eu deveria divulgar este conhecimento para valorizar a cultura africana. Era preciso estabelecer ‘contato mais estreito entre a Africa ¢ o Novo Mundo, entre os afticanos e afro- descendentes. Ele me convenceu da importancia de utilizar a midia para divul- gar todas as manifestagdes da cultura africana ainda preservadas e insistiu para que eu elaborasse videos para mostrar a sobrevivéncia da Africa. © principe propés ainda um intercémbio dos registros das festas. Todos esses argumentos convincentes me ajudaram a decidir pela publicagio. Mas eu estava ciente de que, no decorrer desses 30 anos, a minha visio do mundo africano era bem mais profunda. Senti a necessidade de reescrever tudo, desde o principio. Era preciso incluir as trés tradigdes africanas essenciais: o aspecto Torubd nas casas de tradigo Ketu, 0 aspecto Fon nas casas de tradicdo Jeje e 0 aspecto Bantu nas casas de tradicao Congo/Angola, Como 0 texto inicial s6 contemplava a tradigao do Candomblé angola mes- clada com o ketu, foi preciso pesquisar e aprofundar os conceitos que descre- vem a criagdo do Mundo de acordo com as lendas do jogo de adivinhagio. ‘Neste ponto tive uma grande ajuda de meu amigo o babalaé Afisi Akisola Ifa- muiwa, origindrio de Owu Abeokuta, na Nigéria, que me esclareceu muitos pontos em que ainda tinha duvidas. Tive que me aprofundar no conhecimento da Nagao Jeje, da qual tinha uma imagem restrita apenas 4s fontes africanas. Obtive muitos esclarecimentos com um outro amigo, o Doté Amauri Bulhdes de Odé, filho de Gaiaku Luisa de Cachoeira. Este livro pretende dar uma visdo dessas trés pontas do Candomblé, mos- trando tanto as suas identidades quanto as suas diferencas, especialmente aque- las que regem os rituais, Nao pretendo nesta obra mostrar uma verdade Gnica e absoluta, pois o mundo do Candomblé é multifacetado, Tenho certeza de que nao abracei todas essas faces, mas gostaria de mostrar, sob o meu ponto de vista, um pouco dessa concepgdo de mundo, téo bem estruturada, organizada e coerente. Um relacionamento com o invisivel e com a oculto, a partir de sis- temdaticas bem determinadas e abrangentes, que respondem a todas as questdes e permitem uma convivéncia estreita e cotidiana com © mundo espiritual. Anteriormente, o Candomblé era visto como um mundo aculto, para ini- ciados. Aos poucos, pesquisadores, especialistas ¢ até sacerdotes comecaram a divulgar este conhecimento de forma fragmentada. Acredito que, na verdade, tudo j4 tenha sido dito, mas de forma dispersa ¢ muitas vezes com interpreta- gdes intelectuais, que reconstroem uma visdo fora da realidade do Candomble. © Candomblé deve ser abordado com humildade e é preciso deixar que seus valores falem por si. Por isso, procurei no interpretar, no criar fantasias, nem to pouco reconstruir imagens distorcidas ou surrealistas. Os que lerem esse livro poderdo pensar que as receitas dadas aqui faro qualquer um improvisar o papel de babala6, babalorixd ou ialorixa, No entan- to, tenho certeza de que somente quem passou pelos rituais, pelo sacrificio, pela iniciagao, terd forga e eficiéncia para se tornar um verdadeiro sacerdote. Sem isso, estara apenas representando. A forca espiritual, 0 axé, ndo pode ser improvisado, é preciso que seja trans- mitida pelos antigos. Espero que, pela leitura desse livro, todos possam entender um pouco melhor o que é 0 verdadeiro Candombié e dar 0 justo valor aos ritos dessa tradig&o que é milenar, mas nao deixa de responder as diividas e ansiedades de nossa época, Rio de Janeiro, marco de 2005. Awé ~ 0 mistério dos Orixds AS ORIGENS A CRIACAO DO MUNDO Os mitos que descrevem a criago do mundo, nas religiées brasileiras de raiz africana, $40 numerosos e€, muitas vezes, contraditérios. Como aconteceu em outras religides, eles foram transmitidos por diversas gerages e sofreram intimeras modificagGes. A inexisténcia, na Africa, da forma escrita da lingua dos povos trazidos para o Brasil fez com que seus costumes e rituais fossem transmitidos oralmente, através das lendas resgatadas dos adivinhos — os babalaés —, que detinham os segredos ¢ eram, ¢ ainda so, os verdadeiros pais (Babs) desses segredos (awé). So os primeiros que devem ser consultadas, se quisermos desvendar os segundos. Existe uma relagdo entre os odus (os caminhos do destino indicados pelos oraculos, que serao discutidos mais adiante) e os mitos yorubds, aos quais se referem algumas das lendas existentes dentro de cada odu. Os 16 odus-meji apa- Teceram na terra em tempos muito remotos, na fase de criacdo do mundo. O primeiro foi Ofiun-meji, mas diversas circunstancias fizeram com que Ogbé-meji tomasse a sua frente; e entdo Ofim-meji passou a ser o Gltimo. Mas a seqiiéncia dos odus € um pouco confusa: os diversos autores, de acordo com seus infor- mantes, dio ordens diferentes. A seqténcia aqui apresentada é a mais freqien- ‘temente encontrada na literatura sobre o tema. Os babalaés dizem que, no principio, s6 havia Olorun, mais comumente chamado de Olodumaré, unico, imenso, total. Mas veio um tempo em que o té- dio o dominou ¢ a sua plenitude ndo mais Ihe satisfez. Entao, Olorun se cindiu, fazendo surgir elementos diferentes de si mesmo, Esse dom da multiplicidade deu origem ao mundo, através de uma for¢a Gnica refletida em varias diregdes. Olorun é considerado como a forga suprema que domina o mundo; as inameras forgas que 0 cercam nao podem ser definidas como boas ou mas. Giséle Omindarewd Cossard No principio, nao havia céu nem terra. Existia apenas um estado indefi- nivel, que podemos chamar de o nada. Uma lenda do od Olugbon conta que Olodumaré colocou suas forgas em movimento, criando um espago a partir do nada, transformando © nada em uma forma que se define. Este espago ¢ deli- mitado por quatro cantos: Akitalé, Orissunré, Olomitutu e Agbeniadé. Com Akitalé, Olodumaré cria o sentido da Dimensao ¢ da Orientagao no espago. Orissunré & uma forga dormente (sun: dormir); representa o Passado ¢ a no- ¢do de Tempo. Olomitutu possui em si a esséncia da Agua, da Umidade. Agbeniadé é uma forca feminina na qual esta inclufda a esséncia de Oyd; a energia do Fogo. Lendas dos odus Ogbe-ofin, Ogunda-meji e Ogunda-ofun contam que uma das energias primordiais criadas por Olodumaré ¢ Obatald, encarregado de fazet o mundo. Dizem que ele aparece uma vez por ano, brilhando com uma luz incomparvel. Obatald é a claridade, a luz, o brilho, o esplendor. Qs velhos cantam: O fiurunu orelé... Baba ken y en elegibé... Hé ifon motiwa baba... Ejibo reré mojuba 0 Oluwd e ewd ord Emd word ua ié sé. Umma claridade apareceu rio céu, Na cidade dos Ejigho, Na terra de Ion donde ver nosso Pat Vamos saudar 0 pove querido das Ejigho Nos queremos ver nosso Pai chegar... Uma energia feminina, Yeyemowo, considerada a mulher de Obatald, aju- dou-o na obra da criagao. No odu Ouorin-weré se vé que Olodumaré decidiu colocar a seu lado um conselheiro para orientd-lo: Adjagunalé, mais conhecido como Orumild, que se originou da fusdo de duas energias fer tem estrutura, € uma forma de energia que traz em si o conhecimento e a sabedoria. Ele ¢ o vinculo entre Olodumaré e o mundo. Com sua mulher, Odu, ele teve um filho, If, Este é o receptaculo do conhecimento de Orumild, inas, Tord e Gegé. Orumild nao conhecimento armazenado e resguardado em diversas lendas, classificadas nos odus, Uma outra forga, chamada Latopd, foi o elemento catalisador que colocou todas as outras forcas em acdo, Ela deu origem a Exu Sigidi, Exu Barabd, Exu Yangi e a todos os outros Exus que provém da explosdo deste tltimo. Os odus Okanran-yecu, Okanran-ofu e Okanran-ireté dizem que Olodumaré de- cidiu criar o mundo e enviou Olorogé, para criar 0 céu, e depois Alalé, que criou a terra. Fis 0 oriki (saudagao) que explica como Alalé fez a terra: Lebé lebé ni solebe lebé let’ Leb tebé ni solebé solebé Adifé fur alalé Ti fe Kuan sure la wajé omnd EDO nit ko imuxé igbd t8 mabi obi igbd gba toto mali obi int ighé oremole Ewaghd mabi ighd t6 mabi obo yemoja Obosun obogun ighd Irunmonlé Lebé lebé, a Mae Terra, fo consultar Onumild e disse que queria que ela, A terra, ficasse povoada; ela chorava Porque ela queria ter Energias, seres humanos, Animais, plantas, para que eles se Reproduzissem ¢ todas essas energias Se multiplicassem. Os odus Ogundd-irosun, Ogundd-meji e Irosun-meji mostram como Latopd vai colocar 0 mundo em movimento, seguido por Alagbedé, o guerreiro que abre ‘0s caminhos e é considerado a origem de Ogur. Nos odus Oxe-gbé, Oyecu-migji ¢ Oxe-tura se vé como, por fim, Olodumaré tor- na Orixalé encarregado da missio de povoar a terra com os animais, as aves e a vegetacdo, ¢ faz surgir a umidade primordial, o sereno, Jri. No rastro de Orixald vém os Irumolés, forgas que repartem entre si essas tarefas, e sio a origem dos ‘Otixas: Oluodé, o elemento feminino que gera a 4gua, o mare também a chuva, origem das nascentes e cachoeiras, rios e lagos; Jnd, o elemento feminino que ‘traz 0 fogo e dé sua forca a Xangd; Olugbon, a forga da palavra anunciada no vento, a forca do Verbo. Awé - 0 mistério dos Orixds a @ Giséle Omindarewd Cossard Olodumaré elabora entao dezesseis criaturas. A primeira delas, fémea, ¢ Ofue- ré. Ainda nao sAo seres humanos, sao criagdes de Olodumaré, ligadas as energias primordiais, A CRIACAO DO HOMEM O homem é 0 diltimo ato da criagdo. Olodumaré modela seu corpo com barro e lhe da o sopro de vida, emti; seu ajudante, Ajald, modela a cabega, ori; Obatald Ihe da a forga espiritual. Onunild é quem escolhe o destino de cada um, o odu. Através dele, so determinados: a personalidade de cada novo ser humano, 0 Exu, o Orixa protetor ¢ o fwa (carater), que iro reger sua vida. De Latopd ori- ginam-se arun (a doenca), iki (a morte) e musé, que é o principio de vitalidade ligado a bananeira, onde se enterra o umbigo do recém-nascido. Surge entdo a primeira Yami Adenbipé, nossa mie “feiticeira”; e depois Abia- mé Oloré, que vai reger todo o processo da gravidez e do nascimento das crian- ¢a8, assim Como todas as anomalias que dai possam surgir, provocadas pelo musé, tais como: * Abiku: crianga que nasce e morre logo depois. * Emeré: crianga que nasce e morre, ocasionando a morte da mae, ou até mesmo do pai. * Ajobi: crianga que nasce com um dedo a mais. * Oké: crianga que nasce com a placenta na cabeca. ® [gé: crianca que nasce em posi¢ao inversa, com os pés na frente. * Abamif: crianga que nasce com a aparéncia de velha, com o espirito de uma pessoa falecida antes de sua hora. O espirito volta nessa crianga para cumprir o periodo que Ihe faltava completar em vida. * Abimi: crianga com deformagoes fisicas. * Ojé: crianga superdotada. * Ainon: crianga que nasce com o cordao umbilical enrolado no pescogo. * Dadd: crianga que nasce com os cabelos encaracolados. Existem também outras anomalias. Por exemplo, toda crianga nasce cer- cada de seres invisiveis que a acompanham. Aos poucos, ela se desliga deles comega a se interessar pelas pessoas ao seu redor, por gestos e sons. Se a crianga no se desligar desses seres, ela continuara brincando ¢ falando com eles, ficara acordada de noite em vez de dormir. Todas essas anomalias se originam no musé, que faz parte de cada ser huma- no, porque ninguém nasce perfeito. ‘As Yamis, essas entidades extremamente perigosas, vao residir nas arvores € tomar a forma de certos passaros pata que possam se deslocar rapidamente e agir, Por isso, sitio chamadas Yd-cleyés, as donas dos passaros, e trabalham tanto para o bem quanto para o mal. No odu Ogbé-oworin, uma lenda mostra como o primeiro homem modelado por Obatalé foi Lamurudu, um guerreiro cagador. Com sua familia e seus des- cendentes, ele fundou uma cidade, If’ Owu; mas como j4 havia outros seres no local, Lamurudu sentiu-se incomodado e saiu pelo mundo afora, errante, até chegar ao Bornu, no Saara; foi, em seguida, até o Egito ¢ depois até Meca, na Aribia Saudita. Nessa caminhada, os seus seguidores fundaram numerosos po- voados. Antes de morrer, Larmurudu aconselhou seu filho Oduduwd a voltar para Ifé. Este partiu com seu irmao, Olofi Onilé, e com seus seguidores, para fundar e se instalar em Ilé Ifé, cuja populagao cresceu e prosperou. No odu Ogbé-meji se conta que, originalmente, o Orun (o céu) ndo estava separado do Ayé (a terra). A fronteira entre esses dois planos era controlada por um guardido, mas todos podiam circular livremente entre um ¢ outro. Os Ini- molés e os humanos iam de um plano ao outro e podiam consultar Olodumaré para resolver seus problemas. Durante o afastamento de Larmurudu, houve uma grande discérdia na terra. Surgiu uma disputa entre o mestre dos céus, Ajalorun, representante de Olo- dumaré, e um dos seguidores de Oduduwd, Ajalayé, o mestre da terra. Ajalorun queria se apoderar de uma oferenda de rato-do-campo (emd) e Ajalayé se opos a isso, Ofendido, Ajalorun se retirou para o alto do céu, que se elevou ainda mais, separando-se da terra. A chuva deixou de cair; tudo se tornou drido, as plantas secaram ¢ os animais morreram. Os habitantes da terra tiveram entéo que re- conhecer a supremacia de Ajalorun, e resolveram enviar o rato de volta para © céu, mas este j4 estava muito distante, no alto. Somente o abutre, Akalamagbd, poderia cumprir essa tarefa. Enquanto Akalamagbé levava a oferenda, sua mae morreu, mas ninguém se preocupou em enterra-la, Quando Akalamagbé vol- tou, ninguém the deu a noticia e, por acaso, ele encontrou um cadaver e 0 comeu, sem saber que era a propria mae. Depois disso, a chuva voltou a cair e tudo se normalizou. Mas, em conse- quéncia, o céu ficou separado da terra ¢ os humanos nao tiveram mais livre acesso ao Orun. No espaco vazio ficou Exu Latopd. Foi ele o responsavel por estabelecer a ligacdo entre Olodumaré e os homens, transmitindo os recados de Orumild. J Awé —o mistério dos Orixds Giséle Omindarewd Cossard y 3 Orumild teve um outro filho, Amusu, a quem deu todo o conhecimento de iff, tendo ele se tornado o primeiro babalaé na terra. Depois de cumprir sua missio, Obataid nao ficou na terra ¢ retirou-se para o céu a fim de ficar perto de Oledumaré. Os odus Ofu-ogundd, Ofi-meji e Ofu-oturupan dizem que Latopd é ligado tam- bém ao final da vida, por ter gerado Egun Elebajé, que vai ser o primeiro de- sencarnado a estabelecer uma ligagdo entre os vivos e os ancestrais. Com ele comega © culto dos Babd-Eguns, fundado por uma mulher, ¥4 Agbon, outra forma de Ova. O odu Oturupon-odi da as palavtas para se fazer a chamada dos Babd-Eguns: Ibarwku, ibaruku Ibaruku, tharuku Ubaruku iba oruku ruku loja Ofis aku oti ord araiyé bets Si odjd ti otd ni omé Araiyé da sé fun 16 kpé leguer Vern para ct terra, Vern para a terra, Vern para pedir dinheiro Na praca da feira, E coloca sua roupa bonita Para sair e encorttrar seus fithos. OS DESCENDENTES Oduduwdé & considerado o fundador da dinastia yorubd, seu ancestral diviniza- do. Mas seu papel na criagdo tem versOes variadas. Numa delas, os babalads contam que Olodumaré encarregou Obatald e seu irm&o Oduduwd de criar o mundo. Para isso, eles jogaram do alto do céu uma noz de dendezeiro, que cresceu em uma drvore muito alta, de copa muito vicosa. Depois jogaram, em cima da Arvore, um saco, uma galinha com cinco dedos e um camaledo, e estenderam a partir do céu uma corrente de ferro com ¢elos muito grossos. Obatald e Oduduwd desceram pela corrente até a 4rvore. Mas Obatald, cansado, ficou com sede, furou o dendezeiro e a seiva jorrou. Obatald bebeu o vinho de palma ¢ caiu no sono. Oduduwd pegou o saco ea galinha, entregues por Olo- dumaré; entornou a massa preta que estava no saco ¢ largou a galinha de cinco dedos ciscando a terra com 4nimo; mas ela nao conseguiu, e foi o camaledo que fez o trabalho. Dai criou-se a terra firme. Obatald ficou sentido e voltou para o céu. Em outra versio, Obatald ¢ Oduduwa so irmaos ¢ fazem parte do grupo dos Orixas funfun, 08 Orixés que s6 vestem a cor branca. Mas outros dizem que Oduduwdé nao era irmao ou filho de Obatald: seria, na verdade, filho de Lamuru- du, © primeiro homem da criagao. Depois da morte de Oduduwa e de seu filho, Ocambi, os sete filhos des- te — dentre eles, uma filha —, espalharam-se para fundar outros reinos, até mesmo além das fronteiras da atual Nigéria. Oloww veio a ser rei de Owu-Ifé e recebeu a coroa. Onisabé, rei de Savé, recebeu o gado. Orangun, rei de Id, ficou com as mulheres, Oni, rei de Ifé, com o dinheiro. Ajerd, rei de Iferé, com as firmas e as contas. Aléketu, rei de Ketu, recebeu as roupas. Oranid, rei de Oy6, herdou as terras. O odu Ogunda-meji conta que Okambi, encarregado pelo pai de uma ex- pedigio de guerra, trouxe com o saque uma mulher muito bonita, chamada Lacanjé, com quem teve relagdes. Mas Oduduwd, que nao sabia do fato, fez dela sua esposa, Nove meses depois, nasceu um filho, que foi chamado Orania. Seu corpo era dividido verticalmente em duas cores, escuro de um lado e claro do outro, pois tinha side concebido por dois pais, sendo ao mesmo tempo filho de Ocambi, que era preto, e de Oduduwa, que era branco. Orania foi o segundo tei de Oy6. Com um génio muito determinado e con- quistador, ele aas poucos dominou os outros irmaos ¢ submeteu seus territérios ao reino de Oyé, Depois de sua morte, Ajakd, que era filho de um irmio de Ocambé, subiu ao trono e tornou-se a terceiro rei de Oy6. Mas, como era muito fraco, acabou destronado por Xangé, o quarto rei de Oyé, © POVO DE KETU Ea partir da filha de Ocambi, de quem nao se sabe o nome, que principia a his- toria dos Aldketus, 0 povo de Ketu. Contam os antigos que um de seus descen- dentes, o principe Xé ikpaxd, filho de Paluki, decidiu emigrar de Ifé em diregio ao Oeste, levando com ele suas mulheres, os filhos e membros de seu cla. Atravessaram o rio Ogun e¢ subiram por um de seus afluentes, o rio Awyan, onde instalaram acampamento no alto da colina Oké Awyan. La ficaram pouco tempo, dividindo-se logo em trés grupos que sairam 4 procura de um lugar melhor. Awé — 0 mistério dos Orixds N Gisele Omindarewd Cossard 8 Na direcdo do grupo mais importante estava o principe Owé, sobrinho de X6 Ikpaxdé, que seguiu com ele para o oeste. Apés alguns dias de marcha na floresta, eles se fixaram e¢ fundaram um vilarejo chamado Ard. Mas X6 Ikpaxd morreu logo depois, e seu corpo foi levado para Oké Awyan, o primeiro vilarejo- fundado pelos emigrantes. L4 ele foi enterrado em um pequeno monte, junto- ao qual plantou-se uma drvore para identificar seu tamulo, Owé tornou-se 0 segundo rei da dinastia ¢ morreu em Ard, onde foi enterrado perto do templo de Ogun, deus do ferro e das armas, que ja era cultuado naquele tempo. Foi durante o reinado de Edé, o sétimo rei, que se fundou a cidade de Ketu. A regido de Aré tornara-se pequena para a populagao ¢ o rei Edé decidiu emi- grar, 4 procura de novas terras, Consultou trés cagadores que conheciam a re- gido, Seguindo suas indicag6es, a populagao se dividiu em trés grupos e partiu, depois de ter feito os sacrificios no timulo de Xé Ikpaxa, em Oke Awyan, ¢ nos tamulos dos outros reis enterrados em Ard. O principal grupo, com Edé a frente, seguiu o cagador Alalumon, que conhe- cia bem a regido, na direg&o do oeste. Apés alguns dias de marcha, os viajantes chegaram a um planalto de barro vermelho chamado Opé Metd. Edé ouviu o coaxar das ras e, pensando que havia 4gua ali perto, enviou um dos jovens para busca-la. O rapaz encontrou, por acaso, uma cabana onde vivia uma mulher idosa chamada Yd Maferé, que estava despida e agachada junto ao fogo, prepa- rando um feitigo. © mogo entrou sem bater palmas antes ¢ a velha, ofendida e com muita raiva, rogou uma praga que o fez cair morto. Inquieto com a demora, Edé enviou um outro rapaz 4 procura do primeiro. Este, bem mais educado, bateu a porta da feiticeira e pediu licenga antes de en- trar, A velha abriu; ele pediu 4gua e perguntou pelo outro. Apaziguada em seu rancor, a mulher deixou-o chegar até o pogo e trouxe de volta 4 vida o primeiro mensageiro, Levada ao encontro do rei, fez amizade com este e prometeu-lhe um talisma que protegeria a futura cidade de Ketu. Os viajantes chegaram, entao, a uma floresta onde Alalumon cagava e mon- taram acampamento sob um Jroké, onde ele costumava descansar. Queriam fazer fogo, mas ndo tinham brasas. Entéo, Alalumon lembrou-se do vilarejo de Pankii, a pouca distancia dali, ¢ resolveu ir 14 pedir brasas a Ya Pankti, o que Ihe permitiu acender © fogo para todas as familias. Assim originou-se a cidade de Ketu. Essa histéria é de grande importancia ¢ ainda se mantém viva na memoria do povo de Ketu. Quando o rei de Ketu morre e o fato é anunciado, todos os fogos da cidade sdo apagados ¢ o povo é proibido de sair as ruas durante a noi- te. Depois das ceriménias finebres, uma delegagdo, conduzida pelo ministro denominado Alaluma, parte novamente em busca de fogo em Panki, Uma das velhas da cidade lhe dé brasas, que ele traz até Ketu, para acender de novo todos os lares. Além disso, 0 novo rei, antes de ser entronizado, deve fazer sa- crificios ¢ oferendas a Oke Awyan, no timulo de X6 Ikpaxd, e, em seguida, a Aré, no timulo dos antepassatios. A dinastia dos reis de Ketu nao era hereditaria, O novo rei era escalhido entre as nove familias que tinham direito ao trono, uma de cada vez. Desses clas, s6 restam cinco; Mesd, Mefit, Alapini, Agbd € Ard. Os habitantes de Ketu tiveram, inicialmente, problemas com as populagdes autéctones da regido, os fons; mas, apés a construgao da cidade, muralhas foram edificadas, numa extensio de trés quilémetros, ¢ o reino teve um longo periodo de paz. Entretanto, tempos depois, enfraquecida por lutas sangrentas conflitos com outros reinos yorubds, Ketu foi derrotada. O Daomé, atual Benin, cada vez mais poderoso, atacou Ketu em 1883. Em 1886, Ketu foi destruida, depois de sitiada durante trés meses. Os que sobreviveram ao massacre foram capturados, vendidos como escravos aos traficantes da Costa da Guiné e envia- dos para as Américas. y Aw6 - 0 mistério dos Orixds A ESCRAVIDAO © TRAFICO Qual era a origem geografica dos negros trazidos para o Brasil? De diversas regides ¢ em diferentes épocas, eles vieram de muitos paises africanos, de toda a costa ocidental ¢ da costa oriental. Uns eram sudaneses, vindos de Guiné, ‘Togo, Daomé e Nigéria; outros eram bantos do Congo, Angola e Mocambique. As informagées a esse respeito sio muito incompletas. A destruigao dos arqui- vos sabre 0 trafico de escravos no Brasil, ordenada em 1851 pelo ministro da economia, Rui Barbosa, tornou o estudo do trafico negreiro muito dificil. Con- tudo, quase um século depois, Pierre Fatumbi Verger conseguiu reconstruir essa historia ¢ fornecer preciosas indicagées, fundamentais para que se compreenda essa fase. Pierre Fatumbi Verger mostra como, na Bahia, apos a chegada de uma pri- meira leva de escravos, vindos do Golfo de Guiné, no inicio do século XVI, 0 trafico se organizou com o Congo e com o norte de Angola; isto porque os por- tugueses perderam, em 1637, 0 forte de $40 Jodo da Mina, na luta com as ho- landeses. Os bantos de Angola eram excelentes agricultores e forneciam mao- de-obra de qualidade, Foram, entao, importados em grande escala, ¢ pode-se dizer que deixaram uma marca indelével de sua cultura no novo pais. No final do século XVII, diminuiram as relagdes com o Congo e Angola. Nessa época, a Bahia exportava tabaco para Portugal, que exigia receber so- mente charutos de qualidade superior, que eram vendidos para toda a Europa, proibindo a entrada de tabacos de terceira categoria, As folhas de fumo de qualidade inferior eram tratadas com melado e enroladas em corda. Os comer- ciantes baianos encontraram, entdo, uma saida para comercializar essa produ- ga0 de qualidade inferior na Costa do Benin, onde essa mercadoria era muito apteciada, em troca de escravos para as plantagées e, sobretudo, para as minas brasileiras, que precisavam muito de mio-de-obra. A partir do século XVII € 2 5 S 3 : 5 3 = — °o durante todo o século XVIII, a Bahia importou da Costa do Benin um numero crescente de escravos. Porém, o tratado firmado entre Portugal e Inglaterra, em 1815, iria difi- cultar de forma consideravel o trafico, pois abolia o comércio de negros em todos os locais da costa africana ao norte do equador. Os negociantes da Bahia, inconformados com essas restrigdes, continuaram a se abastecer de escravos trazidos clandestinamente da Costa da Mina, camuflando seu local de destino com um porto ficticio chamado Molembé, situado ao sul do equador. Usando dessas artimanhas, eles conseguiam geralmente despistar a guarda, visivelmen- te ineficaz, dos navios-patrulha ingleses. Em contrapartida, a regio do Rio de Janeiro, cuja economia nao dependia da produg’o de tabaco, continuou a manter, com os paises africanos ao sul do equador, um comércio regular du- rante séculos. Isso explica 0 predominio dos bantos nesta regido. A Bahia, ao contrario, conheceu um fluxo de escravos de diversas origens. L. Vianna Filho indica que, em 1642, durante a tomada da Bahia pelos holandeses, encontra- vam-se, no porto baiano, seis navios vindos de Angola com 1.440 escravos, € apenas um vindo de Guiné, com 28 escravos somente. No entanto, entre 1838 € 1860, a Bahia contava com 3.060 escravos de origem sudanesa — dos quais mais de 2.000 nagés —, contra 460 de origem banta. Quando os negros retirados a forca de suas terras na Africa por mercadores de escraves chegaram ao Brasil, foram dispersos ao acaso dos leilées, em varias regides e distribuidos por diversas propriedades; os maridos foram separados das esposas, 0s filhos, de suas mies. Como foi possivel a esses desterrados, sem patria e sem casa, conseguir salvar alguns fragmentos de suas tradigdes? Como conseguiram, sem esperanga de liberdade, manter intactos os costumes de seus antepassados? Na Africa, o individuo que deixava sua tribo, para tentar a sorte na cidade, desligava-se rapidamente de seu passado, abandonava sua fé tradicional e ado- tava novos costumes. O islamismo e 0 cristianismo representavam, entéo, um ‘progresso, uma promogao social que encorajava os contatos, cada dia mais nu- merosos, com a Civilizagdo européia. No Brasil, produziu-se o fenémeno inver- so. O escravo negro apegou-se as lembrancas e nelas buscou forca para suportar a desgraca e manter-se fiel 4s suas origens. Os proprietarios de engenhos ¢ de grandes plantacdes preocuparam-se ao ver que 0 numero de escravos aumentava sem parar. A chegada maciga de negros de uma mesma origem poderia privilegiar as tradigSes das etnias mais numerosas. Na verdade, os senhores temiam que seus escravos esquecessem as antigas querelas tribais ¢ se unissem contra seus donos no Brasil. De fato, eles ndo estavam enganados, pois varias revoltas aconteceram en- tre 1830 e 1835. Assim, fiéis ao velho ditado do dividir para mais bem reinar, 0s proprietarios decidiram deixar que seus escravos se reagrupassem em suas propriedades, por etnia ¢ por nacdo de origem, aos domingos, para dangar e cantar sem constrangimento. Foi 0 inicio dos batuques. Assim, as velhas rixas ancestrais estariam mantidas sob controle e os negros honrariam seus deuses, encontrando na musica e na danga uma forma de evasdo. A Igreja, apesar de lutar contra essa pratica, no conseguiu erradicé-la. Quando os protestos do capelao tornavam-se muito veementes, os escravos substituiam a divindade africana, para a qual cantavam louvores e cuja lenda contavam com mimicas, Por um santo catélico cuja historia tivesse alguma similitude com a do deus africano. Para manter os antagonismos tribais ¢ evitar a unido dos escravos numa possivel rebelido, as autoridades deram apoio a reagrupamentos mais organiza- dos, ctiando as irmandades, congregagdes religiosas nas quais os povos de cor, escravos ou libertos, se identificavam como membros de uma mesma etnia — um parentesco talvez duvidoso, mas em que eles encontravam o apoio de uma estrutura social. Tanto nos batuques como nas folias, essa estrutura compensava em parte quadro familiar praticamente destrufdo. Sob a fachada dos santos catélicos, essas associagdes permitiram que se substituisse a nocao de parentes- co de sangue pelo parentesco étnico, restabelecendo uma ligagdo afetiva com 0 grupo e favorecendo a resgate de um certo patrimOnio cultural ¢ religioso. Na verdade, no meio dos africanos e seus descendentes nao havia uma re- ligido Gnica. As etnias representadas no Brasil tinham, cada uma, suas caracte- risticas, mas havia entre elas uma base comum: a cren¢a em um ser supremo que domina o mundo; a cren¢a em forgas sobrenaturais ligadas aos elementos naturais ou as suas manifestagSes; a crenca de que nossos ancestrals, mesmo pertencendo a outro mundo, continuam a participar de nossa vida; e de que essas forcas — divindades ou ancestrais — incorporam-se nos seres humanos, para trazer-Ihes uma ajuda benéfica. AS PRIMEIRAS COMUNIDADES De que informagies dispomos sobre as manifestayGes da religido africana du- rante o periodo colonial? Na verdade, muito poucas. As mais remotas assina- lam agées isoladas, tendo como objetivo tratar de doengas. De fata, naquela época, nem braneos nem pretos tinham médicos, e a popula¢gdo nao tinha Ny Aw6 = 0 mistério dos Orixds & Gisele Omindorewd Cossard outro recurso a ndo ser o de recorrer a ervandrios e curandeiros que utiliza- vam uma farmacopéia de tipo africana, base de folhas, cascas de arvores, raizes ¢ outros ingredientes da natureza, reforgada pela magia de rezas e ri- tuais tradicionais. Esses curandeiros praticavam também a “ventura”, o que significa a arte da adivinhacao, ¢, assim encontravam meios para resolver os problemas de seus clientes. A eles recorriam negros ¢ crioulos, brancos ¢ pretos, ricos ¢ pobres. Usavam-se mandingas, filtros, banhos de fothas, feiticarias ou oferendas a for- gas espirituais. Os calundus Em 1685, se denunciava “a parda Clara Garciez, curando a todos que na sua casa vinham doentes, usando de calundus e bonifrates”. Ainda no século XVII, uma satira de Gregério de Mattos faz alusao aos quilombos dos negros ¢ relata as reunides com “calundus” e feitigarias, onde j4 se notava a participacdo de brancos. Em 1728, Nunes Marques Pereira descreve os calundus: “Sdo uns fol- guedos ou adivinhagSes que dizem esses pretos que costumam fazer nas suas terras, e quando se acham juntos também usam deles ca, para saberem varias coisas, como as doencas de que procedem, e para adivinharem algumas coisas perdidas; e também para terem ventura em suas cacadas e lavouras.” Entre 1725 e 1750, Luis de Melo e Souza descreveu a existéncia de nove calundus. Em 1738, 0 superior dos Beneditinos de Salvador escrevia que os negros niio abandonavam suas superstigdes, ¢ se reuniam, secretamente, para fazer seus “calundus". Em 1739, em Sabard, Minas Gerais, a liberta angola Luzia Pinto foi acusada de “calunduzeira, curandeira ¢ adivinheira”. E a partir desses calundus que comegam a se estruturar as comunidades religiosas, que a principio cultuavam uma s6 divindade. Mais tarde, chegaram a agrupar varias divindades, com uma organizagdo interna mais estruturada. Em 1785, na repressao do calundu do Pasto, em Cachoeira (perto de Salvador, Bahia), encontrou-se uma comunidade ja bastante elaborada, com espago pré- prio, altares sacralizados, dangas de roda e tocadores. Os candomblés Essas primeiras comunidades eram espordicas; mas, aos poucos, foram se desenvolvendo, ¢ criou-se uma rede sob o nome de candomblé. Esse termo, provavelmente de origem angola, aparece pela primeira vez em 1807 num telatério de um oficial militar, ma repressdo de uma comunidade liderada por um escravo angola chamado Anténio, dito “o presidente do terreiro dos candomblés”. E bem evidente que as condigdes da escravidao nao facilitavam tais ativida- des, principalmente se o negro trabalhasse na lavoura ou se fosse empregado numa mina, onde era praticamente impossivel ter alguma liberdade de agao € organiza¢ao. Entretanto, os que eram empregados domésticos, na cidade ou no campo, tinham contatos com o senhor e com pessoas de fora da casa, ou com os negros de ganho, que viviam na‘rua como vendedores, carregadores, sapa- teiros; esses podiam até sonhar com a obtengao de suas cartas de alforria de diversas maneiras: com a morte do.senhor que, em testamento, dava-lhes a li- berdade; através do dinheiro que economizavam dos ganhos depois de abatida a quantia que deveriam dar ao senhor; comprando a liberdade do recém-nasci- do na hora do batismo; com a cooperacao de alguns brasileiros mais humanos. que, incomodados de verem seres humanos de cor muito clara feitos escravos, 08 compravam ¢ libertavam; e através da intervengao de alguns senhores in- dulgentes que, por iniciativa propria, emancipavam seus escravos ou os filhos nascidos das amantes negras. Existiam, ainda, as sociedades organizadas por escravos — as juntas —, que compravam, com as somas arrecadadas pelo grupo, a liberdade de um deles. Eram associac6es sem estatutos escritos, sem livros de contas, funcionando unicamente através do compromisso moral de cada um. Havia também a par- ticipacdo das irmandades religiosas, que criavam, no meio dos negros de mes- ma nagao, um sentimento de solidariedade e de ajuda mitua. Pelo sistema da cooperacao financeira, pelos empréstimos da diretoria, era possivel reunir as somas necessarias para obter a carta de alforria. Em 1850, contavam-se, no Brasil, 3.100.000 mulatos ou negros livres, 2.500.000 escravos e 928.000 brancas. No censo de 1872, os negros livres e os pardos eram 5.000.000; 05 escravos, 1.500.000 e os brancos, 3.800.000. Foi através dessa gente de cor, jd liberta, que as tradigbes religiosas se conserva- ram. Embora houvesse casos de lideranga por negras ou crioulos escravos, as comunidades chamadas de candomblés eram, em sua maioria, dirigidas por libertos. Em certas regides, as origens diversificadas dos negros nao permitiram que se fundassem casas de culto, conforme as tradigdes de cada etnia. Porém, no inicio do século XVII, a chegada constante, 4 Bahia, de fons ¢ yorubds captura- dos durante as guerras na Africa, injetou um sangue novo, ajudando a reunifi- car e revigorar a memoria coletiva. 1y Aw6 = 0 mistério dos Orixds Gisele Omindarewé Cossard yw 6 Esses grupos, em nimero maior, eram oriundos de todas as camadas sociai nao se tratava de humildes servos, vendidos por qualquer motivo material, mas de verdadeiros homens de guerra, chefes, principes, dignitdrias, sacerdo- tes. Eles néo podiam mais se apoiar sobre sua linhagem, estrutura familiar ou polftica, mas suas personalidades eram tdo fortes que conseguiram — nao sem atribulagGes e perseguicdes — salvar grande parte de sua herang¢a cultural. Temos poucas informagées sobre os primeiros terreiros de candomblé, Luis Nicolau Parés encontrou, no jormal O Alabama, mengdes de repressao policial a diversos candomblés na cidade de Salvador. Em 1807, a policia ataca um candomblé situado no Caminho do Inferno, cujo chefe era escravo; em 1829, em Brotas, o candomblé do Accu é invadido, durante uma festa que j4 durava trés dias, e ali as autoridades encontraram o culto do “Deus Vodun", oferendas € altares sacralizados, com a presenga de 36 pessoas. Em 1831, as tropas assaltam trinta casas de culto no distrito do Engenho Velho, Em 1832, registra-se uma queixa contra o sitio de Bate-folha, em Santo Anténio Além do Carmo, perto de Pirajé, onde “havia continuamente festas e rufdo de batuques com grande ajuntamento de gente de cor”. Seis anos mais tarde, ouvem-se as mesmas recla- magées sobre o mesmo local. Entre 1800 € 1888, os registros da policia apon- tam a existéncia de 95 candomblés ou casas de atividades religiosas na cidade. Pierre Fatumbi Verger procurou resgatar dados sobre os candomblés de Sal- vador, através dos testemunhos dos antigos, como a yalorixd Menininha do Gantois. Em seus relatos, conta que varias mulheres enérgicas e voluntariosas, origindrias de Ketu, antigas escravas libertas, pertencentes 4 Irmandade de Nos- sa Senhora da Boa Morte da Igreja da Barroquinha, teriam tomado a iniciativa de criar um terreiro de candomblé chamado Iya Omi Aird Intilé, numa casa si- tuada na Ladeira do Berqué, hoje Rua Visconde de Itaparica, proxima a Igreja da Barroquinha. As versées sobre o assunto variam bastante, quando descre- vem as diversas peripécias que acompanharam essa realizagao. Até os nomes dessas mulheres s4o controversos. Duas delas, chamadas Jyalussé Danadand e Iyanass6 Akald (Iyanass6 Oka, segundo outros), auxiliadas por um homem cha- mado Babd Assikd, teriam sido as fundadoras do terreiro do Axé Aird Intilé. Iyaluss6. Danadand, segundo consta, regressou a Africa e la morreu. Jyanassé teria viajado a Ketu, acompanhada por Marcelina da Silva, que nao se sabe exatamente se era sua filha de sangue ou filha espiritual, isto 6, iniciada por ela no culto dos Orixs, Sobre o assunto, em meio a controvérsias, concorda-se em afirmar que seu nome de iniciada era Obatosi. Marcelina Oba- tosi fez-se acompanhar, nessa viagem, por sua filha Madalena, Apés sete anos de permanéncia em Ketu, 0 pequeno grupo voltou acrescido de duas criangas, que Madalena tivera na Africa. Madalena estava gravida de uma terceira, Clau- diana, que viria a ser mae de Maria Bibiana do Espirito Santo, a Mae Senhora, ‘Oxum Miwa. Apés a morte de Marcelina Obatosi, foi Maria Julia Figueiredo, Omoniké, Jalodé, que se tornou a nova mae-de-santo. Isso provocou sérias discussdes en- tre os membros mais antigos do terreiro ilé Iyanassd, tendo como conseqiiéncia a criagdo de dois novos terreiros, originarios do primeiro. Maria Jiilia da Con- ceigdo Nazaré, cujo Orixa era Dadd Bayani Ajaku, fundou um terreiro chamado Iya Omi Yamassé, no Alto do Gantois. José Reis notou, no Diario da Bahia, no 4 de Janeiro de 1868, a existéncia de um candomblé situado no Moinho, na estrada do Rio Vermelho, dirigido por uma africana, Tia Julia. Esse candomblé parece ser o Gantois, e a Tia Jilia era, evidentemente, Maria Julia da Concei¢ao Nazaré, sua fundadora. Segundo Dona Menininha, Julia da Conceicao Nazaré teria sido irma, e ndo filha espiritual, de Marcelina Obatosi. Uma personagem importante no meio do candomblé foi Babd Adetd Okan- jedé, consagrada a Oxdssi e origindria de Ketu, que teve um papel importante No terreiro do Gantols, o Axé Iya Omi Yamassé. Eugénia Ana Santos, Aninha Obabiyi, cujo Orixa era Xangé, auxiliada por Joaquim Vieira da Silva, Obasanyd, um africano vindo de Recife, fundaram outro terreiro saido do lé Iyanassé, chamado Centro Cruz Santa do Axé Opé Afonjd, que foi instalado, em 1910, em Sao Gongalo do Retiro, depois de ter funcionado provisoriamente em um lugar denominado Camarao, no bairro do Rio Vermelho. Esses trés candomblés, o Engenho Velho, o Gantois ¢ 0 Opd Afonjd, servi- ram de ponto de referéncia para a maioria dos terreiros da nagao ketu, origi- narios de Ketu, que foram criados em seguida. Mas no foram os Gnicos res- ponsaveis pela expansio dos candomblés, pois existiam outros terreiros da mesma nacdo, como o Jlé Marvialagé, fundado por Iya Otampé Ojaré, no final do século XVIII. Conta a tradigdo que duas gémeas foram raptadas na beira de ‘um rio, perto de Ketu, e vendidas como escravas por habitantes do Daomé. As duas meninas talvez fossem parentas de um dos reis de Ketu, e foram compra- das por um branco, que as libertou. Uma delas, Otampé Ojard, retornou a Africa e depois voltou para Salvador, onde fundou um candomblé, no Matatu, que foi dirigido por Olga de Alaketu até 2005, ano de seu falecimento. Em 1862, 0 jornal Alabama assinala a existéncia de varios candomblés de nagio jeje, descendentes dos fons do Daomé, como 0 terreiro do Bogum, situado no Engenho Velho da Federagao, e outro na Quinta das Beatas. Vivaldo da Cos- ta Lima recolheu informagées de Valentina Maria dos Anjos, Doné Runhd, chefe Aw6 - 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewd Cossard e 8 teligiosaldo Bogum, que citava como terreiros de nacao jeje antigos: 0 Querebeta, em Barreiras, o da Campina de Boskejan, perto de Pirajé, ¢ 0 Agoméia em Sao Caetano. Nesse local existiu mais tarde um candomblé angola, fundado pelo babalorixd Joao Alves Torres, filho de Jubiabd. Por causa do nome do local, ele passou a ser chamado de Jodozinho da Goméia, mas ¢le era de nagdo angola, e nio jeje. Na época da construcdo do seu barracdo, por volta de 1935, foram en- contrados, enterrados no solo, certas varas e objetos de ferro que lhe pareceram ser assentamentos “do lado do jeje", ¢ ele achava que, num tempo passado, de- via ter havido um terreiro dessa nag’o naquele lugar. Essa declarag3o confirma as informagdes dadas por Doné Runhd. Em Cachoeira, no calundu da rua do Pasto, também se encontram sinais da existéncia de outras casas mais organizadas, mas as informagdes colhidas sio incertas. O que-se sabe é que, por volta de 1830, funcionava um candomblé cha- mado Obd Ted6;em um des quilombos da regido de Cachoeira. Era dirigido por um africano jeje marrim chamado Quixareme, que possuia grandes conhecimen- tos religiosos, agrupou os seguidores da mesma nagao e implantou o ritual jeje, 140 86 em Cachoeira, mas em toda a Bahia. Infelizmente, as fontes escritas sobre essa casa de culto desapareceram; 0 se sabe que a estrutura do local era precaria e nao permitia recéther novigas. As iniciagbes tinham que ser feitas numa outra casa, a Casa Estrelassituada na rua Neri, namero 41, no centro de Cachoeira. Por volta de 1860, tem-se informagSes orais sobre um candomblé situado na estrada que vai para Belém, chamado Roga de Cima, liderado por Ludovina Pessoa e Tio Xareme. Lé foi assentado, ao pé de uma jaqueira, o dono do terrei- ro, o Vodun Dandaloji, fato confmado no jornal Alabama, em varias noticias publicadas entre 1866 e 1869. Ludovina era africana, feita de Ogun; mulher de forte personalidade, tinha negécios, viajava periodicamente para a Africa e mantinha estreitas relagdes com o Bogum, em Salvador. Iniciou e fez obrigagées para mulheres que, mais tarde, iriam tornar-se as grandes mies do jeje, como Ma- ria Angorensi e Sinhd Abalhe. Também foram feitas, nessa roca, Valentina, Maria Emilia da Piedade e Maria Romana Moreira, todas trés do Bogurn. A fama de Ludovina era grande e ela tinha o apoio de pessoas de destaque da elite de cor cachoeirense, em particular de Zé de Brech6, filho de um casal de africanos libertos, bastante conhecido ma sociedade, lider de associagdes ¢ irmandades, profundo conhecedor da tradigao jeje e que, como dignitario do candomblé, chegou a dirigir 0 terreiro, acabando por comprar a Roga de Cima, em 1882, Por volta de 1880, comegou a expansdo das casas de culto nagé (nome dado pelo povo do Daomé aos yorubds origindrios da Nigéria e do Benin) na regiao de Cachoeira e de Sao Félix, enquanto a Roga de Cima se dividia. Nos seus limi- tes, existia uma propriedade pertencente a Luiz Ventura Esteves, que se amigou com uma filha de Ludovina, Maria Angorensi, ¢ ali fundou um outro candom- blé chamado Roga do Ventura, ou Sejd Hundé, por volta de 1890. Divergéncias entre essas duas rogas téo proximas fizeram a Roca de Cima enfraquecer e parar de funcionar em 1902, apés a morte de Zé de Brechd. A partir dos anos 1870, houve uma grande expansio dos terreiros de nago ketu, Em 1937, havia nove terreiros jeje para 13 ketu e 22 angola. De acordo com a ultima estatistica, feita em 1998, temos 18 terreiros jeje para 282 ketu © 137 angola. Isso demonstra uma grande desproporcio entre as nag6es, cuja origem pode ser encontrada nos longos periodos de fechamento das rogas jeje (sete anos), nas épocas de luto apés o falecimento dos chefes religiosos, e pelas intrigas e lutas pela sucessao, Também pode-se dizer que a proliferagao das ca- sas de nagdo ketu aconteceu sem que a maioria dos novos chefes tivesse ainda a idade ¢ a competéncia necessarias, No inicio do século XX, os candomblés se desenvolveram fora da Bahia; primeiramente no Rio de Janeiro, onde ja existia, desde 1874, o Kwe Simba, terreiro jeje fundado por Rosena, uma africana chegada ao Brasil por volta de 1850. Outro africano, Bamboxé Obiticé, vindo de Salvador, fundou um terreiro na rua Bardo de Sao Félix, no bairro da Satide; mas, como ele no ficou no Rio, quem deu continuidade a casa foi Jodo Alabd. Existia também, na época, um candomblé dirigido por um baiano de grande conhecimento religioso, Cipria- no Abedé, que era babalorixd, babalad e olossaim. La se agrupavam muitos baia- nos, que viviam no Rio, ¢ muitas iniciadas que deixaram um nome, como Tia Ciata, mulher de forte personalidade e grande sabedoria. Foi nesse meio, muito animado, que nasceu © primeiro samba, chamado “Pelo telefone”. Em 1895, Mie Aninha do Opé Afonjd, em uma das suas viagens ao Rio, abriu um terreiro, no bairro da Satide, e iniciou uma primeira filha, Conceigio de Omolu, e tambem Paulina, cujo Oxald esta ainda na roga do Rio. Quando retornou a Salvador, Mie Aninha entregou a casa 4 sua filha Agripina e o ter- reiro foi transferido para Coelho da Rocha, em 1944. Apés o falecimento de Agripina, coube a Mae Cantulina assumir 0 cargo. Um filho de Maria Angorensi, Tata Fomutim, iniciado em 1912, mudou-se para o Rio em 1930 e, embora nao tivesse concluido suas obrigagdes, abriu o terreiro Kwe Sejd Nassé, em Sao Joao de Meriti, onde difundiu o ritual jeje, fa- zendo varias iniciagées, entre as quais as de Zezinho da Boa Viagem, Jorge de Yemanja, Djalma de Lalu ¢, em Sao Paulo, Jamil Rachid, Certos filhos de gaiaki Luiza também abriram terreiros no Rio: Nelson de Azunsu, no Parque Sao José, e Amauri de Odé, em Santa Cruz da Serra. W Awd — 0 mistério dos Orixés Giséle Omindarewd Cossard Em 1947, Jodo da Goméia, o filha de fubiabd ja citado, veio para o Rio e abriu um candomblé angola em Caxias, onde fez mais de mil iniciagdes. Era uma figura carismatica, que ajudou a divulgar o candomblé nos meios artis- ticos e politicos, conseguindo levantar a fama das religiées africanas na alta sociedade. Os cultos de candomblé se expandiram também em So Paulo e, mais re- centemente nos demais estados do Sul do pais. Nos dias de hoje, o candomblé é reconhecido pela maioria dos brasileiros e aceito por boa parte da sociedade. OS MINISTROS DE OLODUMARE A TRADIGAO KETU Muitos pesquisadores acreditam que o candomblé atual é uma adapta¢gio do. que existia originariamente na Africa. Nao é bem assim. Em cada regido e em cada cidade da Nigéria e do Benin, praticam-se cultos 4s divindades que se baseiam na estrutura social da comunidade, que so dirigidos, na maioria das vezes, pelo chefe desse grupo, que pode ser o rei, o principe etc. Dessa forma, a religido no esta separada do poder temporal. Entretanto, ao lado dessas casas. onde se reverencia, na verdade, uma so divindade, existem outras que reagrupam uma grande parte do pantedo yoru- bd, tal como acontece nos candomblés brasileiros. Esses centros nunca foram mencionados por observadores ou pesquisadores e nao foram criados recente- mente, como se poderia pensar. Sdo idénticos aos candomblés do Brasil e po- demos citar como exemplo o de Owu, em Abeokutd, convento da Ojubd Towo- bola Aniyikaye, Omilani, Olorixd Oshun Ati Obatald, do vilarejo Magbon Apena, na Nigéria. Nessa casa, cultuam-se mais de 14 divindades. Em itokd, perto de Abeokuta, na casa de Jyeye Efumiold, cultuam-se pelo menos nove divindades. ‘Como ja foi explicado, um deus supremo, Olodumaré, domina o mundo. Mas ele esté muito longe para se interessar diretamente pelos homens; por isso ndo Ihe rendemos nenhum culto. No entanto, esse deus delegou poderes a seus mi- nistros, os Orixs, que regem 0 universo e dividem entre si as forcas da natureza. Essas forgas incluem, no espago, os elementos (4gua, lama, terra, fogo, pedra, metais), suas manifestagdes (chuva, raio, trovda, arco-iris), o mundo vegetal e o mundo animal (homens ¢ animais). No tempo, incluem-se todos os fendmenos naturais: nascimento, crescimento, atividades humanas, doeng¢as, morte. Essas forgas so concebidas como seres anitmados e agem segundo uma per- sonalidade bem determinada, com seu campo de ago, suas preferéncias e re- pugnancias. Como essas divindades nao sdo em esséncia nem boas nem mas, é Gisele Omindorewd Cossard w & possivel que © homem possa concilid-las; mas s6 conseguird fazé-lo se ja tiver adquiride o conhecimento e a sabedoria necessirios. Algumas vezes, hd uma interagae ou, até mesmo, luta e oposigo entre elas, dai podendo resultar um conflito ao qual o homem pode estar associado. Ea partir dessas forgas que se concebe a nogde de axé. O axé é a forca espi- ritual, oriunda de Olodumaré, que se espalha no mundo que Ele criou, Assim, cada pedra, cada folha, cada bicho, cada ser humano, cada gota d’agua partici pa do axé divino, que vai se transmitindo de uns para 0s. outros. Os Orixas yorubds ndo séo mais venerados em sua totalidade, no Brasil. Apesar da fidelidade 4 meméria ancestral, a travessia dos mares causou uma perda inevi- tavel. Varias raz6es podem explicar isto, Uma delas é que, na Africa, alguns Orixds sio venerados em intmeras regides € tomaram uma importancia consideravel; outros tém um culto menos difundido, o que justifica seu esquecimento. Outro motivo é que, aqui, alguns Orix4s nao tinham grande interesse para os escravos, como o relacionade com as colheitas. Como os escravos nio possulam terras, ndo podiam tirar deles proveito direto; era o senhor quem deles se beneficiari: Uma terceira raz40 é que a vegetagao do Brasil nao oferece recursos iguais aos da Africa, e certas folhas, Indispensavels a certos Orixas, ndo so encontradas deste lado do oceano; em alguns casos, houve substituic¢Ges apoiadas nas semelhangas, mas, em outros, ndo foi possivel efetuar essa transposigao e © culto se perdeu. No Brasil, o pantedio ketu se apresenta na seguinte forma: os Orixds mascus linas, que incluem 0s Orixds-oladé, que vivem do lado de fora; Exu, Ogun, Odé, Obaluayé, Logunedé e Ossaim; Xangé; um Orixa bissexuado, Oxumaré; os Orixds femininos, as ayabds (rainhas), que sido Yemanjé, Obd, Oxum, Oya, Nari e lewd; os Orixds fimfim (brancos), que pertencem a uma categoria superior ¢ se apresen- tam sob duas formas: os Orixas arubé (velhos), como Oxalufa, e os jovens e guer- reiros, como Oxaguid; as Arvores sagradas: Irok, Apaokd e os Ibejis, os gemeos. ‘Cada um deles tem aspectos diferentes que valorizam uma ou outra carac- teristica, o que permite distinguir varias qualidades. Isso tende a provocar certa confusiio e muitos adeptos consideram essas variedades, erroneamente, como sendo Orixas diferentes uns dos outros. O que acontece, na Nigéria e no Beni € que algumas divindades sdo veneradas em cada cidade com nomes diferentes ou especiais. Mas trata-se, na verdade, do mesmo Orixa. Assim, Oguid, Oxaguid, Osirinii Oxald, Orixald, Oxanld, Oxalufa, Orixd Olofi e Orixd Oluofi, Além disso, um Orixd pode ter varias denominagées que fazem referéncia a sua natureza, o que nao quer dizer que se trate de um Orixé diferente. Como exemplo, temos Oxa- 14, que é chamado Babé Ibi, devido ao caramujo que recebe em oferenda; Baba Flegibé e Ajaguné sio um tinico e mesmo Orixa, da mesma forma que Efun, pela cor branca com a qual se veste; Baba Ecé, devido ao eké, a massa de milho branco que ele come; mas trata-se do Gnico e mesmo Orix4, Oxald. Exu O primeiro Exu criado por Olodumaré foi Latopd. Dele nasceram: Exu Sigidi, assentado em pedra; Exu Barabd, assentado em madeira; Exu Yangi, assentado em laterita, que, ao explodir, deu origem a uma infinidade de Exus que se es- palharam pelo mundo. Assentamentos de Ex & Awd - 0 mistério dos Orixds ® Ciséle Omindarewa Cossard Exu é um Orixd temido, do qual é melhor desconfiar. Exat md md xe mio Babi omdé ki xe omo Exu, ndo me faga mal. Nao faga mal a seu filho, Seu primeiro papel é o de mensageiro. Ele faz a ligacdo entre os homens € Orumild, de quem € o brago direito; controla as oferendas que Onwmnilé manda fazer € as leva até seus destinatarios. Se as ordens dadas ndo forem executadas, ou se forem malfeitas, ele pune os culpados: O ba elebé jd bi ko ebd 18 Oke ki apéin ya ilé As ba ijd Castiga os portadores de oferendas que ndo fazem as coisas direito; por malicia, ele adora reverter as situagdes ¢ semear a confusio; Ele grita para que a perturbagdo se instale rapidamente nas casas, Assim, a discussao vira briga, Como tem muito poder, abusa e tem um lado perverso: A x6 ebi daré; a xd aré debi Ele transforma o errado em certo ¢ 0 certo em errado. Exu mora em diversos lugares: nas encruzithadas, nas aberturas, nas entra- das, nas soleiras das portas, nas janelas ¢ nos Angulos de todos os locais. Ele é perigoso e imprevisivel, mas, quando é tratado como convém, transforma-se no guardiao da porteira, filtrando tudo que pode vir do lado de fora e que possa prejudicar os moradores. Embora seja Orixd-olodé (de fora), ele é também parte integrante do ser hu- mano, segundo o odu escolhido por Orumild, antes do nascimento, no momen- to da concepgao; nesse caso, é chamado Bard. £ cle quem leva o ser humano a agir, tanto para o bem quanto para o mal Sua ligagdo com a sexualidade revela-se por sua representagio falica. Nao existe nenhuma esposa ligada a Exw; porém, uma mulher o ajuda a transportar as oferendas. Seria uma espécie de serva, sem um papel bem definido. Distinguem-se os Exus em relacdo aos Orixas que os controlam: = Ogun: Exu Tiriri, Exu Lona, Exu Ibarabé; © Odé: Exu Alaketo, Exu Ord; : Exu Topd, Exu Erué: * Omolu: Exu Ajetu, Exu Jeresu; » Xangé: Exu Barabé, Exu Aquesd, Exu ind, Flegbaru: * Oyd: Exu Togui, Baralajiqui; * Oxum: Exu Arigidi, Exu Asand; * Yermanjd: Exu And, Exu Odé; * Obd: Fxu Loqué: © Tea: Ex Dina; © Oxalufai: Exu Yangi, Exu Lalu, Exu Abi; © Oxaguia: Exut Odara; * Logunedé: Exu Ijedé; © Oxumaré: Exu Jind: * Iroké: Exu Irok6. * Ossait Em todas as oferendas feitas aos outros Orix4s, Exu sempre recebe a sua parte. Desprezd-lo nao é s6 desaconselhavel, como perigoso. Ogun Muito agitado ¢ belicoso para viver em casa, Ogun prefere os caminhos, as encruzilhadas. Eru ed Okurin kankuru: Ele é 0 mestre do ferro. Ele é 0 mestre da guerra, Ele reina também sobre as vias que permitem circula¢ao, os veiculos ¢ sobre todos os instrumentos do barbeiro, do agougueiro e do cirurgifo. Osinimalé Alakaiye Afiiewé Ogun onilé owa, ‘Ogun olonan old Alagbedé B Awd - 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewd Cossard & Corajoso, ele abre a caminhada, na frente dos outros Orixds. Vencedor, ele domina o mundo Ele é violento, brigio, e se lava no sangue. £0 dono do dinheiro, Da prosperidade. Ele reina na forja. Ogun é representado pelas ferramentas para lavrar a terra — facao, enxada, foice — e para trabalhar na forja — bigorna, martelo, tesoura, tenaz. Distinguem-se varios tipos de Ogun: * Alabedé Orun: o primeiro Ogun que apareceu na terra, logo depois de Obatald e Orumild. Ele nao incorpora. £ um outro Ogun — Alabedé Aivé — quem vem a terra ¢ toma posse da cabega de seus adeptos. Osun Oniré: fundou a cidade de Ire, mas tornou-se 0 chefe guerreiro, ¢ por isso usa urna coroa de bardo, nao de rei. Recebe um carneiro em oferenda, enquanto os outros Ogurs recebem cabritos. Orania: seria o filho mais novo de Oduduwd. £ considerado o rei dos Exus, com quem vive nas encruzilhadas. Veste-se de azul, . Ogust Megé: um Ogun dito de sete cabegas; ele vive no cemitério e veste verde ou azul. Ogunjé: acompanha Oxald, mais especificamente Oxaguid, de quem é par- ceiro nas lutas ¢ guerras, Ogun Acoré: néo tem assentamento aparente; mora num pé de arvore — akoké, arabé ou odan —, no tronco do qual se ata uma franja de mariw0 (folha nova de dendezeiro desfiada). Todos os Oguns se vestem de verde, exceto Oramid, que prefere o azul, Na Africa, eles recebem um cachorro em oferenda, mas o costume se perdeu no Brasil, com excegiio de Ogunjd. Odé £ 0 cagador que da fartura ao povo, providenciando as carnes que alimen- tam os homens. Pelo fato de andar muito no mato, atras dos bichos, ele sempre encontra novos lugares onde se estabelecer, Por isso é considerado um fundador, o primeiro ocupante, o dono da terra. £ muito ligado a Os- saim, dono das folhas, pois ambos se encontraram na floresta, e Ossaim, achando-o muito bonito, fez um encanto para que Odé nao voltasse mais para casa. Pierre Fatumbi Verger interpreta seu nome — Oxdssi — como oxo wusi (0 guardido noturno ¢ popular). Segundo o mito, este foi o grito dado pela mul- tidao quando ele conseguiu matar um passaro malvado, mandado pelas Yamis para perturbar a festa dos inhames dada pelo rei de Ifé. ]4 © babalad Afisi Akisola Ifarmuiwa, de Owu, Abeokuta, conta que Odé era um mogo muito acanhado — oxo osi (aquele que olha de banda), muito desconfiado; ele se sentia feio e se escondia atras de sua mulher; s6 ela aparecia. [sso pode explicar por que Odé veste camisu (camisa curta, usada pelas mulheres) e saia comprida... Os instrumentos de Odé so 0 eruexim (chicote de rabo de cavalo) e 0 offi ou damaté (pega de metal que consiste em um arco ¢ uma flecha unidos). Distinguem-se varios tipos de Ode: * Odé Aquerd: ligado a Ossaim. Quando incorpora, € dificil de segurar, pois é extremamente desconfiado. Come bode, porco, frutas com fumo de rolo; veste azul com verde; usa um bioco, tipo de boné bordado com bazios; carrega offi ¢ eruexim. Odé Ixewé: come bode, carneiro, porco e caga. E ligado as folhas e aos remédios. Veste azul estampado com detalhes de couro. Odé Ikolé: ligado a Oxald. Odé Isambé: ligado a Omolu; leva palha-da-costa na roupa. Ajenipapé: mora na jaqueira e é ligado as Yamis. Goronijé: ligado a Ogun, Oyd e Oxum. Come bode, caga ¢ peixe de Agua doce assado na brasa; veste roupa estampada, azul-clara com barta verde e dou- rada; usa metal amarelo e ferro, além de pulseiras de buzios. * Odé Faim: @ rico, usa adomas de coral; nao gosta muito de bode, mas come tatu e aves de caga, além de frutas. Gosta de comidas muito enfeita- das. Veste azul e branco com dourado; usa pulseiras de couro com buzios; carrega eruexim branco, com cabo enfeltado de biizios. Odé Aré; € considerado 0 Orixé-rei de Ketu, Come bode, carneiro, porco, caga e todas as comidas secas. Veste muitas peles; usa chapéu de veludo azul-turquesa forte, com muitas penas. No caca, mas recebe a caga dos outros. Odé Otim: come bode, carneiro, coelho, caga; come fora, no pé de Apaokd. Leva muitas pequenas cabag¢as no ighd. Carrega um of na cintura e leva, na mao, um rebenque de 16 tiras de cour trangadas, terminadas por uma bola de couro; usa na cabeca um gorro baixo de veludo, & Awd — 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewd Cossard 8 * Odé Danadand: ligado a varios Exus que devem ser assentados, Come bode, carneiro, porco, caga, preds. Gosta de bichos escuros, malhados; come no tempo; leva um garfo na ponta do off; usa chapéu de couro. £ cagador de elefantes e se pinta com waji (anil) para se esconder. * Odé Agunald: ligado a Oxaguia. Come bode branco € outros bichos bran- cos, caca e peixe; 86 aceita muito pouco dendé; come ebd, recebe inhame em bolas e canjica amarela. Veste roupa azul-turquesa e branco. © Odé Olofusi: ligado a Oxalufa. Muito velho, nao danga as cantigas de caga. Come bichos claros, Usa roupas claras, oft de ferro e eruexim branco. * Inlé ou Erinlé: mora dentro da 4gua com Yeyé Caré; leva no igbd uma pedra preta, ao lado do arco cercado de diversas flechas, com passarinhos nas pontas. Come bode, porco, caga, acarajés, bananas, milho, inhame, fei- j40; leva um offi de prata no ojd; usa um segundo off na mao € um reben- que de couro com buzios nas pontas; veste branco ou cores claras e usa chapéu branco. Jn/é era um cagador muito considerado em Ilobu. Um dia, foi acusado de roubar o gado da aldeia; fugiu desesperado e se fustigou com 0 rebenque como se fosse culpado; parou de cacar € acabou se escon- dendo nas 4guas do rio. Existem ainda, em Ilobu, varios lugares dentro do rio onde se fazem oferendas: Fayemi, Ondun, Asunara, Apala, Agbandada, Owala, Kusi, Ibuanun, Olumeyé, Akanbi, Abadi, Ibualamé, Alapade, Cada um tem um templo, mas, mesmo com essa pluralidade de Iniés, todos sio considerados um s6 Orixa. * Ibualamé: considerado pai de Logunedé com Yeyé Ponda, mas essa paterni- dade é contestada: alguns acreditam que ele seja filho de Ogun. Ibualamdé come bode, cameiro, porco e caca. Leva dois rebenques de couro de 17 pernas; usa ofii de ferro, chapéu de couro e roupa estampada de cores suaves. Logunedé Eo filho de Yeyé Pondd ¢ Ibualamé, embora essa paternidade, como vimos, seja duvidosa. Na Africa é filho de Ogun. Fica tanto na terra como na agua; tem €s- pirito de menino. Muito ligado a Oxum, vive agarrado 8 sua saia e vai embora no seu colo. Nao se pode The oferecer nenhuma comida sem que se dé primeiro a Oxum. £ um Orixé mimoso, alegre e brincalhio. Omolu E um Orixa perigoso e nao se deve pronunciar seu verdadeiro nome, Xapand; diz-se Omolu ou Obaluayé. £ rei da terra, da qual ele é 0 dono, Quando fica furioso, diz-se ilé igbond (a terra esta quente). Para que essas palavras nao 0 desagradem, se diz © contrario: ilé tutu (a terra esta fria). E © Orix que da as doencas, especialmente a variola, Seus sacerdotes, que outrora usavam esse poder para aterrorizar a populagao, terminaram reprimidos pelas autoridades € 86 puderam manter-se limitando seu papel 4 cura dessa doenca. Gidi gidt A para olosu Gangan ti angan Omolw ald ewe Oni wows add Odé dudu kan ti md si oko odun bo ara Tehosu pitisomé Alapa dupé Omolu & poderaso, Tem o corpo salpicado de vermetho. Ele é muito robusta, Conhece as folhas que server para curar doengas. Ele tem vdrias cabacas pequenas onde guarda os pds para fazer remédios, E wrt homent negro que cobre o seu corpo de palha-da-costa, E o rei das firmas preciosas. Para curar suas feridas, Yemanjé o cobriu com cas, o-que esfriow seu Corpo; assim ele acabou sarando, E quem mata e.a quem agradecemos por isto, Distinguem-se varios tipos de Omolu: © Wari-waru: a ele deve-se pedir o contrrio do que se quer, quando se fizer uma prece, * Azoani: veste-se de palha-da-costa vermelha, usa vermelho estampado e catrega xaxard com langa. Fazem-se sacrificios para ele quando o sol esta a pino. * Ntetu: cava o chéo com uma ferramenta especial, em forma de gartas. * Arawé: vive no mato com Odé. © Dansé: 6 raspado fora, no tempo. Come barro. ® Ofelé: gosta de siléncio. E ligado a Yemanjd e come muita canjica branca. & Awd =o mistério dos Orixds é 2 Giséle Omindarewd Cossard * Agoré: veste branco, carrega lan¢a, usa Bioko (tipo de boné) com franja de palha. * Xapana: outro nome de Sapatd (esse nao deve ser pronunciado). Veste vermelho € preto. © Ajonsu: velho, veste branco. * Ajagun ou Jagun: guerreiro, agressivo. Veste branco ¢ usa palha vermelha. Carrega xaxard e langa. Pode-se assinalar Jji, uma manifestagio de Omolu através dos rodamoinhos do vento, mas que nao é uma qualidade do Orixa. Nao podemos ver o rosto dos Omolus. Todos devem estar cobertos de palha- da-costa. Eles trazem na mao um xaxard, feito com as nervuras das folhas de dendezeiro, com o qual limpam o ambiente enquanto dancam. Aze de Omolu Ossaim Ossaim vive no mato com seu irmao, Olobiki, que semeia ¢ planta. E um Orixa extremamente competente, 0 médico do corpo ¢ também do espirito. Detém © segredo das folhas, pois ¢ ele quem as colhe. As folhias servem para preparar todas as infusdes e maceragdes feitas no terreiro e sdo utilizadas para purificar as més influéncias, curar e renovar as forgas de uma pessoa, provacar o estado de transe que permite ao Orixd se manifesta Cada folha tem uma virtude especial, ¢, para colhé-las, ao raiar do dia é preciso estar com o corpo limpo, sem ter tido relagdes sexuais durante a noite. Antes de entrar no mato, é preciso pedir licenga, oferecer-lhe agua, fumo de rolo e moedas, além de abrir um obi para ver se a colheita ¢ autorizada. Para cada folha ha uma saudacdo cantada e durante os sacrificios deve-se cantar para fortalecer a oferenda. Quando se oferecer um bicho de quatro pés a qualquer Orixa, Ossaim rece- bera oferendas particulares, em uma ceriménia chamada sassaim. Nao existe um quarto especial para ele nos terreiros. Seu assentamento é uma Arvore, escondido embaixo de folhas de ewé jejé (jequiriti). ito aos pés de & Awé - 0 mistério dos Orixés Giséle Omindarewé Cossard s & Xangé E considerado um ancestral divinizado em razio das lendas que contam sua origem, Dizem que Oduduwd teve um filho, Okambi, Este teve sete filhos que, depois de sua morte, dividiram entre sia heranga. O sétimo, Oranid, recebeu a terra € tornou-se rei de Oy6, Ele teve, com Yernanjd, trés filhos: Ajakd (também chamado Dada), Xang6 e Xapana. O primogénito, Ajakd, pacifico demais, reinou muito pouco tempo; logo Xango afastou-o do trono e tomou-se rei de Oyé — Alafim Oy6. Apés um reina- do tumultuado, ele, que era violento e brigdo, desapareceu misteriosamente. Xangé € o deus do trovao, das tempestades, do raio; quando ele esté com raiva, langa chamas pela boca e incendeia as casas: Inde gori ile nj latofit Eledun ened bajé O foga sobe pela casa. Dono da pedra que mata. Contas de Xango Em sua sacola (labd) Xangé guarda as pedras do raio, edun ard (machados neoliticos), que lan¢a sobre os que o ofendem. Quando o reldmpago cai sobre a terra diz-se que essas pedras caem e ficam enterradas por sete anos, antes de voltar 4 superficie, Xangé ama a boa comida e a abundancia; é cruel, viril, atrevido e gozador: O loké mefad bi ajinaku Tem seis pénis como o etefante, Antes de Xangd aparecer, existia um culto mais antigo ligado ao sol, o culto de Jacutd, Esse Orixé simbolizava a justiga, a lei, a boa ordem, e protegia os inocentes. Embora tivesse um caréter turbulento e violento, Xangé passou a suplantar Jacutd, os dois ficaram confundidas e as caracteristicas do mais anti- go foram assimiladas por Xangd. Ea ele que se recorre quando hd contestacées, controvérsias, processos: Xango lu eke pa Rabd tenu mo ré Obd gbé Obd dé Obd jigi Ekim tofoju tana Ble mata 0 mentiroso. Pai que impde o direito. O grande rei. O rei maduro, O rel poderoso, Leopardo com olhos de fogo. Xang6 adora © vermetho, as nozes de cola orobé (Garcinia gnetoides, Guttife- rae}, os galos vermelhos ¢ os carneiros com chifres grandes, Pode-se tentar refazer a genealogia dos Alafins de Oy6. Oduduwé teve trés filhos: Ogun, Obalufa (pai de Alayemoré) e Oraniai, Este teve trés filhos com Ia- massé: Ajakd (pai de Aganju), Xang6 e Xapand. Com a morte de Oduduwé, Oba- Jufa tornou-se rei. Seu filho, Alayemoré, Ihe sucedeu. Orania tirou-o do trono. ‘Com a morte de Orania, Ajakd Ihe sucedeu. Xangé tirou-o do trono e tomou 0 poder. Apdés sua morte, seu sobrinho, Aganju, lhe sucedeu. Afonjd, descendente de Xangé, apareceu bem mais tarde. & Awd - 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewé Cossard s & No Brasil, distinguem-se doze Xanigds: * Ajakd: mais chamado de Dada. © Aind Intilé: veste branco e azul-claro. Come pouco dendé. Carrega Oxald nas Costas. * Aird Igbond: é o fogo vivo. Veste branco, azul-claro ou rosa-claro, e leva um oxé de prata. * Aird Mofé: veste s6 branco e nfo come dendé; danga coberto com pano branco. Carregou o tesouro que Xanigd deu como indenizagao do tempo: de cadeia de Oxalufa. * Jakuta: leva um oxé de madeira. * Ogodé: leva dois oxés; é dono do pildo. © Obalubé: nao desce; acompanha Bayani na procissio de Yamassé, © Baru: violento, No come quiabo: seu amalé é de folhas tingua-de-gali- nha, e come perto de fogo aceso. Veste couro, roupa escura, pele de leo- pardo, ¢ leva um oxé de madeira; é ligado a Iroké. * Obakossé: rei do morro de Kosso, perto de Oya. Existe uma davida sobre a personagem de Obakossd, cujo nome seria um titulo de Xangé. Kosso € um morro situado ao lado da cidade de Oy6. Oba kosso quer dizer: rei do morro que domina Oyé6, Por outro lado, quando Xangé desa- pareceuy, contou-se que ele teria se enforcado num acesso de raiva. Seus segui- dores desmentiram essa histéria, dizendo: “Oba kosso”, o rei ndo se suicidou. Nao se pode esclarecer a verdade. * Oloroké: ligada a Irok6; veste branco. * Afonjd: ligado a Iroké. Leva armas douradas: um oxé e uma lanca. » Aganju: veste-se de vermelho e branco, ou vermelho e amarelo. Leva uma langa com coragao na ponta € um oxé. Oxumaré £ um Orixa que se apresenta sob um duplo aspecto: um masculino ¢ outro feminino. Representa a continuidade no movimento e a forga que sustenta a terra para que ela permanega coesa, Diz-se que tem origem fon, dai o nome Dambala Aiyde Wedo: Dambala, o lado macho, a cobra; Aiydo Wedo, 0 lado fémea, que se transforma no arco-iris. He Hibs jén ojo E Oxuemaré que faz cair @ chuva sobre a terra. Oxumaré esta ligado ao mato pela cobra, ao céu pelo arco-iris, que sobe até a abobada celeste, e a0 mar, onde mergulha. Ele leva as pedras até Xango, para que este as jogue do alto do céu quando esta com raiva. Certos terreiros fazem sempre duplas oferendas, bichos maches e bichos fémeas. Outros, na hora da feitura, procuram fazer a distingdo da qualidade (macho ou fémea) dominante na pessoa e dio os bichos de acordo. Oxumaré recebe também um tipo de cobra dito papa-verito. Yemanja Ea grande mie cujos filhos sao os peixes; 0 simbolo da maternidade, da fecun- didade. De seus seios volumosos nascem as aguas do mar e as Aguas doces: Yemanjd yd olé oyon orubd ‘Nassa mde com selos que choram. Awé - 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewd Cossard s 3 Yemanjd nasceu num rio e vive no mar. Através da agua, ela da sade, fartu- ra e riqueza a todos, pois, sem 4gua, o mundo acaba. Ela também protege todo © povo do mar: pescadores, navegantes € os que vivem na orla maritima. No Brasil, seu culto é muito popular. Sua festa, no Rio de Janeiro, é no dia 31 de dezembro; em Salvador, no dia 2 de fevereiro, e em Santos, no dia 15 de agosto. Nessas datas, toda a populacdo invade as praias ¢ vem fazer pedidos € oferendas com velas, flores, perfumes, frutas, champanhe, produtos de beleza. Espera-se uma purificacdo através de Yernanjd, uma energia nova para enfrentar as dificuldades futuras. Ela € 0 eterno recomegar. Através dela, os fidis se rege- neram e retomam a confianga. ‘Okun onilayé Fla é a dona do mundo. Yemanjé é considerada a mae de todos os Orixas. De seus amores com Oxald nasceram, diz-se, Exu, Ogun e Odé; com Oranid, nasceram Ajakd, Xangé ¢ Egun, Ela teve também uma ligagio com Oxumaré; assim, o arco-iris atinge o céu e desce até o mar. Yemanjd ainda teve um romance tumultuado com Okeré, rei de Shaki, perto de Abeokuta, mas nio se sabe se tiveram filhos. Nesse tempo, Yernanjd ja tinha dez filhos e seus seios eram muito compridos; ela aceitou viver com ele, na con- digao de que nao aludisse nunca a esse defeito. Mas um dia ele se embebedou rompeu 6 acordo; na disputa, ela conseguiu fugir, mas caiu no chao; sairam tios de seus seios ¢ ela se foi flutuando. Okeré, com raiva, transformou-se num morro para barrar o caminho. A 4gua ia para a esquerda, o morro ia também; a agua ia para a direita e o morro ia também. Yernanjé ficou desesperada, e seu filho Xangé, vendo sua afli¢io, mandou um relmpago que cortou o morro em dois. A 4gua entio fluiu até o mar, onde Yeranjé desapareceu. £ uma mulher muito vaidosa: Ala kan sé-oxé A que se enfeita sem ajuda. Yeranja nao ¢ uma mulher doce: tem até mesmo um aspecto viril; o bicho que The oferecem é um carneiro. Ba raghd ay) Yemanja Quando ela a vé, fica alegre. No Brasil, ela tem varios aspectos: * Ya Ogunté: luta nas estradas ao lado de Ogun. £ feiticeira e conhecedora de afoxé, Carrega abebé e alfanje; ligada ao verde transparente. Recebe oferendas nas pedras, nos arrecifes, na beira do mar. ¥d Sab: velha, manca, vive na espuma das ondas, ligada 4 cor branca; foi mulher de Orumild e teve um filho, Agé. Carrega abebé. © Yo Sessu; das aguas profundas, ligada ao azul cor de anil; catrega alfanje © abebé. * ¥d Tond: ligada ao azul-escuro, vive nas partes profundas das aguas doces. Nao aceita dendé, * ¥d Awoyo: vive sob as rochas, no fundo das Aguas. Nao usa cores, 560 bran- co, © cristal transparente ¢ a prata, Manda nas marés € nas fases da Lua. © ¥é Agribord: 6 uma Yemanjé cultuada no Opé Afonjé. Era 0 Orixd da mae de Obd Biyi, mae Aninha. Ela era da nacao Grunsi, populacao de origem yorubé que emigrou para Gana. £ um Orixa misterioso, que ndo gosta nem de barulho nem de luz. * ¥é Quinibu: fica na pororoca (encontro do rio com 0 mar). * Yd Quilesé: que fica no rodamoinho da pororoca. * Yd Assomi: vive na beira d’agua e ndo come camardo. * Yd Camaré: velha, rabugenta, vive nas grutas do mar. Aimagem da Yemanjd africana, sustentando seus seios abundantes, com 0 ventre pleno da maternidade, superpde-se ao mito da sereia, nem mulher, nem peixe; sereia que se parece com a Mami Wata da costa do Golfo de Guiné, tal- vez mais feminina do que a primeira, que atrai seus amantes para o fundo das Aguas. As duas se fundem, e é sob essa forma que encontramos Yemanjé, repre- sentada publicamente nas praias de Salvador, do Rio Vermelho e de Itapod. Oba Era a primeira esposa de Xangé; foi desprezada e substituida por Oxum. De- sejando reconquistar 0 homem que amava, deixou-se levar por Oxum e Oyd, que a aconselharam a fazer uma comida gostosa para ele, cortando uma de suas orelhas e cozinhando-a numa sopa. Obé escutou o conselho e serviu a horrivel comida para Xangé. Quando ele encontrou a orelha nadando na sopa, explodiu numa raiva violenta contra Obd, que perdeu para sempre a chance de recuperat o amor de Xang6. Ela representa a amargura da vida, as esperancas perdidas, as decepgdes amorosas. “% Awd - 0 mistério dos Orixds %S Giséle Omindarewd Cossard Oxum FE a segunda esposa de Xangé. Mulher encantadora, personifica a beleza, 0 charme, a sensualidade, E a dona das 4guas doces e das cachociras. Adora 0 luxo, a riqueza, 0s belos tecidos, 0 ouro. Na beira dos rios, ela se penteia, se pinta, se enfeita com jéias, se banha ou se abana. £ muito vaidosa e sabe en- feitigar: Afinju obirin ti koda idé Otte ibu old A wurd olu Olo ya iyun Omi 16 wan ran wanran wanran omi rb. Mulher elegante, com pulseiras de cobre espessas. Proprietéria das riquezas de fumdo das dguas, Proprietéria do ouro, Dona do pente de coral, A dgua farfalha como as pulseiras de Oxus. Na Africa, Oxwn € 0 simbolo da maternidade ¥d wa ghe mi nanxé lemi Vertha ajudar-me a ter um filho. ‘Mas, com a travessia dos mares, seu lado amoroso tornou-se mais impor- tante do que o lado materno. Sua vida sentimental foi muito agitada. Teve amores com Oxald, Ogun, Xangd, Orwmild e Odé, de quem teria tido um fi- Iho — Logunedé. Mas essa paternidade é contestada; dizem que ele é filho de Ogun, Existem diversas variedades de Oxum: * Abid Om6 Oloré: a primeira Oxum, que nao incorpora mais. E velha e ranzinza, « Aboté: come cabra; também é velha e ranzinza © Iumu: carrega ancora e abebé, ¢ a mais vaidosa; usa na cintura uma corren- te com ferramentas penduradas (colher, pente, leque...}; tosse de vez em quando; calca chinelas finas com pedras preciosas. Come bode castrado. * Ipondé: veste branco com dourado; leva espada curta e larga. * Caré, & muito mimosa; leva alfanje. © Petu: tem quizila de galinha. E ligada a Omolu e Oxumaré. * Tala: vive na lagoa e ajuda Ogun na forja; ndo come dendé. * Abalu: guerreira, leva alfanje e abebé. * Aferd: acalma Ogun e, para isso, carrega uma folha-da-costa e um abebé, * Ajagurd: guerreira, veste-se de branco; leva alfanje ¢ abebé, + Yeyé Ogd: & guerreira; leva alfanje e abebé. * Yeyé Oloqué: gosta de lugares altos e ndo incorpora. © Yeyé Onird: € extremamente guerreira; leva alfanje ¢ abebé. * Yeyé Popolocum: n&o incorpora e vive nos pocos. * Yeyé Apard ou Opard: & guerreira; usa contas claras, leva alfanje e abebé. © Yd Otim: vive com Odé; carrega ofa na cintura. © Yd Ibu ou Ominibu, Todas as Oxuns usam adé (coroa dourada) dourado com chordo (franja) de contas douradas, Nao comem pato nem caracol. Adé de bordado de Oxum 4% Awé - o mistério dos Orixds £ Giséte Omindarews Cossard oya Também conhecida como Jans, Oyd se manifesta no vento, nas tempestades € nos tornados; ativa o fogo, acende o relampago, destrdi casas € arranca as drvores, arrasando tudo com a sua passagem. Teve amores com Ogun e depois foi viver com Xang6, de quem foi a terceira mulher e a sua preferida. Ela ja era velha quando encontrou Xangé, mas seu amor era tdo grande, que ela o acom- panhou até na morte. Irrequieta, autoritaria e combativa, é a mulher sem entraves, que nao as- sume nenhum compromisso, nem o papel de esposa, nem a maternidade, E a dona da esteira e se deita onde tem vontade. £ intransigente e ciumenta: conta- se que um dia ela trancou Xangé em casa e colocou os Eguns diante da porta, para impedi-lo de sair. Oyd comanda os Eguns, 0 povo do além, mantendo-os fora do mundo para que nao venham perturbar os humanos, Ela os obriga a ficar nas nove partes do céu que lhes sdo reservadas, os nove oruns, dai o segundo nome de Oyd: Ovd Contas de Oye ‘mesan orun, Oyd dos nove céus, que se tornou lansa. Assim, Oyd faz a transigao entre os dois mundos, sendo a unido entre as geragées passadas ¢ as atuais. Distinguem-se diversas variedades de Oyd: * Oyd Balé: comanda os Eguns; veste-se de branco, * [ct Od: carrega a morte € se veste de branco. © Oyd Onird: ligada a Oxum; carrega um pequeno abebé de cobre pendurado- na cintura. * Oyd Jegbé: a mais velha, * Oyd Pada: di luz aos Eguns; carrega um castigal especial onde sao fincadas nove velas acesas, * Ops Jimuda: ligada a Oxald; mora no bambuzal. * Oyd Card: é.0 fogo. ‘Todas elas carregam 0 irukeré (espanta-moscas feito de rabo de vaca), um alfanje de cobre e dois ogés (polvarinhos) feitos de chifres de vaca encastoados, usados a tiracolo. Oyd é feiticeira, transforma-se em animal ¢ leva uma vida dupla, de mulher e de animal. Uma noite, Xangé foi cagar e se escondeu no alto de uma arvore para espiar os bichos. Ficou ali a noite toda. De madrugada, quando ja ia em- bora sem nada ter visto, apareceu um agbanli (antilope), que caminhava mis- teriosamente. Para sua grande surpresa, ele viu o bicho retirar sua propria pele, fazer um pequeno pacote e escondé-lo numa casa de cupins, transformando-se entéo em uma bela mulher, que partiu para vender sementes de alfarroba na feira. O cagador seguiu-a, comprou-lhe algumas sementes e, dizendo ndo ter dinheiro, chamou-a pata ir com ele até sua casa para receber. L4 chegando, ela cochilou por algum tempo e, 4 noite, retornou até a casa de cupins, mas a pele havia sumido: o ca¢ador a tinha escondido ¢, para devolvé-la, exigiu que ela se tornasse sua mulher. Fla aceitou, mas com a condigdo de que ele jamais revelasse as suas outras mulheres o seu segredo. Os dias se passaram ¢ as outras mulheres, curiosas, atazanaram Xango para que revelasse de onde ela vinha. Pressionado, ele acabou contando tudo. Elas se apoderaram da pele ¢ a escon- deram no sapé do teto da casa. Para zombar dela, cantavam: Oya giri olé ogeré geré Op giria ola ogara gara Obirin sola kor6 ulé ogert geré Akamorelé Suba no tethado rét ) ripida... dos Orixds ério Awé - 0 mist: e & Giséle Omindarew6 Cossard é Quando Oyd encontra sua pele, retoma sua forma animal e ataca as duas mulheres, matando-as. Tenta atacar Xangd, mas ele Ihe faz louvores ¢ sauda- ges, acalmando sua ira. Ovd desaparece na floresta, mas lhe da um afoxé (chi- fre magico), para que ele a chame quando estiver em perigo, Qutras versées da mesma lenda ndo falam de um antilope fémea, mas de uma fémea de bifalo, No Benin, em Saketé, Pobé, Adja Weré, perto do altar de Xangé, estdo os vasos de Oyd €, ao lado, os chifres do antilope agbanli. No Brasil, chifres de bafalo sio guardados perto de Oyd. Nana E considerada a me de Omol, que nasceu depois de Oxumaré, e foi rejeitado por ter 6 corpo coberto de chagas. Nand achou-o muito feio, comparado ao irmo que era bonito, preferindo abandoné-lo; Oxum achou o menino e o deu a Yemanjd, pata crid-lo. Essa atitude é constrangedora porque, na Africa, Nand & invocada quando uma mulher quer ter filhos. Uma grande romaria ocorre de trés em trés anos para o templo de Nana, numa floresta perto de Schiatti, no Benin. Os adeptos devem seguir uma dis- ciplina rigorosa e regras de vida extremamente severas, enquanto participam. da peregrinagdo, Durante a caminhada, eles se apGiam em hastes de madeira para aliviar-se do cansago, movimento lembrado na danga de Nand no barta- do, executada com as duas maos fechadas, uma em cima da outra, como se estivesse apoiada num pau, Qs discipulos de Nand tém a obrigagao de ser muito honestos. Nand ajuda a descobrir ladrées, pessoas desonestas, feiticeiros, e se encarrega de puni-los. Nand carrega o ibiri, feixe de nervuras de folhas de dendezeiro terminado em forma de baculo. Ela comanda a morte e ajuda as almas a desencarnar, a “fazer a passagem”. Segurando 0 sopro de vida da pessoa falecida (0 emi) no seu ibiri, ela o ajuda a voltar ao Orun, Ela personifica a figura da av6, que se toma, com © passar dos anos e com a idade, intransigente e resmungona. Distinguem-se diversas variedades de Nand: * Na Xala: s6 veste branco. * Na Selé ou Seti, * Na Djapa: leva uma coroa de bnizios, * Na Buku ou Burticu; muito velha e intransigente; gosta de cores escuras. © Na Ajaosi. * Nabaint: carrega as doengas e as chagas; leva xaxard, como Omolu, e ndo ibiri. Ibiri de Nana lewa lewd, na Nigéria, nasce num rio e é ligada 4 agua. Pierre Fatumbi Verger se re- fere a ela como uma espécie de Yemanjd. Também é considerada como a parte feminina de Oxumaré. £ uma cagadora, uma amazona. * Ligada a Odé: vive na floresta, no meio dos bichos. * Ligada a froké: s6 ela pode descansar em suas raizes, no alto da noite. Ligada a Oxumaré: casada com ele, mora na casa de Omolu, * Ligada a Obaluayé ¢ a Nand: na hora da morte, ela transforma o ser vivo em cadaver. * Junto com Oxumaré e Nand: ela ajuda a modelar a terra primordial. Jewd tomava banho em um rio e deixou seu pano-da-costa secando na mar- gem. Quando voltou, um galo havia sujado sua roupa. Furiosa, ela se enquizi- lou com a ave e s6 aceita oferendas de patas ¢ galinhas-d’angola. Awé - 0 mistério dos Orixds & & Giséle Omindarewd Cossard w Iroké. O Iroké € uma Arvore sagrada, habitada por um Orix4 do mesmo nome. Esta Arvore imponente e misteriosa faz a ligagdo entre o céu e a terra. Extremamente respeitada na Africa, ela nao pode ser tombada sem perigo, ¢ até mesmo para se coher algumas folhas, ¢ preciso fazer-Ihe oferendas. As folhas que caem no chao 36 podem ser utilizadas se estiverem viradas para 0 céu. Ao pé dos Irokds depositam-se oferendas, mas algumas delas s4o ebés maléficos, sendo acon- selhavel ndo ficar muito perto deles, especialmente 4 noite. O Iroké africano (Clorophora excelsa, Moraceae) foi substituido, no Brasil, pela gameleira branca (Ficus doliaria, Moraceae); entretanto, eventualmente pode ser encontrado al- gum Jroké cultivado a partir de sementes importadas da Africa. Jroké & invocado em caso de febre, doencas ou epidemias. Ele tem o poder de curar. As mulheres recorrem a ele quando no podem ter filhos, e fazem-lhe promessas ¢ oferendas pata engravidar. Mas, da mesma forma que ele favore- ce a vida, esté também ligado ao seu final. Era entre suas raizes quase aéreas que, outrora, eram enterrados certos defuntos, sendo o local de moradia dos. ancestrais, da mesma forma que o dank, o bambuzal. O Iroké abriga também um certo niémero de espiritas perigosos, os abikus e os eleyés, que pertencem as mes feiticeiras, as Yaris. Apaoka Essa arvore, a jaqueira, é bastante misteriosa, servindo de suporte a varias enti- dades; ela é 0 esconderijo das Yamis (Yami Oxorongd), as donas dos feiticos, que recebem oferendas no seu pé, como oriolocum, acarajé, feijio-preto, canjica amarela. Com elas moram também Oya Onird, Nand e Jewd. O Apaokd serve de suporte aos passaros ligados as Yamis, do mesmo modo que outras arvores: Odan (Ficus sp., Moraceae), Akokd (Newbouldia laevis, Bego- niaceae) ¢ Iroké. £ o lugar predileto das corujas que, a noite, gritam do alto de sua copa, para avisar dos perigos. Nos dias de festa, a arvore é vestida com camisu, andguas, saia colori- da, pano-da-costa, ofd e torco. No dia-a-dia, é enfeitada apenas com um oj colorido. ‘Nao ¢ bom ficar ao pé dessa arvore, pois uma parte das oferendas aos Orixds é despejada nesse lugar, ¢ as Yds nao gostam de ser incomodadas. Os Orixds funfuns Sao os que presidiram a criagio do mundo: © Obatald: apés sua estada na terra, e depois de ter dado vida aos primeiros homens, retornou aos céus para ficar ao lado de Olodurnaré. © Yeyermowo: considerada a mulher de Obataid. © Onumild: faz a ligagdo entre Olodumaré e os homens, orienta ¢ indica os meios de sair de suas dificuldades. Seu porta-voz é Ifa. A ciéncia de /fi é imensa, baseada em 256 signos (odus), dados pelo jogo de adivinhagao. © Olocum: divindade feminina, 0 Orixd do oceano, do fundo do mar, das enormes riquezas ignoradas que ai se encontram. Mas ela nao é mais ve- nerada no Brasil e, apesar de ainda se conhecer seu nome, foi suplantada por Yemanja. © Oxald; filho de Obatald. E venerado sob dois aspectos: Oxalufa, o velho, e seu filho, Oxaguid, jovem e guerreiro. O pai é curvado e enfraquecido pela idade, quebrado, depois do que sofreu por causa de sua teimosia. Os dois se vestem de branco: Banté banté mu ald O sun nu ald Ojime ala Ot im aid didé Alald niki niki Ord ok6 abuke Ord oké fire Atatd bi rakun Imenso em roupas brancas. Ele dorme em roupas brancas. Ele acorda em roupas brancas. Ele levanta em roupas brancas. E 0 dono do pano branco. E 0 dono do corcunda. £ 0 dono do albino, Ele é macigo como 0 camel. * Oxaguid é Olowti, dono do algodao e do inhame: Iniyan ogan baba mo wo Seu fiundamento é a massa de inhame pisada no pila, Awé - o mistério dos Orixds & Gisele Omindarewd Cossard Os Ibejis Os Ibejis nado sia considerados Orixas, mas seres sobrenaturais. Seu culto esta ligado ao nascimento de gémeos, considerado na Africa um fendmeno mis- terioso e uma manifestagdo da fecundidade, mas envolto numa atmosfera perigosa. Deste modo, é preciso fazer oferendas a fim de garantir a vida des- sas criangas, dar nomes especiais a eles e a outros que poderdo nascer em seguida, Se um dos dois gémeos vier. a morrer, é necessdrio confeccionar uma estétua de madeira que o representa. Deve-se tratd-lo (na forma de estatua) como se fosse vivo, vestindo-o com a mesma roupa usada pelo irmao vivo, dando-lhe a mesma comida e deixando-o permanecer ao lado do irmao vivo em todas as suas atividades. A TRADICAO JEJE CO pantedo jeje apresenta certas dificuldades para ser descrito, pois, de acordo. com o ritual de cada casa, apresentara aspectos diferentes, oriundos de varias etnias, De acordo com Tobie Nathan, © mundo foi criado por uma divindade an- drégina, Mawu Lissd, que gerou os filhos Dadd Zodji e Nyohwe Awanu, divin- dades gémeas que repartem @ mundo e dividem o comando da terra € suas riquezas. Sé (Sobd) recebeu a diregio do céu; Agbé (ou Naeté) cuida do mar e de todas Aguas; Agé esta encarregado do mato, das florestas e dos animais; Gu, de desbravar as matas, do ferro, da guerra, da civilizagao; Djé é o sopro, € Legbd nao tem cargo definido, é 0 mensageiro, o elemento dinamico. Maupoil mostra Mawu e Lissa como os criadores ¢ donos do destino dos seres, que repartiram seus atributos entre os voduns. Eles sdo representados por duas estétuas de madeira: Mawt, carregando uma meia-lua, é a parte fémea; Lis- sd, sobre a forma de um camaleao segurando um sol na boca, é a parte macho. Em Herskovitz, as informagdes sdo um pouco diferentes. Segundo ele, 0 deus criador, que nao é macho nem fémea, chama-se Nanan Buluku. Este dew 4 luz dois g¢meos, Mawu e Lissa, a quem foi concedido o dominio sobre o mun- do criado, Em seguida apareceu Aizan, a morte; depois foi criado Azanadorm, 0 ar. Seguiram-se intimetos voduns que se dividem em trés grupos: os voduns do ‘trovdo e do mar, os voduns serpentes e a familia de Sapata, A familia do trovéo e do mar E formada pelos Heviossés, chamados voduns 26 (do fogo), e 0s voduns TO (da agua). * Sogbd: rei da familia Heviossos, irrequieto, irado, dono do fogo. Veste um saiote (abi), feito de palha-da-costa de cor marrom-escura, ¢ uma coroa da mesma palha, com franjas terminadas por bizios; leva guizos na rou- pa; usa também um avental pequeno, 0 honogd, carrega abagri (machado com cabeca de tigre cuspindo fogo). * Boguim: Vodun do fogo, leva os mesmos enfeites que Sogbd. Kpé ou Possu: 0 mais velho da familia, pertence ao fogo. Irado, transfor- mou-se em tigre quando descobriu que Soghd namorava Oyd, € teve trés filhos: Lok), Badé e Averequeté, Veste uma roupa de palha tingida, compri da, com trangas terminadas com guizos ¢ bazios, Leva garras nos dedos, tiradas do dendezeiro; carrega o abagri. Abetaoyd: & irmao de Sogbd, ligado ao fogo. Usa saia comprida, boné tipo equeté de palha, com franja e buzios, e carrega abagri. Jocolatiné: € 0 irmao mais novo de Abetaoyé. Acorumbé: € parecido com Abetaoyé; leva uma cobra na mio, por causa de sua ligagdo com Bessém. Locé Kayabé: é 0 filho mais novo de Sogbé; liga o zé (fogo) ao ar; mora na gameleira; quando o rei Bessém perdeu seu rungeve, ele foi encarregado de procura-lo. Veste abi, honogé e carrega abagri. Badé: Vodun menino, irado, ligado a 26 ¢ 4s tochas; encarregado de acen- der as tochas do rei. Gosta de beber, de brincar. Veste saia comprida, abi, honogé colorido, equeté com franja de buzios, * Averequeté; menino, pertence 4 Agua (Vodurt to); é o pescador do rei Sogbd, ligado 4 bebida. Veste saia comprida e chapéu de palha tingida. Carrega anzol, abagri. Aziri ¢ Tobossi: sao voduns to, do mat. A primeira, a mais velha, pertence ao fundo do mar, usa contas amarelas cor de gema de ovo; a segunda é ‘mais nova e usa contas amarelas cor de cha. Ambas vestem branco e usam_ muitos bizios como enfeite; s4o ligadas 4 jaqueira, onde recebem suas oferendas, que so todas as comidas de Leghd a Lissd. Agbé: Vodun dos astros, pertence a familia de Hevioss6; veste azul, carrega abebé, come sem sal. © Naeté: ligada as aguas salgadas, ao mar; veste azul e carrega abebé. * Alzan: Vodure fémea, ligada 4 morte € aos antepassados; vive no tempo, deitada numa esteira; é a primeira a comer nas festividades; representada por uma panela de barro com tampa e duas quartinhas. % Awé - 0 mistério dos Orixds & Gisele Omindorewd Cossard * Xoroqué: & 0 guardiio do palicio de Bessém e das rocas. Era um Gu que foi escravizado pelo rei e virou Legbard. E o primeiro a comer depois de Aizan. Recebe um obi branco, bode, buruburu, omolocum e até perfumes, mas de sua matan¢a nao se aproveita nada. Foi o responsavel por muitas guerras. * Leghard Tojisé. = Legbard Zocan. « Agué: Vodun menino, ligado 4 mata ¢ 4 caga, sobe nas arvores para cacar e assustar. Suas oferendas levam frutas que representam os bichos de sua caga. Veste roupa com palha tingida de verde e decorada com pequenas cabagas; fuma cachimbo. A familia de Dan O Vodun serpente € considerado o rei da nagao jeje, mas o Vodun mais velho é Azanadonu, Dar envolve a terra ¢ a coloca em movimento, Ele é pai de Bessém, que lida uma legido de voduns serpentes. Bessém é a cobra macho, Kwenkwen €a cobra fémea sobre seu aspecto mais velho, enquanto Ojicu é a cobra fémea mais nova, equivalente a lewd. Bessém e Ojicu se unem e geram uma multidio de Vodun serpentes: Bafoné Deka, Acassu, Ajacu, Togiiém, Fregiiém, Dogiiém, Co- togiiém... Dan é também chamado de Aidé-wedd, pois tem um aspecto duplo, Dan sendo a cobra, e Aidé-wed6, 0 arco-iris. Maupoil fala de Dan Aydo Wedo: “encar- regada de levar os seres materiais ¢ suas almas do céu a suas moradias terrestres, se diz que repartiu seus poderes entre dois Dan subalternos. O culto muito po- pular do hé-dan, ou serpente cordSo, materializa essa crenga. O cord4o umbili- cal leva a crianga até o chao onde a mie pare, Mas 0 que o ser humano venera, quando cultua a palmeira hé-dé, ao pé da qual seu hé-dan é enterrado, é a obra de um outro dan, o 6rgao masculino, que gerou seu nascimento.” A familia de Sapata «© Sapaté: Vodun da terra ligado 8 variola; anda coberto de palha-da-costa tingida de vermelho; leva um feixe de talos de folhas de dendezeiro, en- feitados de biizios e contas, © xaxard; uma conta escura, o laguidibd; cola- res de biizios enfiados em forma de escamas, o brajd; braceletes de biizios nos bracos ¢ nos punhos. * Azoani: veste-se de palha-da-costa tingida e roupas muito coloridas. Rece- be suas oferendas ao meio-dia. * Avimajé: € um. Vodun: novo, ligado ao Tempo; come bichos brancos, veste branco e usa palhas tingidas e roupas vermelho-claras; sempre doente, vive na esteira; é dono da lepra, das pragas, da variola; sofredor; usa xa- xara e seta branca. * Ajonsu (ou Azonsu, de azon, doenga): dono da doenca; é assustado, vin- gativo; sendo mais velho, ndo come bichos machos. Usa saia curta com guizos, palha-da-costa tingida de vermelho-escuro, capa, braceletes e per- neiras de palha para cobrir suas chagas. ® Poli Boji: é um Vodun mais velho. * Toyacossi: é um Vodun mais velho ainda. * Atolu (Ontolu, Aganga Tolu): & um cagador. Veste roupas coloridas com enfeites de penas na cintura. Os Voduns Nagés Também s4o cultuados voduns de origem nagé, especialmente voduns femini- nos como Oyd, Oxum, Yemanjé e Nand; os masculinos sio Gu, Odé e Omolu. O Vodun Lissa corresponde a Oxaid. Tipos de jeje Existem cinco tipos de jeje: * Jeje marrim: cultua a familia de Dan (sendo ele o rei), a familia de Kaviund, a familia de Sapaté e a familia dos voduns nagds. * Jeje modubi; cultua a familia de Dan, a familia de Sapatd ¢ os voduns nags, mas da mais importancia 4 familia Kaviund (onde Sogbé € 0 rei). © Jefe savalu: cultua a familia de Dan, a dos Kaviunds © a dos voduns nagds, mas cultua especialmente a familia de Sapatd, onde Azunsu é rei. © Jeje mina: nele so cultuadas as trés familias de origem jeje, mas nao en- tram os voduns nagés. * Jeje daomé: nele também nao entram os voduns nagés. Cada terreiro jeje se refere a uma dessas subnagées, de acordo com sua fillagao. @ Awd ~ 0 mistério dos Orixds & Gisele Omindarewé Cossard A TRADICAO CONGO-ANGOLA Segundo a tradi¢do congo-angola, um deus supremo, chamado Zambi Apongé, domina o mundo. Esse nome significa “todo-poderoso” e encontra-se na Africa, em todas as Iinguas bantas, com formas parecidas: Nzambi Phungu, Aphungu, Waphungu. Nas palavras de Balandier: “Nzambi rege a ordem do mundo e o curso das vidas, Ele é de um certo modo a imagem do Desting, as vicissitudes, as desgra- ¢as-e a sorte, que atingem a existéncia dos seres humanos sem modificar 0 sen- tido geral do propdésito divino ¢ dependem de forgas sobre as quais o homem. pode exercer uma influéncia". Essas forgas sao os Inquices. A palavra vem do quicongo nkisi, que significa: “feitico, feitigaria, forma magica, magia, doenga provocada por uma feiticaria”, diz Laman. Por outro lado, temos, na definicao de Bittremieux: “Criados por Deus, seres supra-humanos governam @ mundo no seu lugar; so principalmente os nkisi, espiritos, feiticos no sentido mais largo do terma. Se diz que ‘nos velhos tempos os nkisi eram ordinariamente bons e caridosos para os homens cujos corpos eles protegiam, mandando-lhes a chuva, a comida e o bem estar.” E muito dificil encontrar a origem dos Inguices cultuados no Brasil, por duas razoes. A primeira é que existem poucos textos informando sobre a religida antiga praticada no Congo e em Angola; o mimero de pesquisadores que se interessaram por essas etnias é limitado, € os Gnicos autores que podem servir de referéncia sio Laman, Bittremicux e Van Wing. A segunda é que a evangeli- zag4io comegou lago depois da chegada dos portugueses: ja em 1596, a diocese de Luanda havia sido fundada; em 1640, uma missao de Capuchinhos tinha se estabelecido em diversos pontos do pats, evangelizando e batizando em gran- de escala a populagao, destruinde e queimando os idolos a fim de erradicar as “supersti¢bes”. Esses fatos dificultam consideravelmente a procura das fontes das crengas e praticas religiosas. Dos Inquices cultuados no Brasil, muitos deles ndo se encontram nos rela- torios, Outros néo combinam com as caracteristicas que lhes sao atribuidas no Brasil. Existe uma semelhanga entre os Inquices e os Orixds, que talvez ndo existisse no principio, mas que foi se acentuando com o tempo. * Bombonjira, Aluvaid, Tibiriri e Mabilé: tem as mesmas caracteristicas que Exu, escravo € guardiao malicioso dos yorubds, Nenhum texto faz men¢ao a esses nomes, com excecdo de Bittremicux, que assinala “uns deménios ruins, feiticas de édio e de vinganga, entre outros Mabiala ma ndembé..." Esse nome é muito parecido com Mabila. * Inkéssi, Roxe-mukumbé: so equivalentes a Ogun. Laman fala de Nkosi como “o ledo, aquele que ferra”. Van Wing 0 define como um feitic¢o para se proteger dos ladrdes e dos fei Nsumbu, Kingongo, Kaviungo, Kassumbencd, Alojé, Intoto Asabd: tém seme- Thanca com Omolu. Nsumbu é citado por Laman como o protetor dos por- cos. © termo kingongo designa a pastula da bexiga, e a palavra kaviungo muito parecida com kavungu, nome dado a um tipo de idelo. O termo ntoto significa a terra, 0 chao, o reino dos mortos. Tempo Kiamwilé: é ligado ao culto das arvores e, particularmente, ao culto dos antepassados. As oferendas que Ihe sdo feitas sio depositadas numa gameleira sagrada suspensa nos ramos. Essa arvore, equivalente ao frokd, éo0 ponto de chegada da vida ¢ representa o tempo que flui até a hora da morte. Ela simboliza todas as flutuagSes de que dependem as manifes- tages climaticas, as estagdes, a temperatura, 08 ventas, a chuva ¢ o sol. Ballandier nota a importancia do Tempo no meio dos Bacongés, “fascina- dos pela sua propria representagao do deus Chronos”. Gongombila, Mutacalombé, Amboabild, Tawamt. so cagadores com seme- Ihanga com Odé, Apenas Mutakalombé € mencionado como deus dos ani- mais aquaticos, por Ribas. Katendé: dono das folhas, ¢ muito parecido com Ossaim. Nenhum autor faz mengao a ele, com excecdo de Laman, que observa que o nome Katen- dé é um titulo honorifico que significa senhor. -eiros, Zazi, Kibuko, Npanzu, Kassumbenganga, Kambalanguanje, Lumbando, Tata Mwilo; sio semelhantes a Xangé. Laman cita Nzazi como o raio, Em Van Wing encontramos um feitico chamado Nkutu Nzazi, em formato de um. saquinho, que serve para vingancas: Mwilu Kilembicd. Nzazi é destinado a acalmar a célera do raio; Serra Frazao o define como deus das tempes- tades. Tata Muilo representa o sol; Van Wing fala de um feitigo chamado ‘Mwilu que protege a aldeia contra os ndoki, espiritos ruins. Segundo Serra Frazdo, Kibucd é um deus-lar do Congo. Mpanzu eta outrora 0 Inquice dos Mpanzu-muild, tribo que conservou o nome de seu ancestral protetor. £ uum Inquice da alegria, Matambd: corresponde a Oyd; mas nenhum africanista dé qualquer infor- magao a seu respeito. Laman nos da tradugdes da palavra: ferida corrosiva do nariz, lupus; Inguice que fica numa cesta. Dandatuna, Dandatunda, Kissimbi: correspondem a Oxum. Laman cita cla- ramente nkisi simbi como “nkisi da agua, que vive na agua”. & Aw6 ~ 0 mistério dos Orixds & Giséle Omindarewd Cossard * Kaid, Kayala: corresponde a Yemanjd, mas poucas referéncias foram en- contradas nos textos. Laman cita Kayala como provindo do quicongo imbu-ayala, 0 oceano, 0 vasto mar. ‘* Angoré, ou Angolé; é ligado 4 cobra. O nome vem de ngolé, kongolé ou nkongolé, que designa o arco-iris, Bittremieux fala: “O arco-iris € uma grande serpente mkongolé que fica nas nuvens e manda a chuva". Funzé, ou Vunji: os Ibejis sia chamados de Vunji, mas o Inquice Vunji € descrito por Ribas como simbolizando o espirito da Justi¢a. Laman da in- dicagées mais proximas dos Vunfi para o Inquice Funzd: “Funza & um nkisi praticamente esquecido; uma forga criadora lhe era antigamente atribu- ida e era considerado quase como o igual de Nzambi Mpungu. Os objetos que Ihe pertenciam sao guardados em pares numa cesta. £ Funzd que faz com que nascam gémeos, ou os impede de nascer.” Embora os nomes Sejam um pouco diferentes, eles sio muito proximos; encontra-se aqui a nogao de dualidade e também de fecundidade; assim, pode-se ter entio a verdadeira origem dos Vunji brasileiros. Lembd, Kanjanjé, Lembaranganjé: correspondem. a Oxalufa. Remakalungd: corresponde a Oxagwid. Laman 0 indica como um Inguice muito popular, mediador entre os vivos ¢ 0s mortos, Bittremieux fala dele como o Inquice especial do casamento, da paz do casal. A COMUNIDADE Para realizar o desejo dos deuses, o chefe de um terreiro ndo age sozinho, pais conta com a ajuda de muitas pessoas sob suas ordens. Juntos, formam uma grande comunidade muito organizada, o egbé, onde cada um esta a servigo dos deuses. A(o) chefe do terreiro € a cabeca desse verdadeiro organism, ¢ os que a(o) cercam so seus bracos e pernas. Esse entrosamento vai exigit uma disciplina severa, muita abnegacao e sacrificio, E uma escolha para o resto da vida. ORGANIZACAO Tradi¢ao ketu 0 chefe do culto O jogo das forgas espirituais seré sempre um mistério para o homem comum Somente alguém — seja homem ou mulher — com um dom especial, tera o poder de compreender os mistérios dessas forgas e modificd-las em beneficio dos homens. Tanto no Brasil como na Africa, as pessoas escolhidas para essa missdo tém numerosas obrigacSes a cumprir, como consultar as divindades, transmitir suas mensagens e executar os trabalhos exigidos por elas. Também devem organizar festas durante as quais essas divindades iréo se incorporar, bem como preparar as pessoas escolhidas pelos Orixas para incorpord-los. Ja as pessoas que nao in- corporam sdo orientadas para estabelecer uma ligaciio mais estreita com © seu Orixa protetor. Por fim, quando um filho vem a falecer, o sacerdote tem por misso encaminhar essa alma, para que ela encontre seu lugar no Orun. Giséle Omindarewé Cossard & Na tradi¢ado ketu, o chefe do terreiro ¢ a yalorixd, se for mulher, ou 0 babalo- rixd, se for homem. Entre os escolhidos para o cargo de “cavalo dos deuses”, a grande maioria é de mulheres. Por isso, para simplificar, preferimos nos referir aqui a chefes de terreiro como yalorixds, ¢ aos cavalos dos Orixds como inicia- das, sempre no feminino. Essa preferéncia nao é discriminatéria e nao quer dizer que os elementos masculinos do culto sejam desprezadas. O egbé As relagdes entre os membros do egbé so codificadas de forma muito rigida. Podemos dividir os adeptos em dois grupos: os adoxds (“quem carrega oxn”), aqueles que entram em transe ¢ incorporam os Orix4s, ¢ os que néo sio adoxtis, ou seja, ndo entram em transe nem incorporam Orixas. As adoxiis se dividem em quatro grupos: as abids, futuras adexis, que ainda nao foram iniciadas e se preparam para a reclusio; as yawds, que {4 foram ini- ciadas e que v4o renovar suas oferendas apés um ano, trés ¢ sete anos; as ebo- mes, que tém mais de sete anos de feitura e que j4 fizeram suas oferendas; ¢ as oloiés, que sd escolhidas pelo Orixé da yalorixd, entre as ebomes, para assumir uma responsabilidade especial — um op. Como as tarefas s40 numerosas ¢ aumentam A medida que o terteiro se desenvolve, os cargos de maior responsabilidade so assim distribuidos: a yd exbé, “mae da comunidade", que pode substituir a mae-de-santo em caso de ne- cessidade; a yd kekeré, “mie pequena”, que se encarrega de todas as iniciadas e ajuda a yalorixd em todas suas atividades; a ojubond, espécie de “mae pequena” encarregada das novas iniciadas; ¢ a yalodé, que cuida do bom relacionamento entre as iniciadas. Algumas delas tém tarefas mais especificas: a yatabaqué prepara a comida das iniciadas durante a feitura; a yalefia prepara os pds utilizados nas pinturas rituais e pinta as iniciadas durante a reclusio; a mayé e a agbeni prepatam os elementos sagrados que vao formar o oxu, massa que é colocada no meio da cabeca das iniciadas; a yatebexé langa as cantigas no barracdo e ajuda o alabé; a yabassé prepara as oferendas e também é responsdvel pela cozinha; a olopondd €a encarregada dos banhos durante a feitura; a yamord, de Oinolu, a ajimudd, de ‘Oxum, e a daga, de Ogun, sio responsiveis pelo padé; a yassikd carrega o estan- darte durante a procissio da festa de Oxald, e seu Orixd é Ovd; a colaba carrega o laba de Xangé durante a procissio de yamassé, nas festas de Xangd; a acowé 6 a secretdria da casa de Xangé ¢ supervisiona a organizacdo das festas deste Orixa; a yd tojuomé cuida das criangas do terreiro; a sarapeghé, de Ogun, transmite as mensagens dentro da comunidade ¢ também fora dela. Duas ayabds, cuja tarefa nao tem um nome especial, tém a responsabilida- de de bater o sangue dos bichos de quatro pés durante os sacriffcios e de cul- dar da organizagdo das oferendas feitas a Ossaim, nas matangas dos bichos de quatro pés. ‘Além desses grupos de adoxtés, existem trés grupos de oloiés ndo-adoxtis, que Sao dignitarias e nao entram em transe. Escolhidos pelos Orixés, eles so con- siderados como “pais” ou “maes”, e devem ter conhecimentos suficientes para controlar as cerimdnias quando os Orixas estado presentes. Em certas casas, como 0 Opé Afonjd (em Salvador, Bahia) e outras originarias desse terreiro, como 6 Opd Aganju, existe urn grupo formado por doze homens, os Obds de Xang6, que representam os ministros desse Orixa ¢ tém um lugar es- pecial no barracdo, seis a direita ¢ seis 4 esquerda do trono de Xangé. Cada um. tem dois substitutos: 0 otui e © osi, No Opé Aganju, eles se chamam moghd, por intervengdo de Pierre Fatumbi Verger, que achava esse nome mais de acordo com a tradi¢do yorubd: na cidade de Oyd, no reino de Xango, os sacerdotes a seu redor eram chamados de onixango, e seu chefe, de Mongbd. O segundo grupo de membros do egbé ¢ formado pelos ogds, que possuem tarefas especificas: 0 alabé 6 0 chefe dos ogas tocadores de atabaques, dirige a orquestra ¢ langa as cantigas; 0 axogun, geralmente um filho de Ogun, € 0 en- carregado do sacrificio dos animais. O aficodé faz a caga e a matanga de Odé; 60 chefe dos aramefiis (cacadores), entre eles 0 iperilodé (cagador dos elefantes). O assogbd, 0 apocan, 0 ejitaté e o apotun tém responsabilidades na casa de Omolu; 0 atebold, © iuindonsé e o elemessé, na casa de Oxald; o ogotun, filho de Ogun, na casa de Oxum; o sabaloju € 0 ojuobd, na casa de Xangé; o balogun, na casa de Ogun. © olusd pepé cuida da boa ordem geral do terreiro; a teobold € uma mulher especialmente encarregada de cuidar dos Obds de Xangé. O terceiro grupo ¢ formado por mulheres, as ekédes ou ajayés. As ekédes cui- dam dos Orixds quando eles incorporam, ajudam a vestir os trajes ¢ as insignias rituais; elas também os vigiam enquanto dangam, enxugam seu rosto, ajustam suas vestes e podem receber suas mensagens. A comunidade se reGne em datas regulares, geralmente uma vez por més, para 0 ossé, quando se faz a limpeza das casas dos Orixds e se enchem as talhas € quartinhas de cada um. Também se renovam as tigelas de acagd batido ¢ alud, ¢ se oferecem comidas secas. Para as iniciadas ¢ uma oportunidade para resolver seus problemas particu- ares, pedindo yalorixd que faga uma consulta com obi ou orebd. Ao final do trabalho, todos se juntam para rezar e, em seguida, a yalorixd informa sobre da- tas e obrigagdes dos préximos dias, calendario e organizagao das festas da casa. % Awé - 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewé Cossard x 3 Na reuniao do oxé, a yalorixd também da ensinamentos e conselhos as ini- ciadas mais novas, para facilitar sua integragdo com a comunidade. Tradi¢ao jeje O chefe do terreiro jeje mahi tem 0 nome de mejité, seja homem ou mulher. Se o terreiro for de na¢gao jeje caviuno, ele se Chama doté, se for homem, ou doné, se for mulher. Na nagéo nagé Vodun, diz-se Iumbone para um homem ou ‘gaiaku para uma mulher. Amie pequena é a deré; ela tem uma ajudante, a deré vitu; em caso de neces- sidade, ambas podem ser substituidas pela hunisd. O mehunté é 0 pai pequeno. O grupo das iniciadas se compée das vedunsis. © pejiga € 0 zelador do peji, e também o primeiro respons4vel pela matan- a; © bajigd é seu ajudante e o segundo responsivel. Na auséncia de ambos, o oga impé os substituird. O ogd cutd, que toca gd, dirige os atabaques e puxa as cantigas no barracdo. Tradi¢ao angola O chefe do terreiro se chama taté-de-Inquice, se for homem, ou mametd-de- Inquice, se for mulher. O pai e a mde pequena sdo chamados de tatd ndengué e mameté ndengué. As iniciadas s4o as muzenzds; as mais velhas s4o as mucotds ou cotiés. Os tocadores de atabaque (rgomd) sio chamados de tatd cambone, ou sicarangome. Na verdade, essa terminologia banta € muito pouco utilizada, prevalecendo os termos yorubds até para os nomes de Inquices, A hierarquia dentro dos terreiros é extremamente rigorosa e codificada. Via de regra, todos pedem a béngdo da yalorixd; as iniciadas mais novas sempre devem pedir a béngao das mais velhas. Iniciados de Oxald s40 especialmente respeitados e todos pedem a sua béngdo, chamando-os de Babd, mesmo os que so mais velhos que eles, As filhas de Nand sdo chamadas de Vo. © TERREIRO Os candomblés no Brasil tomaram aspectos diversos, nfo s6 em razdo de suas nagdes de origem, mas pelas condigées materiais de cada fundador, a evolugao do terreiro e © processo de urbanizacao da drea onde esteja localizado, TRADICAO KETU Os tipos de casas e de construgdes de um terreiro podem variar, mas sempre obedecerao a uma estrutura determinada. Todos devem ter o Exu no portdo; 0 bartacdo; a casa de Obaluayé e, pelo menos, uma casa de Orixd, com um espago reservado para Oxald; um quarto para recolher as yawds; ¢ a cozinha onde sdo preparadas as oferendas, podendo ter fogareiro de carvao ou de lenha, ou até mesmo um fogdo industrial a gas que sirva de reforco. Antigamente, tirava-se Agua do poo e as yawés levavam as latas d’égua sobre a cabeca até um galo na cozinha. Se a atividade for intensa, usam-se fogareiros de carvao ou um fogo no quintal, feito entre tijolos. Dentro de um terreiro existem duas arvores sagradas, o Irokd ¢ 0 Apaokd; um monticulo sobre o qual esta enfiada uma vara, onilé, que representa a terra, © chao; € num recanto afastado, o balué, local para os banhos de folhas do ritual, onde séo guardados os potes de abd e o pildo para as folhas especiais dos abés. Podemos citar exemplos bastante diferentes, tais como: o terreiro [lé Axé Opé Afonja, fundado em 1910 em S40 Gongalo (Salvador) por Mae Aninha de Xarg6, Obd Biyi, feita por Yd Nassé em 1869; o terreiro Mé Axé Op Aganju, em Lauro de Freitas (Salvador), fundado por Balbino Daniel de Paula de Xangé Aganju, Obaraim, feito em 1989, por Mae Senhora, Oxum Muiwd, feita por Mae Aninha; 0 Omonilé Orixd Odé Ewe Axé Xangé Dei, em Vista Alegre (Niterdi), fundado pelo falecido Nilson da Silva Feitosa de Ossaim (feito por Mae Agripi- na do Ilé Axé Opé Afonjd do Rio de Janeiro), atualmente dirigido por Gustavo Coutinho de Nascimento, ijitojind, também filho de Mae Agripina; e o terreiro de Osvaldo dos Santos, Obd Omi, de Oxaguid, filho da falecida Mae Hilda (mae pequena do Gantois), em Santa Cruz da Serra (RJ) O Opé Afonjd e o Opé Aganju s40 ragas imensas e povoadas, quase aldeias; 0 barracdo é independente e cada Orix4 tem uma casa, composta de sala, quarto e varanda. Alguns Orixds tém varios cOmodos para abrigar os yawés, ebomes & dignitatios, No portao, fica Exu como guardiao; afastado, existe o Mé igbd, onde se faz 0 culto dos ancestrais. Q terreiro Omonilé Orixa Odé Ewe Axé Xangé Dei, tem, logo na entrada, a casa de Exu e a casa de Ogun, No quintal existem diversas construgées, como © barracdo; 0 quarto de Ogun e de Odé; 0 quarto das ayabis (Yemanja, Oyé, Oxum, Obd); © quarto de Obaluayé, Nand, Oxumaré e lewd; a cozinha dos Ori- xas, 0 quarto das malas das mulhetes ¢ outro para os homens. Também fazem parte desse conjunto: 0 quarto de Oxali, o quarto de Aird ¢ 0 quarto de Xango. SY Awd - 0 mistério dos Orixds § Giséle Omindarewé Cossard O quarto de Exu, separado dos demais, é construido num ponto mais afastado, assim como 0 Mé Igbd. © terreiro de Osvaldo ¢ exemplo de construg’o em area exigua, 0 que tor- nou sua instalago muito dificil. O Exu do portio, o barracio ea casa de Exu ficam perto da entrada. Temos ainda o Jlé ghd, a casa de Obaluayé e uma cons- trugdo com pequenas divis6rias que abriga Oxald, Xangé ¢ todos os outros Ori- xds. Hé também uma cozinha, préxima ao barracdo, e uma casa separada que abriga o babalorixd e os membros do egbé. ‘Um barracdo tem sempre uma parte central, reservada para as iniciadas dangarem. Nas laterais hd um espago com arquibancadas ou bancos para os vi- sitantes. Ao fundo, sobre um estrado, fica a cadeira do Orixd dono do terreiro, que permanece vazia se ele no estiver incorporado; numa parte mais baixa, ficam as cadeiras da yalorixd e dos varios dignitérios, Um espago & reservado para os atabaques. Nao hd forro no teto, pois o habito, em algumas casas, é que a parte superior do barracdo seja decorada com bandeirolas feitas de papel com que se fazem baldes, em cores que variam de acordo com as festas, No centro do barraciéo existe uma cavidade sacralizada, fechada por uma tampa de concreto. No Opé Afonjd e no Opé Aganju, os atabaques ficam do lado direito do bar- racdo, em um pequeno espaco elevado, para que os tocadores possam seguir a evolugio dos iniciados. Desse mesmo lado, ficam as cadeiras reservadas para as mulheres mais antigas do terreiro, as ebories. Em algumas casas, como a de Nilson de Ossaim e a de Osvaldo de Oxaguid, os atabaques ficam no fundo do barracdo. Nos candomblés onde nao existem um quarto e uma sala para as divindades, as iniciadas de um mesmo Orixd ai se hospedam e guardam suas esteiras, malas com as roupas rituais eo material necessario para sua permanéncia no terreiro, tais como balde, esponja, toalhas, leng6is, travesseiro, cobertor, roupas de frio etc. Esse grupo forma uma pequena comunidade com fortes ligagdes, Sera nesta sala que a nova iniciada ficara recolhida durante o periodo de iniciagao. Nos terreiros onde existe um quarto simples para cada Orixd hd um cémo- do especial, 0 renké, com chao de terra batida, sem janelas, que é usado para se recolher as iniciadas. Ele s6 é usado durante esse periodo, ou quando as iniciadas renovam suas oferendas, e seu acesso ¢ estritamente reservado a elas. Ha também o sabaji (ou segbefi), onde as inicladas guardam suas esteiras, malas e material. A principio, esse espago era compartilhado por homens e mulheres, mas, atualmente, separam-se os dois sexos, para evitar que os iniciados trans- gridam a proibigdo de relagdes sexuais entre irmaos dentro do terreiro. Nas casas dos Orixas sempre ha um pepelé, que é um estrado elevado onde se depositam os vasos sagrados. Ao pé do pepelé ficam talhas e quartinhas com gua, que nunca deve falta. Logo abaixo do pepelé, existe um espago no chao onde é colocada uma parte das oferendas: é o ojubé, “o olho que come” do Orixa. Esse lugar ndo deve ser cimentado, é de terra. A disposi¢ao dos quartos dos Orix4s é idéntica para todos, exceto para Odé, que tem uma cavidade redonda no meio do chao, chamada de ard, rodeada por um pequeno muro de tijolos, sobre o qual se coloca um alguidar grande, onde sio depositados os ferros de Odé de cada nova iniciada; como tampa, usa-se uma panela de barro sem fundo. As iniciadas, que sao filhas de Odé, terdo seus ightis em separado, colocadas sobre pepelé do quarto do Orixa. E comum, ain- da, encontrar-se, nas casas de Obaluayé, uma estrutura redonda que lembra as cabanas primitivas da Africa, coberta de sapé, apesar deste tipo de construgao estar desaparecendo; mas sempre haverd um pepelé no fundo do quarto, para os assentamentos de Nand e Oxumaré. Os igbas No quarto, cada assentamento (ighd) & colocado sobre uma talha ou um banco, Os ighds s4o vasilhas que contém os objetos sacralizados durante a feitura. A cada Orixa corresponde um ighd proprio. Habitualmente, os ighds sio vestidos com anaguas ¢ saias de tamanho adequado, ou sdo cobertos com panos nas cores de cada Orix4. Os aderecos dos Orixds so guardados em cima dos ighds, O Orix4 que ocupa a posi¢ao mais elevada (em um banco mais alto), em cada quarto ou em cada casa, representa o Orixd da comunidade. Junto ao ighd prin- cipal so colocados os outros, que pertencem aos membros da comunidade. Nesse local, pelo menos uma vez por ano, s4o realizados um culto e uma festa especifica. Ao pé de cada ighd, existem sempre uma tatha (com trés algas para os Orixas masculinos, ou duas algas para os Orixas femii devem estar sempre cheias de agua. nos) e duas quartinhas, que Os igbas de Exu Sao feitos em vasos de barro tradicional, alguidares ou em panelas de barro, contende uma massa de tabatinga misturada com azeite-de-dendé, cachaga, mel e sal. As folhas de Exu s4o misturadas com enxofre, merctirio, ima, varias pimentas, pregos, alfinetes, agulhas. Junta-se a tudo isso a terra de sete encruzi- lhadas, da porta de um cemitério, de um estabelecimento comercial bem mo- 3 Awé - 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewdé Cossard y = vimentado ¢ de um banco; uma orelha-de-pau vermelha (Polyporus sanguineus, Polyporaceae), sete graos de feijao-preto, sete de feijio-fradinho, sete de milho amarelo, sete de canjica e sete pipocas; carvao de madeira e carvao da terra (de pedra); p6 de ferro, ouro, prata, cobre, latéo, bronze, ago e aluminio; sementes africanas (arida, bejerecum, lelecum, aberé) etc. Existem varios tipos de assentamentos de Exu: tabatinga modelada em for- ma de busto, com a cabega, os olhos e a boca feitos de biizios, ou com um pedago de ferro, ormado com tridentes ¢ langas, cuja base é fixada na tabatinga dentro do vaso decorado com sete ou vinte e um buzios e moedas. Exu também pode ser representado por uma pedra, Todos os assentamentos serao sacraliza- dos em rituais proprios. Diante do vaso, coloca-se uma moringa cheia de 4gua, duas quartinhas com acagé batido, e quatro bazios, usados para consulta. Em um terreiro, existem varios assentamentos de Exu chamados “de traba- lho", para se fazerem oferendas e atender 4s necessidades dos clientes. © igbd de Ogun Coloca-se num alguidar um suporte de ferro trabathado, com uma vara onde estdo pendurados sete objetos representando as atividades de Ogu: p4, picare- ta, facdo, lana, foice, martelo e torqués. As wezes, esses objetos em miniatura sdo colocados no alguidar sem o suporte. O igba de Odé Coloca-se num alguidar um artefato de ferro em forma de arco e¢ flecha, fixado numa vara presa a uma base, para que 0 conjunto possa ficar em pé. Em alguns ighds, 0 arco ¢ a flecha so acompanhados de uma pequena pedra de cor escura. Odé Erinlé vem. seu ighd sob a forma de um arco rodeado de flechas, onde sio colocadas miniaturas de passaros. O igba de Ossaim E feito em ferro e tem o formato de um feixe de sete langas pontiagudas reu- nidas. A langa do meio possui um passaro de ferro na ponta. A base é enfiada numa talha (que pode ter trés algas), cheia de areia e fechada por uma camada de tabatinga decorada com biizios e firmas, O igba de Obaluayé O alguidar ¢ coberto com um: cuscuzeiro, cheio de buracos onde sdo enfiadas sete langas, uma delas a mais longa de todas. No interior do alguidar colocam- se vinte € um bazios, uma moeda, uma pulseira feita com lamina de ferro en- rolada em espiral, e um pequeno xaxard (idéntico ao usado por Obaluayé), que € uma pequena vassoura feita de talos de dendezeiro fixados em tabatinga mis- turada a varios elementos ¢ as folhas de Obaluayé; no meio desses talos fixa-se um ekodidé (pena vermelha de um papagaio do Gabio). A tabatinga, algumas ‘vezes, é decorada com pequenos buzios ou pedrinhas, Esse objeto mede de dez a quinze centimetros. O igh de Xangé As pedras de Xangd originais so pedras-de-raio, isto ¢, machados de pedra polida dos tempos neoliticos que — segundo a lenda — foram enterrados por um raio que caiu sobre a terra. Diz-se que essa pedra, ao final de sete anos, volta a superficie. As pedras dos igbds de Xangd, mesmo que nao sejam todas auténticas, lembram o formato de um machado polido com uma extremidade delgada. Esse machado é guardado numa gamela (bacia de madeira, redonda ou levemente oval, entalhada em umbaiba ou jenipapo), acompanhado de moedas de cobre e pulseiras do mesmo metal. O igbdé de Oxumaré £ representado por duas cobras de ferro entrelacadas na forma de um caduceu, e sua base é fixada numa talha cheia de areia, fechada com um pouco de taba- tinga, decorada com bizios e firmas. Em alguns casos, pade-se colocar, ao pé do caduceu, uma pedra escura. Os igbds de Ob4, Oyd, Oxum, Yemanjé S40 compostos por uma sopeira de porcelana (branca ou nas cores de cada aya- bd), quatro pratos rasos ¢ quatro pratos de sobremesa dispostos em pé ao redor da sopeira, dentro de uma bacia de porcelana ou agata. Dentro da sopeira colo- cam-se moedas antigas, pulseiras, dezesseis bizios, um seixo (ofd). As pulseiras © as moedas sdo da cor consagrada ao Orixa: latio amarelo para Oxum, cobre vermelho para Obd e Oyd, metal prateado ou cromado para Yemanjé. © ighé de lewa Tem uma cabaca com varios objetos e trés cobras de cobre vermelho entrelaga- das, onde, no meio, coloca-se uma pedrinha. O igbd de Nana E idéntico ao de Yernanjii, mas a sopeira € de barro e colocam-se nela muitos biizios. 3 Awd - 0 mistério dos Orixés Gisele Omindarewd Cossard x e O igba de Logunedé E feito de uma pequena bacia de louga, onda se coloca uma pedrinha, uma pul- seira e objetos de lato: um abebé, uma moeda e um pequeno saveiro. A bacia deve estar sempre cheia de agua. O igba de Oxalé E idéntico ao de Yernanjd, mas a pulseira é de chumbo ou marfim. TRADIGAO JEJE Um terreiro jeje precisa de muito espago; dai a origem do nome rumpamé: ram (grande) e pamé (terra). Dentro do terreno, cada Vadun tem sua drvore, cha- mada atinsd. No pé de cada uma fica um assentamento, ¢ existe também um ponto de gua (nascente ou pogo). Na entrada do rumpamé, do lado direito, fica o assentamento de Ogun Xoro- qué, escravo de Bessém e guardiao do tesouro de Dan, Do lado esquerdo, num pé de mandacaru, fica Aizan, representando a “esteira” da terra, a crosta terres~ tre: € um monte de terra em cima do qual se coloca uma jarra com pequenas. aberturas; o lugar esta sempre cercado de mariwé. Ali moram os antepassados ¢ os ancestrais da nagao jeje. Mais adiante, ao pé de uma gameleira, fica o assentamento de Legbard. Ao pé de diversas mangueiras ficam Badé, Agué, Odé. Ao pé de um cajazeiro, Averequeté, Em uma jaqueira, ou num pé de mulungu, fica Azonsu. Num den- dezeiro, perto da 4gua, fica Aziri Tobossi. Num monte de terra, coberto de cacos de louga, fica Bessém. As construgdes principais si0 0 abagd (o barracdo para as cerim6nias publi- cas), 0 pamevé (ante-sala onde os voduns repousam), 0 peji (com os assentamen- tos de todos os voduns da casa), o sabaji (sala de descanso de bori), 0 rundeme (dormitério onde as iniciantes s%io recolhidas), o pamé (quintal fechado sem comunica¢aéo Com o exterior) e varias salas anexas como despensas, banheiros e cozinha (com fogao de lenha e panelas de barro). TRADICAG CONGO-ANGOLA De acordo com o espago disponivel, esses terreiros seguem um padraa idéntico aos terreiros ketu, com barracio, quartos para cada Jnquice e sala especial para recolher as iniciantes. Se o espago for muito pouco, os assentamentos ficam reunidos num mesmo quarto; mas Bombonjira ficard numa casa separada, € Sumbu também. Na medida do possivel, Lembd deverd, pelo menos, ter um quarto separado. No pé de uma gameleira sagrada, onde se cultuam os ancestrais, reside o Inquice Tempo Quiamwila, Rf Awd 0 mistério dos Orixds AS CONSULTAS A consulta aos deuses permite conversar com o invisivel a fim de que, através da vontade dos Orixds, se conhecam as causas dos problemas que afligem os clientes e os meios indicados para resolvé-los com as oferendas apropriadas. Sao diversos os motivos que levam alguém a fazer uma consulta, podendo ser de ordem fisica, psicolégica ou espiritual. Nao existe, de fato, uma separa- Jo entre 0 espiritual € o temporal: esses dois fatores podem interagir ¢ pro- vocar um desequilibrio. Entéo, o que parece ser um simples incidente fortuito ou um problema de saiide poderd ter uma causa sobrenatural que no seria descoberta por uma pessoa comum. Os casos que motivam a consulta aos Orixds sao, com ja foi dito, de varias ordens. Mas algumas questdes sic bastante freqiientes: mal-estar ¢ inquieta- ¢40 sem motivo; problemas afetivos nas relagdes com a familia, com a pessoa amada, marido, esposa ou amante; doenga, perspectiva de interven¢do cirdr- gica, estado depressivo, dependéncia de drogas (alcool ete.); dificuldades nas felagdes com vizinhos, amigos, patrao, colegas de trabalho etc.; diividas ¢ in- decis6es na escolha de uma carreira ou de uma mudanga de domicilio; falta de emprego € dificuldades financeiras; decisoes a serem tomadas dentro de uma empresa; viagens a serem feitas; preocupagdes sobre o futuro; davidas sobre as exigéncias do Orixd protetor depois de um sonho, um pressentimento ou mesmo algum acontecimento durante uma ceriménia. Através da consulta aos Orixds, por meio do jogo, é que se vai ter as indica- Gdes sobre as causas do problema, ¢ a conduta mais adequada para resolvé-lo, As causas principais normalmente esto relacionadas a influéncias de espiritos ou dividas de obrigagdes. PerturbagGes ligadas a Exu causam prejuizos ¢ impe- dimentos na vida e nos negécios, Um espirito ~ Egun - que por mas agées na terra (assassinato, suicidio etc.) no consegue encontrar o caminho da luz, e B Giséle Omindarewé Cossard fica condenado a errar sem ter repouso, pode se aproximar da pessoa. O consul- tante pode também ter a obrigagao de fazer oferendas para © seu Exu, para sua cabega — ori —, para um Orixa especifico, ou para seu proprio Orixd. A causa do problema também pode ser a influéncia de um espirito mau —ajogun — que persegue os humanos, ou das bruxas — yamis (“nossas maes”) —, que so solicitadas por um inimigo e vao agredir o consultante. As yamis so entidades terriveis, que s6 devemos solicitar com extrema prudéncia, pois agem como bem querem, podendo assim atingir tanto a vitima quanto aquele que as enviou. De qualquer forma, elas exigem uma contrapartida, tan- to para fazer o mal quanto o bem, e podem atingir entes queridos e, particu- larmente, os descendentes. Elas regem principalmente os incidentes durante a gravidez ou o nascimento, como os abikus (espiritos de criangas que “nascem para morrer”). Quando uma me perde um filho no parto, ou logo apés o nas- cimento, é provavel que seja este o sinal de que ele pertence, em outro plano, a uma sociedade de espiritos que reencarnam no segundo filho, cujo tempo de vida vai ser muito curto. £ preciso, portanto, despistar a atencao do abiku, para que ele se v4 sem levar o novo ser para a morte, Existem varias maneiras de se conversar com o invisivel: pelo jogo de fii, utilizando os ikins (carocos de dendé), ou pelo opelé (colar de Ifii); pelo jogo de biazios; através da noz-de-cola (obi ou orobé); ou, em ultimo caso, jogando com quatro bizios. © jOGO DE IFA Na Africa, o jogo de If é reservado aos homens. Ele se baseia na manipulagao dos ikins, carogos de um certo tipo de dendezeiro — igi opefii (Elaeis idolatrica, Palmaceae) —, palmeira parecida com o igi opé (Elaeis guineensis, Palmaceae), cujas frutas carnudas do o epé (azeite-de-dendé), Quem preside a adivinhagao ¢ Orumild. Esse nome quer dizer: “o céu co- nhece a salvagio”. Onumild; 0 mensageito dos Orixds. Ele sabe tudo, vé tudo, estd sempre presente. Nao se trata de um Orixa comum, pois comanda 0s ou- tros Orixds; faz parte de uma categoria superior das energias que organizaram o mundo. A verdade e a bondade sdo sua esséncia — 0 que os Orixds ndo pos- suem —, e cabe a ele a responsabilidade de informar. Ele nao julga, ndo tem opiniao propria, apenas transmite os recados do mais alto principio divino, Olodumaré. Assim, os seres humanos podem receber uma resposta 4s preocupa- gdes que os afligem no momento. be = Oyeku—Lwori Odi | | iow ot rosin = Owonrin = Obara Okanran I Il I Il | Il ll Osa Ika Gturukpon © adivinho, chamado babalaé (pai do segredo), pega os ikins na mao e deixa-os cair numa vasilha, retendo, por acaso, um ou dois desses carogos na sua mio esquerda. De acordo com © nimero de carogos retidos, ele traga riscos num pé especial chamado yorossum, espalhado em cima de uma bandeja de madeira, o okpon-ift (okpon — bandeja — de Ifa). Se reteve dois ikins, faz um trago vertical; se reteve s6 um, faz dois tragos. Os ikins sao manipulados quatro vezes seguidas. Os tracos s4o transcritos em coluna, a direita, no okpon-ifé, Essa sequéncia forma um signo: um odu, S40 dezesseis combinagées de um ou dois tragos: dezesseis odus, ditos odukans. Os dezesseis odukans O babalaé repete essas quatro manipulagdes uma segunda vez, para obter um segundo odukan, que é transcrito no lado esquerdo do primeiro, Se esses dois signos so idénticos, ele obtém um odu meji: ogbe meji, oyecu meji, iwori meji etc.; estes $40 os odus basicos. Se os dois signos sao diferentes, & Awé - 0 mistério dos Orixds Gisele Omindarewd Cossard & ele obtém um omd odu; dezesseis signos multiplicados por dezesseis formam duzentos e cingtienta e seis odus diferentes. A cada odu meji e a cada omé odu correspondem varias lendas chamadas essés, que do Os registros de fatos ancestrais, Essas lendas servem de referéncia para as respostas sobre a situagdo do consultante. Flas contém personagens mi- tolégicos, cidades, eventos de um tempo remoto, Falam também de animais, ‘vegetais, e até mesmo de objetos que assumem personalidade propria, servindo para transmitir mensagens orientando sobre o caso do consultante. As lendas tém a forma de poemas com uma estrutura especifica. S40 os textos sagrados da religido yorubd, mas, como sua tradi¢ao é oral, eles ficaram na memoria dos babalads, passando através dos tempos. ‘© jogo com os ikins ¢ demorado. Existe um outro meio de se obter os adus, através da utilizagio do opelé: uma corrente que forma um colar aberto, no qual sdo presas, em intervalos regulares, oito metades de sementes de Schrerebera ar- borea, Oleaceae. Essas metades tem duas faces: a externa € cheia, a interna € oca. ‘© Babalaé langa a corrente pelo meio, ¢ a posigo em que as sementes caem, com a parte céncava ou convexa para cima, é que vai determinar o odu que se transcreve no okpon, Esse processo é mais rapido; ele no difere de jogo com os ikins, e o corpus de lendas referente a cada odu é idéntico. Sdo necessarios muitos anos de estudos para conseguir um conhecimento profundo das lendas de /fii. A crianga africana comeca muito cedo, acompa- nhando © babalaé (seu pai ou parente). Durante meses ou anos, ela observa como o adivinho utiliza o opelé, como manipula os ikins, Aprende a identificar 08 adus ¢ a transcrevé-los na bandeja de madeira. Aprende igualmente as lendas relacionadas a cada um desses signos, dezesseis lendas em média para cada sig- no; é preciso memorizd-las minuciosamente e com a maxima precisio, Por fim, ela saberé como determinar a oferenda que se deve fazer, em fun- ao de cada lenda, ¢ estabelecer a lista dos elementos que a compéem:; folhas, alimentos, uma grande variedade de objetos e 0 local onde deve ser depositada essa oferenda — no mato, numa encruzilhada, na 4gua, numa 4rvore, num monte de lixo etc, Somente apés esse grande aprendizado ¢ que a crianga fara suas primeiras oferendas para sacralizar os elementos que irao compor seu pré- prio jogo e ser preparada para manipulé-los. © jogo de iff ficou, durante muito tempo, esquecido no Brasil. O dltimo babalaé conhecido a utilizd-lo foi Martiniano Eliseu de Bonfim, que faleceu em 1943. Em 1976, o babalorixd Tolodé, apés uma viagem a Nigéria em 1974, em busca de suas raizes, fez amizade com alguns estudantes nigerianos que viviam no Rio, como Benjamin Kayodé ¢ Richard Alabi Ajagunan, e, com 0 apoio deles, conseguiu organizar cursos ¢ ceriménias para difundir o ensino do jogo de Ifé. Isso seria o primeiro passo. Depois, vieram ao Rio babalaés cubanos que se interessaram em difundir a tradigao conservada em sua terra, dando um forte impulso ao conhecimento de If. Outros cursos foram organizados, por entidades afro-brasileiras como o ICAPRA, sendo ministrados pelo professor José Beniste. Ressaltem-se também os ensinamentos do babalad nigeriano Afisi Akisola Ifamuiwa, que fundou uma casa de culto a Orumilé em Santa Cruz da Serta (RJ), ¢ iniciou no Igbodu diversos itoduns (discipulos) de Ifi. Todo este esforco em comum permitiu, sem nenhuma divida, resgatar uma enorme par- cela dessa tradi¢aa esquecida. 0 JOGO DE BUZIOS O jogo de biizios é um sistema relacionado ao jogo de Ifa, utilizado na Nigéria € Nos territérios de influéncia yorubd, como o Benin, Togo ¢ Gana. Difundiu-se também nas Américas, especialmente no Brasil e em Cuba. Nesses paises, ele chegou a suplantar 0 jogo de If, ndo 36 por ser relativamente mais simples, como por sua pratica ser permitida a homens e mulheres, ao contrario do Ifi, permitido apenas aos homens. Existem muitas fontes de informacao sobre o jogo de If. Os mais impor- tantes so: Bernard Maupoil (em francés), William Bascom, Wande Abimbola e Donaldo Onadele Epega (em inglés). Sobre o jogo de bizios, entretanto, encontra-se pouca informagio na lite- ratura: William Bascom (em inglés) Lydia Cabrera (em espanhol), ¢ o professor José Beniste (em portugués). O jogo na Nigéria O informante de William Bascom, Salaké, explica como se joga na Nigéria. O adivinho utiliza uma peneira rasa ¢ 16 bizios. Os bizios possuem um lado normalmente aberto, que é chamado de lado “aberto”; 0 outro lado € aber- to artificialmente, porque se retira o fundo do biizio, e é chamado de lado “fechado”. Os biizios sio langados sobre a pencira e caem com o lado aberto ou 0 fechado para cima, resultando em 17 posigdes possiveis, que se chamam de odus. A cada odu estao ligados determinados Orixas, certas lendas ¢ hist6rias. De acordo com Salaké, a correspondéncia ¢ a seguinte: & Awd - 0 mistério dos Orixés & Gisdle Omindorewd Cossard * Ocanran: Oranid * Ejiocé: Tbejis © Ogundd: Yemanjd * Frosum: Orixala = Oxé: Oxum * Obard: Orumila © Odi: Abikit * Ejiogbé: Orixd Rowu * Ossc: Opa * Oftm: Orixald * Owonrim: Egun © Ejila-xebora: Xango « Ika: Xapanaé © Oturupon: Okirikisi * Ofuncanran: Ogun * Ireté: Oluofin * Opird: Ogbonti Atesposta é completada com um segundo tipo de jogo chamado Igbé. An- tes que o adivinho lance os bizios, ele pede a pessoa que segure dois objetos de sua escolha em cada mao: uma pedrinha e um bizio (ou um pedago de osso de cagado). Se o odu que aparece for ejiogbé, ofim, irosum, ogunda, ejiocé, ocanram ou efila-xebord, a pessoa abre a mAo direita; nesse caso, n3o sera necessaria uma segunda jogada. Caso aparega osd, odi, obard, ossé ou oworin, devera ser feita uma segunda jogada. A resposta entdo seré escolhida de acordo com o odu que cair; mio direita para o primeira grupo de odus citado acima e mao esquerda para o segundo grupo. Em qualquer dos dois casos, se aparecer a pedrinha, a resposta é favordvel, é simbolo de iré, felicidade. Se aparecer 0 bazio (ou 0 ossi- nho) a resposta ¢ desfavoravel, ¢ sinal de ma sorte, osobd, Mais adiante é que se vai apurar o tipo de felicidade ou de mé sorte que a pessoa tera: [ré aiku (vida longa), Iré ajé (dinheiro), Iré abirin (mulheres), Iré ord (filhos), [ré ibu joko (casa nova); ou Jku (morte), Arun (doenca), Ofe (perda), lia (briga), Oran (processo). Depois, na seqiéncia, é que se vai apurar a que entidade apelar: Exu, Egun, Orixalé, Ori, Egbé ogba (criangas nascidas para morter), If, Orixd Ocd, Yemanid, I® (a terra) igi Irok6, igi Oxé, Alé ilé (o chSo da casa), Xapana, Awdn agbalagha (as feiticeiras). Finalmente, ser4 preciso saber que oferenda ou sacrificio devera ser feito para assegurar a boa sorte ou evitar infortinios. O jogo em Cuba Encontramos, na obra de Lydia Cabrera, descrigdes do jogo de bazios em Cuba, com informagdes muito parecidas com as relatadas por W. Bascom, no que se refere & correspondéncia entre os odus ¢ os Orixas que falam pela jogada: * Okana sode: Elegué, Xang6, Obatald, ¢ os ictis, os mortos, © Eyioko: Orunld, Ogun, Elegué, Oxdssi, Obatald e Xango. © Ogunda: Ogun. © Irosun: Olokun e lewé. * Ose: Oxum, Elegud, e Orunid, * Obard: Xangd, Oxum, Elegud e Orunta. © Odi: Yemanja, Ogun, Elegudé e Oxum. © Byi batald, Ounla, e todos os Orixds * Osa: Oyd, Oxum, Oba, Obatald e Ogun. + Ofun: Obatald, Ovd e Oxum. © Ojuani Chobe: Elegud, Ogun ¢ Oxéssi. # Eyild Chebora: Xangé. * Metanla: Babalu Aiyé. Assim, respondem apenas os 13 primeiros odus. Dai em diante o jogo nao se apura, € vai ser necessdrio consultar 0 jogo de If. Apés a segunda jogada, apura-se a resposta com a jogo de ghd. Caso saia um odu maior (Okana, Eyi Oko, Ogunda, Irosin, Eye unle, Ofun), pede-se a mao esquerda; se sait um adu menor (Oche, Obara, Odi, Osa, Ojuani Chobe, Eyild Chebora), pede-se a mao direita. Se um odu sair duas vezes seguidas, forma-se um odu meji, e a mao seri a esquerda, o que vale também para Okana-Eyioko, Okan-Oche, Eyioko-Obara, Ogunda-Obara, Irosun-Ojuani, Eyiorile-Osa, Ofun-Obara, Ofim-Ojuani. Para Oche-Obara, Oche-Osa, Oche-Ojuani, Obard-Eyila, Odi-Oche, Odi-Obara, Ojuani-Okana, Ojuani-Ofim, vai se pedir a mao direita. ‘0 jogo de Igbé segue o mesmo método relatado por Salaké, o informante de W. Bascom. O jogo no Brasil Sobre o jogo de bazios no Brasil, temos orientagdes importantes na obra de José Beniste, que explica 0 jogo feito com 16 bizios, numa mesa coberta com pano branco, com um espaco delimitado por contas. Em cada caida ou jogada é o numero de biizios abertos ou fechados que vai determinar o odu, Cada um se refere a um determinado Orixa e a lendas diversas. A interpretagdo da & Awé -o mistério dos Orixds & Gisele Omindarewé Cossard resposta é finalizada pelo jogo de quatro buzios ¢ também pelo jogo de Igbd, se- gundo a tradicao africana. Sao feitas quatro jogadas, que podem ser analisadas individualmente ou em conjunto, Os odus tém a seguinte correspondéncia com os Orixds: * Ocanra (1 bizio aberto, 15 fechados): Exu; iocé (2 abertos, 14 fechados): Oxalufii, Ibejis, abiku, Ajé Xalugd; * Ogunda (3 abertos, 13 fechados): Ogun, Yemanja; * Trossum (4 abertos, 12 fechados): Oyd, Eun, Yemanja, Odé; * Oxé (5 abertos, 11 fechados): Omolu, Oxum, Yami, Xang6, Exu, Ogun; * Obard (6 abertos, 10 fechados): Xango, Odé, Ori; * Odi (7 abertos, 9 fechados): Oxum, Exu; * Efionilé (8 abertos, 8 fechados); Oxald, Xang6; * Ossd (9 abertos, 7 fechados): Yernanjd, Oya, Ori; * Ofun (10 abertos, 6 fechados): Oxald; * Oworin (11 abertos, 5 fechados): Exu, 0} * Ejila-xebord (12 abertos, 4 fechados): Xangd; * Ejiolugbon (13 abertos, 3 fechados): Nand, Obaluayé, Egun; * [kd (14 abertos, 2 fechados): Oxunaré, Ossaim, Ibejis; * Obeogundd (15 abertos, 1 fechado); Obd, lewd, Yemanjd, Ogun; * Alafid (16 abertos ou 16 fechados): Onunild. Como acontece no jogo de /fii, a cada odu corresponde uma série de lendas. No Brasil, muitas delas foram encontradas no caderno de Mie Agripina, yalo- rixd do Opé Afonjé do Rio de Janeiro. Esse caderno Lhe foi enviado de Salvador, por Mae Aninha, quando ela tomou a diregdo do terreiro. Elaborado com a ajuda de Redalfo Martins de Andrade — Bamboxé (um dos africanos trazidos para o Brasil ap6s a viagem de Iya Nass6 e de Obatosi a Nigéria) e pelo professor Agenor Miranda, em 1928, 0 procedimento fixado na época se chama sistema bamboxé, Esse cademo, guardado sob sigilo durante anos no Opé Afonja, termi- nou sendo difundido entre os iniciados e servi como base para o aprendizado do jogo. Uma consulta ao jogo de biizios se desenvolve da seguinte maneira: a ya- lorixd senta-se 4 mesa com o cliente 4 sua frente. Sobre a mesa, uma série de colares em cores diferentes (um de cada Orixd) delimita um circulo, com uma vela de um lado e um copo d’4gua do outro. Dentro do circulo esto os 16 ba- zios e, em cada canto, quatro biizios maiores formam os “guardides” do jogo; em frente da yalorixd, um bizio maior, que representa Exu, preside a consulta. Pode haver outros objetos na mesa, como moedas, um pedaco de marfim, pe- drinhas redondas; mas sdo apenas acess6rios: os elementos essenciais so os 16 bizios. Depois de ter jogado 4gua no chao, em homenagem & terra ¢ aos ancestrais, a yalorixd motha trés vezes os bizios e faz uma orag4io. Em seguida, pede per- missdo a cabe¢a do consultante, dizendo: “aledd (fulano) agd, ago, aga” © joga ‘os buzios no circulo formado pelos colares. Alguns deles caem abertos, outros com o lado fechado para cima. O numero de bizios abertos ou fechados forma uma figura chamada odu. A cada ody correspondem uma ou varias lendas, ¢ sera preciso determinar a mais apropriada para o caso especifico. A sucessio das jogadas é que permite afinar as respostas. As confirmagoes sdo feitas por meio do jogo de quatro btizios ou pelo jogo de Igbd, se necessirio, Este sistema exige uma grande bagagem de conhecimentos, além de uma excelente meméria, Apesar disso, ¢ mesmo se apoiando nas lendas, é uma grande parte de intuig’o que guia a escotha das respostas. A partir dai, é preci- so determinar os trabalhos a serem feitos para obter a boa vontade dos Orixds € resolver 0s problemas que afligem o cliente. 0 jogo com noz de cola Ha um outro meio, mais simples, de conversar com o invisivel. E o jogo com obi (Cola acuminata, Sterculiaceae) ou orebé (Garcinia gnetoides, Guttiferae). O obi (noz de cola) ¢ uma fruta sagrada essencial nos rituais africanos. Como contém cafeina, ela estimula os nervos ¢ combate a fadiga e a depressao. Existem dois tipos de obis: 0 obi banjd (com dois lobes) e o obi abatd (com qua- tro lobos). Por falta de obi abatd no Brasil, devido as condigOes climaticas, As caracteristicas do solo e também As rigidas regras para a importagdo deste fruto da Africa, o vidente é muitas vezes obrigado a utilizar o obi banjd, cultivado em terras brasileiras, especificamente no norte do pais. 0 jogo com obi A yalorixd joga trés vezes agua no cho, dizendo: omi tutu ona tutu pele se ord Aseguir, chama o Orixa para que ele presencie a oferenda, Ela motha a mao esquerda na agua derramada no chao e da trés tapas firmes no proprio punho direito fechado, dizendo: ‘Ogun (Oxi, Oyd ete.) wa ni didé, & Awé - 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewd Cossard Pega entao o obi, molhando-o trés vezes, separa os quatro gomos, retira o gérmen e coloca-o no chao. Depois, com a unha, retira um pedacinho de cada gomo € joga nos quatro cantos do local, dizendo: Obi dofé Obi dojé pelé sé om Obi mert Essa € a oferenda aos Exus dos cantos. Em seguida, a yalorixé apresenta os quatro gomos em sua mio direita aberta e, depois, na mao esquerda; a seguir, retine as duas mos e as eleva, dizendo: a la opd mafi ao a laosi mafiaé lopé lomon oloré 0 meji kebai é axé amd... (fulano) omi a obi aunlé akpanié Em seguida, joga os gomos no chido e observa bem a posicio em que eles caem. Se 08 quatro gomos mostram sua face céncava, a oferenda foi aceita: ala- fig. Se somente dois gomos apresentam a face céncava, ela também foi aceita: yaleji, Se 36 trés gomos apresentam a face cOncava, etawd, a resposta no € afir- mativa, e sera preciso pegar os quatro gomos e langé-los de nove. Se apenas um gomo apresenta a face cOncava, a resposta é negativa: ocanrd. Se os quatro go- mos apresentam a face convexa, a resposta desastrosa: eyecu. Entao, sera pre- ciso continuar a lan¢ar os quatro gomos, para saber por que o Orixa recusa. O joge com orobé A noz de orobé se divide de maneira diferente: primeiro separam-se as duas extremidades e, em seguida, divide-se a parte central ao comprido. Jogam-se primeiro as extremidades e, depols, 6s pedagos do meio. A leitura é feita do mesmo modo. © orobé & oferecido para Xangd e Omolu, mas pode também ser ofertado aos outros Orixas, se estiver faltando obi, Caso faltem obi ¢ orobd, joga-se com quatro bizios. Toda consulta deve ser remunerada por qualquer quantia, por menor que seja. Porém, o adivinho é obrigado a atender qualquer pessoa, mesmo as que nao tiverem nenhum meio de compensar seu esforgo. O adivinho deve respeitar as regras que Ihe foram ensinadas: estar de corpo limpo, sem ter relagdes sexuais desde a véspera, ¢ sem ingerir bebidas alcodli- cas. Nunca se deve anunciar uma morte ao cliente, sobretudo se ele estiver em estado de satide grave. Nao se joga nas sextas-feiras, 0 dia consagrado a Oxald. Nao ¢ aconsethavel jogar a noite, sob a luz elétrica, e cada adivinho pode ter, neste assunto, restri- ‘ges particulares. AS OFERENDAS As respostas do jogo de bizios so extremamente variaveis. Se tudo estiver nor- mal nao sera preciso agir para resalver o problema, bastando ter fé e confianga no destino e nos Orixds, e esperar a hora certa para que os desejos se realizem. Porém, na maioria dos casos, sera preciso intervir. O adivinho determina qual €0 trabalho — o ebé — que permitira resolver o problema. Mas ele nado decide nada por si mesmo: é o jogo que determinaré a maneira de agir, nos minimos detalhes. A yalorixd faz a lista dos ingredientes necessarios ¢ pede ao cliente que os compre; a despesa, € claro, seré paga por ele. Além disso, quando o trabalho for feito, o cliente deve depositar aos pés da yalorixd uma quantia, “o dinheiro do chao”, que nao é uma remuneragao do trabalho, mas uma compensago pe- la forga gasta. Essa quantia nao @ exatamente proporcional ao esforco feito pela yalorixd e seus ajudantes. Pode até ser muito pequena: é 0 gesto que vale. Aintervengdo da yalorixd nao é feita com 0 intuito de ganhar dinheiro, trata-se apenas de uma compensagao pela energia gasta. E através das lendas, que acompanham um odu, que o adivinho determina que tipo de trabalho deverd ser feito para melhorar a situagao do cliente, Pode ser um certo objeto carregado com uma determinada forca que vai ajudar 0 cliente a vencer suas dificuldades, como uma espiga de milho com as fothas trangadas, que sera pendurada na entrada da casa; uma quartinha cheia de gua, macerada com certas folhas ou elementos protetores, como imis e se- mentes, que deverd ser escondida num vaso de plantas na entrada de uma loja ou de uma casa; um patud (saquinho de tecido, forrado com contas ou biizios, contendo pés ou moedas, que se usa preso na roupa, contra as mas influéncias); certos pés que, soprados nos locais indicados, ajudam a tornar 9 ambiente mais favoravel; deftumadores benéficos feitos com folhas picadas, cravo, danda ralado. & Awé - 0 mistério dos Orixds Gisele Omindarewd Cossard s 8 As oferendas a Exu As dificuldades do consultante podem ter sido provocadas por alguma influ- éncia negativa que o persegue € causa prejuizos, impedindo-o de ser feliz no amor ou nos negécios, e podendo até mesmo provocar doengas. A presenga da alma de um morto que ainda nao encontrou descanso, e que esta sendo Ppunida por suas més agdes na Terra, também causa maleficios. Nesse caso, diz-se que o consultante estd com um “encosto”, sendo necessdrio fazer um “sacudimento”. Existem varios tipos de “sacudimento”, que variam segundo © tipo de ma influéncia. Todos eles derivam do mesmo principio, que consiste em transferir a forga negativa para o elemento utilizado e descarregar o consul- tante, purificando-o. Os ingredientes mais utilizados sdo as folhas frescas ou deixadas de molho na Agua, usadas para o consultante tomar banho, ¢ comidas tradicionais afri- canas, do mesmo tipo que servido nas oferendas aos Orixds. Também so usados alimentos cotidianos, chamados de “tudo que a boca come” — como ‘ovos, legumes, carne de boi cortada em pedacos, peixes —, empregados sem preparo, Em certos casos, entram aves vivas (frangos ou pombos) ou outros animais pequenos, como preds e caramujos gigantes; tecidos de varias cores, velas, car- retéis de linha de diversas cores (que o cliente desenrola para que sua vida se desamarre) e até cartuchos de pélvora. © sacudimento é feito ao ar livre, ao pé de uma 4rvore, e os ingredientes -utilizados e carregados com a forga negativa do cliente, agora purificado, serio levados para uma encruzilhada, um local no mato, um rio ou o mar. Os bichos sdo sacrificados em cima do ebé, ou levados vivos para serem soltos no local onde se vai despachar. Canta-se: Sard yep? Bokonon; Sara yeyé bokonon. Para os ecurus: Xo xo xo ekuru; Oyd bale ekuru, Para a pipoca: xaxard balé fit a 0; balé balé. Para os pombos e os frangos: erufi eruda tanixé bo e ana; cenufi eruda tanixé bo ¢ ara o. Depois do sacudimento, o cliente toma um banho de folhas e coloca roupas limpas e claras, pois as que foram usadas durante a cerimOnia sdo geralmente rasgadas e despachadas. Para que o consultante consiga o que deseja, a yalorixd também pode agir por intermédio de Exu, pois um de seus papéis é exatamente este. Mas fazer um ebé implica certos perigos, se for feito com mas intengdes. Pode acontecer que a pessoa visada tenha bastante fora pessoal, 0 que fara com que 0 ebé seja ineficaz ou aja ao contrario — a forga que é colocada em jogo pode muito bern se voltar contra aquele que a enviou e lhe trazer prejuizos. O ebd envolve tanto a yalorixé quanto todos que tomaram parte dele, ¢ que podem ser atingidos pelo choque de retorno se nao estiverem bem preparados para se defender. E sempre arriscado manipular forgas perigosas sem discriminagao e, por isso, os iniciados néo gostam de divulgar essas receitas, pelos riscos que sua utilizagio intempestiva pode trazer. Nas oferendas para Exu, o pedido deve ser escrito num papel, depois cober- to com a oferenda de comida feita com uma mistura de farinha de mandioca € azeite-de-dendé, Se a oferenda é mais importante, faz-se um sactificio, e o sangue dos animais — galo ou até mesmo um cabrito — é derramado sobre os pedidos, impregnando-os com a forga do animal. Exu, devidamente informa- do, executa o trabalho e realiza 0 pedido. Oferenda de bichos de quatro pés Todo sacrificio de um bicho de quatro pés deve ser acompanhado de quatro ga- los, pois cada pé do animal tem de ser “coberto”. Diz-se entio que o animal esti “vestido” com as aves. Pode-se sacrificar um bode adulto ou, se o cliente dispoe de pouco dinheiro, um cabrito que esteja com os chifres comegando a crescer. Os animais devem estar sadios, sem ferimentos; os galos nuio podem estar no pe- riodo da muda e nao devem ter o peito depenado ou as penas das asas cortadas. Os ogds e as oloyés preparam a casa de Exu para a ceriménia, lavando o as- sentamento com folhas especiais: cansangao, urtigas midida e grande, rebenta- cavalo, céo-de-fogo, louquinho, culhdo-de-gato etc. Depois, o assentamento é colocado num alguidar ao lado de uma quartinha com agua. A direita, colo- cam-se panelas de barro contendo sal, mel e azeite-de-dendé, uma garrafa de cachaga e gua de acagd. 2 Awd ~ 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewd Cossard s Na frente do assentamento, coloca-se um prato, coberto por outro, com obi, pimenta-da-costa, uma pequena quantia de dinheiro, uma faca e um molho: de folhas frescas de cajé-mirim ou aroeira. A esquerda, um pouco afastados, ficam uma esteira dobrada, um alguidar grande com um pouco de 4gua ¢ uma bandeja com acagd enrolado em folhas de ewé Jard (mamona branca), Sobre 0 assentamento, depositam-se os papéis com os pedidos do cliente. As ayabds preparam uma bacia com agua para lavar 0 focinho e as patas do cabrito, o bico e os pés dos gatos e dos frangos. Depois, seguram as aves pelas asas ¢ 0 oga segura o cabrito pela corda, Antes de comecar, convém fazer uma oferenda aos Exus de fora, para evitar que eles perturbem a ceriménia, Coloca-se uma quartinha com 4gua, um prato com farofa branca (farinha de mandioca misturada com dgua) e um prato de farofa amarela (farinha de mandioca misturada com azeite-de-dendé) diante da casa de Exu. A yalorixd canta em louvor a Exu, ritmando a melodia com um xeré, instru- mento formado por dois cones de ferro soldados na base e prolongados por um cabo, com particulas em seu interior, que produzem um som agudo quando se agita o instrumento. Igi barabé agé mojubd Lebd koxé Exu akesan ¢ mojubd Amade kd tkd Agi barabo e mojubd legharé Exu lonan Exu tirirt bara ogbebé tiriri laonan (Exu tiriri Bara lojé bard lobiwd arae Oké oké odand adard babd ¢bd Exir ajued mama ké 0 odard laroyé Exu ajud mamd ké 0 odard Exu ao Bara losoré bara lasoré lonan Agongé og6 laroyé agong6 og6 Barajé botan bbs nls Barajé mod baba He Leru 1é omilaé lerulé omilad A yalorixd chama entao duas ebomes, pega as oferendas colocadas no chao e as entrega a elas, que estdo de costas para a yalorixd e de frente para a porteira. ‘Uma delas segura a quartinha ¢ a outra os dais pratos de farofa; ambas se diri- gem para a porteira, onde uma joga as farofas trés vezes — para a direita, para a esquerda e para frente —, e a outra faz a mesma coisa com a dgua. Depois, voltam ¢ inclinam-se diante da yalorixd, para receberem a béngao. A yalorixd entra na casa com © axogun e os ogds, coloca um pouco de acaga sobre o assentamento e derrama 4gua no chao por trés vezes, chamando Exu para que ele venha receber a oferenda: Exit wart didé. Em seguida, ela oferece um obi para saber se Exu aceita a oferenda, joga os pedagos no chao e decifra a resposta, de acordo com a caida. ‘O axogun avanga, segurando 0 cabrito amarrado pelo pescogo por uma corda esticada acima do assentamento, apresenta a oferenda e explica os pedidos: — Eis 0 teu abukd que Fulano te oferece com quatro akiké odard, com sal, mel ¢ azeite-de-dendé, cachaga, para que vocé cuide dele, para que Ihe dé paz, satide, prosperidade, felicidade e muitos anos de vida, para que abras seus ca- minhos, para que ele encontre boas amizades, tenha uma boa esposa, veja seus filhos crescerem etc. O axogun retira a corda, que € deixada de lado, e amarra outra nos chifres do bicho. A yalorixd canta: Era Orixd legwewé wé 0 Era Orixdi legwé legwé we A yalorixd toca a testa do bicho trés vezes com o molho de folhas e apresen- ta-o para que o morda. A yalorixd canta: E di gan igan edi o E di gan igan edi kole Com um movimento répido, 0 axegun amarra a boca do cabrito com a corda, A yalorixd da entio ao cliente um pedago de obi e sete grios de ataré Awé - 0 mistério dos Orixds 2 Gisele Omindarewa Cossard (Aframamum melegueta, Zingiberaceae) para que os mastigue e cuspa na orelha do animal, murmurando um tltimo pedido, O obi e o ataré vao tornar o seu pedido mais forte. A yalorixd canta: Kolobé aure kobe e kolobé Com ajuda dos ogds, o axogun deita o cabrito na frente de Exu, com a cabeca virada para 0 alguidar. A ayabd j4 esta ajoelhada para poder bater o sangue. O oga mantém o animal deitado. A yalorixd canta: Giri giri bod? abé ta la e 0 O axogun pega a faca e toca com o cabo no chdo, para salvar Ogun e lhe pe- dir licenga, segurando a cabega do cabrito na mo esquerda. A yalorixd canta: Ogurt xord xord Ejé baré kard 0 Ogun aio Ejé baré kandi o O axogun corta 0 pescogo do bicho, deixando as primeiras gotas cairem no chao e depois no alguidar. A yalorixd canta: Ejé x0 Oui tiem pao ef x0 6 pa ie Ejé xo Ogun wm pao ejé xo 6 pa ijé tun Biosé jé bard la oré Exu a peté pai Biosé jé bard la oré Exu a peré pa O axogun dirige o jato de sangue com a lamina da faca, enquanto a ayaba 0 bate no alguidar, para impedir que coalhe; a yalorixd recolhe-o com uma cuia € derrama-o sobre 0 ighd. A yalorixd canta: Ea éejé bard la ida eaé Ejé bard fa ida © 0 96 ki md refé Ejé bard tar ida aka komorekd Ejé bard ta idd onilé ki 16 pai o © animal morto fica deitado no chao, enquanto os ogas pegam os galos pelas patas com umas das maos (pois a outra vai segurar 0 pescogo). O axogun corta 6 pescogo de cada ave e deixa as primeiras gotas de sangue cairem no chao, depois no alguidar e sobre o ighd. A yalorixd canta: Ort abodi ogegé manid Ori abodi agegé ajé (pedinda riquezas) Ori abodi ogegé int (pedindo lealdacte) Onl abodi agegé simi (Ori abodi ogegeé kareseté Or abodi ogege ajebowa Ort abodi ageg# omotafia © axogun corta a cabeca da ave e coloca-a perto do corpo. A yalorixd canta: Lorowd lawirin ip lorows lawirin ips Dudu mama lawirin ips Lorowe kawirin iyo O axogun coloca sal em cima do ighd e da cabega, e derrama o mel. A yalo- rixd canta: Batala o bata o aim 0 ex8 coro Batala 0 bata 0 oim 0 exé coro © axogun derrama 0 azeite-de-dendé. A yalorixd canta: Lorowo lawirin epo lorowo lawirin epo Epé mi kiteo ni saiobé Lorowo lawirin epd E di ajud loja Ep6 di ajud lojd epd O axogun derrama a cachaca sobre o igbd, A yalorixd canta: Otim di ajuc loje otim O axogun derrama 0 ek6: Ek6 di ajudloja eké O axogun e os ogds arrancam as penas mitdas dos galos e cobrem com elas © ighd; as penas das asas sdo colocadas em redor, formando uma coroa. Sempre se deixam de lado as penas “chupadeiras”, que significam atraso de vida, A yalorixd canta: Ighd pé po bo aye ye Ighd pé pé biao Igbd po po bé aye ye @ Awé — @ mistério dos Orixds & Giséte Omindarewd Cossard 2 Iba ps po bd int gba pa ba ajo Ighd pé po bi kareseté Ighd po po bo ie Ighd p6 po bd omd... ete. Dide bé jaré ni daomé Ejé dié tunio O axogun pega a cabeca do bicho, desamarta a corda ¢ entrega a cabeca para a yalorixd. Pega também a primeira corda que amarrou o animal. Com a ajuda de um ogd, corta as duas cordas em pedagos, passando-os por cima da cabega de todos os assistentes. Depois, esses pedagos sao colocados em cima do igha A yalorixd canta: E wadé made kirimd, ¢ wadé made Kirimd Extt bd dide kirimd e wade mad? kirind A yalorixd balanga a cabeca do bicho na frente do ighd, mostrando-a a to- dos, e coloca-a em cima do ighd. A yalorixd fala: Exu barf aum Bori aum di loba Exu bort aum dilobc Exu bori ata Bord até de loba Exwt bort até dilolsi Exu bor era Bor erd de loba Exu bari eri dilotyé Bx bor! ati odi. Borf até ott de lobd Exu bort ata odi dilobé O axogun pega entao as cabecas dos galos e apresenta-as a Ex, deixando-as perto dele, Com a ajuda dos ogas coloca o cabrito na frente de Exu e os galos entre seus pés, com as asas cobrindo cada pé, e também virados na mesma diregao. Salpica os corpos com Agua, depois passa a faca da esquerda para a direita sobre os animais batendo um pouquinho, toca a ponta da faca no chao ea levanta salvando: Laroyé! Depois, cle passa 0 pé esquerdo sobre os animais e bate no chao, o que significa que nao foi ele quem matou, mas Exu. Os ogds © ajudam a virar o cabrito e os galos, e ele repete os mesmos gestos. Enfim, 0 ‘axogun pega o cabrito pelas patas da frente, enquanto um ogd segura as de tras. Levantam os bichos balancando-os na direcao de Exu, com o pescogo para a frente, por trés vezes; executam uma meia-volta ¢ fazem 6 mesmo na diregado da rua; com um gesto firme, jogam os bichos para fora. As ayabds recolhem os galos € os colocam em uma bacia. O axogun salva Ogun, mastiga obi € ataré, bebe um gole d’agua e um gole de cachaga, cospe duas vezes sobre a faca ¢ grita: Ogun yé! A yalorixd joga os pedagos de obi e consulta Exu, para saber se ele esta satis- feito. A ayabd que bateu o sangue coloca um pouco dele sobre os acagds, junto com um pouco de sal, mel e dendé, Cada um deles é levado para o Exu da por- teira para a direita do lado de fora, para as encruzilhadas que cercam o terreiro € para o mato. Assim, todos recebem uma parte, Os ogas limpam 0 comodo, as ayabds carregam os frangos para a cozinha e © axogun leva o cabrito para esfolar, escolher os pedagos e preparar as oferendas que, depois de prontas, sio depositadas em alguidares ¢ levadas para o quarto de Exu, onde sao colocadas no chao. A yalorixd bate o pad, isto é, bate palmas em cadéncia. Todos aclamam Exu com as saudagSes apropriadas, Fxu come... ‘As oferendas so retiradas 24 horas depois. As penas so colocadas ao pé de Apaokd, para homenagear as Yamiis, O sangue é derramado no quintal, no pé das arvores e das plantas que sdo utilizadas no ritual, As sobras sio reunidas e jevadas a um local determinado pelo jogo: encruzilhada, estrada, mato etc. Como se pode observar, a palorixd dirige a ceriménia sem dar ordens, 56 pelas cantigas que orientam os assistentes nos gestos a executar. Nada é feito de improviso ou por acaso. O padé O padé deve ser cantado todas as vezes que se faz uma matanga de bicho de quatro pés a um Orixa. £ uma cerim6nia em honra de Exu, dos antepassados, das Yarnis e de certas entidades que outrora presidiram a fundagdo do candom- blé. A palavra padé quer dizer “encontro", ¢ chega até mesmo a designar as farofas oferecidas em outras circunstancias fora dessa ceriménia. Aceriménia se passa no barracdo. As yawés ficam ajoelhadas com a cabega no chao, e as ebomes se ajaelham com os cotavelos apoiados sobre bancos. As mais antigas ficam sentadas, ligeiramente curvadas. Todas se balangam um pouco para a esquerda e para a direita, para mostrar que estdo vivas. No meio & Awé - 0 mistério dos Orixds Giséle Omindarewd Cossard 2 a do barracdo, coloca-se um pequeno banco coberto com uma esteira ¢, atras dele, a ajimudéé fica ajoethada. Em frente ao banco estio uma moringa, uma cuia, dois pratos de passarinho com azeite-de-dendé, farinha de mandioca, um acacd e uma garrafinha de cachaga. A ajimudé coloca trés vezes a farinha, o azeite e 4gua na cuia, e entrega para a yamord, que gira ao redor da ajimudd, dancando, e depois joga o contetido do lado de fora. Vém as saudagGes aos Esa, os oito fundadores: Baba Asika, Babd Obitiké, Babé Oburd, Babé Akesan, Baba Adiré, Baba Ajadi, Baba Adakeké e Babd Kayodé. Em seguida, a yamoré leva a garrafa de cachaga. Depois, vém as saudagdes aos Orixds e as Yaris; em seguida a yamord leva o acagd. Todos ‘08 objetos sdo retirados do barracao, e faz-se ainda uma sauda¢ao para as duas ebomes que dangam juntas. Acura Existe um outro meio de se proteger contra as mas influéncias, que é mandar “fechar o corpo”. Esse procedimento é chamado de “cura”, Set curado significa no sé ter o corpo fechado — e, portanto, protegido —, mas no temer male- ficios, bruxarias ou olho-grande. £ a yalorixd quem faz a cura, numa ceriménia realizada somente na Sexta-feira Santa ou, excepcionalmente, durante a noite de So Jodo, no solsticio de inverno. Esse ritual é iniciado com a pessoa sentada num banquinho em um quarto de Orixd. A yalorixd faz incisoes com a navalha no peito, nas costas, em cada brago, nas pernas e debaixo da lingua. As duas primeiras incisdes so feitas em forma de cruz ¢ as outras trés, por tracos verticais paralelos. Depois, a yalorixd cobre essas incisdes com ¢fitn (p branco a base de argila), waji (p6 azul a base de uma tintura extraida da folha el — Indigofera sp., Legu- minosae), ossun (pd vermelho feito da casca de Pterocarpus ossun, Leguminosae) com um po especialmente preparado a partir de elementos provindos de ani- mais dos sacrificios, de folhas, de pedagos de ob/ oferecidos aos Orixds, de penas de passaros da Africa, de sementes especiais, como arida (Tetrapleura tetraptera, Leguminosae), bejerecun (Xylopia aethiopica, Annonaceae), lelecum (Piper nigrum, Piperaceae) e aberé (Jasminum paucifiorum, Oleaceae). A yalorixd naio pode fazer a “cura” em pessoas com as quais ja teve relacdes sexuais. Além disso, essa “cura” s6 funciona se quem a ela se submeter e res- peitar as restrigdes que Ihe sao exigidas: abster-se de ter relagdes sexuais ¢ de comer carne nas Sextas-feiras Santas. Oferendas a Ori Olorun, quando criou © ser humano, deu-lhe quatro componentes. O primeiro foi 0 ard, um corpo esbocado por ele, € que Orixanid acabou de modelar. Se o ard nao for bem realizado, o ser humano no vai se encaixar na comunidade. Na Africa vai ser marginalizado e sera entregue a Obatald, no convento onde vivem todos os malformados e aleijados. ‘Os outros componentes foram: o emi, sopro de vida, a respiracdo que anima o corpo, ligada aos pulmdes e ao coracdo, sem o qual o corpo ndo tem vida; 0 odjidji, a sombra, que nao tem fungao bem definida, mas é extremamente vul- neravel ¢ pode ser aproveitada em bruxarias contra a pessoa; € 0 ori, uma ca- beca com forga espiritual em seu interior, Acrescentam-se a esses elementos os essés, que sdo as pernas e representam o movimento. A palavra ori designa tanto a parte material (ori) quanto a espiritual (ort inu). O ori abrange trés pontos essenciais: atari, a parte de cima; iwaju, a testa; ¢ ipacd, o occipicio ou nuca, que representa a ligacdo com o passado. O ori representa a forca da cabega; é 0 responsdvel pela inteligéncia, 0 raciocinio eo poder de discriminagao. Conta um mito do odu Obeogundd que uma entidade, Ajalé, é a encarregada de moldar as cabegas com barro. Mas, por natureza, Ajald é muito relaxado e ndo cumpre suas tarefas. Muitas vezes esquece as cabecas na chuva ou dei- xa que assem demais, tornando algumas defeituosas ou imprestiveis. Quando chega o momento do ser humano escolher uma dessas cabecas, ele se ajoelha na frente de Olodumaré e escolhe uma delas, sem saber se esta perfeita ou nao. 86 Olodumaré é quem tem o poder de saber. Segundo uma histéria do odu Ejiogbé, as energias que Olodwmaré sopra nas cabecas sdo compostas de diversos elementos, tirados das forgas ancestrais pri- mordiais acumuladas no On, que se originam da 4gua, do fogo, da lama, do vento e de certos metais; mas cada cabeca recebe uma dosagem varidvel desses elementos. Essa dosagem sutil forma o ipori de cada pessoa. E ele quem deter- mina © odu, © signo que vai reger a vida do ser humano. Parte das energias utilizadas ficam reservadas no Orun, formando um duplo da pessoa, que ali vai ter uma vida idéntica aquela da pessoa no Ayé. Assim o ser humano leva o seu destino, iwa, no Ayé. A-escolha tem uma importancia extrema. Ela é irreversivel e, depois que é feita, nem Olodumaré podera mais interferir. © ori ¢ um poder de vida e de sorte que jd esta definido para cada um a partir dessa escolha. Se a cabeca for boa, a pessoa vai crescer, encontrar felicidade, riquezas, filhos, tudo que deseja. Mas se a cabega nao for boa, a vida da pessoa sera um desastre, qualquer que seja Awé — 0 mistério dos Orixds z 3 s 6 2 = & 5 3 £ E 3 # © esforgo feito para melhorar. Nao adianta recorrer aos Orixas, pois 0 orf esta acima deles Pode-se entdo perguntar até que ponto o ser humano tem a possibilidade de melhorar seu destino, ou se esse destino j4 est determinado, sem possibi- lidade de modificagao. De fato, cada ori carrega um certo potencial que nao se pode ultrapassar. Por mais cuidado que se tenha, por mais oferendas que se fagam, nado se conseguira ir além de um determinado ponto. Alguns nascem para ser reis, outros ndo. Mas o individuo sé realizaré.o potencial do ori com a condigao de levar uma vida justa, de se esforcar muito, respeitar as proibigGes (seus ewds) ¢ fazer as oferendas determinadas para contar com a prote¢do dos representantes de Olo- dumaré, que s8o 0s Orixds. Dai a importancia de se procurar saber as vontades do invisivel e de conhecer, por meio do jogo de adivinhacdo, qual signo ou odu presidiu a sua geracdo. Para isso, consulta-se Orwmild, o Orixd da adivinhagao. A partir do conhecimento desse signo, sera possivel determinar como alguém deve se comportar e que oferendas deve fazer. O desrespeito a essas regras pro- vocara o enfraquecimento do ori. Quando o ori enfraquece, a pessoa também vai enfraquecenda e pode até enlouquecer. Em certos casos, sera necessario reforgar 0 ori com uma oferenda de grande significado, que é o bori. Mas as oferendas podem funcionar até um certo ponto, e ndo vao além do determinado por Olodumaré. 56 0 jogo podera indicar as oferendas a fazer. Elas apresentam formas di- versas, que vio do simples “obi com agua” aos boris de varios bichos e comidas secas, com muita fartura. O obi com Agua pode ser acompanhado de canjica, acagd (massa de fari- nha de milho branco) e frutas. Como ja vimos, existem varios tipos de obis. O obi banja (com dois lobas) 86 serve, em principio, para Exu e Egui. O obi abaté (com quatro lobos), vermelho, rosa ou branco, é oferecide aos Ori- xas, exceto para Xangé ¢ Omolu, que $6 recebem orobé, O obi ifin (branco) é dado a Oxalé. Nos boris, 0 abi é acompanhado de grdos de pimenta africana (ataré). ‘Oferendas mais elaboradas comportam peixes, galinhas, galinhas-d’angola, pombos € comidas secas, como acarajé, abard, ecuru, bolas de inhame ou de arroz branco, manjares e bolos. A escolha da composi¢do é determinada pelo jogo. Esses pratos sdo sempre oferecidos em pares; assim, fazem-se as oferen- das tanto ao ori no Orun, simbolizado pelo ighd ori (vasilha branca disposta na frente da esteira onde esta sentada a pessoa em obrigacao), como ao ori no Ayé {a cabega que vai receber a outra parte das oferendas). Inicialmente, o obi é oferecido e partido para saber se a cabega aceita a ofe- tenda. Uns pedacos sao mastigados pela yalorixd, que cospe essa massa untada de saliva nos pontos sagrados da cabeca da pessoa: moleira, testa e nuca. Assim, re- -cebe-se a forga da noz sagrada junto com a forga de oficiante. Alguns pedacinhos so enfiados debaixo das unhas dos polegares das mos e dos pés da pessoa. A yalorixd salva 0 ori: Orie Ort aperé Add kd kd ma sé Asd Eluajé Ort agbé Ort até Minha cabega Minha bonita cabeca Qualquer coisa que acontece, que sua cabeca te acompantia Eu me dirijo a voce Cabega, minha boa mie, responde Que a forga da cabega cresce De modo durdvel Durante a matanga, que ¢ feita em cima do igbd ori, unta-se com sangue a parte de cima da cabega, a testa, a nuca, as fontes, o peito ¢ as palmas das maos. Se os pais da pessoa de obrigag’o sao falecidos, v4o-se se untar também os pés, © polegar direito para © pai e o polegar esquerdo para a mae, pois é através des- ses pontos, e também pela nuca, que se estabelece a ligacdo com os ancestrais. Os bichos sao preparados e temperados, enquanto a assisténcia entoa as cantigas salvando o ori e os Orixds. Quando as aves estio prontas, certos pe- dacos so envolvidos numa massa de inhame € colocados em cima da moleira da pessoa, ja untada de sangue e recoberta de penas. Outros so colocados numa travessa, em cima do igbd ori; eles sao cobertos com as comidas secas, as frutas cortadas, os pedagos de bolo e de manjar, fazendo um monte o mais alto possivel, que sera coberto com um rico pano redondo, com rendas ¢ bordados, franzido no meio, com a forma de uma cabecinha. Cantigas de oferecimento do peixe (edjd): Ejé mabd ej’ maba yeri Ejd mobd ef maba yert. Z Awd - 0 mistério dos Orixés

You might also like