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LETRAS colegao ditigida por Marlene Castro Correia (uaF) Volumes publicados: Iniciacao a Sintaxe do Portugués José CaRtos DE AZEREDO Iniciagiio A Fonética e A Fonologia Dinan Cattou & Yonne Lerre Iniciacao a SemAntica Mania Hetena Duarte Marques José Carlos de Azeredo Iniciagao a Sintaxe do Portugués nona edicao 4 Y ZAHAR Jorge Zabsr Beitor Rio de Janeiro Copyright © 1990, José Carlos de Azeredo Copyright desta edigzo © 2007 Torge Zahar Editor Ltda rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeizo, BY tel: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800 e-mail: jee@zahar.com, site: wwew.zahar.com.br ‘Todos os direitos reservados. ‘A teprodugio nao-autorizada desta publicagao, no todo ‘ou em parte, constitu violagio de direitos autorais, (Lei 9.610/98) Edigdes anteriores: 1990, 1993, 1995, 1997, 1999, 2000, 2001, 2003 (Capa: Joao da Franga Impressto: Cromosete Grafica e Editora CaP-Brasil. Catalogasto-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ | “Ateredo, José Carlos de | A985i Iniciagho & sintaxe do portugues / José Cartos de Aze- | ed. redo. — 914d. Rio de Jani: Jorge Zahar Ed, 2007 | (Colegio Letras) | Apéndice | Incl bibliograRa | ISBN 978-7110-084-8 1. Lingua portuguesa ~ Sintaxe. [Titulo Il. Série, opp 459.5 07-0990 CDU 811.134.3367 OUP Ee ete eee wv Sumario 0 objeto da sintaxe 9 1. A Dupla Articulagao da Linguagem 10 2. As Unidades do Plano do Contetido: Gramitica e léxico 11 3. Léxico e Gramética: Uma revisio 13 4, Sintaxe e Pragmética 13 Dois dedos de histéria 15 1. A 'Gramética Tradicional’ 16 8) As raizes filoséficas, 16; b) A gramética como disciplina do enteadimenta © da expressio, 17; 0) O Renascimento: o desafio das linguas vernfculas, 18; 4) © nco-racionalismo, 19; ¢) A gramética histérico-comparativa, 21 2. Da Abordagem Estrutural & Sintaxe Gerativa 22 Ainteracio verbal 27 Categorias da descrigao gramatical 30 1, Frase e Oragao 30 2. A Hierarquia Gramatical_ 31 3. As Classes de Palavras 35 4, As Classes de Sintagmas 43 5. A Transposicao 43 6. A Oragio 45 7. Predicadores 46 8, Os Processos Sintéticos 48 2) Aa ligegessiticas 48; b) Subordinate coord 50; ¢) Punsoes I O objeto da sintaxe As pessoas falam geralmente sua lingua nativa, nas situagdes cotidia- nas, com a mesma naturalidade com que respiram, véem, andam; assim como nao estao interessadas em saber como seu corpo funciona naquelas tarefas, também nao costumam se deter no exame dos movi- mentos que executam para produzir os sons das palavras, nem tam- pouco na observagao do que acontece com as palavras quando elas se combinam nos enunciados. A:linguagem, porém, é muito mais do que articular sons e combinar palavras; além de ter uma estrutura extraor- dinariamente complexa que envolve sons, palavras € frases, seu uso nas miitiplas situagées reflete condicionamentos psicolégicos, sociais ¢ culturais, Por outro lado, 0 ato'de dizer/escrever se di em um contexto que inclui ouvinte/ieitor, assunto, tempo, espaco. Quem diz/escreve normalmente o faz buscando a comunicagto e sé excepcional ou mal dosamente evitando-a. O ouvinte/leitor & por conseguinte, t40 deci- sivo para 0 cardter do discurso quanto quem 0 produz. Nem tudo o que 9 enunciado deixa ou faz entender se acha explicito nele; parte de seu sentido j4 est no conhecimento do interlocutor (informagao implici- te/implicada) ou constitui um dado prévio qualquer no conhécimento do locutor (informagao pressuposta). Parafraseando (REYES, 1984), pode-se dizer que 0 locutor no s6 “diz, como “cita’, € a0 fazé-10, nao 6 Tessuscita outras experiéncias discursivas, como suscita sentidos. ‘Comparadas as formas de comunicacdo animal, por exemplo, as Hnguas se revelam extraordinariamente ricas em recursos. Seria possi- vel enumerar as mensagens que um c&o, um p4ssaro, uma abelha sto capazes de emitir; mas € impossivel fazer 0 mesmo com os recursos de expressto verbal do homem. A meméria humana pode arquivar uma certa quantidade de frases diferentes, mesmo sem ter em vista seme- tangas estruturais entre elas, assim como se decoram as letras das misicas. Mas as frases de uma lingua, aquelas que uma pessoa esta 0 Iniciagao & sintaxe do portugues apta a produzir ¢ entender em sua lingua, nao so catalogaveis, porque séo infinitas tanto em mimero como, teoricamente, em extensdo, As pa- lavras, sim, podem ser listadas em dicionérios € mesmo assim muitas se criam ou se modificam por ai, na Fula esponténea, nos textos de toda espécie, sem que cheguem a figurat em registros lexicogréficos. ‘A cada instante pode-se estar pronunciando uma frase nova. Afi- nal, ninguém pode garantir que a frase que inicia este parggrafo ¢ a que estou escrevendo agora nao sao inéditas. Eu ndo as tinha memoriza- das, muito menos o leitor, e, apesar disso, ndo houve qualquer dificul- dade para produzi-las e entendé-las. Nos néo apreendemos 0 signifi- cado de cada uma das frases possfveis como se nada tivessem em comum umas com as outras. Todas elas, aceitas como estruturas da If gua pelos usuarios, se criam gragas a um sistema de unidades ~ sons, palavras, afixos, acentos — e regras que as combinam. A Sintaxe — numa definicao proviséria, visto que ambiciosa - 6 a parte desse sistema que permite criar ¢ interpretar frases. A sintaxe do portugués, por exemplo, compreende as regras que tanto tornam possiveis enunciados banais como ‘Hoje € domingo’ ou ‘Que dia € hoje’, ‘0u excentricos, como *Napoledo temia que as tartarugas desovassem no seu imponente chapéu’, quanto impedem sequéncias como ‘Que dia serem hoje?’ ou ‘Seu imponente temia as que chapéu desovassem Napoleto tartarugas no’ 1. 4 DUPLA ARTICULACAO DA LINGUAGEM Quem pretendesse separar as unidades constitutivas de ‘nds chegava- mos tarde’, na reatidade oral da lingua, teria varias escolhas: palavras (nés ~ chegavamos ~ tarde), morfemas (nds-cheg-a-va-mos-tarde), silabas (/nos-3e-ga-va-mus-tar-di/), ou fonemas Un/ais/S/e/g/alv/alm/u/s/t/ait/afi). Dentre as unidades agora conhecidas — evidentemente sem maior rigor — as sflabas e os fonemas so vazios de significado, e as demais providas de significado. Distinguir unidades significativas e unidades no-significativas implica reconhecer dois planos de estruturagdo lingiifstica, que coexis- tem naturalmente em todo enunciado. O lingiista francés André Mar- tinet chamou dupla articulagao a esta propriedade da linguagem humana (Marriner, 1964). Esses dois planos, 0 do contetidoe 0 da ex- pressdo, sto solidérios ¢ interdependentes no que diz respeito a sua fi- nalidade no discurso, embora cada qual tenha uma organizagao interna prépria. Com efcito, a incompatibilidade em portugués entre um // € um /r/, impedindo uma sequéncia /r/, a exemplo de /tr/(cf.trapo), € um co objeto da sintaxe 1" fato meramente fonoligico, inexplicavel em termos fisiolégicos (em inglés existem shrimp, camardo, shrine, santuécio) ou gramaticais. Por outro lado, a estranheza de ‘os jogos sao tardes’ é devida a invariabili- dade do advérbio( ‘tarde’, e nao ‘tardes*) - fato gramatical —¢ ndo uma ‘anormalidade’ fonoldgica, uma vez que aquele mesmo segmento sonoro ocorre quando “tarde” € substantivo (cf. as tardes de domingo). Martinet chamou de primeira articula¢ao ao plano do conteddo (iéxico-gramatical),que inclui proposigdes, palavras, raizes, afixos, de segunda articulacao ao plano da expressao, cujas unidades — acen- tos, sflabas, fonemas ~ s40 desprovidas de sentido. 2, AS UNIDADES DO PLANO DO CONTEUDO: GRAMATICA E LEXICO A oposicao tradicional entre gramatica ¢ Iéxico fundamenta-se na exis- téncia de duas espécies de unidades na primeira articulagdo — ou plano do contetido - que passamos a examinar. A frase abaixo talvez cause estranheza a um usuario do portugués 1 - Encarceravam-se 05 prisioneiros em bolachas A frase 2, no entanto, Ihe parecer normal 2. Encarceravam.-se os prisioneiros em cavernas A seqiiéncia 3 abaixo, indiscutiveimente inaceitavel, deve, porém, esta propriedade a fatores distintos dos que causam a estra- nheza de 1 3 — Os encarceravam prisioneiros se cavernas em Parece, entretanto, nao haver davida de que, tendo de decidir contre 1 ¢ 3 qual das duas € mais aceitével, qualquer falante de portu- gués apontaria 1. Agora vejamos 4 4 ~ Englaufavam-se 0s vancioneiros em chilgartas Esta frase € evidentemente esquisita. Mas sera a razo de sua esquisitice a mesma de 1 ou de 3? Certamente que nao. Em 1 0 pro- blema ¢ a impropriedade ‘I6gica’ de bolachas; em 3, € a ordem das uni- dades. Em 4, 0 que serd? Seja qual for a razdo, pode-se garantir que 4 tem algo que a identifica com 1 € 2, mas falta a 3. Se, considerando 3 ¢ 4, tivéssemos que apontar a seqiiéncia dotada de um arranjo interno aceitdvel, no hesitariamos em eleger 4. Como em 2, podemos desmembrar 4 em sujeito (os vancionei- 108), niicleo do predicado (englaufavam) e adjunto adverbial (em chil- gartas). Englaufavam € seguramente um verbo (englaufar), possivel- mente derivado de um nome (glaufo, glaufa ou glaufe) pelo processo da parassintese. Vancioneiros, que se acha no plural, possivelmente 2 Iniclagao a sintaxe do portugues deriva de um substantivo (van¢do), cujo radical se modifica de um modo regular em portugués (cf. cancao/cancioneiro, nagto/nacional, exibigdo/exibicionista), Podemos, ainda, admitir uma variante, como em5 5 — Os vancioneiros eram englaufados em chilgartas exatamente como em 6 6 — Os prisioneiros eram encarcerados em cavernas Se, de outro modo, as formas novas fossem as que 2. © 4 t¢m em comum (en-avam-se-os-eiros-em-s), vejamos qual poderia ser o resul- tado: 7 ~ Ascarceritar-ne chus prisionaumel ra cavernar O resultado foi castico, Nao ha um arranjo, uma estrutura reco- nhecivel que permita relacionar os elementos da Seqtiéncia entre si ou com outras unidades capazes de ocupar as mesmas posicées. Todos esses fatos mostram que uma lingua como 0 portugues retine duas espécies de unidades mfnimas no plano do contetido: unida- des renovaveis, inventaveis a qualquer momento, cuja substituigao nfo interfere no arranjo interno da frase; e unidades que garantem’a exis- téncia daquele arranjo. As primeiras unidades, ditas semantemas ou morfemas Jexicais, pertencem a um conjunto aberto (Iéxico) ¢ consti- tuem a base dos substantivos, verbos € adjetivos; as dltimas, ditas mor- femas gramaticais, pertencem a um sistema fechado (gramatica) € ‘exprimem certas relagdes entre as unidades lexicais no interior da frase (como o em em 6), acionam a criagao de unidades lexicais a partir de outras (como 0 -ciro de prisioneiro em face de priséo) expressam dis- tingGes obrigatérias que caractetizam os membros de certas classes (como 0 m de encarceravam, opée graficamente esta forma ao singular encarcerava) etc. ‘Os papéis desempenhados pelos morfemas gramaticais variam de lingua para lingua, A diferenca entre eles € os lexicais nao depende a rigor do conteudo que exprimem, mas das condigées estruturais em gue se encontram, A nogdo ‘humano’, salvo em oposigdes pronominais do tipo que/quem, aigo/aiguém, faz parte do contetido lexical dos nomes em portugués, uma vez que em vocébulos como homem, mu- ther, menino, principe, alfaiate nenhum indice formal regular os ‘enquadra na categoria “humano’ ; ao contrério da categoria ‘singular’, reconhecida pela auséncia regular de s, indicador formal da nogao ‘plu: sal’ (homem/homens, menino/meninos, alfaiate/alfaiates) o objeto da sintaxe 3 3. LEXICO E GRAMATICA: UMA REVISAO Esse modo de opor Iéxico ¢ gramética tem, contudo, 0 inconveniente de no reconhecer 0 carater lexical dos artigos, preposigoes, prono- mes, conjungdes, que, segundo a tradigo, s80 desprovidos de mor- fema lexical. Essas unidades, porém, pertencem ao léxico tanto quanto 08 verbos, substantivos e adjetivos. Todas vém listadas no dicionario, todas tém um significado que compete ao diciondrio informar, cada uma precisa ser aprendida como uma unidade lexical independente, Nao hé regra para a aprendizagem do significado de esse, assim, 0, quando, desde, até, como nao ha regra para a aprendizagem do que significam fosfeno, adrede, hialino, prelibar. No entanto, sabido que ‘desde’ € uma preposicao, pode-se prever sua posigao na frase; sabido que ‘0’ é um artigo, pode-se prever sua variagéo para concordar em género e niimero com o substantivo; sabido que ‘prelibar’ € verbo, pode-se garantir que, dado 0 contexto apropriado, teremos preiiba~ ‘mos, prelibem, prelibasse etc. Por outro lado, embora a mesma distingdio gramatical oponha chegoa cheguei e voua fui, 0 conhecimento de chego conduz regular- mente ~ na primeira e na segunda articulacdo — & forma cheguei, mas o conhecimento de vou nao eonduz reguiarmente a0 de fui, motivo por que estas duas formas fonoldgicas tém de ser aprendidas independente- mente uma da outra. Temos neste tiltimo fato uma questdo teérica delicada. Chego ¢ cheguei so realizagbes concretas de uma diferenga gramatical; lexical- mente, estamos diante de uma mesma unidade, 0 verbo /chegar/. No caso das formas vou/fixi temos, por outro lado, uma profunda diferenga fonologica que, A primeira vista, desautdriza associé-las a uma mesma unidade lexical; porém é evidente que os falantes do portugués esto aptos a elaborar a proporg4o segundo a qual vou esté para fui assim como chego esta para cheguei, isto &, valho-me de fui para atribuir a um sujeito ew 0 ato de ir situado no pasado, exatamente como me valho de cheguei para atribuir a um sujeito eu 0 ato de chegar situado no passado. Fui e vou diferem, portanto, fonoldgica gramaticalmen- te, mas no quanto ao Iéxico, onde representam o mesmo lexema /irf 4, SINTAXE E PRAGMATICA. No item 1 definimos sintaxe como a parte do sistema da lingua que per- mite criar e interpretar frases, mas chamamos proviséria esta defini- “4 Iniciagso & simaxe do portugués $40. De fato, a sintaxe no explica tudo na criagdo e interpretagaio das frases. Afinal, que chances tem o enunciado excéntrico exemplificado em 1 (Napoledo temia que as tartarugas desovassem no seu imponente chapéu) de vir a ser produzido em outros contextos discursivos? Aqui ele estd sendo citado e, ndo, empregado como unidade de comunica- $40. Seu lugar apropriado setia, talvez, uma biografia do famoso gene- ral, mas ndo ha indicadores hist6ricos de que isso possa ser verdade. Talvez s6 um texto comico ~ em que o absurdo tem sempre lugar garantido ~ 0 acolhesse sem problemas. Por outro lado, certos enun- ciados significam muito mais 0 que implicam do que 0 que ‘dizem’ — pois justamente com essa intengao so produzidos - como quando alguém diz ‘o fumo faz mal & saiide" para significar ‘nao fume’ Podemos dizer, portanto, que, a despeito de sua perfeicdo sintati- ca, 0 enunciado sobre Napoledo seria pragmaticamente anémalo nos ‘sontextos em que seu enunciador tivesse compromisso com a verdade hist6rica. Assim também, a adequada interpretagao do enunciado “0 fumo faz mal a satide’ depende de ele estar sendo proferido no con- texto de um artigo cientifico ou de uma conversa informal, diante do gesto de uma pessoa que puxa o cigarro da carteira. E neste segundo caso que, provavelmente, aquele enunciado significa, em primeira lugar, ‘ndo fume’, sentido que ele adquire pragmaticamente, isto é, em fungao de sua contextualizagao e nao de seus aspectos lexicais e sintati- cos. I Dois Dedos de Histéria A anélise gramatical se desenvolveu no Ocidente, desde a antigitidade classica grega até os fins do século passado, em funeao do conceito de vocdbulo. As reflexdes dos estudiosos gregos culminaram na obra dos gramAticos alexandrinos, a0 quais devemos, entre outras coisas, a dis- tibuig4o dos vocdbulos em nada menos que oito classes: nome, verbo, pronome, artigo, particfpio, advérbio, preposigao € conjuncao. Desenvoiveu-se nesse periodo a morfologia, no sentido corrente de ‘estudo da estrutura, formagao e classificagao das palavras'. O estudo das relagoes sintagmaticas entre as palavras - fundamento da sintaxe ~ embora nao estivesse de todo ausente das preocupagoes dos gregos, 36 se destacaria, contudo, na Idade Média, com a gramatica especulativa dos autores modistas. Entendida, em sentido restrito, como 0 conjunto dos meios siste~ maticos de estruturagdo das unidades significativas — a saber: morfe- mas, vocabulos, sintagmas, oragdes ~, a gramética compreende tradi- cionalmente, portanto, duas partes, ou melhor, dois niveis estruturais: 0 da morfologia, cuja maior unidade 0 vocabulo, ¢ o da sinlaxe, cujo limite maximo 6 a oracdo. Em qualquer desses niveis 0 vocibulo 6 0 ponto de referéncia inevitavel: nele acabam as relagdes morfoldgicas, nele comegam as relagdes sintéticas. O prestigio do vocdbulo enquanto unidade fundamental da gra- matica ficou, porém, seriamente abalado com o advenio da lingufstica estrutural. Com efeito, 0 vocabulo deve esse prestigio & sua nitida deli- mitacao na fonte de toda a andlise gramatical tradicional: a (ingua escrita, No século XX, 0 relevo dado & modalidade oral das linguas e 0 interesse pelo estudo das linguas Agrafas puscram em xeque 0 status do vocabulo como unidade fundamental da andlise gramaticul. Esse lugar caberia 20 morfema 18 6 Iniciagaa a sintaxe do pemugués 1. A‘GRAMATICA TRADICIONAL’ @) As ratzes filosdficas A expressio gramdtica tradicional recobre um conjunto de esforsos que, tendo inicio nas reflexdes filos6ficas dos gregos antigos, desti_ nam-so a (a) explicar a natureza da linguagem, (b) descrever a estrus tura ¢ funcionamento das linguas, ¢ (c) reguiamentar seu uso con- soante padres quer Idgicos quer literérios de expressio. A interliga- 40 dessas propostas ndo impediu que, segundo os interesses da época, Gualquer delas tivesse primazia sobre as outras dias, A Filosofia aristotélica ensinou a distinguir conceitos (como ‘se es’, ‘agbes’, ‘qualidades’, ‘quantidade’), juizos (associagho predicativa de dois coneeitos) ¢ raciocinio {associagto de juizos sob a forma de pre- missas © conclusgo). Tomemos para exemplo os conceitos “passaro’ (ser), ‘voar’ (ago) ¢ ‘todo’ (quantidade). Associando-os, formula-se um jutzo (Todo pas. aro voa). Assim formulado, esse juizo pode ser o ponto de partida de um raciocinio como + Todo passero voa (premissa maior) +0 pardal é um passaro (premissa menor) + logo, 0 pardal voa. (conclusto) Eis um exemplo do que se chama tradicionalmente silogismo, Proceso pelo qual o homem ocidental se habituou a relacionar dados J4 conhecidos e dessa relagao extrair conclusdes l6gicas e coerentes, A origem dos estudos gramaticais no Ocidente se confunde com essas reflexdes. A teoria aristotélica dos conceitos — on categorias — se tomnaria 0 fundamento da distingao entre as classes de palavras (substancia/substantivo, agao/verbo, relacao/conjungao), ¢ a estrutura do jufzo como associacao predicativa de dois conceitos (proposigao) serviria de base & definigao do objeto da sintaxe. A associagdo de dois conceitos sé constitui uma proposicao, Porém, quando entre eles se estabelece uma relagdo tal que um afirma ou nega atgo a respeito do outro. Assim, os conceitos “casa’e “antigo” podem se associar de dois modos: ‘casa antiga’, ou ‘a casa é antiga’. SO Ro segundo formam uma proposiga0; no primeiro, ‘antiga’ denota uma qualidads de “casa” mas nao afirma nem nega a sua existéncia Associados na proposigao, o termo sobre o qual se declara algo é 2 seu sujeito, ¢ a declaragao mesma o predicado. Em logica, 2s propo: sigGes so sempre enunciados declarativos; por isso, perguntas ordens ndo s4o proposigdes. Derivada que foi, porém, da andlise logi- ca, a andlise gramatical passou a chamar sujeito e predicado as partes 7 cols dedos de histéria fundamentais de qualquer construgo centrada no verbo, fosse ow nto proposigo, ¢ a dar-Ihes as mesmas definigdes que recebiam dos légi- cos: sujeito ~ ser sobre 0 qual se faz uma declaracao; predicado ~ tudo aquilo que se declara do sujeito, ») A gramdtica como disciplina do entendimento e da expresso Reunidos desde o século ITI a.C.em Alexandria, principal centro cultu- ral de ent8o, muitos intelectuais se devotaram ao wabalho de preservar € tornar conhecidos os monumentos literarios da época helénica — especialmente os poemas homéricos. O empenho em descrever a Iin- gua desses textos para tornd-los inteligiveis conduz pouco a pouco & elaboracdo da primeira gramatica da lingua grega: a tekhné grammati- 6, de Dionisio Trécio. “Era para facilitar a leitura dos primeiros poe- tas gregos que os graméticos publicavam comentarios e tratados de gea- matica, que cumpriam duas tarefas: estabelecer e explicar a lingua des- ses autores (pesquisa) e proteger da corrupgao essa lingua ‘pura’ e ‘cor- reta’ (docéncia), jé que a lingua quotidianamente falada nos centros do helenismo era considerada corrompida. E, servindo & interpretagio e critica, realiza-se-0 estudo metédico dos'clementos da lingua ¢ com- pOe-se 0 que tradicionalmente seria qualificado propriamente como gramatica.” (Neves, 1987, pp.104-5) Alguns séculos antes Platdo dividira a unidade do discurso, que ele intuira no esforgo de apreender os mecanismos de expresso do Pensamento, em dois componentes: dnoma (nome) € rhéma (verbo); Aristételes Ihes acrescentara os syndesmoi (unidades gramaticais) © 03 estdicos chegaram a separar af as formas variaveis (pronomes e artigos) das invaridvies (conectivos e advérbios). Dionisio Trécio procedeu & sintese, estabelecendo as oito categorias que, em esséncia, constituem as classes de palavras das nossas graméticas. Nascida com dupia finalidade, filolégica ¢ pedagdgica, a disci- plina gramatical dos gregos manteria esse cardter entre os romanos, seus divulgadores, assim como na Idade Média. O latim, lingua em que foram codificadas as grandes obras escritas da Europa medieval até o século XIII, era estudado nas graméticas de Donato e de Prisciano. O amplo interesse por seu estudo — que incluia a ars recle Joquendi (arte de falar corretamente) ¢ a enarratio poetarum (explicagao dos textos poéticos) ~ fez da gramética uma das trés disciplinas do trivium das instituig6es académicas medievais, ao lado da dialética ¢ da fetdrica, Nas palavras de um abade da época, a gramtica “prepara a mente para entender tudo que possa ser ensinado por meio das palavras”. ry iniciagao a sintaxe do portugues Foi por volta do sécuio XIII que 0s eruditos medievais, sob a influéncia dos trabaihos de Arist6teles e outros fildsofos gregos nova- mente acessiveis, retomaram 0 debate sobre a relacdo entre a lingua- gem e a esirutura do pensamento, imprimindo gramética um cardter novo: a gramética passa a ser ‘especulativa’, isto é, elaborada segundo a concepgtio da lingua como ‘espelho’ (lat. speculum) da organizagéo do raciocinio. Segundo esta visao, as diferengas entre as linguas sao cir- cunstanciais e acidentais; fundamentalmente, todas as linguas consisti- riam num sistema fixo e comum de categorias lingilfsticas que seriam categorias do pensamento. Embora rejeitadas ¢ até ridicularizadas no Renascimento, as idéias dos gramdticos modistas exerceram larga influéncia no pensamento gramatical do Ocidente, seja na teorizacao gramatical, ov no ensino da lingua. As gramsticas filosOficas ou racio- nais dos séculos XVII ¢ XVIII ¢ a modema gramdtica gerativa sho des- dobramentos da gramdtica especulativa. ¢) O Renascimento: 0 desafio das linguas verndculas Dois fatos igualmente significativos ocupam o panorama dos estudos gramaticais no Renascimento: o surgimento das gramaticas das linguas verndculas (isto é, ‘vulgares’) e a teorizagao gramatical de inspiragao logico-filosdfica. A Gramdtica de la lengua castellana, de Antonio de Nebrija, data de 1492; a primeira ‘anota¢ao” sobre a lingua portuguesa, a Gramética da linguagem portuguesa, de Ferndo de Oliveira, publi- ca-se em 1536, e a segunda gramatica, de Joo de Barros, aparece em 1540. E 0 efeito do “movimento de imposigao do uso do verndculo, em concorréncia com o latim, nos niveis literario, cientifico ¢ administrati- vo” (Burscu, 1978, p.15). © latim continuava a ser amplamente ensi- nado € os textos da literatura cldssica nfo s6 comentados, mas ainda waduzidos nas linguas verndculas. As déscrigdes do latim continuavam a servir de modelo para a andlise das linguas verndculas, mas as dife- Fengas estruturais entre aquele © estas impunham ao gramatico a busca de solugées originais. © espirito da época, se por um Iado favorecia um fervoroso aprego pela cultura cldssica ¢ suas formas de expresso, por outro esti- molava a ideologia da auto-afirmagao nacional, que, no trabalho dos gramdticos, se traduzia no empenho em valorizar as linguas verndculas Como estruturas tao capazes quanto o latim classico de exprimir os con- tetidos da consciéncia ¢ da emogao. “E entio ... que eclode a ‘questo da lingua’, resultado de uma incerteza sobre a norma lingllistica ¢ da caréncia de padrOes literdrios que garantissem o seu prestigio."(BuEs- cv, 1975, p.13) dois dads de histéria 19 Em Portugal, a obra gramatical do século XVI visava a uniformi- zagdo do uso da lingua para fins cultos e literdrios tanto nos padrdes mérfico ¢ sintético, como na representaco grafica dos vocabulos. “Ao pretender forjar, para as linguas vulgares, uma regularidade idéntica & das linguas antigas, 0s Graméticos do século XVI estao, pois, coeren- tes consigo mesmo, na medida em que o grande Jeit-motiv de toda a ati- vidade mental renascentista sc concentra na dignificacko das nagdes modernas em pararelo com os povos da Antigiiidade, sobretudo o povo latino. A ‘consciéncia linglistica’ vai, pois, a par com a ‘conscién- cia nacional’, até mesmo com a ‘consciéncia imperial’, e a lingua apare- ge-nos pela primeira vez considerada como o ‘espirito © a alma’ de cada Nagao”, (Burscu. 1979, p.28) @) O neo-racionalismo © Renascimento se caracterizou ao longo do século XVI, vale insistir, pela coexisténcia de duas correntes de pensamento gramatical em certa medida antagonicas: uma que procurava descrever as linguas verndcu- as nos moldes da gramética latina, ¢ outra que, rompendo com esta tradigdo, retoma, todavia, a concepgao dos gramaticos modistas, apoiada em fundamentos filoséficos. Um de seus expoentes, 0 gramatico espanhol Francisco Sanchez de las Brozas, chamou seu livro, sintomaticamente, Minerva, tida como a deusa da inteligencia e da clareza racional, titulo que Sanchez justificou no primeiro capitulo: Conta Homero, 0 principe dos poetas, que Minerva apareceu a Diome- des entre os grupos de combatentes e tissipou a névoa de seus olhos para que pudesse distinguir, na peleja, os deuses © os homens. Platio inter- preta esta fabula no Alcebfades Segundo como a propria inteligéncia (Sancuez, 1976, p43) No segundo capitulo, explicando seu método de anélise, informa: Como 0 assunto de que tratamos se hf de justificar primeiro pela razio, depois pelos testemunhos e pelo uso, ninguém deve admirar-se que &S vezes sigamos os grandes homens, pois por maior autoridade que para mim tenha um gramético, se ele nao prova o que diz. por meia da razéo e oferecendo exemplos, no me inspirard confianga em nenhum assunto, especialmente em Gramitica, pois como disse Séneca, Ep. 15,95: gram- matici sermonis Lalini custodes sunt, non auctores ‘os gramaticos s20 guardiaes da lingua, mas nio seus autores’, (Ibidem, p.46) 20 iniciagao a sintaxe do portugués Essa visio do fato linguistico implicava toma-lo como tanto mais perfeito quanto mais retratasse uma presumida ordem e estrutura do raciocinio l6gico. Por isso, as construgdes que infringiam esse padrio ideal eram consideradas ‘anomalias’ que, no livro quarto da Minerva, o mais extenso, se chamam ‘figuras’ e incluem a elipse, 0 pleonasmo, a silepse & 0 hipérbato. O latim, embora resistindo, cedia cada vez mais terreno as Iin- guas verndculas, fato que, entretanto, teve seu prego: ficou no espirito de muitos escritores o sentimento de um corte das raizes. Os gramndti, cos nao tinham um passado literdrio para apresentar como modelo de expressdo, © a questo da lingua se tornov uma obsessao, A Origem da lingua portuguesa, de Duarte Nunés de Lego, sur- gida em 1606, seria a expresso portuguesa dessa preocupagdo em Adentificar as raizes do novo tempo e de sua expresso lingtistica Como os alexandrinos, Duarte Nunes acreditava que o tempo desfigurava ¢ corrompia as palavras. Exemplifiquemos com uma répida passagem: como na palavra alugar que vindo de loco locas, que quer dizer dar de aluguer, dizemos também alugar por tomar de aluguer, o que se hauia de dizer por outro verbo que respondesse ao verbo latino conduco, que he tomar de aluguer, porque o que daa a casa a outro por dinheite cha, masse locator, & 6 que & toma he condutor. (Ltxo, 1944, p 250) Esse sentimento de certo modo imprognaria o espirito raciona- lista dos séculos XVII e XVIII. Tendo optado pela expressio nas tin. guas verndculas, os fildsofos e escritores precisavam se dar a certeza de Que nada tinham perdido e que as linguas nacionais eram até melhores que o latim para @ expresso das idéias e dos sentimentos. A obsessio ga expressao clara conduz a eleger na lingua os meios mais apropriados a expressio logica do pensamento e a considerar abusos ou imperfe!- Ses tudo que contrariasse esse ideal, Essa corrente racionalista atinge sua mais consumada expresso com a Grammaire générale et raisonnée, de Port-Royal, que constitu, na opiniao de Noam Chomsky, “a primeira teoria geral da estrutura lingistica realmente importante” (CHomsxy, 1971, p.28). Esta grama- fica retoma @ nogdo de frase como unidade gramatical. “A gramatica anterior tinha sido em grande parte uma gramética de classes de pala- [iss ¢ de flexdes” (Ibidem, p.30). O préprio Sanchez entendia que a frase ndo € unidade da gramética: “... a oragdo ou sintaxe € a finalidade da gramatica, portanto néo é parte dela.” (Sancuez, 1976, p.48) Devemos a Jeronymo Soares Barbosa uma Gramdtica filoséfica da lingua portuguesa, cujos fandamentos ¢ finalidade seu autor assim resumiu: dois dedos de historia a Toda a grammatica particular ¢ rudimentaria, para ser verdadeira © exacta nas suas definigdes, simples nas suas regras, certa nas suas analo- sgias, curta nas suas anomalias, e assim facil para ser entendida e compre. hendida dos principiantes, deve ter por fundamento a grammatica geral ¢ razoada. ...Por outra parte, sendo a grammatica de qualquer lingua & primeira theoria que principia a desenvolver o embriao das idéias contu. sas da edade pueril; ¢ dependendo da exactidio de seus principios 6 bom. progresso nos mais estudos, ella deve sor uma verdadeira logica, que ensinando @ fallar, ensine ao mesmo tempo a discorrer.”(Baneasa, 1875. p-X1) A gramética racional dos séculos XVII e XVIII ainda produziu alguns frutos no século XIX, como a citada gramética filos6fica de Soa- res Barbosa, mas a avalanche historicista de entdo the roubou os espa- gos, © a gramética geral, herdeira do racionalismo que o espirito romAntico repudiou, 6 mereceu dos comparativistas do século XIX desprezo ¢ irrisfo. Qualquer que seja, porém, o juizo de seus eriticos, a verdade € que a gramética logica (racional, geral ou filosdfica) € nao sé 0 modelo da andlise sintatica que se praticou e até hoje se pratica nas escolas — a despeito da substituicdo do adjetivo ‘16gica’ por ‘sintética’ — como for- neceu, gracas aos desdobramentos que Ihe deu a l6gica de Stuart Mill (Mitt, 1984) a terminologia gramatical que se consagrou: sujeito, pre- ‘ado, objeto, adjunto etc, ¢) A gramdtica histérico-comparativa interesse pela natureza ¢ funcionamento da linguagem vem de longa data, mas 86 no curso do século XIX a lingiistica se impds como cién- cia. A elaboracdo de diciondrios ¢ a descrigao gramatical das linguas serviam especialmente a fins préticos — como a tradugdo, a leitura ¢ comentério de textos ¢ 0 ensino da maneira ‘correta’ de falar e escrever ~e continuariam a servir a estes fins, pois, enquanto ciéncia, o estudo das linguas consistia, metodologicamente, em compard-las para dedu- ir principios gerais de evolugdo histérica das suas unidades lexicais, gramaticais e sonoras. Pela comparagto das linguas vivas buscavam-se as regularidades de suas diferengas com 0 propésito de estabelecer, em passado remoto, um elemento comum ~ som, palayra, construgao — as vezes, de fato, documentado em algum texto antigo. Eis no que consistia, em linhas gerais, 0 método hist6rico-comparativo. : Os textos, principais documentos dos estagios historicos da lin- gua, tornaram-se preciosa fonte para o conhecimento de sua evolucto. 2 Iniciagao a sintaxe do porugués Todavia, acm sempre um texto merecia a confianca do estudioso: podia estar modificado ou mesmo ser uma falsificagao. Tantas vezes alterados em suas c6pias sucessivas, por desatencao, desinformagao ou mesmo preconceitos varios de quem 0s copiava ou editava, eles quase sempre precisavam ser restabelecidos em sua forma primitiva ¢ auténti- ea. Assim constituit-se, em sua versdo moderna, a critica textual, ativi- dade a que j4 0s fildsofos de Alexandria tinham Se dedicado como pro- pOsito de explicar e ‘proteger da corrupgao” os textos classicos da liter tura grega, Paraletamente as investigagdes dos fildlogos comparativistas desenrolava-se, especialmente na Europa, 6 debate suscitado pela ‘questo da lingua’, principalmente em relagao 4 norma gramatical e A ortografia. Escreviam-se e publicavam-se em grandes tiragens obras. sobre assunto gramatical geralmente destinadas ao uso das escolas. © estudo da lingua assumia, assim, duas modalidades: uma, his- rica e critica, ostentando o prestigio de ciéncia; outra, descritiva € pratica, assumindo a ‘modéstia’ de sua finalidade utilitéria, Foi com 0 movimento estruturalista, impulsionado quase simul- taneamente na Europa ¢ nos Estados Unidos, que a andlise sincronica dos sistemas gramatical ¢ fonoldgico passou a ser encarada como ativi- dade cientifica. A lingiistica estrutural retomou o descritivismo, mas no 0 fez com propésitos utilitérios, ¢ sim como meio de estabelecer a estrutura da Jinguagem enquanto capacidade simbélica do homem Este objetivo também o tivera a gramdtica filoséfica, mas com o estru- turalismo estava abandonada a suposigao de que houvesse uma ordem racional genérica da qual as linguas seriam expressbes particulares e imperfeitas 2. DA ABORDAGEM ESTRUTURAL A SINTAXE GERATIVA A Linguistica estrutural — expresso que abrange teorias ¢ andlises ins- piradas tanto nas idéias de Wilhelm yon Humboldt, Georg von der Gabelentz e Ferdinand de Saussure, europeus, como de Franz Boas, Edward Sapir e Leonard Bloomfield, norte-americanos ~ representa de certo modo um rompimento com as concepgdes historicistas ¢ logi- cistas da gramética tradicional. Diferengas & parte, lingilistas europeus © americanos empunharam uma mesma bandeira: cada lingua tem sua forma, sua estrutura, suas categorias, as quais nao se pode chegar sendo pelo estabelecimento das unidades no interior de cada sistema, ¢ das relagées opositivas entre essas unidades. A universalidade das cate- gorias lingUfsticas ~ como 0 conjunto tradicional de classes de palavras dois dedos de histéria 23 ~ comegou a ser posta em questo. As linguas existem primordial- mente como expressio oral, cabendo a escrita representar, por meio de sinais gréficos, a fala, Nao hé linguas ‘primitivas’ ou ‘civilizadas’. Os meios convencionais de expresso verbal, prestigiosos ou nao, utiliza- dos por comunidades amplas ou restritas, sdo internamente estrutura- dos e dotados de “gramatica’, no sentido de ‘sistema de regras’, Por isso ndo se pode considerd-los, em termos lingifsticos, corretos ou ertados. ‘A contribuigdo do estruturalismo foi decisiva em dois aspectos do estudo da linguagem: o epistemoldgico e 0 metodolégico. Em termos epistemolgicos, deve-se ressaltar 0 conceito de estrutura como feixe de relagées, o que obriga o investigador a procurar no objeto da andlise sua ordem estratural, suas unidades e a inter-relagao delas, ou seja, sua *gramdtica’. Com o estruturalismo, gramética e estrutura se tornaram sinnimos. O estruturalismo nao abandonow a hipétese de haver proprieda- des comuns a todas as linguas, mas rejeitou a tese de que a estrutura das linguas retine afinidades como reflexo de uma capacidade humana jinata para a linguagem. O estruturalismo insistiu no caréter ‘arbitrario’ da estrutura lingilistica, produto, segundo seus seguidores, de pura convengio. Esse ponto de vista parecia uma premissa necesséria a and- lise de linguas sern tradicgo escrita, cuja estrutura nao podia ser estabe- lecida com base nas categorias - classes de palavras, processos grama- ticais ~ proprias das linguas indo-européias. Do ponto de vista metodolégico, 0 estruturalismo desenvolveu procedimentos de andlise, como 0 principio da comutagao, decisive para isolar, na cadeia da fala, as unidades discretas em cada nivel da andllise. Cético em relacdo as definigdes baseadas em critério nocional ~ como a de substantivo, geralmente definido como ‘palavra que nomeia os seres em geral’ ~ 0 estruturalismo insistiu nos aspectos dis- tribucionais ~ posi¢do na estrutura - e funcionais — comportamento na estrutura ~ das unidades como meio de identificd-las. Por esse pris- ma, um sabstantivo em portugués define-se, distribucionalmente, como uma unidade que pode vir precedida de artigo, e, funcionalmen- te, como uma unidade que pode ser sujeito ou objeto. A evidente cir- cularidade dessas definigdes se deve a que as unidades da lingua nao tém existéncia por si mesmas, mas em fungao de suas relagdes. No estruturalismo norte-americano destacam-se a nogao de cons- tituinte imediato e a conseqiente formulac#o das regras de estrutura sintagmatica, Esse conceito baseia-se na hipdtese de que a estrutura dos enunciados pode ser analisada através de sua divisdo em dois seg- mentos de primeira articulagao (ver.[.1), cada um dos quais se deixa analisar, por sua vez, em dois constituintes menores. Essa operagao 24 iniciago € sintaxe do ponugués estende-se até o limite em que j& no seja possivel nova divisiio em uni dades da primeira articulacao, Exemplificando, sem considerar as unidades menores do que a palavra: 8-As SRA DE Rape PURER AN SORBEVIVER EY cAmIYBIRO Se Por mais que essa divisao seja intuitivamente convincente, ela s6 tem valor descritivo se pudermos demonstri-la. Essa demonstracdo se faz procurando-se identificar que pares de elementos poder dar lugar 2 um sd elemento sem prejuizo da esteutura. Os elementos de cada par 80 seus constituintes imediatos, Vamos apurar isso. code o Pat om cativeiro’ é substituivel pela unidade elementar ‘assim’; Puderam sobreviver’ pode dar lugar a ‘sobreviveram’; ‘de rapina’ a ‘sel. vagens’; ‘aves selvagens” a ‘aves’; ‘outras aves’ também pode ceder lugar a [aves'; “as aves’ a ‘elas’; © por fim, ‘sobreviveram assim’ pode dar lugar a ‘sobreviveram’. Vamos visualizar esse desbastamento. 25 [oun [avs [be avin openan| omnia [Eu onVaRS [ as fourias|aves| secvacens| — sonneviveaane aan is covaas] aves SOBREVIVERAW a Ave SonREVIVERAW ELAS i SOBREVIVERAM, © conceito de constituinte ¢ o de distribuigio sao, assim, necessa- Hlamente interdependentes: 0 par de elementos e a unidade clementac que o substitu: tém a mesma distribuigdo, A partir dai se estabeleces mais tarde, a nogao de estrutura sintagmatiea (ing. phrase structs) mediante a indicagdo de quais elementos se unem para formar ccleate. as de nivel mais alto. Diz-se, entdo, que o segmento ‘as outras aves do rapina’ ¢ 0 segmento ‘elas’, por serem distribucionalmente equivaien, te5, pertencem & mesma ciasse ou categoria: ambos sto sintasmes hominais (SN). Resta, assim, explicitar como se organizam interna, mente os sinaymas dotados de duas ou mais palavras A deserigas sia. dois dads de histéria ae titica baseada na identificagao dos varios tipos de sintagmas e na for- mulagdo das regras que ordenam as palavras no interior dos sintagmas ficou conhecida como gramdtica sintagmatica ou de constituintes. Esse tipo de gramética permite descrever 2 estrutura da oragho em constituintes imediatos, a saber: sintagma nominal (SN) + sin- tagma verbal (SV). Cada um destes €, por sua vez, analisavel em outros constituintes. © exemplo que vimos pode ser assim diagramado: 3x | x SPR 3s We a renee eop terest [7 \gititn 0iSines ifm utes co I em eativeiro aves pr i pit ¥ ae rapina onde SN = sintagma nominal, SV = sintagma verbal, SPrep = sin- tagma preposicional, Art= artigo, pro = pronome, N= nome, prep preposiga0, v.aux. = verbo auxiliat, v.p. = verbo principal. A fungdo sintética dessas unidades passa a ser interpretada como uma posigao estrutural, endo mais como um valor légico-semantico, como ‘agente’, ‘paciente’, ‘circunstincja”, ‘qualidade’, ‘Sujeito’, por exemplo, € 0 SN que constitui imediatamente a oragao, nao impor- tando se € agente, paciente ou instrumento do verbo. Essas gramdticas foram mais tarde consideradas improprias para descrever a estrutura sintatica das linguas porque no tinham meios de esclarecer varios aspectos da intuiga0 linglifstica dos falantes nativos, como a capacidade de perceber a sinonimia de certas construgdes e dé captar informagSes estruturais que nd vinham explicitas nos enuncia- dos. Isto é, uma gramatica de constituintes nao est apta a explicar a relagdo que une a5 frases 9 ¢ 10 na intuig&o de seus falantes. 9 A geada‘queimou a plantagao 10 — Foi a geada que queimov a plantagio uma vez que as descreve independentemente uma da outra. Também diante de um enunciado como 11— Eu os vi voltando da praia essa gramdtica tampouco tem meios de esclarecer que mecanismo per- 25 Iniciagao a sintaxe do poruguas mite associar a ‘voltando’ ora ‘eu’ ora ‘os’, j& que atribui a 11 uma Gnica descrigao estrutural Essas quest0es foram levantadas no curso da década de 1950 nos Estados Unidos ¢ tiveram em Noam Chomsky seu principal formula- dor. Em substituicdo ao modelo sintagmatico de andlise, ele propos um outro que distinguia dois nfveis de representacao esirutural: a “estrutura profunda’ ~ destinada a reunir todas as informagdes necessarias interpretagdo seméntica dos enunciados ~ e a ‘estrutura superficial’ que corresponde grosso modo a forma real dos enunciados. Esses dois niveis se diziam relacionados por um conjunto de operagdes gramati- cais chamadas tecnicamente ‘regras transformacionais’, que podiam ser obrigat6rias ou facultativas. Os exemplos 9 € 10, por exempio, seriam derivados de uma mesma estrutura profunda; a regra de ‘topicalizacao’, facultativa, daria origem a 10. Por outro lado, a elipse de um consti. tuinte repetido apaga o SN a que, em II, voltando serve de predicado, seja este SN ‘eu" ou ‘eles’, o que resulta na ambigtidade de 11 4 gramética transformacional, ou melhor, gerativa, como ficou conhecida essa teoria, vem suscitando, desde a publicacao das Syntac- fie Structures, em 1957, 0 mais fecundo e apaixonado debate sobre a natureza ¢ 0 funcionamento da linguagem nos diltimos trinta anos. Res- gatando a contribuicao da gramética filos6fica do século XVII, a gra- matica gerativa revela o acerto de muitas das intuigdes da gramética tradicional. Por outro lado, se é verdade que a gramatica gerativa rejei- tou a concepedo de estrutura lingiistica subjacente ao modelo estrutu- ralista, também é verdade que dele aproveiton o refinamento na for- mulagao das ‘regras de estrutura sintagmatica’, sem 0 que no teria sido possivel representar a estrutura profunda nem formalizar as “transfor. mages" A gramética gerativa, reformulando-se, tem resistido as objegdes de seus criticos. Ha hoje uma tendéncia a abandonar 0 proprio con ceito de estrutura profunda e, conseqiientemente, a idéia de transfor. magao. Tl A interagao verbal As relagdes humanas sdo normalmente mediadas por simbolos - ges- tos, cores, figuras, palavras ~ organizados em sistemas com graus varigveis de complexidade. A linguagem verbal € seguramente o mais complexo deles, quer por sua estrutura, quer pelas variadas fungoes que desempenha, ¢ 0 tinico meio de expressao capaz de traduzir as mensagens veiculadas por qualquer outro sistema. Fendmeno tipicamente interacional, o ato de falar/escrever envolve miltiplos fatores. Examinando 0s trechos abaixo, explicitare- mos, de passagem, alguns deles, j4 que este assunto sera objeto do capitulo VIL Trecho 1: ‘A= Al6!/ ele nao esta no momento, Quer deixar recado? / &s6 com ele, Eu ligo outra hora. Obrigado.” Pedrinho, até que enfim’ voce apareceu. Que é que hou- ve, rapaz? Ganhou na loteria? / B= Antes fosse. Estive em Sao Paulo fazendo um tratamento de coluna, /A= Coluna?! Nao é possivel! Voce sempre vendeu satide!’ ‘Trecho 3: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memérias pelo principio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar 0 meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja comecar pelo nascimento, duas consideragdes me leva- ram a adotar diferente método: a primeira 6 que eu nao sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro bergo; a segunda, é que 0 escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, niio a pos no intréito, mas 20 cabo: diferenga radical entre este livro € 0 Pentateuco.”” (Assis, 1960, p-111) E da residéncia do dr. Ari? / A= E sim, mas Ah, Trecho 2 27 Vv A estrutura sintagmatica do portugués 1. 0 SINTAGMA NOMINAL (SN) © SN comporta necessariamente um micleo que, sendo um substantivo comum, podera vir precedido de determinantes ¢ precedido ou seguido de modificadores 59 A grande quantidade de prata que havia naquelas terras det. mod. subst. mod. mod. 60 — Muitas outras casas antigas de veraneio det. det, subst. mod. mod. que tinham sido tombadas mod. 61 — Carlos, irmao de Pedro, casoucom a irma de Lucia, Vilma SNbase SN mod. SN base ‘SN mod, a) Estrutura interna do SN a) Determinantes grupo dos determinantes € formado pelas classes tradicionatmente chamadas artigo definido, pronome demonstrativo (subclasses dos IpentiricaborEs (Id)), pronome possessivo (Posssssivo (Poss)), pro nome indefinido de valor quantitativo (INDEFINIDO (Ind)), numerais cardinais, pronome indefinido de outro tipo, como outro, demais, sa 2 estrutura sintagmatica do porugues 55 mesmo & proprio (aqui reunidos sob o rétulo Ressxenciaporrs (Ref)) eo relativo cujo (Rel). # Os identificadores (Id) Todos os identificadores concordam em género ¢ mimero com o micleo do SN que integram. O ‘artigo definido’ serve para determinar um nome cujo referente se pressupde dado ou conhecido para o interlocu- tor — dai sua natureza déitica — ou que jé tenha sido mencionado ou referido no contexto do discurso ~ daf seu papel anafrico ou textual. ‘Observe-se a ocorréncia do artigo no seguinte trecho: (© radialista Nelson Rubens, conhecido por atazanar a vida dos calouros no programa Silvio Santos, resolveu fazer no meio da semana uma brin- cadeira com as prezados ouvintes da Radio Capital, de $80 Paulo. No comego do seu programa diério, anunciou que o ministro Bresser Pereira pedira demissao, ¢ que 0 pedido fora accito pelo presidente. A noticia correu velozmente e a coisa ficou feia, Politicos se agitaram, can- Gidatos a0 ministério garimparam telefones de possiveis padrinhos e, em. outro mais sério efeito da bostaria, despencaram as cotagSes da Bolsa de Valores. (Jornal do Brasil, 28.06.87) (0 ‘0? tem papel anaférico em o pedido, a noticia, o ministério, a boatarig, uma vez que estes substantivos remetem para informasoes contidas no préprio texto. Todas as demais ocorréncias do ‘0’ tém papel dBitico, pois se empregam mediante o pressuposto de que 0 leitor tem prévio Conhecimento dos referentes daqueles substantivos. Do ponto de vista sintatico, 0 artigo se pospde a ‘todo’ ¢ ‘ambos" (que s8o quantificadores) ¢ se antepée a todos os determinantes. Enquanto quantificadores, “todo” e ‘ambos’ sdo niicleos de SN. O artigo € incompativel com os demonstrativos que formam uma subclasse dos identificadores ¢ com os indefinidos ‘algum’, ‘nenhum’, ‘cada’, ‘tanto’ e ‘quanto’. Os demonstrativos, como’o artigo, tém funcao anaférica ou daiti- ca. No papel déitico, servem para situar o referente do substantivo, que determinam, no tempo, no espaco ou no assunto tratado pelos interlocutores (‘esta noite’ é a noite em que se fala: ‘essa noite’ é a noite de que se fala, localizada no assanto; ‘aquela noite’ € a noite a que se fez referéncia, localizada em época remota; ‘este livro” pode ser o que esti junto ao interlocutor; ‘esse livro’ o que esté préximo do locutor; “aquele livro’ € 0 que esta distante de ambos). Na lingua escrita ainda hé um certo empenho em manter distintas as formas este/esse; na fala, esta oposicao tende a ser substituida por 56 Iniciagdo a sintaxe do portugués formas compostas: esse agui/esse af. E em nome da simetria cria-se a forma aquele lé/ali. Em funcao anaforica, este/esse pospoem-se ao Substantivo usado Como aposto em certas construgées, *O ministro resolveu escrever uma carta de demissdo, carta essa que jamais entre- ‘gou ao presidente’ * Os possessivos (Poss) Os possessivos se colocam apés 0 artigo ou o demonstrative (identifica- dores) (esse/o seu irmao € mesmo louco). Pospdem-se ao substantive nas referéncias indefinidas (ele pediu emprestado um livro meu que nunca mais vi; filha minha nao posa para essas revistas) +» Os referenciadores (Ref) Sao eles outro, demais, proprio e mesmo. Concordam em género ¢ niimero com 0 nome que determinam, com excegdo de ‘demais’, iava- ridvel. Outro pode vir precedido de identificador (0 outro filme/esse outro filme), de indefinido (algum outro filme/qualquer outro filme) ou de numeral (dois outros filmes). Demais, invariével, somente deter- mina nomes no plural ¢ pode vir precedido do artigo (os demais com- panheiros). Proprio vem obrigatoriamente precedido de artigo (o prd- prio ladrao teve pena da velhinha). Mesmo vem precedido de artigo ou de demonstrativo ( o/este mesmo lugar) * 0 relativo cujo ‘Vem imediatamente seguido do nome que determina e com o qual con- corda em género e niimero (0 passaro cujo peito 6 vermelho, a cidade cujas igrejas sao barrocas) * Os indefinidos (Ind) Todo. Como determinante, todo varia apenas em género ¢ se coloca imediatamente antes do nome (todo homem € mortal, 0 énibus passa por aqui toda hora). Muito, pouco, bastante, tanto, quanto, mais, varios (sempre no plural) e cada. Como determinantes, vem imediatamente antes do niicleo do SN ¢ com ele concordam em género ¢ niimero ~ exceto bas- a estrutura sintagmatica do portugues 87 tante e cada, invariéveis (muita gente, poucos amigos, tantas noticias, quantos passaros, bastante leite, bastante gente, cada candidato/a). Qualquer, algum, nenhum, um. Concordam em género © nimero = exceto qualquer, que 36 varia em niimero ~ com 0 nucleo do SN (qualquer amigo/a, quaisquer amigos/as, algum parente, algumas pes- soas, nenhuma noticia, um amigo, uns amigos). Podem vit pospostos = exceto um — ao micleo do SN (livro aigum/livro nenhum — posigao que neutraliza a oposicao algum/nenhum ~ um livro quaiquer). Podem vir seguidos do referenciador outro (um/ algumn/qualquer outro livro) Uns, no plural, pode preceder poucos, tantos, quantos ¢ os numerais cardinais (uns poucos amigos, umas quantas desilusdes, uns dez quilémetros). Qualquer ¢ cada introduzem os Ind um/uma e qual usados como niicleos do SN (cada um, qualquer uma, cada qual), 8) O modificador A posigo de modificador do SN pode ser ocupada por SAdj, por SPrep ou SAdy, Certos SPreps que tendem a se cristalizar como voca- bulos compostos (ou locugdes) podem ser introduzidos por indefini do/quantificador invaridvel (sem-vergonha/muito sem-vergonha, depressa/téo depressa). A descrigao dos modificadores sera detalhada em V.3. A apresentagdo que se segue &, por isso, suméria + O sintagma adjetivo (SAdj) Hé SAdjs que se colocam antes do niicleo ou apés ele: outros vm sem- pre aps 0 nucleo (‘os carros antigos da colecdo/ os antigos carros da colegio"). S6 a segunda construgdo cquivale a ‘colegao de carros anti- g08", pois na primeira a colego pode reunir carros novos também, Esta mobilidade é comum entre adjetivos que admitem gradagao (os carros muito antigos/os antigos carros; *os feriados muito nacionais/*os nacionais feriados). Se 0 SN vem determinado por identificador, esses adjetivos, antepostos (cf. ‘antigos"), perdem o cardter restritivo € pas- sam a qualificar todos os elementos do conjunto (ver acima o efeito da posigo de ‘antigos’) Sendo varidvel, o niicteo do SAdj concorda em género com o aiicleo do SN. Iniciagao a sintaxe do portugues ‘cador eujo niicleo seja um SPrep coloca-se obrigatoriamente ‘futeo do SN, geralmente ap6s 0 SAdj (as habitag&es antigas manos. Menos natural: as habitages dos romanos antigas). Se, unto. 0 SAdj vem determinado por indefinido/quantificador, Folch gbrep-SAdj € igualmente natural (as habitagdes dos romanos His antigas). O mesmo se pode dizer das construcSes cujo SPrep & for- jnado de prep. + nome (as casas de veraneio antigas, os chapéus de palha novos). © sO sintagma adverbial (SAdy) Sintagmas adverbiais sob a forma de advérbios, gerindios ¢ até ora- @0es transpostas podem servir de modificadores de SN (esse passeio, Ho Larde pode ser perigoso, um café assim dé gosto beber). Ver ainda 62 ~ “Paulo separou 0 torete carnudo e pingando sangue” (Pat- Mento, 1976, p.31) 63 ~ “O chefe do trem que apareceu repicotando os bilhetes, lembrou-me a figura do capito Nemo quando seu submarine emergira das sufocagdes do Polo Sul” (Nava, 1973a, p.184) Observe-se que ‘pingando’, gertindio, ver coordenado a ‘carnu- do’, adjetivo, ambos modificadores de ‘torete’. Por sua vez, 0 SAdV ‘quando seu submarino emergira das sufocagdes do Polo Sul’, que € uma oragtio transposta, modifica, ndo © verbo ‘lembrou-me’ ~ 0 que nd faz sentido ~ mas 0 SN ‘a figura do capitio Nemo’, Neste dltimo exemplo 0 modificador se refere, nao 20 micleo, mas a todo 0 SN. Trata-se de um modificador aposto, diferente dos outros que, integrando 0 SN, the servem de adjunto. b) Pronomes como SN A) Pessoais, possessivos e identificadores A classe dos tradicionalmente chamados pronomes pessoais é a tinica que apresenta formas distintas para wés grupos de fungdes: (a) os rezos (C0, t0, ele/ela, voce, nds, voces, v6s, eles/elas), (b) os obliquos atonos (me, te, o/a, Ihe, se, nos, vos, os/as, Ihes) e (c) os ob/iquos ténicos (mim, U, si, conosco, convosco, consigo, contigo, comigo). © grupo (@) serve &s fungdes de sujeito e de predicador; o grupo (b) as fungoes a estrutura sintggmatica do portuguée 59 adverbiais de objeto e modificador; o grupo (c) a fangao de objeto pre- posicional (isto 6, ‘objeto ou complemento de uma preposig&o"). As formas ele/ela/eles/elas/nds/v6s servem, no registro formal, tanto as fangdes de (a) como de (c). No registro informal, ele/ela/eles/elas cum- prem os papéis sintaticos dos ués grupos. Ha uma forma neutra do pro- nome pessoal, /o/, que se emprega em dois contextos: como unidade anaférica, substituindo oracao (Perguntei-Ihe se gostaria de nos acom- panhar, mas ele no 0 quis), como micleo de SN modificado por ora- 80 adjetiva (Nao entendi o que ele disse), ‘Sao também nuicleos de SN os demonstrativos (identificadores) ist6; isso © aquilo ¢ alguns possessivos em usos estereotipades (Como vio 05 seus?’, sto &, ‘os seus familiares"; “o meu esti garantido’, isto é, 'o meu sustento’, “a minha parte”) B)Indefinidos Sao eles alguém, ninguém, nada, tudo, algo, um (precedido de cada ou qualquer) e qual (precedido de cada) (ele comeu tudo, nada Ihe agra- da, ndo conhego ninguém, algo esta errado, alguém abriv a porta, cada qual levou sua roupa, qualquer um pode cuidar de si) Os indefinidos que designam parte, geralmente empregados como determinantes, podem funcionar como niicleo sintético de um SN modificado por SPrep. Neste caso, 0 SN contido no SPrep designa a totalidade e 0 N ou Pronome que af ocorre é interpretado como co- referencial ao SN mais alto. Daf a possibilidade de estruturas mais fre- qiientes como ‘muitas dessas casas’ ao lado da menos freqiente ‘muitas casas dessas’ (muitos desses carros foram roubados, ela perdeu um dos brincos, ainda nao li nenhum dos romances dele, qualquer dessas rou- pas me serve, qual das cores voce prefere?, varios de nds estudavamos na mesma turma). ©) Quantificadores So eles todo/a/os/as ¢ ambos, S80 SNs que podem vir antepostos a outro SN (toda ela, todos nés, ambas as mulheres, todo esse traba- Iho), a que servem de modificador aposto. Dai a possibilidade das construgbes ‘todos os passageiros se salvaram’/ ‘os passageiros todos se salvaram’/ ‘os passageiros se salvaram todos’; ‘ambas essas palavras si0 escritas com x'/ ‘essas palavras sf0 ambas escritas com 2°. Também modificador aposto € a fungao de todo em ‘as roupas estao todas motha- 60 iniciagdo & sintaxe do portugués das’, ‘o cho esté todo seco’, que a alguns gramaticos tem parecido um ‘advérbio de intensidade” varidvel. D) Referenciadores (Ref) Outros, como micleo de um SN, vem sempre precedido de os, substi- tuindo a forma desusada ‘outrem’ (Nao fagas a outrem 0 que ndo queres que te facam/nao faga aos outros ...). ‘Os indefinidos quem e qual se empregam como transpositores (ver adiante). "Alguns indefinidos e os pronomes pessoais em geral podem vir modificados por SAdj ou por SPrep (alguém mais experiente; 0 que disseram; nada de mau; eu que o conheci; por #, que és meu amigo, “Menino dessa idade tem I pecado? Ail de mim que os tinha ¢ negros” (Nava, 19730, pp-192-3))- 2) SN € transposigaéo (a) Por meio de que/se 64 — Queriam que ela permanecesse na presidéncia 65 ~ Verifique se eles jd chegaram 66 — E possivel que eles venham (b) Por meio de pronome/advérbio interrogativo 67 - Ignoro quainto custa esse livro 68 — Imagine qual serd a sua recompensa (©) Por meio de pronome indefinido 69 - “Esta provado: quem espera nunca alcanga” (Cxico Buar- UE oY 9 sempre a esquerda de quem olhava 0 fundo da livraria, havia um intervalo entre estantes para um grupo de vime” (Nava, 1973a, p.204) (¢) Por meio de determinantes 71 ~ Ela disse um sim sem convicgao 72. ~ “Pior exa quando ela recusava com 0 sofisma do ‘td passan- do’ (Nava, 19730, p.240) : 73 — “Com isto a dor crescia de intensidade ¢ ecoavam mais alto os perdoa! perdoa! dos pobres negros” (Nava, 1973b, P.135). 714 — Esse € 0 segundo boa-noite que ela me dé 75 —*O autor € viajeiro, conhece um bocado da América, porém o muito peregrinar nao 0 livra de tais inquietagGes” (ANDRADE, 1973, p.830) 2 estrulura sintagmstica do portugués eo (©) Por meio do afixo -r Cinfinitivo) 16 ~ Viver é lutar 77 ~ Bla quer sair 78 ~ Comecem a pular 79 — Deixem-no falar 0 que quer ) SNs formados de nome partitive ou quantitative em geral Nomes como parte, porgdo, resto, maioria, minoria, quantidade, metade, bocado, milhao, centena, dezena, quinto, punhado, metro, gota, légua, alqucire, ¢ tantos outros que indicam quantidade metoni- micamente como copo, pd, balde, caminhéo, caixa, server de nucleo a SNs modificados por SPreps geralmente introduzidos por de (uma parte do leite, duas porgdes de batatas, o resto da comida, a maioria das pessoas, a metade da maga, varios bocados de queijo, um milhao de gafanhotos, dois quintos do bolo, quatro metros de pano, algunas gotas de remédio, duas ps de cal, dois baldes ’égua, duas caixas de Taranjas, um copo de agiicar) ¢) Fungées sintdticas exercidas por SN OSN pode ser sujeito. 80 - “Desde muito me vinha preocupando o problema da minha estatura. Os anos passavam e para cima eu no ia” (MACHADO, 1976, p13) . 81 — “Escrever a noite se fez suplicio para mim” (Campos, 1966, p.l27) 82 - “Nao serd de surpreender, pois, que o trago liberal venha associado 4 idéia de ‘reforms’ ..” (Mota, 1982, p.110) 83 - “Habituava-se a vé-la passar com aquele jeito de quem se reserva para alguém.” (Macuavo, 1976, p.161) 84 — “Nao falta quem conjugue o ideal pottico eo ideal politi- co...” (Assis, 1962, p.811) OSN pode ser objeto 85 “Jamais em minha vida achei na rua ou em qualquer parte do globo um objeto qualquer. Ha pessoas que acham carteiras, jias, promissdrias, animais de luxo, e sei de um polonés que achou um piano na praia do Lebion, inspirando 0 conto de Anibal Machado. Mas este escriba, nada: nem um boto.” (ANDRADE, 1973, p.999) “62 iniciagao a sintaxe do portugues 86 ~ “Ja disse que sou engenheiro e constrator de pontes.” (Ma- Have, 1976, p.15) 87 ~ “Antes de mais nada, € preciso descobrir onde hd um café aberto.” (BRAGA, 1964, p.39) 88 ~"O dia amanheceu como os outros, 66 que as nove horas ouviu-se 0 estrondo ¢ 0 cascaihar argentino de vidros se partindo.” (Nava, 1973a, p.73) '9 ~ "I andei, certa vez, planejando estudar ornitologia.” (Mo- nals, 1986, p.531) 0 —"“Manteve-se eqilidistante dos partidos e foi isto que ... per- mitiu-Ihe salvar um dia a vida do velho soba cearense.” (NAVA, 1973b, p81) © SN pode ser predicador 91 ~ "Quando se € um estrategista, busca-se construir um qua- dro das provincias que cafram nas maos do inimigo ...” (GaBEIRA, 1981, p.138) 92 ~ “Aquito foram dias de balbuirdia.” (Nava, 1973a, p.77) 93 -“E noite de Natal.” (Baca, 1963, p.124) 94 ~"A conclusdo € que nem todas as palavras tém o mesmo eco em todas as cabegas.” (Assis, 1962, p.752) O SN pode ser modificadar nominal aposto 95 ~"A terra, credor que ndo perdoa, ¢ apenas reformaré algu- mas letras, veio pedir-the a restituigao do empréstimo.” (Assis, 1962, p.759) 96 - “Pensei que ela fosse passar me dando apenas um adeus, esse ‘bom dia’ que no interior a gente dé a quem encontra.” (BRAGA, 1963, p.149) Em virtude de topicalizagao, um SN aposto pode vir & esquerda da oracdo a que pertence. Em 97, 0 aposto é antecipado como um dado conhecido e funciona como ‘t6pico’ de todo o enunciado (cf. VII.2b); ‘em 98, o aposto tem valor causal relativamente ao predicado. 97 ~ “Que 0 homem apaixonado é um doente, disso nfo nos ficou a menor davida.” (Moats, 1986, p.618) 98 ~"Vitiva moga, olhos rasgados, dona de terra, de negros, de dinheiro na canastra~ a Inh4 Luisa comegou logo a ser rondada.” (Nava, 1973b, p.164). ‘© SN pode ser modificador verbal 99 - “Voltou para a cama e s6 conseguiu adormecer madrugada alta.” (Veatssto, 1975, p.73) 100 ~ “Pesava 1.500 quilos, e chegaria a pesar 4.000, se vivesse.” (Anpaans, 1973, p.966) 101 — “Um dia comegou a guerra do Paraguai, ¢ durou cinco 6 a estrutura sintagmética do portugues 102 ~“... 1d dentro se pode imaginar uma cabana, um subterra- neo; mede uns quatro metros...” (ANDRADE, 1973, P.966) 103 — “A terra, credor que nao perdoa, ¢ apenas reformard algu- mas letras, veio pedir-the a restituigao do empréstimo” (Assis, 1962, p.759) 104 - “Vivaldino deixa-se cair pesadamente numa poltrona for- rada de veludo (WeRissino, 1975, p.269) 105 —“Sentia-me unm cavalo cego” (Braca, 1963, p.37) 106 ~ “Venho, hé meses, observando-os trabalhar, erguer a sélida estrutura de oito pisos...” (MoRats, 1986, p.602) ( lugar do modificador verbal é sob 0 dominio do SV. Tratando- se de SN, como nos exemplos 99-106, 0 modificador acompanha verbos intransitivos-(exemplos 99-103) ou verbos transitivos integrados pelo objeto (exempios 104-106). O SN pode ser modificador oracional aposto Ocorre geralmente apds a oracdo. Eventualmente vem interca- lado a ela. Anteposto a oragdo, € préprio do uso apelativo da imprensa falada ou dos antincios 107 ~ Eles fugiram para o exterior, 0 que desapontou a policia (posposto) 108 ~ Carlos refugiou-se na cozinha, onde — constrangedora coincidéncia— deparou com Ot{via (intercalado) 109 — Um recorde senisacional: Pedro Nunes, amazonense de 28 anos, conseguiu beber, num periodo de 2 horas, nada menos que 20 litros de chopp (anteposto) 110 ~ “Nesse momento de descolonizagao parecem postigos — falsa consciéncia— 08 valores dos grandes proprietarios na boca dos ex-escravos” (intercalado) (Mora, 1982, p.151) 111 - “4 passei ano s6, em terra estranha, ou o gue & mais amargo, na minha” (intercalado) (BRAGA, 1963, p-127) ‘A forma mais comum desse tipo de aposto € a exemplificada em 107 ¢ em 111 (um ‘o" seguido de oracdo adjetiva). Também é comum 0 uuso dos substantivas ‘fato" e ‘coisa’ no lugar do ‘o’. 107b — Eles fugiram para o exterior, fato que desapontou a poli- cia 112 -“...Os proprietdrios as vezes transigem com eles, coisa que nenhum poderia decentemente fazer com um ladrao de cavalos.” (Ra- Mos, 1981, p.130) ‘Outros nomes, sempre sem qualquer determinante, af se empre- ‘gam como que reiterando a modalidade (ef. VII 1.a) da oragio. 113 ~ Os metaltirgicos resolyeram entrar em greve, decisdo que apanhou o ministro de surpresa (Observar a relagdo de sentido entre ‘resolveram’ ¢ 0 nome ‘decisao", que o reitera no aposto) 64 Iniciagao a sintaxe do portugues 114 ~ Eles acreditavam que 0 sol girava em torno da Terra, hipd- tese que estava superada desde Galiteu (Idem entre ‘acreditavam’ ¢ ‘hi- sotese”) Pes tungto discursiva desse tipo de aposto , em qualquer as0, exprimir um comentario do enunciador sobre 0 conteiido proposicio- nal da orago. Ele guarda, assim, grande afinidade com outras constru- ges em que o comentario constitui uma oragao independente. 115 ~“Em suma - ¢ é 0 principal defeito que Ihe acho -, este pro- jeto afirma de um modo estupendo a onipoténcia do Estado.” (Assis, 1962, p.503) 116 = “Como se sabe, 0 Governo Provisério prometeu alforriar 0s escravos que viessem voluntariamente alistar-se como soldados - em atitude revolucionéria radical -, ¢ tal medida foi considerada pelo Monsenhor ‘ndo pouco perigosa’.” (MoTA, 1982, p.264) Note-se que essas oragdes independentes poderiam dar lugar aos apostos ‘principal defeito que Ihe acho’ e ‘medida que foi considerada pelo Monsenhor “nao pouco perigosa””. Em qualquer dessas construgdes 0 segmento (aposto ou ora¢ao independente) que encerra o comentério assume este papel gragas a0 recurso da focalizagao (cf. VIL.1b e VII.Ic). No exemplo abaixo, for- Jado sobre 0 de Machado de Assis, aquelas informagdes ja nao vém sob a forma de oragao € comentario, mas hierarquizadas sintaticamente. 117 ~ O principal defeito que acho neste projeto é ele afirmar de um modo estupendo a onipoténcia do Estado. f) As ‘oragdes substantivas’ ‘A gramética tradicional chama ‘orag6es substantivas’ as estruturas do SN constitufdas, geralmente, pelos transpositores que e se e uma ora- $40. Ja se vé que nao é a oragdo, mas o SN por ela integrado, que desempenha as fungdes de sujeito, objeto etc. A oragao ndo exerce qualquer fungao, ¢ $6 cabe a classificagdo ‘substantivas’ as oragdes que, introduzidas por pronomes indefinidos ou advérbios interrogativos (c£.V.1¢) ocupem a posigdo de um SN, pois esses transpositores inte- gram as oragdes que introduzem. 118 — Até agora ndo est decidido quem ocupard a presidéncia (sujeito) 119 — Perguntaram-lhe quantas vezes ele tinha se casado (objeto) 120 - Minhe duvida era quanto gastarfamos na viagem (predicador) 12] - S6 estavam investigando uma coisa: onde ele tinha conse- guido tanto dinheiro para a campanba (aposto) aestrutura sintagmatica de porugués ef Nestes exemplos, quem, quantas, quanto e onde tém 0 duplo papel de sintagmas constituintes das oragdes que iniciam e de transpo- sitores, 80 Passo que nos exemplos abaixo o transpositor est fora da oragao. 122 - Estava claro que ele ndo desistiria da candidatura 123 - O presidente declarou que nao reformaria 0 ministério sob presséo 124 ~ Nao sabfamos se ele desistiria da candidatura Os gramaticos chamam de ‘conectivo" (conjungo subordinativa integrante) 0 que ¢ 0 se dos exemplos 122-124, e negam natureza conectiva as formas quem, quantas, quanto e onde dos outros exem- plos. Como dissemos, estas unidades t&m dupla natureza ¢, a exemplo de que e se, servem, no discurso indireto, para transpor as Construgbes que encabecam a classe de SN. S6 assim essas construgdes se tornam aptas a desempenhar as fungdes siatiticas proprias do SN ou eventual: mente exercidas por SN: sujeito e objeto (préprias), aposto e predica- dor (eventuais). ‘Os constituintes a que a gramética tradicional atribui as fungoes supostamente nominais (ou substantivas) de objeto indireto, comple- mento relativo, agente da passiva, complemento nominal ¢ adjunto adnominal, s8o, em geral, sintagmas preposicionados que funcionam como modificadores. Em V.3b trataremos das fungdes do SPrep. Seguem-se os exemplos, tomados & lingua escrita, das varies fun¢des dos SNs que contém oragdes. ay Sujeito 125 ~ “Nao admira, assim, que fossem eles praticamente os tini- cos verdadeiros ‘cidadaos’ na colénia.” (HOLLANDA, 1976, p.58) 126 ~ “Na monarquia eram ainda os fazendeiras escravocratas € exam filhos de fazendeiros, educados nas profissées liberais, quem monopolizava a politica.” (Houtanpa, 1976, p-41) 127 ~“Parecia que davam juntos 6 mesmo salto no tempo." (Ma. cuavo, 1976, p.54) 128 —”...6 compreensivel que nem sempre as manifestagdes escritas fossem claras ¢ precisas...” (Mota, 1982, p.189) 129 ~ “Que importa a uma grande cidade que haja um aparta- mento fechado em alguns de seus milhares de edificios?” (BRAGA, 1963, p.177) Seen a eee eee ee 6 iniciagso @ sintaxe do porugués B) Odjeto 130 ~ “Finalmente, afirmei que a tortura era um simbolo ambi- valente de forga e decifnio.” (Ganeira, 1981, p.179) 131 ~ “Por af se observa que a itha mais paradisiaca pede regula- ntagdo.” (ANORADE, 1973, p.797) 132~*...resolvemos deixar que 0 plo € 0 leite ficassem 14 fora.” (Braca, 1963, p.176) 133 — “Ignora-se até hoje quem fosse 0 mameluco informante.” (Hoitanpa, 1977, p44) 134 -“Acho que depois nunca nos lembramos dessa tarde ~ ¢ nfo sei por que ela me voltou 8 memnéria outro dis.” (Beacon, 1963, p.57) 135 ~ “Nao seré dificil compreender por que a contra-revolugao adotou muitos dos princfpios revoluciondrios.” (Mota, 1982, p.165) ©) Predicador 136 ~“O certo € que ... aviva-se paralelamente, na corte de Lis- boa, 0 interesse pelos destinos da Terra de Santa Cruz.” (HOLLANDA, 1977, p89) 137“... 0 primeio ensinamento a tirar das comemoragoes € que a média de vida no tem aumentado muito com as maravilhas da bioquimica.” (ANDRapE, 1973, p.805) 138 ~ “A conclusao € gue nem todas as palavras tém 0 mesmo eco ein todas as cabepas.” (Assis, 1962, p.752) D) Modificador aposto 139 “A mim, contaram-me o seguinte: que um grupo de bons € vethos sabios ... comegaram a reunir-se todas as noites para olhar a tua.” (Moats, 1986, p.520) 140 - “Enfim, senhor, eu sei tudo; que ndo tenho direito a nada, que no valho nada, ndo sou nada.” (BRAGA, 1963, p.81) 141 ~ “Com uma habilidade que 0 Prof. Libindo nZo pode deixar de comparar mentalmente com a de Deméstenes ..., Barcelona passa dos assuntos sexuais para outros aspectos do sabmundo de Anta- Fes: quem fuma maconha, quem tem o vicio da morfina, que farmacéu- tico vende entorpecentes sem receita.” (VeR(ssimo, 1975, p.346) Nos exemplos 125-129, o predicado geralmente exprime uma ati- tude do enunciador em relagéo ao contetido da oragao integrada a0 SN, € costuma apresentar uma de duas estraturas: verbo + SAdj (ser ‘a estrutura sintagmética do portuguas 7 ‘possivel, estar claro, parecer incriveh ou verbo simples (convir, bastar, Zonstar, parecer, importar, admirar ~ causar admiraglo — ocozrer, ‘acontecer eic.). Nas esteoturas verbo +SAdj pode ocorrer a supressio, do verbo: 142 - Claro que esse espfrito se manifestou na arte, ¢ nBo na politica.” (ANDRADE, 1973, p.827) Sobressai ai o cardter modalizador do adjetivo ‘claro’, meio que tem 0 enunciador para exprimir seu ponto de vista sobre 0 contetido da oragdo contida no SN. As vezes a expresso modalizadora vem repre- sentada por um advérbio (talvez, certamente, ainda bem). £)As oragdes substantivas e a interrogacao Em sua fungao interpessoal', o discurso contém um sem-mimero de construgdes gramaticalmente “incompletas’ ou dependentes, mas que subsistem como unidades textuais (frases): vocativos em geral, pergun- tas como *E agora, José’, ordens enunciadas no infinitivo e no gersndio (Atacer!, Correndo!...) ou resumidas em um sintagma (Fogo!, Silén- ciol, Depressal), comentarios diversos (Cafajestel..., Perfeito!, Que azar!...). ‘uma propriedade do discutso direto dar acothida a essas cons- truges cuja ‘incompletude” gramatical 6 compensada ¢ preenchida pelos variadfssimos recursos da entoagao. Somente por isso, alids, se explica que construges como “E se o mundo acabar amanha?!”, incapa- 2es de ocorrerem isoladas no discurso indireto, podem ser unidades de comunicagao no discurso direto. Entre tais construgoes se situam as frases interrogativas constituidas de um pronome ow advérbio sobre qual incide o foco da pergunia, : ‘Sao as ‘interrogativas de instanciaco’, que, assim como as ‘inter- rogativas globais’ (MaTeus et alii, 1983, pp.360-73), podem figurar no discurso indireto ocupando a posigao de um SN constituido de oragao = ‘orago substantiva interrogativa indireta’, segundo alguns graméti- cos. Enquanto as ‘interrogativas globais' sao introduzidas pelo transpo. sitor ‘SE’, de valor dubitativo, as ‘de instanciagdo’ sao pelo prono- me/advérbio sobre 0 qual incide a pergunta, T Bmiepdo-re por fongio inerpessos) a que “define os papéts que a pessoas podem Susvinis sm sftvagoes nas quale ettejam comunicande-se™ (HagLIoaY, 1978, PS) CvILLo aimodehidede 68 iniciagao & sintaxe do porugués Discurso Dinero Discurso Inomero 143 - Quantos m? mede este 143b ~ Digam-mequantos m* terreno? mede este terreno. 144 — Este terreno mede mais 144b - Digam-me se este terreno de 600m? mede mais de 600m? 145 — A agua dessa lagoa é 145b - Quero saber se a agua doce ou salgada? dessa lagoa € doce ou sal- gada. 146 — Como se poe esse carro 146b ~ Perguntei como se poe em movimento? ‘esse carro em movimen- to. 147 ~ Quem descobriu a Amé- 147b — Ela quer saber quer des- rica? cobriu a América. [As frases 143, 146 € 147 sio interrogativas de instanciagao; 144 € 145 so interrogativas globais. Funcionando no discurso indireto como transpositores, esses pro- nomes e advérbios interrogativos ocupam obrigatoriamente a primeira posigo na estrutura da oragdo subordinada. No discurso direto, porém, essa posigdo € bastante flexivel, Discurso Digeto Discurso Inometo 148 ~ Onde voce almoga aos 149~ Diga-me onde voce domingos? almoga aos domingos. 148b ~ Voce almoga onde aos 149b ~ *Diga-me vocé almoca domingos? onde aos domingos. 148c ~ Aos domingos vocé 149 ~ *Diga-me aos domingos almoga onde? voce almoga onde. 2. 0 SINTAGMA VERBAL (SY) © SV, que € 0 constituinte caracterizado pela presenga obrigatéria de verbo, desempenha privativa e exclusivamente a fungao de predicado = nico constituinte fundamental da oragao. Por isso, da classe sinté~ tica do verbo dependem as diversas estruturas do predicado e, por extensio, da propria orasao. 4) A predicacao verbal Os verbos pertencem a duas classes sintaticas principais: a dos predica- dores e a dos transpositores. Os predicadores so micleos do predica~ do; os transpositores introduzem outros constituintes (SAdj, SPrep, SN, SAdy, Partic{pio), que assim podem funcionar como predi- a ostrutura sintagmtica do portugués a cadores. Apenas os verbos fer/haver, seguidos de particfpio, ¢ ser sto transpositores. A) Os verbos predicadores Os verbos destacados abaixo apresentam, em cada grupo, caracter’ cas combinatorias pecutiares, geralmente utilizadas para enquadra-los em diferentes classes sintaticas. Vamos comparé-los, 150a ~ As folhas caem no outono 150b — Uma flor nasceu na rua 150c ~ O gato esté morrendo 151a— Esse menino n&o come desde ontem 151b - Escrevi durante a noite 151¢ - Nessa escuridao nao consigo enxergar 152a ~ Esse tecido encolhe apds a lavagem 152b~ A roupa secou rapidamente 152c ~ O sorvete vai derreter 153a — Licia visitava seus amigos 153b - Ana resumiu a est6ria 153¢ — A policia interditou a ponte 154a ~ O porteiro impediu o mendigo de entrar na boate 1540 - O guarda obrigou o motorista a entregar-ihe os docu- mentos 154¢ — Ana dissuadiy seu irmdo de trancar a matricula 155a - O carteiro entregou a correspondéncia ao porteiro 155b~ Ana Maria ofereceu um almoso aos seus colegas 155c ~ Jodo recebeu uma carta de seus pais 156a — Seu discurso me empolgou 156b ~ Esse esporte no me interessa 156c ~ O Congreso decepcionou 0 povo Os verbos do grupo 150 se constroem obrigatoriamente com sujeito, mas dispensam o sintagma preposicionado, de valor circuns- tancial. Os verbos do grupo 151 também dispensam 0 sintagma prepo- sicionado, mas admitem facultativamente um sintagma nominal objero (por exemplo: carne, duas cartas, 0 caminho). Os verbos do grupo 152 se constroem com um SN que tanto pode ser seu sujeito (como nos exemplos) quanto seu objeto (cf.152d — A lavagem encolheu 0 tecido: 152e — O vento secou a roupa; 152f — O calor vai derreter 0 sorvete). Os verbos do grupo 153 vém obrigatoriamente seguidos de SN, dife- rentemente, portanto, dos do grupo 151, cujo SN objeto € opcional. No grupo 154, o SN que serve de objeto vem seguido de SPrep que pode conter um infinitive. Também no grupo 155 0 verbo vem seguido do ponugues de SN ¢ SPrep, que todavia, comparado a0 SPrep do grupo 154, exibe duas peculiaridades: pode preceder o SN ¢ nao pode ser integrado por infinitivo (¢f.155d - O carteiro entregou ao porteiro a correspondén- cia; 155e ~ Ana ofereceu-lhes um almogo; 155f ~ Joao recebeu de seus pais uma carta). Finalmente, os verbos do grupo 156 admitem um reordenamento dos constituintes (cf. 156d~ Empolguei-me com seu discurso; 156e — Nao me interesso por esse esporte; 156f - 0 povo decepcionou-se com o Congreso). Algumas outras classes podem ser estabelecidas. Este conjunto é apenas exemplificativo, © conjunto de peculiaridades sintaticas caracteristicas de cada uma dessas classes constitui a predicagao de seus verbos. Os sete tipos exemplificados acima se distribuem tradicionalmente por dois grupos: 0 dos verbos transitivos (153-156) € 0 dos verbos intransitivos (150- 152). Este critério permite colocar em grupos rigidamente distintos os verbos de 150. 153, mas nao deixa clara a situaggo dos verbos de 151 152, aparentemente’pertencentes aos dois grupos. B) Os verbos transpositores ‘Chamamos transpositores aos verbos ser, tere haver nas construg6es ja referidas, porque ai o tinico papel deles é servir de instrumento para que um constituinte no verbal possa funcionar como niicleo do predi- ado, isto €, como predicador. ‘Os verbos compreendidos nesta classe sto tradicionalmente rotu- Iados como auxiliares (ter/haver/ser) ¢ de ligagao (ser). O tema da auxiliatidade jé foi minuciosamente estudado por Eunice Fontes (PON. es, 1973) e por Liicia Lobato (Lopato, 1975), que destacaram tanto a inconsisténcia das definigdes como a disparidade entre os elencos de verbos auxiliares estabelecidos pelos diversos graméticos. Quanto a classe dos ‘verbos de ligaco” a confusio nao € menor. Adriano da Gama Kury, por exemplo, 03 definiu como “verbos que sem possufrem geralmente significacao precisa, ligam um sujeito a um predicativo” (Kury, 1985, p.40). Kury refere-se a verbos como ser, estar, parecer ¢ continuar em frases como 157 ~ Carlos ¢ (est4/parece/continua) nervoso. Nao esclarece, porém, em que se baseia para considerar impre- cisa a significagao deases verbos. Os usuarios da lingua nfo se enganam quanto & diferenga de sentido desses verbos, por isso mesmo nao os empregam ans pelos outros. Por outro lado, um verbo como fazer (que seguramente Kury nao classificaria como ‘de ligag0’) constitui um caso Upico de “imprecisao semantica’, se assim podemos qualificar a sua capacidade de denotar realidades to variadas ¢ distintas como em n ‘a eetrutura sintagmatica do portug 158-0 wem fez a curva 159-0 gato faz miau 160 ~ Fiz uma visita a um amigo 161 ~ Vou fazer os exercicios 162 — A prefeitura fard uma passarcla sobre a avenida 163 — A longa exposigo ao sol pode fazer mal & satide Quanto & propriedade de ligar um sujeito a um predicativo, pos- suem-na também verbos que Kury classifica como intransitivos na p.29 da mesma obra: ‘Vai redonda ¢ alta a lua’, “Entrei apressado’ ‘Ao chamar de ‘relacionais’ os tradicionais verbos auxiliares e de ligagdo, Said Ali os reuniu numa mesma classe, movido, certamente, pela intuigdo de que a diferenca entre uns ¢ outros estava, na verdade, no constituinte por eles introduzido: se este constituinte era urn subs~ tantivo ou adjetivo em fungo predicativa, o verbo era ‘de ligagdo’; se constituinte era um infinitivo, um gerindio ow um participio, © verbo era “auxitia’ 164 ~ Carlos esté (continua/fica) trabalhando (verbo auxiliar) 165 — Carlos esta (continua/fica) nervoso (verbo de ligagéo) 166 ~ Carlos foi promovido (verbo auxiliar) 167 ~ Carlos foi bom goleiro (verbo de ligagao) ‘A minuciosa andlise de Lifcia Lobato reduz o grupo dos auxilia- res a quatro elementos ~ ser, fer, havere esiar~ ‘0s auxiliares séricto sensu". No que diz respeito a nds, cremos que mesmo estar é wm verbo intransitivo,* uma vez que ndo ha motivos sintdticos para consideré-lo diferente de ficar, andar, continuar nas construgdes em que esses ver~ bos so seguidos de SPrep ou de geriindio. Estar tem disiribuigao mais restrita que ser. Nao hé ocorréncia sintética de estar que Ihe seja exclu- siva, propriedade que, justamente, caracteriza os verbos transposito res. 7 © Os transpositores ter e haver Forma invaridvel do verbo, © participio® passa a constituir o ndcleo do Pains hea east tas Get Sts yg Eohapes ria "enone ents tan ef hamadas construgdes passivas, 550 adjetivos. 2 iniciagao & sintaxe do pontugués predicado através de ter/haver, que, como verbos transpositores, se flexionam para exprimir as categorias de tempo e modo, ntimero e pes- soa, exceto nas formas do pretérito perfeito (so agramaticais as cons- trugoes tive/houve comprado). O particfpio recebe os mesmos comple- mentos das formas varidveis do verbo (cf. comprei os livros/tenhio com- prado 0s livros). Se, porém, 0 complemento tem a forma de um pro- nome Atono, este se anexa necessariamente ao verbo transpositor (cf. cu os tenho comprado/tenho-os comprado). Tenho comprado-os & agramatical. * O transpositor ser Conforme vimos, a funcao de predicado € privativa e exclusivamente exercida pelo constituinte que contém verbo em sua estrutura: 0 SV. ‘Ao verbo compete criar as condig6es para que o sintagma que ele inte- gra exerga a fungao de predicado. Associado a esse papel gramatical, 0 verbo desempenha o papel lexical de predicador. O verbo ser, contu- do, s6 desempenha o papel gramatical, ficando o de predicador'2 cargo os sintagmas que 0 acompanham obrigatoriamente no predicado. As diferengas entre as vérias estruturas de predicado que contém ser ficam por conta desses predicadores, que categorialmente podem ser SNs, SPreps, SAdjs ou SAdvs, e semanticamente so expressoes atributivas (Ad, identificacionais (Idf) ou situacionais (St) 168 ~ O autor dessa histéria é Jorge Amado (SN-Idf) 169 — 0 autor dessa hist6ria é baiano (SAqj-An), 170 — Esse menino € inteligente (SAgj-A0) 171 — Esse menino € um génio (SN-AD 172 ~ Esse menino € 0 cagula da familia (SN-Idf) 173 — Esse charuto € de Havana (SPrep-Av) 174 — A recepgo ser no clube (SPrep-St) 175 ~ A recepgao seré no sébado (SPrep-St) 176 ~ Esse vatapa é sem pimenta (SPrep-AT) 177 — Esse vatapa 6 uma delicia (SN-AD) 178 ~ A recepgdo sera aqui (SAdv-S0) 179 — A recepeao sera amanha (SAdv-S) 180 ~ A solugdo é beber mais leite (SN-Id) 181 ~ 0 fato € que 0 povo nao acredita nisso (SN-Idf) Do ponto de vista sintético, todos sdo predicadores. Aliando a classificagdo semantica & sintética, podemos dizer que uns sdo predica- dores atributivos, outros predicadores identificacionais, ¢ outros ainda predicadores situacionais (locativos, 174 e 178, ou temporais, 175 € 179).Os predicadores identificacionais tém sempre um referente defi- a estrutura sintagmética co porugués 73 nido, ¢ se expressam por meio de um SN constituido por nome proprio, por nome precedido de determinante identificador ou por pronome pessoal, ou por SN resultante de transposigao operada por ‘que/se”. Sin- taticamente, caracterizam-se pela possivel permuta de posigao com o SN sujeito, 0 que dé resultados como 168b — Jorge Amado € o autor dessa histéria 172 ~ O cagula da familia é esse menino 180b - Beber mais leite 6 a solugao Os predicadores atributivos podem ser SAdjs, $Preps ou SNs. Integrando o SV ao lado de ser, um SAdj s6 pode funcionar como pre- dicador atributivo; seu deslocamento s6 se dé nos casos de topicaliza- 40 com resultado enfético: 170b ~ Inteligente € esse menino/Inteligente esse menino é Os predicadores atributivos apresentam dois subtipos légicos: 0 que exprime classe © o que exprime propriedade, caracterfstica. Nos exemplos abaixo, 0 SN um rato exprime classe no emprego denotativo de 182 ¢ uma propriedade no emprego conotativo de 183: 182 ~ Mickey € um rato (= Mickey pertence & familia dos ratos) 183 — Anacleto é um rato (= Anacleto € ladrdo) As expressbes de intensidade ~ como 171 ¢ 177 ~ sao atributi- vas por nalureza. Assim & que, fora de seu emprego referencial, 0 artigo definido particularizado por uma entoagdo enfética, introduz predicadores atributivos, como em 184 — Elis Regina era a intérprete (isto ¢, ‘ums Vejamos agora os predicadores situacionais. Devemos restringir esta classificagao semantica as unidades que impliquem uma referencia ditica, isto é, relativa ao lugar e momento da enunciagdo (cf. VIL2b), como em 173, 174, 178 ¢ 179. De sorte que, nos exemplos abaixo, a localizagdo, quer no tempo, quer no espaco, tem valor atributivo: 185 — A entrada € pelo lado (cf. A entrada € lateral) 186 ~ A feira era aos domingos (cf. A feira era dominical) Por fim, observemos os exemplos abaixo: 187 ~ Engragado esse inseto; a asa dele € na barriga 188 ~ Voce esté por fora da moda; esse lago é na cintura 189 ~ A aula serd no auditorio as 10 horas 190 ~ A festa foi ontem na quadra da Portela 191 - A merenda seré no pétio aps as aulas 192 ~ Essa manobra é para fazer 0 carro parar 193 ~ Minha sorte € se eles vierem de carro 194 ~ A estrada é para veiculos pesados 195 ~ A entrada € sem convite 196 — A viagem era de 6nibus intérprete perfeita’) on iniciagse a sintexe do portugues 197 ~ O ferimento foi a navalha Todos esses exemplos confirmam a andlise do verbo ser que vimos propondo ¢ que se inspira em Matthews‘. Construgdes como a asa/na barrigal, 0 laco/no pescocol, a entrada/pelo lado), a merenda/a- (p65 as aulas/, essa manobra/para parar 0 carroj, a viagem/de dnibus/, 0 ferimento/a navaihal, a entrada/sem convite/ a5 quais falta 0 verbo ser, sio tdo-somente sintagmas nominais dotados de uma base ¢ um modifi- cador. Para que 0 sintagma modificador, entre barras nos exemplos, adquira a condicdo de predicador, recorre-se a0 verbo ser. Introduzido © wanspositor ser, aqueles SPreps ¢ SAdvs passam a funcionar como niicleos de um SV (predicadores). O que ‘modifica’ em a festa aqui ou em o ferimento a navalha serve para ‘predicar’ em a festa serd aqui e em 0 ferimento foi a navaiha. e0 transpositor ser, a andfora e a nocdo de foco E comum o verbo ser acumular os papéis de transpositor ¢ de substi- into anaférico de uma proposigao. Nesse emprego ele é tradicional- mente chamado ‘verbo vicério". Consideremos os seguintes pares de rases 198a ~ Eles vinham a pé porque moravam perto da escola 198b ~ Se eles vinham a pé, é/ era porque moravam perto da escola 199a ~ Eu vou dizer “ja” para vocé corer 1990 ~ Quando eu disser “ja”, é/serd para voce correr 200a- Vocés podem fazer a festa no quintal 200b - Vocés podem fazer a festa, desde que seja no quintal 201a ~ Podiamos ir até 0 acude para pegar peixes 201 ~ Podiamos ir até o agude quando fosse para pegar peixes 202a ~ O Presidente renunciaré para a felicidade geral 202b ~ O Presidente renunciard se for para a felicidade geral 203a ~Eles sairam sem minha permisséo 203b - Eles sairam, mas foi sem minha permissio A comparagto entre as frases ae brevela que em bas circunstan- cias de causa (198), finalidade (199, 201 e 202), lugar (200) ¢ modo (203) vém ‘realcadas’ mediante o uso de ser, que as transpée para a fun- pedemor considerar a eSpule (aser) um meio pelo qual o predicador lexicalmente lo-verbal, e gramaticalmente invaridvel em tempo e ouLias categorias verbals, vers incorporade & construgzo cujo elemento esseacial € um verbo" (MATTHEWS, 1982, p.116), 2 gstrutura sintagmatioa do porugués 7s 40 de predicadores de uma oracko, que pode ser dependente (200, 301, 202) ou independente (198, 199 203). (0 recurso pelo qual se deu realce as circunstncias nas frases acima constitui um procedimento de focalizagdo. Por um segmento sob foco num enunciado equivale a considerd-Io a parcela de informagao nova para o interlocutor. Por isso, essas construgdes tém a peculiari- dade de impor uma nftida divisfo do enunciado em dois segmentos: 0 focalizado ~ informago nova para o interlocutor — ¢ 0 restante ~ informagao ja dada ou disponivel no contexto, No capftulo Vii voltare- mos ao tema da focalizacéo. b) Transitividade e intransitividade ‘Tradicionaimente, a oposigao transitivo/intransitivo tem sido tratada como uma diferenga de modos de significagéo do contetido Iéxico do verbo: verbos como nascer, voar, sorrir se dizem intransitivos porque gnificam processos em si mesmos completos (a crianga/nasceu, nem todas as aves/voam, a menina triste/sorriu); jd 08 verbos anular, conter, resumir se dizem transitivos porque significam processos que s6 se completam mediante uma informagio adicional, como a das expres- ses destacadas nos parénteses (este frasco/comtém veneno, Jorge/te- sumiu 4 es¢6ria, 0 juiz/anulou 0 gol). O problema principal desse crité- rio € deixar sem explicaco a possibilidade de muitos verbos ocorrerem ‘ora com 0 objeto, ora sem ele, como nos seguintes pares de exemplos: 204a - Ana esté escrevendo no quarto 204b — Ana esté escrevendo cartas no quarto 205a ~ Miguel no bebe durante a refeiga0 205b ~ Miguel nao bebe nem um Copo d’dgua durante a refeigho Estes pares de exemplos mostram que escrevere beber ‘adimitem’ ‘objetos, mas nao os ‘exigem’. A presenga/auséncia do objeto satisfaz, relativamente a uma classe de verbos que inclui escrever e beber, a uma necessidade subjetiva e circunstancial da comunicag&o (Git y Gava,1948, p.60). Procurando evitar as armadilhas desse critério de ordem nocio- nal, muitos graméticos preferem distinguir verbos transitivos ¢ intran- sitivos com base na presenga versus auséncia de complementos, Nou- tras palavras, a distingdo deixa de ser lexical paradigmética - como propriedade intrinseca do verbo — e passa a ser sintdtica ¢ sintagma- tica - conforme o emprego do verbo na frase. “Também este critério tem suas limitagdes. Convém notar que por cle a distingao tansitivofintransitivo passa a ser mecdnica ¢ semantica- mente irrelevante, uma vez que, indiferente aos papéis semanticos % iniciagéo & sintaxe do porugués desempenhados pelos participantes do processo verbal, como agente paciente, no permite distinguir 0 comportamento semantico-sintatico de verbos como escrever (cf. 204a ¢ 204b) e derreter (0 quimico demre- teu 0 chumbo/ 0 chumbo derreteu). Esses casos sdo obviamente distin- tos; nos exemplos com escrever e beber 0 sujcito preserva seu papel de agente do processo, com 0 objeto ou sem ele. Nos exemplos de derre- ter ocorre algo diferente: o paciente (o chumbo) permanece na oragéo com a funggo sintética trocada: de objeto na construgao transitiva, passa a sujeito na intransitiva. A ansitividade 6, efetivamente, parte do contetido lexical de muitos verbos. Contudo, assim como as nogGes de género, tempo, caso etc, ndo correspondem a dados precisos ¢ bem delimitados da nossa experiéncia conceitual, assim a transitividade ndo pode ser definida em termos de experiéncia extraverbal. Esta é um continuo ou substéncia de ‘sentidos possiveis’ que 6 se torna objeto do nosso conhecimento matéria de expresséo verbal quando é estruturada, analisada, recor- tada em unidades lexicais e gramaticais (cf. I.1 ¢ 1.2). Esse recorte, simbélico ¢ convencional, paga com a flutuagao de scus limites 0 custo de seu cardter arbitrério, Por isso, substantivos nem sempre correspon- dem a pessoas € coisas, € 0 futuro dos verbos nao corresponde sempre a aconiecimentos futuros. Por isso, a0 mesmo esquema oracional que prevé o bindmio sujeito/predicado podem corresponder configaragdes de sentido to variadas como agente/aco (206), causa/efeito (207), ins- trumento/agao (208), paciente/processo (209), paciente/agao (210), origem/processo (211), beneficiério/agao (212). 206 ~ Pedro descascou a laranja 207 ~ A chuva alagou a cidade 208 ~ A gilete faz a barba 209 ~ O gelo derreteu 210 — Pedro quebrou o brago 211 — A pedra minava égua 212 ~ Pedro ganhou uma bicicleta A transitividade est4 nesse caso. Muitos verbos representam a experigncia humana como um proceso, com a exigéncia de se explici- tarem dois participantes — sujeito e objeto, como em ‘Joao resumiu a estéria’ - ov apenas um — sujeito, como em ‘O sol nasceu’ — , ou um ¢ opcionaimente dois como em ‘Ana chorou/Ana chorou sofridas lagri- mas", ‘Paulo nao bebe/Paulo nao bebe vinho’ ~ ou dois ¢ opcional- mente trés, como em ‘Paulo recebeu uma carta/Paulo recebeu uma carta de seus pais’, A afirmagao de que a predicagao do verbo depende da frase implica negar que ela faca parte do sistema da lingua, que ela integre 0 conhecimento que cada um tem de sua lingua ¢ que o tora capaz de 2 estrutura sintagmatica do portugués 7 saber se ‘deve’ ou simplesmente “pode’ anexar um objeto ao verbo que empregou. Muitos verbos ~ entre os quais se incluem ‘escrever' e “be- ber’ ~ esto categorizados na lingua como transitivos e intransitivos, ¢ se esse fato 56 se torna evidente na frase € porque esti latente no con hecimento linglfstico de cada usuario, Por tudo isso, ndo é bastante dizer, por exemplo, que os verbos dexreter © escrever podem ser transitivos ou intransitivos, porque, categorizados de um modo ou de outro na lingua, eles impoem a seus sujeitos papéis semanticos diferentes. Adiante ainda vamos nos deter na distingao entre verbos transiti- vos ¢ intransitivos. Antes vamos passar em revista a questio da oposi- go entre complementos e adjuntos. ¢ Complementos ¢ adjuntos Opor complementos a adjuntos é uma pratica corrente nas descriges gramaticais das linguas indo-européias. A despeito das muitas dificul- dades tedricas ¢ metodoldgicas que cercam essa distingZo, ela é susten- ‘ada basicamente pelo pressuposto de que, na estrutura da oragdo, cer- tos constituintes’ — complementos ~ so necessérios, isto é, “exigidos’ pelos termos regentes (qiie sem eles ficariam ‘incompletos’), enquanto outros — adjuntos — so acessGrios, isto €, acrescentados ‘facultativa- mente” &s construgbes. A oposic&o desses conceitos mediante os ter- mos complemento e adjunto nao €, todavia, pratica muito antiga ‘Complementos” 6 como se identificam, no sistema francés de andlise, as mesmas fung6es que, no sistema inglés, se designam como ‘adjun- tos’, conforme se depreende do paralelo feito por Ernesto Carneiro Ribeiro nos Serdes gramaticais (Rise1Ro, 1955, pp.553-61). Na Grama- tica filosdfica, de Soares Barbosa, usa-s¢ t&0-86 0 termo ‘complemento para rotular quatro espécies de constituintes: complemento objetivo, complemento terminativo, complemento restritivo ¢ complemento cir- cunstancial. A oposigao ‘obrigatorio’ versus ‘facultativo” separa, np entanto, os dois primeiros dos dois tiltimos: Os dois complementos, objetivo e terminativo, de que acabamos de falar, s40 05 tinicos regidos e determinados pelas partes rogentes, e como tais os tinicos também necessarios ¢ indispensveis para completar a significaso das mesmas, a qual sem eles ficaria por completar e sus- pensa. (Os dois seguintes, porém, que sao os complementos restritive ¢ cireuns- tancial, no sio determinados nem regidos por parte elguma da oragio, mas adicionados a elas por quem fala ou escreve, para Ihes modificar & mudar a significagao, j4 restringindo-a, jé explicando-a e ampliando-a. 78 iniciagdo & sintaxe do portuguée sto portanto essenciais e necessdrios A integridade gramatical da oragio, ainda qua sejam pare e sua verdade ¢ boa inteligéncia. (BaRao. ea, 1975, p.280) Pouco a pouco se foi estabelecendo a distingao terminoldgica, que Eduardo Carlos Pereira, mesmo sem a adotar, registra nama observaco apensa ao item 391 da sua Gramatica expositiva: © termo adjunto & ds modema importagSo, porém vai-se generalizando 6 seu usoi vem do participioireeguler Jo verbo adjungir = jungir #. Taz {idéia de palavea gue se prende ouira, como 03 adjetivos e adverbios, para Ines modificar o sentido. & mais geralmente aplicado a fungses Etributivas e advarbiais. Complemento ov regime sto express80s mais antigas.« aplicam-se mais comumente a0 objeto e as express6es ligadas por preposigto. (Pensins, 1942, p.217) ¢ Complementos e adjuntos do verbo Comparadas as frases 213a — Carlos votou em Gabeira 213b ~ Carlos votou em Niter5i 214a~ Carlos engordou dois porcos 2idb — Carlos engordou dois quifos fica evidente a diferenga de comportamento sintdtico dos segmentos destacados, assim como de relagdo semantica com os verbos a que se seguem. Em 213a e 214a 0s sintagmas destacados sto os alvos do pro- cesso verbal; em 213b denota o lugar do processo verbal, em 214 uma quantificagao desse processo. Do ponto de vista sintatico, em Gabeira ¢ dois porcos sko ‘necessarios’, a0 passo que em Niterdi e dois quilos sto ‘facultativos’, Alm disso, 0 sintagma em Gabeira & substitutvel por nele, enquanto em Niter6i pode dar lugar a aqui, 14, af, 0 sintagma dois vporcos pode dar lugar ao pronome os, enquanto'o sintagma dois quifos 86 pode ser substituido por uma expressdo quantitativa como pouco, demais. Estes fatos seriam suficientes para justificar a distingdo entre complementos (em Gabeira, dois porcos) € adjuntos (em Niterdi, dois quilos). Infelizmente, pelo prisma escolhido, os dados da andlise nem sempre s4o to claros. Tradicionalmente, como se viu, confere-se 0 sta- tus de complemento 20s termos cuja auséncia deixaria “incompleto” 0 sentido da oragao, e de adjunio ao termo que pode ser dispensado da oragao sem prejuizo de sua integridade sintética. Por esse critério, a ectritura sintagmstica do portugues 79 deveremos chamar ‘adjuntos’ os termos destacados em 2154 © 216a, complementos 0s termos destacados em 215b ¢ 2168: 215a ~ Joao tem uma bela casa 215b — Jodo tem uma bela voz 216a~ Joao gosta de estdar na biblioteca 216b ~ Joao gosta de morar no Grajai pois sdo “incompletas’ as construgdes “Joti tem uma voz" e “Joo gosta de ‘morar’, Por sua vez, os termos destacados abaixo so tradicionalmente identificados como complementos, ermbora sejam facultativos, 21 7a — Carlos foi embora e nem se despediu 217 ~ Carlos foi embora e nem se despediu dos amigos 218a ~ Edwaldo nZo Ié sem os éculos 218b — Edwaldo ndo Ie jornai sem os éculos 219a — O povo est descrente 219b — O povo esta desorente dos politicos ‘A esse respeito vale conferir Git ¥ Gaya, jé aqui citado. Explica- go andloga encontramos em Cldudio Brando’. Mas a explicagao usual consiste em admitir a dupla ~ ¢ as vezes triplice ~ predicagao desses verbos associada quase sempre a sutis variagdes de sentido, con- forme se 1& em Julio Ribeiro’, e Transitividade ‘direta’ e transitividade ‘indirera’ A distingdo entre verbos transitivos diretos e indiretos ¢ inadequada por varias razdes, Em primeiro lugar, ndo € bem clara a base desta dis- lingo; alguns graméticos véem na preposigao um indicador do cardter “indireto” da relacao entre 0 verbo e o complemento. Que relagdo essa? Se é semantica, como caracterizar uma relagao semantica como ‘indireta’? Como dizer que em “Amo meus semelhantes” a relagdo semantica entre o verbo ¢ seu complemento & “direta’ ¢ em ‘Gosto de meus semelhantes’ essa relaco € “indireta’? Rocha Lima, que procurou conceituar semanticamente o ‘complemento’ dos verbos transitivos indiretos ¢ 0 definiu como o “complemento que representa a pessoa ou coisa a que se destina a agdo, ov em cujo proveito ou prejuizo ela se realiza” (Lima, 1976, p.219), reconhece, contudo, que a relagao FL "Muitor verbos normalmente wansitivos podem earecer de objeto direto, quando © sentido da frave for Wo claro que o ouvinte ou Ieitor © completam Jogo, subestendende Instintivsmente o complemento omitide.” (BkaNoXo, 1963, p. 46) 6."Os verbor transitivos, se 380 tomados em sentido geral, dispentam 0 objeto & tor em-se Intransitives.” (Ribemo, 1914, p.265) 20 Iniciago & sintaxe do portugués semAntica entre esse complemento € 0 verbo se estabelece as vezes entre um odjeto € o verbo transitivo direto (valer a alguém/socorrer alguém, querer a alguém/estimar alguém); logo, 0 ser em cujo proveito 0u prejuizo a aco se realiza pode também ser um objeto dircto. Além disso, se a ag80 “se realiza’ em proveito ou prejuizo de alguém ou alguma coisa, a predicagao est4 completa independentemente desse ‘al- guém’ ou dessa ‘coisa’, que, por isso, ndo sao complementos dos respec vos verbos. BVO Suposto que o critério formal seja mais preciso, persistem, porém, o impasse diante de fatos como “esperar alguém/esperar por alguém’, ‘habitar a floresta/habitar na floresta’, ‘sacar 0 revdlver/sacar do revolver’, ¢ a imprecisdo de certas distingdes como em “Trabalha para 0 bem geral da familia’ - objeto indireto, segundo Bechara (Be- Guana, 1967, p.255) — e ‘Preparou-se para 0 passeio’ — adjunto adver- bial (Becuara, 1976, p.70) ~ distingao que, salvo melhor juizo, ¢ injustificével. Hi outros problemas. Celso Cunha, por exemplo, que parece inclinar-se para 0 critério formal (Cux#a, 1970, p.101), recorre adiante a0 critério semantico para distinguir objetos indiretos de adjuntos adverbiais, aparentemente insatisfeito com 0 critério formal (Ibidem, p.380). Mesmo esse recurso nao impede que na mesma p.101 (“Que la afaste de ti aquelas dores/Que fizeram de mim isto que sou” (Flor- bela Espanca)), ‘de ti* seja considerado um objeto indircto a despeito do contedido ‘afastamento de um ponto, de um limite’ (cf.p.386) ex- presso por aquele ‘de’. Actesce que os exemplos dados pelo prof. Celso Cunha, na p.380", para distinguir adjunto adverbial e objeto indircto, considerados respectivamente termos acessério e integrante, s&0 igual mente considerados termos integrantes por Rocha Lima (Lima, 1976, p.221), que os chama, respectivamente, ‘complemento circunstancial’ ¢ ‘complemento relative’. Alids, nao deixa de ser curioso que justamente © termo considerado acessério - “com Pedro’ ~ € “obrigatério’, enquanto 0 considerado ‘integrante’ & “facultativo’. Essas observacbes querem apenas destacar as imprecisdes de uma abordagem descritive que nao define com clareza seus critérios de classifi- cago €, misturando-os, gera contradigdes que, todavia, podem ser 7 Compara as tras: Eaive com Pedro, Concerds com vost cb1grvamos gies em shat | FREPOSICAO com iem como sntesdene una forma SOISN Gentvc concorde), gaa pr ela sam consequent, quer ne pemeis ese, umn tSimo Scersorio com Pedra = ABYUNTO ADVERBIAL) c-no segundo, um tm SRttgrante (com vout'= OBIETO INDIRETO) a eragto (Cnn, 1970, p80) a estrutura sintagmatica co porugués a contornadas. Com efeito, em termos sintaticos, em nada ajuda reco- nhecer que certas preposigdes ficam nocionalmente enfraquecidas € sao selecionadas pelo préprio verbo (gostar de, concordar com, assistir 2, pensar em). A preposic&o, seja ela qual for € s¢ja qual for o motivo de sua ocorréncia ~ sintagmatico ou paradigmatico ~ do ponto de vista sintético é parte de um sintagma cuja categoria ela define: 0 sin- tagma preposicionado. E 0 SPrep, e no a seqiiéncia verbo + preposi- do, que constitui uma unidade sintatica e funciona como tal (cf. Eu concorde com vocé/ Com vocé eu concordo/ Eu concordo normal- mente com vocé, mas nunca Eu concorde com normalmente voce; Com Pedro eu nao estive hoje/Hoje eu nao estive com Pedro/ Eu nao estive hoje com Pedro, mas nao Eu nao estive com hoje Pedro). Por seu turno, o SN introduzido pela preposicao tem um funcionamento sintético relativamente & preposiga0 € nao ao verbo (cf. Alberto con- cordou comigo/ Alberto esteve comigo/ Alberto gosta de mim), haja vista a forma assumida pelo pronome, o que se explica por sua retaco sintatica com a preposigao, € ndo com o verbo. Af a relacdo entre 0 SN € 0 verbo tem cardter exclusivamente semantico. * O contetido da transitividade © conceito tradicional de transitividade como ‘ago que passa de um Sujeito a um objeto” jé foi alvo de muitas restrigbes, como a de R. H. Robins, citado por John Lyons: A fragilidade de definigdes seménticas & aqui bem ilustrade: bivFerir, em Thit you/Eu o firo € sintaticamente um verbo transitivo, e é frequente- mente escolhido como um exemplo' porque a ago referida pode dizer-se que ‘passa’ do meu punho para voeé; mas hear/ouvir, em J hear you/Eu 0 uso, esti exatamente nas mesmas relag6es sintiticas com os dois prono- ‘mes € € considerado verbo transitive, embora, neste caso, a ‘agio', se é que hé referéncia a alguma agio, & em sentido contritia, e na situagto referida pelo verbo love/amar, que € sintaticamente semelhante 2 hear. na frase I Jove you, quem faz algo, © que faz © a quem o faz? (Lyons, 1979, p370) Esse conceito de transitividade peca em pressupor que sujeito ¢ objeto correspondam a categorias homogéneas ¢ bem definidas, como as de agente ¢ paciente, Ao contrario, qualquer esforgo para caracteri- zat as relagdes semanticas entre o verbo transitivo € seu objeto conduz uma s6 certeza: que essas relacdes so variadas € heterogéneas. ‘Mesmo assim, contudo, Franch ¢ Blecua (FRANCH ¥ BLECUA, 1975, p.864) reconhecem nelas dois conteldos basicos. Em uma, 0 iniciagdo @ sintace do portugues 92 nome que serve de objeto representa algo que preexiste ao process verbal, Pertencem a este grupo verbos como ter, guardar, colher, ofe- recer, abandonar, herdar, provocar (uma pessoa). Na outra relagao, 0 nome objeto designa algo que passa a existir como resultado do pr cesso verbal. A este grupo pertencem verbos como fazer, consiruit compor, imaginar, provocar (am acidente). A classificagao que se segue baseia-se na proposta de Cano Agui- lar para a lingua espanhola (Cano Acuttar, 1981). 1 = verbos de acdo resultativa: fazer, construir, organizar, imagi- nar, acarretar, provocar (um acidente); 2 = verbos de objeto afetado: destruir, desfazer, alegrar, confor tar, emocionar, eleger, cortar, persuadir, secar, utilizar, quebrar, quei~ mar, esfarelar, espichar, enfraquecer, engordar, 3 — verbos de movimento: por, Jevar, conduzir, levantar, dirigi trazer, remeter, arrancar, remover, expulsar, 4 — verbos com objeto de extenso ou escala: atravessar, percor rer, subir (uma escada), abragar, presidir, contornar, ocupar, preen- cher, inundar, medir (umn terreno): 5 ~ verbos de posse: ter, possuir, ganhar, tomar, perder, man- ‘er, deter, colher, receber, aceitar, adotar, adquirir, 6 — verbos de atitude: permitir, impedir, consentir, deixar, proi- bir, obrigar, autorizar, evitar, ordenar, estimular, incentivar, exigir, pedir, mandar, 7 = verbos de percepg8o: aprender, entender, ver, ouvir, escu- tar, sentir, degustar, perceber, contemplar, examinar, saber, conhe- cer, esquecer, lembrar, provar (uma bebida), descobrir, considerar, Jamentar, 8 ~ verbos de vontade, emogao, sentimento: sentir (sandade, raiva), ter (nojo, desejo, piedade), querer, crer, temer, esperar (tet esperanca) estimar, desdenhar, apreciar, amar, odiar, padecer, sofver, 9 ~ verbos de comunicagdo verbal: dizer, declarar, informar, divulgar, contar (uma est6tia), perguntar, responder, prometer, expli- car, avisar, negar, silenciar, denunciar, noticiar. Os verbos intransitivos Do ponto de vista sintético, nao ha qualquer diferenga entre as frases @) ¢ (b) de cada um dos pares abaixo: 2202 ~ O carro bateu no poste 220b — A mulher bateu no marido 221a ~ Pedro dependia do pai 221b~ Pedro fugia da escola a esirutura sintagmética do portugues a3 222a ~ Luts mora em Niter6i 2b ~ Luis trabatha em Niter6i 222a — Anténio estd na escola 222b - Antonio esté na miséria 223a ~ Fui a esse médico ontem 223b ~ Assisti a esse filme ontem 224a ~ Ele deixou de fumar 224b — Ela cansou de esperar 225a - Bla parece calma 225b — Ela parece ter perdido o juizo Todos os verbos destacados so intransitivos*. No dltimo par de exemplos, ‘calma’ e “ter perdido 0 juizo’ sto, respectivamente, SAdj ¢ SN funcionando como modificadores. Nos outros exemplos também funcionam como modificadores os sintagmas preposicionados, cujos SNs travam com os verbos base relagdes exclusivamente semanticas de acordo com as alternativas de sentido sinalizadas pela prépria realida- de: “localizagao” em 222a, ‘estado’ em 222b, ‘causa’ em 224. Em alguns exemplos a preposi¢ao parece fossilizada junto aos verbos base (como no exemplo 221a, cuja preposiggo tem na sua origem o valor de afasta~ mento/procedéncia ainda evidente em 221b 224b). Este fate ndo influi na descrig&o sintética dessas construgdes, haja vista 0 comporta- mento sintético do pronome (cf. Pedro dependia de mim/Pedro fugia de mim), explicével tio-s6 por sua relacao.com a preposicao, Também slo intransitivos 03 verbos que vém seguidos de SN nao substituivel por pronome atono. Trata-se em geral de sintagmas com valor quantitativo, necessariamente preposicionados quando 0 verbo é transitivo integrado por objeto (ef. 0 fivro custou uma fortungjcomprei o livro por uma fortuna). . 226 ~ O terreno mede 160m? 227 ~ Esse livro custa uma fortuna 228 — A tomperatura subju dois graus 229 ~ Joao engordou dois quilos 230 — A viagem durou 80 dias Deve-se notar a diferenga entre as construgdes ‘o terreno mede 160m” ‘o carpinteiro mediu a parede", ‘a temperatura subiu dois graus" © ‘os cabritos sobem a pedreira’. Nestes novos exemplos os sintagmas destacados sto objetos ¢ os verbos que os recebem so transitivos (cf. “0 carpinteiro a mediu’, ‘os cabritos a sober’) 8. Sige de perso Lowa, 1937, p57 « 162.74 4 iniciagdo & sintaxe do portugués © A predicacdo e a categoria do aspecto Ha uma subclasse de verbos intransitivos cuja caracteristica € virem seguidos de SAdj, SAdv ou SPrep, Juntos a esses verbos, 0 SAdv € 0 SPrep denotam estado ou situagao no tempo/espago. Alguns desses verbos foram incluidos tadicionaimente na lista dos “verbos de ligagao", fa que jé fizemos referéncia (cf. V.22). ‘Uma importante diferenga entre eles estd na representagao da estrutura interna dos eventos ou estados que denotam. Por exemplo, dado o contexto ‘as aguas do rio --- turvas’, a escolha de estar, ficar, andar ou continuar permite representar 0 estado ‘turvas” sob qua- two aspecios: ‘momentaneo’, ‘resultativo’, “durativo’ ou ‘permansivo’ 'Nesses casos, 0 aspecto € uma propriedade inerente ao contetido lexical dos verbos. Freqiientemente sao as conjungdes que explicitam o aspecto sob que s¢ desenrola o processo/evento ou se considera 0 esta- do: enquanto (durativo), assim que (pontual), sempre que (iterativo), até que (perfectivo) etc (CE. V.3e). Vamo-nos deter, em seguida, no exame da oposigao ser/estar, visto que ela zealiza um tipo de oposigao aspectual que tem chamado a atengao dos graméticos ¢ linglistas que se ocupam do portugues. (Os verbos sere estar empregam-se em contextes sintéticos muito parecidos ¢, freqiientemente, constituem a tinica diferenga entre dois enunciados, como nos exemplos abaixo: 231a ~ Este café ¢ bom/ 231b — Este café estd bom 232a ~ Luis é tico/ 232b ~ Luts esid rico 233a- O céu ¢ azul/ 233b ~ O céu estd azul Representados no tempo presente € desacompanhados de ex- pressbes circunstanciais, os enunciados com ser so genéricos, afirmam dados da nossa experiéncia independentes das circunstancias; jé os enunciados com estar indicam, nas mesmes condigdes, que bom, rico & azul sio qualidades adquiridas ou eventuais daqueles mesmos sujeitos. Por isso, € com sere ndo com estar, que se enunciam dados da expe- rigncia tomados como verdades gerais ¢ atemporais. 234 — O homem é um animal racionai 235 — A Terra € redonda Esta diferenga fica ainda mais clara quando os dois verbos se combinam no mesmo enunciado referidos a0 mesmo sujeito: 236 ~ O carro dele é veloz, mas estd lento 237 ~ Essas laranjas so doces, mas estdo verdes A-escotha de ser ou estar em cada caso € controlada por pr 2 estrutura sintagmatica do porugués 85 postos distintos quanto ao “modo de existéncia’ ~ absoluto x contin- gente ~ dos dados da experiéncia referidos pelo enunciado, Introdu- Zido por estar, 0 adjetivo denota um atributo que, na visdo do enuncia- dor, resulta de uma mudanga ou € passsivel de uma mudanga, por isso ‘contigente’. O uso de ser, a0 contrario, exclui essa pressuposigao. Embora contingente, esse modo de existéncia dos atributos ou situa- 0es introduzidos por estar no implica ‘transitoriedade’. O cardter temporério ou definitivo de certos atributos ¢ parte da significacao dos proprios predicadores, e nao devido ao verbo, haja vista os seguintes enunciados; 238 — O jogo estd perdido 239 — Este homem estd morto 240 - 0 bolo estd intacto 241 — A casa esté disponivel Por conta das referidas diferengas de pressuposigao, so normais 0 enunciados 242a e 242b, e pouco naturais os enunciados 243 ¢ 244: 242a ~ Carlos é branco (= pertence & raga branca) 242b — Carlos est branco (= pélido) 243 - Em virtude do mau tempo, os voos sto atrasados (?) 244 — O$ astronomps provaram que a Terra esté redonda (?) Observemos, por outro lado, os seguintes enunciades: 245 — Nao se preocupe, esta chuva € passageira 246 — Estes ailetas sdo jovens 247 — Estas casas estéo velhas 248 ~ Ana Maria esté alegre Os enunciados 246, 247 ¢ 248 admitem serou estar, a0 passo que 245 56 admite ser. Em 245 esta descértada a pressuposicao de mudan- Ga, pois ‘passageira’ é ai um atributo constante de ‘esta chuva’ (achuva pertence & categoria das chuvas que passam logo). Em 246 e 247, a Pressuposicio que justifica a ocorréncia de estaré inerente ao "modo de existéncia’ dos atributos jovem e velho, pontos que sao numa escala cronolégica (iovem, passivel de mudanga; velho, resultante de mudan- sa). # interessante notar que, se a simples troca de estar por ser altera a pressuposiga0 dos enunciados 246, 247 e 248, 0 acréscimo de advér- bios de tempo pode praticamente anular as diferencas de sentido entre sere estar. 249a ~ Estes atletas ainda esto jovens 249 ~ Estes atletas ainda sdo jovens 250a — Estas casas jé estao velhas 250b - Estas casas jé séo velhas 86 Iniciagao & sintaxe do portuguds la ~ Ana Maria estd sempre alegre Ib~ Ama Maria é sempre alegre Como se v8, j4¢ ainda, por um lado, ¢ sempre, por outro, é que respondem agora pela distingao formulada no terceiro parégrafo desta secao. Com efeito, 249b, 250b pressupdem, respectivamente, apesar do verbo ser, que o atributo € passivel ou resulta de mudanga. Esta ressuposig4o est4 exclufda em 251a por conta do advérbio sempre 3. OS MODIFICADORES Classificam-se segundo a classe sintética da unidade que modificam: modificador nominal, modificador verbal, modificador adjetival, modificador adverbial e modificador oracional. Os modificadores nominais se dizem adjuntos quando integram o SN, e apostos quando ocorrem fora do seu dominio. Com excecao do SV, que exerce exclusi- vamente ~ ¢ privativamente ~ a fungao de predicado, todos os demais sintagmas podem funcionar como modificadores. ‘Os modificadores nominais foram apresentados aqui de forma suméria, Esta parte destina-se a uma descri¢do minuciosa das varias espécies de modificadores. @) O sintagma adjetivo (SAdj) © SAdj tem como nucleo um adjetivo, que pode vir precedido de determinante, e precedido € seguido de modificador. Os determinan- tes que integram 0 SAdj sdo variantes combinatérias dos indefinidos: Ho ~ var. de “tanto” -, qudo — var. de ‘quanto’-, algo — var. de ‘al- gum’ -, nada ~ var. de ‘nenhum’ -, mais, muito, um pouco, um tan- 1, tanto ou quanto, bastante, assaz, todo, quase. Os modificadores adjetivais antepostos & base séo sintagmas adverbiais quase sempre em -mente (aparentemenie, demasiadamen- te, tristemente); os modificadores pospostos so sintagmas preposicio- nacios (branca Sem exagero, confiante na fogs, arastado pela corren- teza) 252 - Eles estao muito (um pouco, algo, tio ...) preocupados 253 ~ Eles nao esto nada satisfeitos dog 254 Ele Hlearam aparentemente (demasiadamente) preocupe- jos 255 ~ Esses politicos ficaram cristemente célebres a estrutura sintagmatica do portugeds 37 256 ~ Eles ficaram felizes com 0 resultado do exame 257 — Pareciam certos de que iam ganhar a competigiio 258 ~ A montanha foi escalada por experientes alpinistas © SAdj pode ainda ter a forma de uma oragao iniciada por um transpositor anafSrico (TA), tradicionalmente chamada ‘oraco adjeti- va’: 259 — O café que ela serviu estava frio 260 - Tenho um amigo cujo pai é marceneiro A) Predicador e modificador © SAdj desempenha duas fungdes sintéticas: predicador e modifica- dor, Em uma como em outra concorda em género ¢ niimero com a base do SN com que se relaciona na frase. Como predicador, vem introdu- zido pelo verbo transpositor ser. Como modificador, pode ocorrer referido & base do SN (modificador adjunto) ou & totalidade do SN (modificador aposto). Externo ao SN a que se refere, o SAdj desfruta de certa mobilidade posicional e quase sempre exprime contetidos cir- cunstanciais relativos ao predicado: modo, tempo, causa, condiga0 etc Iniciando a oragao, serve-lhe de modificador (MO); posposto ao SN, modifica-o como um auténtico aposto; integrando o SV, pode referir- se a0 sujeito ou ao objeto. O SAdj pode ainda servir de aposto a um SN complemento de preposigao. Exempios de SAqj predicador: 261 ~ “A igreja era grande e pobre./ Os altares, humildes” (AN. DRADE, 1973, p.255) 362 — Os castelos de areia foram’ desfeitos pela onda 263 — Nio seja to modesto Exemplos de SAdj modificador adjunto: 264 — "Meu amigo andou pelas encostas do Corcovado, em noite de prata Junal, ¢ conseguiu, por artimanhas s6 dele sabides, captucar vivo um tatu distraido". (ANDRADE, 1977, p.58) 265 —“...estou parecendo um desses clichés sempre feitos com Fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que 2 familia procura em vio.” (BRAGA, 1966, p.130) Em 265 0 SAdj sempre feitos com fotogratias antigas retere-se 2 base clichés; antigas refere-se & base Fotografias; que os jornais publi- cam refere-se & base fotografias, e que a familia procura em vao refe- re-se A base desaparecido. ea iniciagao @ sintaxe do ponugués Exemplos de SAdj modificador aposto 266 ~ “Quem a vé, (Go velhinha, td honesta de aparéncia, néo sabe 0 que ali se esconde” (QueiRds, 1966 , p.48) 267 - "A manh& nascia, hesitante, mas vinha encontré-los res- taurados ¢ Ageis, como se tivessem menos de dez anos.” (ANDRADE, 1973, p.839) 268 — “Meu Deus! € uma biblioteca fabulosa que eu nao sabia existente naquela residéncia..." (Nava, 1973, p.191) 269 ~ “Firme no ar, equilibrada, a geladeira comecou a perder terreno.” (Campos, 1966, p.180) 270 ~ “ Queimados os wltimos busca-pés, 0s moleques transfor~ marain o resto da noite em passeata carnavalesca, esquecidos do colega morto e de seu indigitado assassino.” (MacHapo, 1976, p.6) 271 ~ “Ausentes os héspedes € 05 passageitos, cafamos no ramerrio fastidioso.” (Ramos, 1976, P.25) 272 = “O fogo do purgatério, horroroso, nao se comparava aos lumes terrestres” (Ramos, 1976, p.93) 273 ~ “{S4nio} ia para os Comicios com o colarinho desabotoado, frouxo 0 né da gravata, a roupa amassade..." (Verissimo, 1975, p.110) 274 ~“Bstava sentado com os olhos abertos, num banco de pedira.” (Campos, 1966, p.74) 275 ~“O brinquedo acabou com ela deitada no fundo da cova, escondida sob um monte de terra.” (Nava, 1973b, p.264) 276 ~“O Mendes crescera ouvindo em casa, contadas pelo avd, estérias edificances sobre esses dois patriarcas.” (VeRissimo, 1975; p.291) © SAdj integra o SV em 266, 267 ¢ 268 ¢ integra SNs em todos os demais casas. Em 269, 270 ¢ 271 este SN contém outro SN modificado pelo SAdj aposto e serve de modificador a toda a oragao. Vejamos cssa hierarquia em um diagrama oe “ sag sN (nos) cxiamos i no ramerrio Avsentes os héspedes fastidioso 08 passageiros @ esirutura sintagmatica do portugués 29 Em 273, 274 ¢ 275, esse SN é parte de um SPrep ¢ se desdobra em outro SN modificado pelo reterido SAdj. Vejamos o diagrama: So ‘SAdj ‘SPrey go, estava sentado |g Bagy 05 olhos aberios © contetido circunstancial de muitos desses modificadores asse~ melha-os semanticamente a oragdes adverbiais de tempo (gueimados, ausentes), de modo (hesitante, esquecidos), razao por que alguns gra. maticos os classificam como “aposios circunstanciais'(p cx. Kusy, 1985, p.60). Em geral véem em 270 uma ‘oragao reduzida’, mnas inexpli. cavelmente nao enquadram 271 nessa categoria (of. BecuiaRa, 1976. p-152.¢ segs.) : Os modificadores apositivos distinguem-se dos adjuntos por rea- lizarem uma ‘predicasao secundéria', na qual o adjetivo “aleanga tom. poralidade transferida pelo verbo dominante da frase (Francs Y Bun. ua, 1979, p.960). Assim é que “hesitante’, “tzo velhinha/t2o honeste’, restaurados/agéis’, ‘existente’ e “esquecidos’ expressam attibutos conco- mitantes, respectivamente, a ‘nascia', “ve", “encontar’, ‘sabia’ ¢ ‘transfor. ‘maram’, a0 passo que ‘firme no ar/equilibrada’, “queimados’ ¢ “ausentes" expressam atributos anteriores a ‘comesou a perder’, “iransformaram’ cafamos', respectivamente. B) SAdj e transposigdo: as oracées adjetivas Chamam-se adjetivas as orag5es que, introduzidas por um transpositor anaférico, modificam um nome ou um pronome. Elas podem vir inte- gradas no SN, como um adjunto, ou logo apds ele, como um aposto. 217 ~ Vimos a arma} com a eat ele se defendia/ 218 ~ O carro / cujo pneu furou/continua no estacionamento inisiagdo @ sintaxe oo poruguas 7379 — Ela foi a Ygreja de Sdo Jodo Baptista, /de quem € devota/ 580 - “Coitada de minha av6. (...) Logo ela, / av tanto a vvida/, . ia morrer.” (Nava, 1973, p.75) a ey a Menino dessa idade tem Id pecado? Ail de mim / que jé 08 linha e negros.” (Nava, 1973, pp.192-3) Nesses exemplos, a qual, cujo, quem e que, pronomes relativos, ‘a0 mesmo tempo que remetem anaforicamente para os antecedentes @ arma, o carro, Sé0 Joao Baptista, ela e mim, wanspoem as oragbes que introduzem para o papel de termos modificadores desses sintagmas. © Oragées restritivas e ndo-restritivas As oragdes adjetivas se dizem restritivas quando, como adjuntos, con- tribuem para a identificagdo do ser a que se refere © antecedente (exemplos 277 e 278) e explicativas (melhor seria dizer nBo-restritivas) ‘quando, ao contrdrio, so irrclevantes para essa identificagio (exem- plos 279, 280 e 281). Isto no equivale a afirmar, como fazem muitos graméticos, que as oracdes explicativas s8o ‘dispensdveis’ ao sentido da frase e que as restritivas Ihe sao ‘necessérias’. Conforme jé observou Rodolfo lari, “ha nisso, na melhor das hipdteses, uma formulagao obs- ‘cura de um critério valido” (Itari,1985,p.20). Com efeito, se 6 verdade ‘ue uma oragiio explicativa nao contribui para a identificacao da pes- Soa/coisa a que o antecedente se refere, pode, contudo, ser fundamen- tal para justificar algo mais que se declare a respeito desse anteceden- ie, Assim, no exemplo 280, a oragao n&o restritiva “que amava tanto a vida’ que dd sentido a0 emprego do ‘logo’, com que o autor Iamenta a morte da av6, © Contetidos circunstanciais das oragées adjetivas As oragdes adjetivas podem acumular um contetdo circunstancial de causa, concessio, condicfo, finalidade, resultado. Observem-se, além do exemplo 280 acima, de valor concessivo (que amava tanto a vida = embora amasse tanto a vida), 0s seguintes enunciados: 282 - Meu primo, que conhece bem esta cidade, pode nos servit de guia, £0383 ~ Esse pintor, que conheceu a fama na mocidade, acabou os dias pobre ¢ esquecido. a esirvtura sintagmatica do portugues 1 284 — Bles contratariam qualquer pessoa gue Jesse historias para as criangas 285 ~ Objeto que ele tocasse logo se transformava em ouro 286 - Desde que publicou a obra, o autor reuniu material com que ampliasse a segunda edicao 287 ~ Cuidado para ndo fazer declaragdes que possam nos com- prometer A oragdo adjetiva exprime causa em 282, concessio em 283, con- digao em 284 e 285, finalidade em 286 ¢ resultado em 287. Muitas construgdes adverbiais parecem provir historicamente de construgdes.adjetivas cujo transpositor se univ ao antecedente numa locugao de vator circunstancial, fendmeno comum nas construgoes temporais ¢ comparativas. 288 — “...0 apito de suas locomotivas assustava os bichos do campo e do mato, 20 mesmo tempo que a fumaca de suas chaminés sujava aqueles ares puros.” (Vertssimo, 1975, p.31). (Valor temporal) 289 — As criancas gargalhavam cada vez que 6 palhago dava uma cambathota (Valor temporal) 290 ~ “Finalmente ia se livrar daquele novo proletariado, agora que seus verdadeiros operdrios estavam voltando das férias,” (Gave: RA, 1981, p.110). (Valor temporal) 291 —“As marcas da cultura francesa estavam decididamente contidas nas formulagdes dos advogados, da mesma forma que se observou na andlise dos escritos revolucionérios.” (Mota, 1982, p.203). (Valor comparativo) 292 — Mario de Andrade escreveu mais cartas do que qualquer outro escritor brasileira (Valor comparativo) 293 ~ “Pafs jé exporta tanta gasqlina quanto consome.” (Jornal do Brasil, 15.787) ~ Comparém-se os exemplos 292 ¢ 293 aos dois seguintes, que con- tem oracées autenticamente adjetivas : 294 ~ “Os habitantes das cidades do interior no tinham visto politica muito mais ampla dos que viviam nas areas rurais vizinkas.” (Vtortt, 1985, p.203) 295 — Ele leu tantos livros quantos eu Jhe recomendei © Nome préprio modificado por oragéo adjetiva restritiva Uma vez que se referem a entidades individuais e nao a classes, os nomes proprios vém modificados normalmente por apostos e/ou ora- ges adjetivas nao-restritivas, que também t&m funcho apositiva. O mesmo Se passa com os pronomes pessoais, que semmioticamente equi- 2 Iniciagdo @ sintaxe do portugues valem a nomes proprios. Contudo, em expressdes do tipo ‘o Rio de Janeiro daquele tempo’, ‘0 Bocage dos poemas erdticos’, o nome pré- prio vem modificado por expressdo de valor restritivo, que distingue 0 Rio de Janeiro em varias épocas ou varios poetas num s6 individuo. Nestes casos, 0 nome proprio vem determinado por identificador (‘ar- tigo definido’) e a oragao adjetiva que o modifica tem valor restritivo: 296 ~ Drummond, que se notabilizou como poeta, exa também excelente prosador. : 297 —O Drummond que escreveu a Rosa do Povo € 0 que st pode chamar um ‘poeta engajado’ « Formas e fungdes dos transpositores anaféricos Os transpositores anaforicos — pronomes ¢ advérbios relativos — sao ‘em geral sintagmas, nomninais ou adverbiais (com excegao de ‘cujo’, que € um pronome adjetivo ¢ funciona como determinante) e por isso podem integrar sintagmas preposicionados, nos quais exercem a fun- G40 de complementos da preposigao. ‘Quem’ ocorre integrado ao SPrep; “qual/quais’ vém sempre precedidos de o/a/os/as, ¢ funcionam, diretamente vinculados ao verbo, como seu sujeito ou objeto, ¢ devem sua forma ao numero e género do antecedente, com o qual concordam, Nos exemplos abaixo, 05 quais € sujeito em 298 e objeto em 299. 298 - “Abragou um a um os quatro homens de preto, os quais em seguida se dirigiram em siléncio ... rumo de seus carros..." (VERISSI mo, 1975, p.219) 299 ~* em répida passagem pelo Rio, [Félix Grant) ouviu levou para os Estados Unidos os discos de Joao Gilberto, os quais ‘comesou a langar em seus programas.” (Morals, 1986, p.626) “A forma geral do transpositor anaforico é ‘que’, de longe o mais freqiiente ¢ praticamente tinico nas variedades coloquiais da lingua (cf. 0 enunciados “a casa onde ela mora é ampla’ ¢ ‘a casa em que ela mora é ampla’ com a variante coloquial ‘a casa que ela mora é ampla’; ‘tenho um amigo cujo pai é marceneiro’ com a variante cologuial ‘tenho um amigo que 0 pai (dele) € marceneiro"). ‘Os advérbios relativos sdo onde, quando ¢ como, necessaria- mente referidos a um antecedente 300 - “Ninguém pensava mais no modo como 0 negro se escafe- (Nava, 19738, p.130) 301 — “Antes de cruzar a rua, vislumbrei uma igreja protestante a esquerda, onde estavam alguns policiais.” (Gapeira, 1981, p.144) 302 - Deixaram na cerca uma brecha por onde a onga conseguiu escapar dera . a estrutura sintagmatica do potugués 93 303 ~ “...terminévamos nossa conversacao em inglés, exatamente como faziamos no principio, quando ainda nao éramos intimos.” (Ga BEIRA, 1981, p.143) 304 ~""...05 moradores s6 vinham a cidade aos domingos ¢ dias de festa, quando compareciam as ceriménias religiosas.” (Viorn, 1985, p.202) A ocorréncia de transpositor anaférico em SPrep € fato exclusive dos usos formais da lingua, tanto falados como escritos. A tnica exce- go parece sera forma donde (de +onde), tipicamente coloquial (aquela é a moita donde saiu a onga) 305 ~ “Pela quantidade e qualidade do material existente assi- nado pelos advogados, bem se pode avaliar a imensidao da tarefa a que se dedicavam com denodo.” (Mora, 1982, p.202) 306 - “Suzana, flor de agosto, filha minha muito amada, para quem eu cantei meus mais sentidos cantos e sobre cujo pequenino Fosto adormecido despetalei as mais lindas pétalas do meu carinho.” (Morals, 1986, p.611) 307 ~ "Eu admirava, da ponte de Cocotd, a agilidade com que ele, numa escalada de macaco, subia as estacas mais altas ..."(Monais, 1986, p.681) AS fungoes frequentes do pronome relativo ‘que’ séo as de sujeito € objeto; eventualmente funciona como predicador (ex.308). 308 - "... quando fico triste, triste ... s6 quero reencontrar 0 menino que jé fui.” (Nava, 1973b, p.301) Empregado como pronome relativo, quanto tem por antecedente © pronome quantificador tudo/todos. 309 ~ “Branddnio, seu interlocutor nos Didlogos das grandezas do Brasil, nao acha melhor resposta, em dado momento, do que reto- mar, sem hesitagao, tudo quanto de maravilhoso tinham escrito sobre a terra 08 viajantes antigos.” (HOLLANDA, 1977, p.245) Hi ainda que registrar duas construg6es com pronome relativo, singulares pela estrutura da unidade que se segue 20 pronome: infini- tivo nos exemplos 310 € 311, € verbo a que o pronome nao vem ligado sintaticamente (312) 310 —""...0 objetivo desta narrativa € tecer um sumario pano de fundo histérico contra 0 qual apresentar oportunamente os macabros eventos daquela sexta-feira 13...” (VERisstMo, 1975, p.30) 311 ~ “Se todos os documentos congéneres ¢ coevos foram feitos, assim, existe, af por esses arquivos e cartOrios do Brasil, material com que substituir os livros de entradas de negros que o Conselteiro Rui Barbosa mandou queimar ..." (Nava, 1973b, p-136) 312 ~ As frutas que cla pediu que comprdssemos nao eram da estado Iniciago & sintaxe do portugues ‘Nos enunciados 310 e 311, o infinitive tem um valor modal, equi- ‘yalente a ‘se possa + infinitivo’ (contra 0 que se possa apresentar, com que se posse substituir). Em 312, a oragao adjetiva compreende, de fato, todo o segmento assinalado, onde o ‘que’ é objeto de comprasse- mos. » Coordenagao de sintagmas adjetivos Coordenam-se oragSes adjetivas quando modificam um antecedente comum: 313 ~ “E preciso considerar esse fato para se compreenderem exatamente as condiges que ... nos governaram até muito depois de proclamada nossa independéncia e cujos reflexos nfo se apagaram ainda hoje.” (HOLLANDA, 1976, p.41) O antecedente comum ‘condigdes’ & modificado pelas oragbes adjetivas coordenadas por ‘e" Fregiientemente @ oragdo adjetiva vem coordenada a um modifi- cador nfo oracional 314 —“Idéia desprovida de valor moral, antes criminoso, mas que revelava subitamente toda a originalidade daquele espftito excep- cionalmente bem dotado,” (ANDRADE, 1973, p.879) 315 - “Nao € por simples coincidéncia cronolégica que um periodo de excepcional vitalidade nos negécios € que se desenvolveu Sob a direcao e em proveito de especuladores geralmente sem ratzes rurais, tenha ocorrido nos anos que s¢ seguem..."(HOLLANDA, 1976, p42) Em 314, 0 ‘mas’ coordena o SAdj ‘criminosa’ & orago adjetiva seguinte; em 315 a oragdo adjetiva vem coordenada pelo ‘e’ a0 SPrep ‘de excepcional vitalidade nos negécios’. 8).0 sintagma preposicionado (SPrep) Os sintagmas preposicionados resultam de transposigio operada por Preposi¢ao simples ou composta (com os amigos, sem agicar, por mares no navegados, por sobre as ondas, para com os convidados, contigo). $40 formados por preposi¢o + SN ou por preposicao + SAdv (até ontem, desde muito cedo, noticias de hoje, moradores daqui). Podem funcionar como predicadores, quando no predicado «2 estrutura sintagmatca do ponupués 95 vém introduzidos pelo transpositor SER, ou como modificadores, que podem ser verbais, nominais, adjetivais, adverbiais ou oracionais. Tradicionalmente atsibuem-se aos SPreps fung6es variadas (ad- junto adnominal, complemento nominal, adjunto adverbial, objeto indireto, complemento relativo, complemento circunstancial, agente da passiva). Na verdade, essas fungdes correspondem a distingdes baseadas em critérios heterogéneos ¢ inconsistentes (vide adj. adnomi- nal versus complemento nominal, complemento nominal versus agente da passiva, adjunto adverbial versus complemento circunstancial). Em V.2, j4 comentamos algumas dessas dificuldades. Agora vou me deter na distingdo entre complemento nominal e adjunto adnominal Comparemos os modificadores nominais abaixo 316 — A opinido de quem testemunhou o fato é importante 317 ~ Era undnime a opinigo de que o réu estava inocente 318 — A fuga do presidio foi cinematografica 319 — A fuga dos assaltantes foi cinematografica ‘Tradicionalmente, seriam considerados ‘adjuntos adnominais’ os ‘Preps destacados em 316 ¢ 319, e ‘complementos nominais’ os destaca- dos em 317 ¢ 318. Em que se baseiam os gramaticos para estabelecer esta distingo? Alguns alegariatn que, tomando-se o verbo opinar como base derivacional.do substantivo opiniao, ‘quem testemunhou 0 faio’ seria seu ‘sujeito’ e ‘que o réu esté inocente” seu objeto. A distingzo entre 0 adjunto ¢ o complemento se basearia nessa distingao de papéis semanticos preservada nos SPreps. Isto é verdade, mas ndo quer dizer que a diferenca semantica esteja sintaticamente estruturada. Buscar 0 fundamento da distincdo na relagdo semantica entre aqueles consti- tuintes e os verbos ‘opinar’ e “fugir’ & reafirmar que a diferenga é semfntica sem provar que ela é também sintdtica. Que dizer, por exemplo, dos SPreps destacados em ‘uma serenata 20 Juar’, ‘uma via- gem 20 Oriente’, ‘0 frango 40 motho pardo”? & possivel distingui-los Sintaticamente em funcao dos significados “lugar onde’, ‘diregao’ ¢ ‘mo- do’, respectivamente? Se sua e cuja ndo s4o ‘complementos nominais* em 320¢ 321 320 — Ficamos acordados & sua espera 321 — Esta € uma vacina cuja descoberta vai revolucionar a medicina por que o haveriam de ser da vacina e do ano novo em 322 ¢ 3237 322 ~ A descoberta da vacina trouxe alivio a milhares de pessoas 323 ~ Ficamos acordados & espera do ano novo 96 Iniciagao @ sintaxe do portugues ©) O sintagma adverbial (SAdv) © sintagma adverbial tem por niicleo um advérbio e pode estruturar-se de forma paralela ao SAdj, jd que alguns advérbios podem vir precedi- dos de determinante (muito tarde, bastante depressa, um pouco fonge, nada mai, bem ali), precedidos de modificador (estupendamente bem, incrivelmente longe) ou seguidos de modificador (longe da cidade, depois do almoso, além do horizonte, posteriormente ao encontro, atrds da porta). ; Tal como o SAdj, o SAdv pode servir de predicador ou de modi ficador. Como predicador, vem introduzido pelo transpositor SER (O acidente foi aqui, A inauguragao sera amanha, Ainda € cedo, Nao seja assim). Como modificador, pode funcionar junto & oragao (Devagar se vai ao longe, Naturalmente, eles foram pescar. Talvez eles possam vit), junto a0 verbo (Eles conversaram demoradamente, Estamos morando aqui), junto a0 adjetivo (/evemeate feridos, estupidamente gelada), junto a0 substantivo (os exemplos acima, um cafezinho agora), junto a outro advérbio (incrivelmente longe, estupendamente bem). 4) O SAdv em -mente O sufixo -mente caracteriza sintagmas adverbiais que funcionam como modificadores de dois tipos principais: modalizadores e circunstanciali- zadores. Os primeiros podem vit modificando uma oragdo (Franca- mente, nao entendi a sua atitude. Decididamente, voce nfo tem jeito), um SV (Eles se embebedaram visivelmente, Ela danca admiravelmen- te), um SAdj (Eles estéo visivelmente bébados. Eles estdo pratica- mente desclassificados), um SPrep (Ele fez o percurso praticamente em duas horas, Fiquei completamente sem dinheiro), ou ainda outro advérbio (Ela fala impressionantemente répido). Os circunstancializadores modificam 0 SV (Eles fazem as acroba- cias suavemente. Ela entrou abruptamente, Bla se arrependeu amarga- mente), Seguem-se exemplos tomados & Iingua escrita: 324 ~ “Realmente, é a sublime indiferenga das Arvores ... que Ihes confere essa dignidade vegetal a que inutilmente aspiramos.” (AN- pkane, 1973, p.799). Modalizadores ambos, o primeiro modifica a ora- Go, 0 segundo o SV. 325 - "Britanicamente entediados, fechavam a boca que s6 dava entrada ao charuto ¢ saida para a respectiva fumaga.” (MACHADO, 1976, p.239). Modalizador, modifica 0 SAdj a estrutura sintagmatica do portugués 97 326 - “Ali arrumava cuidadosamence seus pertences...” (Mo: Rais, 1986, p.579). Cireunstancializador. 327 ~ “Sentimos que era preciso morar Jongamente nesse bojo imenso.” (BraGa, 1963, p.45). Circunstancializador, Alguns advérbios em -mente, quer em fungo modalizadora, quer em fungao circunstancial, recebem um modificador sob forma de SPrep (posteriormente a0 concurso, independentemente da minha vontade, relativamente ao crime, juntamente com os papéis) ) SAdv e transposigdo: as oragoes adverbiais Formam-se por transposigao os SAdvs oriundos de oragdes. O insteu- mento dessa transposigao sto as conjungdes. O outro tipo de transpasi- s8o adverbial é 0 que constitui o geriindio. Chamam-se tradicionalmente ‘oracGes adverbiais’ os SAdvs trans- Postos por intermédio de conjuncao. As seguintes oragdes adverbiais ~ em grifo nos exemplos ~ se distinguem das adjetivas das substan- tivas por sua maior flexibilidade posicional no contexto do periodo. 328a — O tatu sai em busca do alimento quando anoitece 328b — Quando anoitece, 0 tatu sai em busca do alimento 328c ~ O tatu sai, quando anoitece, em busca do alimento 3298 ~ Se a chuva aumentasse, o rio certamente alagaria a cidade 3290 - O rio certamente alagaria a cidade, se a chuva aumentasse 329¢ - 0 rio, se a chuva aumentasse, certamente alagaria a cidade Nos exemplos acima, os periodos so constituidos de uma oracio base modificada pela oragao adverbial. A oracdo adverbial ocorre livremente antes ou depois da oragdo base ¢ em algumas fronteiras sin- tagméticas no interior dela As orag0es adverbiais acham-se & margem da oragao base, que subsiste sintaticamente sem elas. Semanticamente, exprimem circuns- tancias e/ou modalidades diversas relativamente a0 contetido da ora- 40 base: rempo (circunstancia) e condipdo (modalidade), respectiva- mente nos exemplos 328a ¢ 329, causa, oposicdo, finalidade, resu!- tado etc. A apresentacao das oragdes adverbiais nas graméticas tradicio- nais ressente-se, contudo, da falta de um critério que leve em conta propriedades formais, distribucionais ou sem&nticas?. Formalmente, 9. Garcia, 1976, deu urna fundamental contribuigde nesse sentido. Sev trabalho no contudo, bma gramétiea de portugués, e © método asado privlegia A anilise das relapces de sentido, sja por meios sintations, sea por melos lexical. 98 Iniciagdo a sintaxe do porugues lo se tem ido além da distingao entre desenvolvidas ¢ reduzidas, Conectivas e justapostas. Rocha Lima (Lima, 1976, pp.246-58) comenta algunas das suas possibilidades distribucionais retativamente A oragéo base. Por outro lado, ressalvado 0 esforgo de Evanildo Bechara (Be- cuawa, 1976, pp.128-44) para identificar certas afinidades de sentido centre as oracoes adverbiais, nenhum gramético as agrupou em fungao de suas propriedades semanticas. Normalmente elas s40 distribufdas cm ordem alfabética, 0 que — é dbvio ~ nada esclarece sobre suas propriedades linglisticamente relevantes. Ainda assim, encontram-se nos trabalhos de Bechara e de Said Ali observagdes preciosas sobre as propriedades semanticas de alguns conectivos: De nossa parte, acreditamos que os conteiidos expressos pelas oragdes adverbiais distribuem-se por cinco grupos caracterizados, cada um, por um sentido genérico fundamental: (a) situagzo/movimento, (b) causa, (€) modo, (4) constraste ¢ (e) resultado. «# Situacdo/movimento Pertencom a este grupo as oragdes que exprimem as circanstancias de tempo e de espago referidas ao contetido da oragéo base. Séo elas as temporais ¢ proporcionais (tempo) ¢ as locativas (espago). 330 — Quando chega overdo, as praias inflamam de turistas (tempo) 331 - A medida que se aproxima o verdo, as praias recebem mais turistas (tempo) 332 — Eles sé vo armar a barraca onde ndo haja poluigdo (espago) As circunstincias de tempo e espao acham-se estreitamente relacionadas, tanto que se exprimem geralmente por meio das mesmas preposigdes: ‘estamos em junho’ (situac8o no tempo), ‘estamos em Petropolis’ (situacio no espago), ‘eles trabalham de sol a sol’ (movi- ‘mento no tempo), ‘eles voaram de Minas a Brasilia’ (movimento no espaco). Por sua vez, a proporgio representa a relagdo entre processos que se desenrolam no tempo em ritmo simétrico. Os conectivos ‘quando’ ¢ ‘onde’ exprimem, respectivamente, situagao no tempo € no espago. ‘Agora que’ também exprime situagio no tempo, mas seu papel dBitico, que o vincula & circunstancia tempo- ral da emunciagao, faz dele um conectivo peculiar. Todos os demais designam movimento no tempo ¢ caracterizam variagbes aspectuais do processo verbal expresso na oragdo base. i [ | | i | \ | a esirutura sintagmatiea do portuguée 99 Tempo AspEcro __——rativo (enguanto, & medida que) Concomitante © iterativo (cada vex que, sempre que) Gurativo (até que) anterior *Npontual (antes que) ‘Nao concomitante jurativo (deste que) posterior \pontual (logo que, assim que) Exemplos: ‘ 333 - O palhago ri enguanto 0 circo pega fogo (concom./durati- vo 334 ~ Os moradores retornam a cidade a proporcao que os mos- quitos 540 exterminados (concom./durativo) 335 ~ As criangas riem cada vez que o palhago dé uma camba- Jhota (concom iterative) 336 - Eles esconderam-se no s6t&o até que a guerra acabasse (anterior/durativo) 337 — Eles esconderam-se no s6tio antes que pudessem ser des- cobertos (anterior/pontual) 338 - Eles vivem na capital desde que receberam a heranga (pos- terior/durativo) 339 ~ Eles se mudaram para a capital assim que receberam a heranga (posterior/pontual) A conjungao “quando” é neutra quanto &s oposig6es concomitante X ndo concomitante ¢ durativo X pontual. Por isso mesmo, é @ conjun- 40 temporal mais freqliente. ‘Depois que’ é neutra quanto a oposigao durativo X pontual: 340 ~ Eles vive na capital depois que receberam a heranga (posterior/durativo) 341 ~ Eles se mudaram para a capital (logo) depois que recebe- ram a heranga (posterior/pontual) Veja-se nas exemplos abaixo a polivaléncia de ‘quando’: 342 — Ela s6 entrou na sala quando eu sai (posterior) 343 — Eles estavam 14 quando eu cheguei (anterior) 344 — Pule quando eu disser ‘ja’ (posterior) 345 — N6s moramos I quando a estrada era de barro (concomi- tante) 100 iniciagao a sintaxe do portugués e Causalidade Nos exemplos abaixo, o contetido proposicional da oragao destacada ¢ tomado como a razdo ou motivo ~ real, admitido, suposto ou hipoté- ico ~ do conteddo da oragao base. 346 — O basco virou porque ventava muito (motivo real) 347 ~ Se 0 cdo era feroz, voc’ devia prendé-lo (razaio admitida) 348 — Ela nao casou com ele porque o amasse, mas por imposi- go da familia (motivo suposto) 349 — Se voces virem esse filme, tenho certeza que vio gostar (motivo hipotético) ‘A oragio base, porém, nem sempre declara um fato; ela pode ser a expresso de varios outros ‘atos de fala’ (of. Vi.1a), como ‘pergun- tar’, ‘ordenar’, ‘pedir’, ‘inferir’ etc. Nesses casos, a oragag adverbial € tomada como a razo ou motivo desses mesmos atos. “E linguagem usada sobretudo nas argumentagdes” (ALI, 1965, p.136). 350a - Se vocé conhecia a passagem secreta, pot que N&O nos disse? 351a~Jé que ela pretere a solidao, vamos deixd-la s6 352a ~ Se ndo hd vinko, brindem com agua 353a — Ja chegado 0 outono, porque as folhas comegam a cair © enunciado 353a contém uma inferéncia (Jé € chegado 0 outo- no) e sua razao. Obviamente, a “queda das follas’ nlio é a causa da ‘che- gada do outono”, mas a razdo da inferéncia. A inferéncia, a ordem, 0 pedido, a pergunta so modalidades que fazem parte do significado total das frases, ao qual sao referidas as oragdes adverbiais, Compa- remesc as frases seguintes &s anteriores para notar a sinonimia: 350b ~ Se vocé conhecia a passagem secreta, pergunto por que nao nos disse, 351b ~ Jé que ela prefere a solidao, proponho que a deixerios $6 352b ~ Se ndo ha vinho, ordeno que brindem com égua 353b ~ Como as folhas comecam a cair, concluo que 0 outono ja é chegado Nestas variantes 0 ato de fala vem explicitado na forma verbal. Tradicionalmente classificam-se como causais as oragdes adver- biais em 346, 348, 351a, 351b e 353b; como condicionais as de 347, 349, 350a, 352a, 350b, 353b. A fronteira entre causa ¢ condigdo é, porém, indefinida, ficando a distingao patente apenas nos pontos extremos: fato/realidade X hipdtese/irrealidade. Vejamo: 354 - Se voce prefere ficar em casa, entdo fique (condigo) 355 — J4 que voce prefere ficar em casa, entdo fique (causa) [AS conjungdes ‘j4 que’ ¢ ‘se’ denotam uma tomada de posigao do cenunciador relativamente a uma informagao que recebeu de uma outra «a estrutura sintagmtica do porugués v0 pessoa (isto é, do interlocutor que Ihe diz “quero/prefiro ficar’). H uma Sutil diferenga de modalidade, conforme se mostra abaixo. 356a ~ Se cle também é candidato, a oposigz0 vai ficar dividida (causa admitida) 356b ~ J4 que ele também € candidato, a oposigao vai ficar divi- dida (causa real) 357a ~ Se ele se candidatar também, a oposigao vai ficar dividida (causa hipotética) Em 356a 0 enunciador foi informado da candidatura, mas deixa entrever na escotha da conjungao ‘se’ que nao assume a informagao como fato consumado, mas sujeite a divida. 356b parece encerrar a consciéncia do fato ou, pelo menos, sua aceitagao como algo de que j4 Ago se tem davida. Em 357a, entretanto, a candidatura no é mais que © objeto de uma hipétese. A condig&o exprime-se om trés graus de hipétese segundo as especificagdes modo-temporais dos verbos: grau minimo com as for. mas do indicativo, médio com as formas do futuro do subjuntivo, maximo com as formas do pretérito imperfeito do subjuntivo. Compa rem-se: 356a ~ Se ele também é candidato, a oposi¢ao vai ficar dividida 396c ~ Se ele também for candidato, a oposi¢ao vai ficar dividida 356d ~ Se ele também Fosse candidato, a oposigto ia ficar dividida 356a pressupde que ‘ele € candidato', 356b pressupde que ‘ele Pode ser candidato” e 356¢ pressupte que ‘ele nfo foi candidato’. Nas oragbes causais, 0, verbo assume, em geral, a forma indicat va; com a conjungéo ‘como’ pode ocorrer indicative ou subjuntivo, _358a - Como jé era noite (ou ‘fosse noite"), decidimos encerrar a reuniao. 7 © subjuntivo, porém, tem ampla preferéncia quando se nega ‘uma causa em favor de outra, explicita ou implicita, como 348 ¢ 348b: ___ 348 ~ Ela nao se casou com ele porque o amasse, mas por impo- sigdo da famflia ___ 348b ~ Ela se casou com ele, ndo porque o amasse, mas por imposigao da familia A escolha entre as vérias conjungdes da relagao da causalidade obedece ao principio da ‘forga argumentativa’, com que o enunciador procura controlar 03 acontecimentos ou intervir neles através do dis- Curso. ‘Contanto que’, ‘desde que’ sao mais incisivos do que se. Por isso mesmo, quando s¢ quer tornar incisiva a condig0 com ‘se’, emprega-se 0 's6', Comparem- 359a ~Eles entrarao no baile contanto que paguem o ingresso 359 ~Eles entrarao no baile desde que paguem o ingresso 360a ~ Eles 56 entrardo no baile se pagarem o ingresso 302 iniciagdo & sintaxe do portugues 360b — Eles entrariio no baile 56 se pagarem 0 ingresso ‘A escotha entre como e porque, e a conseqliente mudanga de posiggo da oragdo causal, parecem também obedecer a esse principio: 358a - Como jé era noite (ou ‘fosse noite"), decidimos encerrar a reuniso 358b — Decidimos encerrar a reunigo porque jd era noite ‘A causa é realgada em 358a, A exemplo de 3602 € 360, pode-se dar realee & causa em 358b por meio de 's6” 361a — S6 decidimos encerrar a reuniao porque ja era noite 361b — Decidimos encerrar a reunigo s6 porque ja era noite © Modo As oragbes deste grapo expressam dois conteddos cuja afinidade vem iustrada em 362 ¢ 363 362 ~ Bles trabalham na fbrica como declararam 363 ~ Eles trabalham na fébrica, como declararam Em 362, ‘como declararam’ equivale a uma caracterizagdo do pre~ dicado ‘trabalham na fAbrica’, e pode dar lugar a ‘de uniforme’, “em mas condigoes", ‘dedicadamente”, modificadores que denotam modo de tra- balhar, Este ‘como’ modal. Em 363, 2 construgdo de ‘como’ refere-sc a uma conformidade entre o dado da realidade e 0 contetido da enunciagao verbal. 363 pode ser parafraseado por ‘Eles declararam que trabalham na Fabrica, 0 que éverdade", Este ‘como" é conformativo. Ha entre essas duas construgdes de ‘como’ duas importantes dife- rengas: uma, semAntica, a que nos referimos, € outra, sintdtica. A construgio modal integra 0 predicado e descreve 0 modo pelo qual se manifesta o contetido desse predicado; a construgao conformativa inte ra 0 periodo e tem a seu lado a oragao base, a qual modifica & maneira de um modalizador, como aparentemente, de fato etc. 364 - Conforme declararam, eles trabalham na fébrica 365 - De fato, eles trabalham na fébrica 366 - Segundo parece, a fase das chuvas jé passou 367 — Aparentemente, a fase das chuvas jé passou ‘As oragOes modais ndo t&m a mobilidade tipica das orag6es adverbiais; 0 desiocamento de ‘como declararam” 36 6 possivel na inter pretagto conformativa, de 363. ‘Em graméticas escritas ainda no inicio deste século, essas oragdes foram chamadas de ‘modais’. Com a Nomenclatura Gramatical Brasi- lire, umas passaram a chamar-se ‘conformativas’ e outras ‘comparati vas", Alguns exemplos dados por Bechara, Celso Cunha ¢ A.G. Kury, «a estrutura sintagmatca do portugués 108 contudo, niio deixam ver clara a diferenga entre umas € outras: ‘Conse- guiu fazer 0 trabalho, como Ihe ensinaram’ (conformativa, segundo Bechara), “Nao lhe restava sendlo uma esperanca: a de morrer rodeado dos entes que amava, cercado de sua familia, como um fidalgo portu- gues devia morrer, com honra e coragem” (conformativa, segundo Celso Cunha), “Eu deixo a vida como deixa o tédio/Do deserto 0 poento caminheiro” (comparativa, segundo A.G. Kury). De fato, o caréter comparativo de muitas dessas consirugoes uma particularizagio da idéia geral de ‘modo’, como se depreende dos pares abaixo: 368 - Ele nada como um peixe (cf. Ele nada velozmente) 369 — Eles dangam como quem flutua (cf. Eles dangam com muita leveza) Sensivel aos problemas gerados pelo abandono da classe das ‘mo- dais’, A.G. Kury, apés comentar a redistribuigdo daquelas oragoes segundo a orientagao da NGB, assinala que ha um grupo de oragdes que s6 podem ser classificadas como ‘modais': “as oragdes desenvolvi- das com a locugao sem que, ou as suas equivalentes reduzidas de infini- tivo com a preposi¢ao sem: ‘Em casa estudo & vontade, sem que nin- guém me perturbe’; ‘Cavalguei sem dizer palavra.” (Kuxy. 1985, p.101) De qualquer modo, Kury nfio chega a restabelecer 0 grupo amplo das ‘modais’; comparativas ¢ conformativas constituem, também segundo ele, classes distintas, se bem que as vezes confundiveis: "Se 0 como for substituivel por conforme, a oragio seré conformativa; ¢ serd comparativa quando 0 como corresponder a assim como, qual.” (Kv. Ry, 1985, 7.97) ‘Cremos, porém, que a simples comutagao com conforme é pouco esclarecedora, pois também esta conjungdo pode adquirir valor com- parativo, como no exemplo dado por-Luft para as conformativas *Conforme € 0 passaro, assim 6 0 ninho” (Lurt, 1986, p.61). Pensamos que devemos limitar a classificagao de conformativas a oragdes que possam ser deslocadas para antes da oragao base sem os suportes correlativos do tipo ‘assim como ...assim...', exelusivos da comparacdo. @ Contraste Ha uma grande variedade de meios para estabelecer contraste de sen- tido entre as proposigdes unidas no mesmo perfodo, Pode esse con- taste ficar por conta do jogo de anténimos ou de palavras tomadas em sentido oposto relativamente a uma dada situaao: ‘O que escrevemos fica, 0 que falamos evapora-se’. Freqlientemente, porém, recorre-se a 108 iniciag A sintaxe do portuguds formulas conectivas diversas, como as exemplificadas a seguir € que opiamos por reunir neste grupo: 370a ~ Os cometas tém luz propria, enguanto (que) os planetas a recebem do sol 371 — Renata dangava e praticava esportes, ao passo que Luisa investia seu tempo em leitura ¢ meditagao 372 ~ Nossa equipe seria desclassificada, mesmo que derrotasse. a adverséria por ampla diferenga de pontos 373 ~ Ele receberd a heranca sem que prove ser filho do finado 374 — Voces deveriam apoid-la em vez de Ihe fazerem criticas to duras 375 -— “E curioso como quase n&o se véem bichinhos mortos, quando eles morrem as pampartas.” (Morais, 1986, p.610) © contetido dos SAdvs introduzidos pelos subordinantes destaca- dos contrasta de algum modo com o das oragdes base. Em 372 ¢ 373 temos SAdvs concessivos; nos restantes, contrastivos. (Os sintagmas introduzidos por ‘em vez de", que € uma locuga0 prepositiva, sempre apresentam forma infinitiva, Empregam-se, con- tudo, no modo indicativo os verbos das orages contrastivas introduzi- das por ‘ao passo que’ € “enquanto (que)’, conjungées cujo valor é 0 mesmo do coordenante ‘mas’. Trata-se, sem diivida, de construcdes situadas no limite entre subordinagao e coordenagao. Em todo 0 caso, consideramo-las adverbiais por causa da mobilidade que desfrutam. 370b — Enguanto (ao passo que) os planetas recebem luz do sot, 05 cometas a tém propria Por outro lado, os verbos das oragdes introduzidas por embora, ainda gue, mesmo que, sem que, conquanto, posto que assumem forma subjuntiva. Se bem que constréi-se normaimente com subjunti- vo, mas admite indicativo se a oragdo que introduz se pospde & oragdo base. Apesar de que ocorre com indicative. 376 — Decidimos enfrentar o inimigo, se bem que ele estivesse melhor armado 377 — Decidimos enfrentar 0 inimigo, se bern que (ou ‘apesar de quer’) ele estava melhor armado ‘As concessivas hipotéticas de qualquer grau (cf. as ‘condicionais’) ‘vém normalmente introduzidas por ‘ainda que’ ou ‘mesmo que’ 378 — Voc8 nao deve ir a essa festa ainda que (ou ‘mesmo que’) tenha sido convidado Em 378 0 enunciador tem duvida sobre a formulagdo do convite, mas no em 379 379 ~ Vocé nao deve ir a essa festa, embora (ou ‘nao obstante’) tenha sido convidado _aestutura sintagmatica do porugués 10s « Variagées enfaticas da estrutura concessiva (@ concessivas intensivas Estas construgdes, gue Ali chamou ‘concessivas intensivas’, real- gam contraste entre a intensidade expressa na oragdo adverbial € 0 contetido da oragdo base. 380 - Por mais esperto que ele seja, nfo nos enganard de novo 381 — Por pouco que se esforgasse, ele ganharia a prova 382 — Por velho que esteja, seu Anténio ainda faz bem um rogado (0) correlagao concessiva Realca-se adicionalmente 0 contraste, reiterando-o na oragao base por meio dos advérbios entretanto (e sindnimos), ainda assim, assim mesmo etc 383 - Por pouco que se esforgasse, ainds assim ele ganharia a ova PrOV®, 84 - Embora tivessem direito &s didrias, nfo fizeram, todavia, questao de reivindicd-tas, (©) reduplicago concessiva Realgam o tom categérico do contetido da orago base 385 ~ Doa a quem doer, esta deniincia tem de ser feita 386 ~ Aceitemos ou'ndo (aceitemos), a opiniao dele prevalecera e Resultado Para indicar que 0 contedido de uma oragao depende ou decorre do conteddo de outra, podemo-nos valer de conectivos que denotem (@) conclusto 387 ~ A fabrica esté apitando; logo, hora do almogo 388 — Os trabathadores receberam os salérios, de modo que, provavelmente, suspenderdo a greve (b) efeito/resuttado 389 — Nao matards um inocente, sem que despertes a ira dos deuses 390 — Aquela equipe era to boa gue merecia ser camped 391 ~ Eles estdo trabalhando muito para se contentarem com esse saldrio de fome (©) finalidade 392 - O Presidente tem que renunciar para que 0 povo decida, pelo voto, a sorte do pais : 393 ~ A fim de espantar 0 sono, puxei conversa com um passa- geiro 108 Inlciagso a sintaxe oo portugues Sao subordinantes os conectivos assinatados em 389-393; em 387 © 388 hd coordenagao. A$ orag6es finais, Ginicas que podem preceder a oragao base, denotam um efeito visado, uma intengao, e nisso diferem das consecu- tivas, que sempre se colocam apés a oragao base © denotam um efeito contingente, néo intencional, Tal diferenga pode ser percebida entre oragdes introduzidas pelo mesmo conectivo. Compare-se 391 ¢ 394 394 — Eles estio trabalhando muito para compensar os dias parados ‘Somente as orag6es finais admitem 2 ‘focalizagao’ por meio de s6, ser que, apenas’ 394b — Eles sé estio trabalhando muito para compensar os dias parados ‘3040 ~ £ para compensar os dias parados que eles esto traba- Ihando muito 394d ~ Para compensar os dias parados ¢ que eles estao traba- Ihando muito ‘Quando em forma finita, o verbo da oragao final ocorre necessa- riamente no subjuntivo. Na oraco consecativa, o verbo fica geralmete ‘no indicativo, mas assume forma subjuntiva se 0 verbo da oragao base vier negado 395 — Nao matarés um inocemte, sem que despertes a irs dos deuses 306 — Aguela equipe nao era to boa, que merecesse 0 titulo de camped 0u se for introduzida por “para que” 397 -“... bastou que certa massa de ar se deslocasse de maneira abrupia para que nossa calma, nossa seguranga e mesmo nossa vida se vissem ameagadas...”" (ANDRADE, 1973, p. 993) ©) As construgées gerundiais Os sintagmas adverbiais que tém por base um gertindio ocorrem no enunciado, assim como outros SAdvs, nos papéis de modalizador ¢ de circunsiancializador. Como modalizadores, constituem as vezes ex- press6es um tanto cristalizadas de encadeamento do discurso: ‘Pen- sando bem, essa chuva até que veio na hora certa’, '‘Mudando de assun- 10, a sua irm® ja se casou?”, ‘Parafraseando Pascal, 0 coragao dé moti- vos de sobra para uma loucura dessas’, Nesses exemplos, 0 SAdv modi- fica a oragéo que se segue. 0s Circunstancializadores modificam oragbes ou predicados. Os primeiros, denotando em geral fempo, cause, concessao, condigao ou meio, normalmente precedem a oragio que modificam; outros tendem 2 esirutura sintagmatica do portugués 107 a exprimir oposigao, adigao, conseqiiéncia, modo, ¢ se posicionam de preferéncia apés 0 verbo. Hé ainda gerindios que modificam sintagmas nominais, a exem- plo do que se passe em ‘a festa aqui’, “o exemplo abaixo’ etc, Trata-se de modificadores nominais que, a exemplo dos SAdjs, podem ter valor restritivo ou nao restritivo, * Modificadores nominais (a) restritivos 398 —“... um fondgrafo de larga trompa onde se arranhavam os primeiros discos — que traziam aquela figura do cachorro reconhe- cendo ‘his master’s voice" (Nava, 1973a, p.61) 399 -“...recuei de horror ¢ nojo diante da massa peluda, pega- josa, estufada, sem nome e ferviJhando da vida de mil vermes dentro {da orquestrago das moscas zumbindo.” (Nava, 1973a, p.62) (b) ni restritivos 400 ~ “Uma nova lista de pregos da Sunab, corrigindo alguns muito altos, serd divulgada até sbado.” (Jornal do Brasil, 23.06.87) 401 ~ “Actiou logo um cipé:bem forte, pedindo para ser usado na caga.” (ANDRADE, 1977, p.58) 402 —“...a uma Europa tamultuada, oscilando entre a liberaliza- gio e 0 autorilarismo, correspondia uma fase de relativa claboragdo democritica nos Estados Unidos da América do Norte.” (Mota, 1982, p.19) « Modificadores verbais 403 ~ “Tudo ia correndo bem” (Sasino, 1979, p.71) 404 ~ “Ora, eu estava assim um dia, sonhando, de olhos aber- tos... quando 0 ar de nossa sala foi cortado pelo voo da gaivota...” (Na. va, 1973a, p.64) 405 — “Corri a janela e na rua deserta e cheia de sol, vi minha prima Amair apressando os passos, deixando nossa calgada ¢ atraves- sando a rua em direcdo de sua casa.” (NAVA, 1973a, p.65) 406 - “Eu vi um timulo se fechar e, correndo para o teu lado, uma mulher de blusa aberta.” (Macano, 1976, p.162) 407 ~ “A t2o sublime doideira, os poderes constituidos respon- deram com providéncias enérgicas, langando os gémeos lo alto de um penedo.” (ANDRADE, 1977, p.106) 108 iniciagdo & sintaxe do portugués 408 ~ “Tatcei o couro cabeludo, forcejando por descobrir 14 embaixo as suturas ¢ as saliéncias.” (RaMos, 1976, p.180) O valor genérico desses gertindios & ‘modo’. Modificadores ver- bais, jd que integram 0 SV, esses geriindios se referem a SNs que fun- cionam como sujeito ou come objeto (exceto, obviamente, nas oracdes sem sujeito, como “Esta chovendo"). Observe-se a semeihanca deles com os SAdjs: 'Ele vive sonhandofEle vive doente’, ‘Encontrei-a cho- randofncontrei-a feliz’ Também modificadores verbais, as construgies gerundiais dos exemplos seguintes exprimem oposi¢do (409), adigao (410 € 411) con- sequiéncia (412 € 413). 409 ~ “Amo a vista dos homens, (endo tédio de sua companhia. (Nava, 1973a, p.63) 410 ~ “Os demais conjurados desfilavam, agrilhoados, desapa- recendo pela saida dos fundos.” (Sasiso, 1979, p.72) 411 -“E como ventasse de maneira esquisita, pareceu-me que qualquer resolugdo ja havia sido tomada, tanto assim que um de meus antepassados vinha chegando, ouvindo-se bem os seus passos.” (Ma- cHADO, 1976, p.100) 412 ~““As rajadas aumentavam empurrando-me para 0 espaco.” (Macuapo, 1976, p.29) 413 = “.,.pressurosos, .,. embarcaram todos no carro ¢ partiram numa nuvem de pé, deixando o soldado no meio da estrada com a pre- ciosa pasta.” (SapiNo, 1979, p.132) E natural que as vezes nao se distingam com toda a clareza as. nogbes de causa © condigao, causa ¢ tempo, adigdo ¢ conseguéncia, meide modo. Na expresséo da anterioridade de um fato a outro, 0 con- texto ou 0 conhecimento da reslidade pode ‘recomendar’ uma interpre~ tagdo causal, condicional ou temporal; da mesma forma, a concomitan- cia dos fatos pode privilegiar uma interpretagdo modal ou de meio, ea subsequéncia de um fato a outro permite que nessa relacao se perceba uma simples adigtio ou uma conseqiiéncia, 414 - “Mas, estando meio de lado, calculou mal a distancia e, Grando a pontaria, acertou em cheio na cara do preto.” (Sa81N0, 1979, p61) 415-"Nao me considerando bastante seguro na rede, ergui-me tropego.”(Ramos, 1976, p.41) 416 — “Nao havendo outros recursos para assegurar a receita do municipio ..., mobilizaria uma fonte latente de riqueza através da tro- a...” (Saino, 1974, p.01) 417 ~ “Sendo a literatura fendmeno socializante por exceléncia, contudo permanece fendmeno individual quanto & produgao.” (AN. Drape, 1973, p.843) a estrutura sintagmatica do portugués 109 418 —“.., € fora de diivida que Ihe sao familiares os grandes modelos da comédia; mas a verdade que, possuindo valiosos recur 0S, 0 autor n4o 0s emprega em obras de superior quilate.” (Assis, 1962, p.883) 419 — “Descendo a cidade, José Maria comprou malas, preveniu passagens” (Mactapo, 1976, p.43) 420 ~ “Mastigando as palavras, gaguejando, gemendo uma can- tilena medonha, indiferente & pontuag&o, saltando linhas ¢ repisando linhas, alcancei o fim da pagina, sem ouvir gritos.” (RaMos, 1976, pp.195-6). Os geriindios de 414-420 funcionam como SAdvs modificadores de oragdo. Os exemplos 414 e 415 expressam causa, 416 expressa con digdo, 417 e 418 contém gertindios concessivos, 419 exprime tempo e 420, meio D) AS construcées intensivas ‘A quantificagao incidente sobre 0 contetido de verbos, adjetives, advérbios ¢ nomes pode coocorrer com certas expressdes correlatas que exprimem comparapao ou conseqiiéncia, 421a ~ Ana chorou muito 421b ~ Ana chorou tanto que seus olhos incharam 422a — Carlos comeu doces em quantidade 422 — Carlos comeu mais doces do que eu 423a - Godofredo esta bastante sébrio 423b ~ Godofredo esta bastante sObrio para dirigir 424a — Ele fala excessivamente devagar 424b — Ele fala tao devagar que me dé sono Nos exemplos 6 ocorrem expressdes comparativas ou consecuti- vas correlatas a0s quantificadores. Os quantificadores sao SAdvs (421a ¢ 421b), SPrep (422a), Dets (422b, 423a, 423b, 424b) ou Mod (424a) © formam ao lado do verbo (421a, 421b 4222) 0 SV € ao lado do subs- tantivo (422b), do adjetivo (423a e423) ou do advérbio (424a © 424b), respectivamente 0 SN, 0 SAdj e o SAdv. A construgdo resultante da unio de um desses trés sintagmas ¢ o V € também um SV, que vem seguido, em um SV mais amplo, do modificador de valor comparativo ‘ou consecutivo. Os diagramas abaixo permitem visualizar essa hierar- quia. 110 iniciago & sintaxe do portugues ie sf By i Si sna cates < Me sf Mes Sen edd St et ZT TLS comeu ade W doque s& chorow tanto que sé IEEE tot i 1 mais doces cu (comi) seus incharam lho 9. 9. ee Xv Mea 3 Mra fa ne eS Re ah Op t I 1 one aft HAL para igs fsieat Av que dea bastante sébrio Ho devagar £)A relagéo comparativa Vejamos alguns processos gramaticais para exprimir igualdades ou Gesigualdades entre dois conceites considerados, seja quanto & quanti- Gade ~ em se tratando de substantivos ~ seja quanto a intensidade — em se tratando de verbos, adjetivos ou advérbios. 425a~ A pele dela é branca como neve 426a ~ O peixe escorrega como sabZo 427a - Ele bebe vinho como dgua 425b — A pele dela 6 to branca quanto neve 426b ~ O peixe escorrega tanto quanto sabao 427b - Ele bebe vinho tanto quanto dgua a estrutura sintagmatica do portugués a 425c — A pele dela ¢ mais/menos branca do que neve 426c ~ O peixe escorrega mais/menos do que sabao 427¢ — Ele bebe mais/menos vinho do que dgua (Os exemplos dos grupos #¢ bexprimem igualdade; os do grupo c, desigualdade A interpretagao semantica do segundo termo da comparagao, destacado nos exemplos, depende de informagoes explicitas no primei- ro. Com base em relag6es anafdricas, associamos a ‘neve’ a informagao ‘€ branca’, a ‘sabaio' a informacdo ‘escorrega’ € a ‘Agua’ a informagiio ‘ele bebe" Sea relago anaférica permite mais de uma associagio, dé-se a ambigtidade: 428 — Ela ofendeu mais 0 santo do que o padre (= ‘do que ela ofendeu o padre’ ou ‘do que o padre ofendeu 0 santo") No dialeto culto, especialmente no uso escrito, pode-se contor- nar a ambigilidade indicando, mediante a preposi¢ao ‘a’, que ‘o padre’ integra 0 modificador do SV: ‘Ela ofendeu o santo mais do que ao padre’. ‘Muitas dessas construgdes comparativas deixam perceber sua ori- ‘gem em estraturas relativas.'® Nas construgdes do grupo ¢, a locugio *do que’ & a seqiiéricia de preposigao - ‘de’ — pronome pessoal neutro ~ “0” ~€ pronome relativo ~ ‘que’. Este tem por antecedente © pronome ¢ desempenha na oracdo que introduz o papel de um modificador de conteddo quantitative. Esta fungao fica ainda mais evidente nas con: trugées do grupo 6, em que.‘quanto” intensifica “branca’, ‘escorrega’ e meter A perda progressiva de consciéncia dessa origem resultou nas construgdes proporcionais do tipo « 429 — Quanto mais pago essa divida, tanto mais ela aumenta Este exemplo indica que dois fatos ~ 0 pagamento da divida ¢ o crescimento dela — se desenrolam numa gradagdo proporcional. Tra- ta-se de um tipo de comparagao que permite tratar os fatos compara~ dos como causa ¢ efeito concomitantes. Trata-se de uma forma enfética da propor¢ao. Compare-se com o exemplo abaixo, também vinculado historicamente a construgGes relativas 430 - Essa divida aumenta & proporcao que ¢ paga (cf. Essa Givida aumenta na mesma proporgdo em que € paga) 70. Ch Mauvere.,1967: A origem da locugto conjumtiva ‘do que". In: Bstudos fitolégi- com Homenagem 4 Serafim da Silva Neto. Rio, Tempo Brasileiro 42 Iniciagao & sintaxe do porugués ‘Temos nessa forma enfatica a realizagdo do esquema correlative prétase/apédose, proprio dos enunciados cuja primeira parte ~ pro: tase ~ oria uma tensdo que a segunda ~ apédose ~ se encarrega de dissolver: ‘se ...entdo...”, ‘no S6...mas também’, “tanto...que’, ‘assim como ... assim’, O introdutor do segundo termo da comparacao pode concordar em género ¢ ntimero com o antecedente, & maneira de um auténtico pronome relativo, e funcionar como SN: 431 - Ela leu tantos livros quantos eu Ihe recomendei 432 ~ Ele capturou tantas aves quantas apareceram no quintal # O segundo termo da comparacao Examinando 0 seguinte par de frases 433 — Ele lava carros ha tanto tempo quanto eu 434 ~ Ele lava carros hé tanto tempo quanto eu vendo sandélias fica evidente que o segundo termo da comparacao tanto pode conter explicitamente um simples pronome pessoal ~ ‘eu’ - como uma ora- 80 inteira — ‘cu vendo sandalias’. Os gramaticos em geral entendem que em ambos os casos hd oragSes, como atesta a seguinte observacao de Rocha Lima: “Frequentemente, dé-se, na oragdo comparativa, @ clipse de termos da oracao principal, os quais a inteligéncia supre com facilidade: ‘Nao penso/ como vocé { pensa|. A vida € mais bela / do que a Arte |¢ bela (Lama, 1976, p.253) Esta explicagao €, sem divida, adequada 20 nosso exempio, ja {que a intuigdo orienta o leitor/ouvinte para preencher uma lacuna sin- latica apés 0 eu com a informagao “lavo carros’. Na mesma obra de Rocha Lima, logo abaixo, um outro exemplo parece, contudo, recla- mar outra explicagtio: “A cidade estava (t40) silenciosa como um cemi tério.” (Id.,ibid.). Ai ndo hd clipse do verbo, j4 que a interpretagao aponta para ‘como um cemitério é silencioso’, € ndo ‘esta’ ou ‘estava’ Por sua vez, 0s exemplos abaixo nao se podem explicar por elipse de “termos da oragao principal’ 435 — Preciso de um lépis com ponta mais fina do gue este 436 — Ele deu um salto mais alto do que 0 cavalo Nao sabemos 0 que foi omitido apés ‘este’ em 435; e ainda que explicitassemos 0 ‘subentendido’ (“este lapis tem ponta fina’ ()), isto nao corresponde, com esta forma, a um segmento ja presente na ora- do principal. Quanto a 436, uma das interpretac6es se explica bem por eclipse (= do que o cavalo deu um salto), enquanto a outra interpreta- a estrutura sintagmatica do porwguée 13 $0 parece incluir uma unidade ausente da orago principal (‘do que 0 Cavalo é alto’). A solugao por meio de elipse para 436 envolve outro problema, que € 0 de insinuar que af hé 0 pressuposto de que ‘o cavalo é alto’ Como 436 pode ser enunciada mesmo se o referente é um ponei — indiscutivelmente “baixo' para 0 género ‘cavalo’ ~ estd claro que 436 no inclui o pressuposto exigido pela andlise com elipse Como esté evidente que nem sempre o segundo termo da compa- +rago contém uma orago, resta-nos saber se hé motivos para admitir a hipétese da oragao eliptica, De fato, um forte argumento para representar esse segundo termo da comparagao como oragdo eliptica esta em que, desse modo, se pode dar uma explicagdo sintdtica a certas ambigilidades. Recorde- se 0 exemplo 428, Além disso, em alguns casos o segundo termo da comparagao 6, de fato, uma oragao plena (cf.434). Desse modo, reconhecemos que o segundo termo da comparagao pode ser uma oragio plena, uma oracao eliptica ou um SN, e neste tiltimo caso ‘do que’ j4 ndo pode ser anali- sado como seqiéncia dotada de um pronome relativo. Ela gramaticali- zou-se como preposigao. Funcionalmente, consideramos de modo uniforme o segundo termo da comparagiio um modificador subordinado ao SV da primeira oracio, seja ele constitufdo por um SN, uma oragao plena ou ainda uma oragao eliptica. Neste Gltimo caso, a fungao do(s) constituinte(s) presente(s) na frase se define no contexto da oracao reconstituida (cf. a dupla funga0 de ‘o padre’). © A relagdo consecutiva AS construgdes destacadas nos periodos abaixo servem de modificado- res subordinados ao SV da ora¢do mais alta, como nas construgbes comparativas, e exprimem uma consequencia do contetido daquele sv. 437 ~ Minhas davidas foram tantas que precisei de aulas particu- Jares 438 — Ele engordou tanto que jé no podia andar 439 — Ela comeu tanta farinha que ficou entalada iniclagao & sintaxe do portugués : ae le Fai ; I Minhas iis Ele ANSE Mee < : € CM A dy ys eit ata te t i LS I I I seed vatartsel geese eteerdeu cinta ane ana ere ° eee ee ae Ba x Mo ait y aaeeeeeeeetat concn GX gue, hepeaaiede es Neste mesmo subgrupo se incluem construgdes cujo segundo membro, sob a forma de SN, integra um grupo introduzido por ‘para’ ou, mais cologuialmente, “de” 440a ~ Ele est bastante sébrio para dirigir 440b — Ele estd sobrio bastante para dirigir 440c - Ele esté bébado demais para dirigir 440d - Ele esta bebado demais para que possa dirigir 441a~ Ele ést4 velho demais para essa aventura 441b — Ele esta muito vetho para essa aventura Com se vé, alguns desses quantificadores vém indiferentemente antes ou depois do micleo do modificador ~ ‘bastante’ — outro sempre depois ~ ‘demais” - ¢ outros sempre antes ~ ‘muito’ ‘Nestes exemplos, tendo por modificador um termo susceptivel de gradago, o SV pode dispensar o intensificador lexical: 441¢— Ele esté vetho para essa aventura 440¢ — Ele esté bébado para dirigir 441¢ ¢ 40e so sindnimas de 441a e 440c. Nao € possivel, porém, exirair um sentido intensivo de 442 442 — O pagamento ¢ quinzenal para evitar a emissio de vales 2 estrutura sintagmatica do portugues 45 44 que o adjetivo ‘quinzenal” nao admite gradacao. Daf a anomalia de 443 — O pagamento € bastante quinzenal para evitar a emissa0 de vales Em 442 a preposigao ‘para’ exprime finalidade. O duplo papel de ‘para’ produz efeitos de sentido distintos em 444 — Ela se vestiu com sobriedade para nao ser notada (Finali- dade) 445 sultado) Em 444, cuja pardfrase pode ser ‘o propésito de suas roupas, sObrias era evitar que a notassem’, exprime-se uma finalidade; em 445, parafraseavel por ‘ela se vestiu-com sobriedade, por isso n8o foi/seria notada’, exprime-se normalmente um resultado. Na lingua falada, principalmente coloquial, a intensificagao pode manifestar-se na entoagdo. Neste caso, a oracdo consecutiva serd intro- duzida por ‘que’, quando em forma finita, ou por “de’, quando consti- tuida de infinitivo: 446 — Ela ¢ feia que déi (ou “de does’) Bla se vestiu com bastante sobriedade para ser notada (re: Vil Sintaxe e discurso No item 1V.2 detivemo-nos na hierarquia da estratura gramatical ¢ estabelecemos as nogées de morfema e de oragao/periodo com as uni dades minima e maxima, respectivamente, daquela estrutura, Sabe- mos, porém, que os perfodos se associam no discurso por meios varia- dos, que j4 nao classificaremos como sintéticos, mas como discursivos. Tradicionalmente, as investigagdes nesse terreno estiveram a cargo da retérica e da estilistica, A contribuigao do estruturalismo a esses est dos se deve notadamente a teoria literdria, ¢ sé recentemente se fala numa ‘linguistica textual’. Entre nds, Othon M. Garcia deu uma contei- buigdo pioneira ao discorrer sobre 05 meios de estruturagao do paré- grafo ¢ catalogar varias expressbes conectivas interfrasais e interpara- gréticas. De um modo geral, os linguistas esto sensiveis as relagdes entre a linguagem, 0 contexto social e os interesses diversos dos inter- locutores na produgao discursiva. Muitos lingiistas poem em xeque a tese de que 0 objeto de sua citncia seja o sistema, o cédigo abstrato € imune 8s contingéncias do uso em cada situagao de comunicagao. Esta mos diante de tentativas de descrever, no quadro dos estudos lingiisti- cos, a linguagem, nao como um objeto esiatico, mas como um meio dindrmico de exprimir intencionaimente um sentido. 1. CATEGORIAS DISCURSIVAS O ato de enunciagao verbal , necessariamente, obra de um individuo de cada vez, 0 qual se assinala no discurso através da forma ‘vazia’ eu. Conforme observou E. Benveniste, “esse signo esté, pois, ligado a0 120 sintaxe @ dlecurso 121 exercicio da linguagem ¢ declara 0 locutor como locutor. E essa pro- priedade que fundamenta 9 discurso individual, em que cada locutor assume por sua conta a linguagem inteira” (Benveniste, 1976, p. 281). O discurso se situa, inevitavelmente, no ponto de tensdo entre dois polos: a individualidade criativa do locutor/enunciador ¢ 0 con- Junto de varidveis que, extemas a ele, limitam, condicionam ou afetam de diversos modos a enunciagao: 0 cédigo linguiistico, 0 interlocutor, 0 tempo, 0 espago. a situacdo social, 0 contedido, crengase valores cultu- Tais, 0 texto em proceso, outros textos! © interlocutor destaca-se nesse conjunto, pois, locutor em poten- cial, ele € tomado como “cimplice’ de muitas variaveis, quer pelos implicitos do discurso, que o locutor 0 supde capaz de recuperar, quer pelos explicitos que 0 locutor 0 supde capaz de repartir. Formas como eu, vocé, aqui, agora, assim, depois, ele, ontem, este comprovam essa cumplicidade. Todas sao ‘vazias" e s6 no ato da énunciagfo se transfor- mam, de ‘unidades da lingua’, em unidades ou signos preenchidos por um valor referencial O locutor faz seu interlocutor ‘cémplice’, por exemplo, em rela- so a0 pressuposio de que estava chovendo quando enuncia que parou de chover, Por outro lado, tem também sua ‘cumplicidade’ em relago a informagao ‘implicita’ podemos sair, que 0 enunciado parou de chover ndo significa, mas permite, em dada situacdo, inferir. Aquelas varidveis se materializam ou influem no discurso através de certos procedimentos. Agruparemos didaticamente alguns deles em tres grandes categorias discursivas: a modalidade (relagdes com 0 interlocutor e 0 contetido), a referéncia (relagbes com o tempo ¢ 0 espago) © a polifonia (relagbes com outros textos/discursos), 1.0 confronto entre o locuior o essas varisveis & obviamente desigual. Algumas vezes cruel — come no caso dos inguéritos em que uma pesvos é forgada # dizer o que 9 ingu fidor espera ouvir. A fieglo é o tsunfe do locutor rabre o conteddo. O humor © 4 poesia io ovtras atividedes que earacterizam o triunfo do locutor sobre algumas daguelas varidveis, Na maiona das vezez, contudo, o lecotor sucumbe as himitagees dequclas varidveis, porinéreia ou conveniéncia, como no caro das formulas extereoupades de tre lamenio, de saudagao, de corteria, no emprego de provérbios, nas clagges de discurso alheio e ns reprodugio, quase sempre meeinica ¢ inconscieme, de ideologias por nave tera incrustadas no discurso de instituigoes como a socledads, tigreja,a fame, # cen: ia, « exeola, or partidos eto, 122 Iniciagao & sintaxe do portugués a) A modalidade Diz respeito & expressio lingtistica de dois aspectos: (a) as apreciages do locutor sobre o conteédo proposicional das oragdes e (b) seus inte- esses ¢ intengdes quanto as tarefas da enunciagdo! ‘As apreciagdes do locutor se exprimem por meio de + sintagmas adverbiais ou preposicionados 479 —Compraram varias malas; naturalmente vio viajar 480 — Eles ficaram visivelmente contrariados 481 — Com certeza 0 carro deles enguigou + predicadores seguidos de que + ora¢do ou justapostos no enun- ciado £ 482 ~ E claro que eles gostaram de voce 483 — Eles, é claro, gostaram de voce + verbos modais 484 — Eles devem chegar por volta das 10 horas 485 - Ninguém pode viver com esse salario 486 — Ela parece gostar de criangas + modos do verbo 487 - Eles nao safram de 14 porque quisessem, mas porque foram obrigados 488 - Aceito 0 papagaio que fala, mas prefiro um que cante tam- bém + marcadores de foco 489 ~ Avé minha avé faria esse gol 490 ~ Eles vieram aqui s0 para me provocar 491 — Eles vao viajar mesmo sem dinheiro 492 - Aqui € que ele ndo entra 493 - Quando virei para trés, eis que o vejo passar correndo + empregos modais dos tempos verbais 494 — essa hora a noticia ja ferd corrido a cidade inteira 495 ~ Esse dinheiro ainda no daria para comprar 0 terreno + conjungdes eee ee 496 ~ Se ele se candidatar também, a oposigdo vai se dividir entre pessoas, permitindo jalgamen- HALLIDAY, “uma das fangBee da linguagem ¢ proporcionar intera sanifestagio de condigoes Sociais, autades individuais © sociais, avai or e coisst que tais: 1880 inclui participagio na interagio lingiistics. 1976, p54) Sintaxe 0 dliscurso 423 497 ~ Ainda que ele se candidate, a oposigao nao vai se dividie 498 ~ Jd que ele se candidatou, a oposigao vai ficar dividida + verbos que explicitam o ato praticado pelo locutor 499 ~ Eu estranho que até essa hora ela ainda nao tenha telefo- nado 500 - Nego que ele seja meu filho + entoagao 501 — Que tipo mais esquisito! (exclamativa) 502 ~ Haverd no céu mais luz do que nos seus olhos? (interr.— ret6rica) AS intengbes ¢ interesses do locutor se exprimem por meio de + predicados seguidos de infinitivo ou que + orago 503 -E proibido estacionar 504 ~ £ necessério que eles nos ajudem + verbos modais 505 — Vocé. precisa ser mais audacioso 506 ~ Eu vou mostrar a ele quem é covarde 507 ~ Nés temos que/de ganhar esse jogo 508 ~ Voc deve disputar mais a bola (obrigagao) + verbos que explicitam 0 ato praticado pelo locutor 509 — Ordeno que voces saiam daqui 510 ~ Solicito que vocés se retirem 511 ~ Pergunto se vocés conhecem esse homem + modos do verbo. 512 ~ Deixem o poeta em paz 513 — A terra the seja leve + entoagao 514 ~ Quem conhece este homem? (interrogativa) 515 — Quem vocé disse mesmo que roubou o anel? (interr.— confirmativa) 516 = Vocés nao vao me dizer que ndo conhecem esse homem (inter. excl.) 517 ~ Entrem, por favor (imperativa). Fogo! (imperativa) 518 ~ SAIDA (anunciativa). CAVALHEIROS (anunciativa) 124 iniciagao & sintaxe do portugues b) Marcadores de foco Em diversas gramAticas contemporaneas listam-se em apéndice a0 capitulo do advérbio algumas palavras ‘por vezes de classificagao extre- mamente dificil’, por isso reunidas numa classe ‘A parte’. ‘Nesta exposigao nos limitaremos as que, segundo a classificagao constante em Gunna, 1969, exprimem (a) inclusdo: até, inclusive, mes- mo, também; (b) exc/usdo: apenas, salvo sendo, s6, somente; (c) de- signagdo: eis, e (@) realce: € que. ‘Creio que o grupo 6 no exprime ‘exclusdo’, mas ‘selegao", “restri- ga0°. Quem diz ‘Deixe entrar somente as criangas’ nao esta excluindo, nas restringindo ou selecionando. Por outro lado, estas formas nao sao niicleos de nenhuma cons- trugao, nem palavras modificadoras. Ora, as formas vocabulares tém sido distribuidas bastcamente entre essas dus categorias, as quais se acrescenta a dos ‘conectivos’. Em todo 0 caso, essas formas tém uma peculiaridade, que jf anotamos em IV.3: situam-se na fronteira dos sintagmas, como nos exemplos ‘até o padre riu de mim’ — em que até precede um SN ~ ‘o padre até riu de mim’ — em que até precede o SV —€ ‘0 padre rit até de mim’ — em que até precede 0 SPrep, Em “ele nao veio aqui sendo para me provocar’, também 0 sendo restringe a finalidade, introduzindo o SPrep. Estamos diante de uma yariante enfética de ‘ele veio aqui para me provocar’, com foco sobre a finalidade. O mesmo se dem “Ele veio aqui s6 para me provocar’ Observe-se o funcionamento de s6 nos dados abaixo: 519 —O jogador matou trés bolas numa so tacada (adjetivo) 520 - 0 jogador matou trés bolas numa tacada s6 (adjetivo) 521 - 0 jogador matou trés bolas sé numa tacada (marcador) 522 — Este jogador sd matou trés bolas numa tacada (marcador) 523 ~ SOeste jogador matou trés bolas numa tacada (marcador) °S6° € ambiguo em 523, pois tanto significa ‘exclusivamente” como ‘pelo menos’. Nos contextos abaixo essa ambigiidade fica patente: 524 — Puxa, em menos de cinco minutos acabaram com dois pra- 10s de bolinhos. ~Pudera, s6aquele gordinho ali pegou dez de uma ver, 525 ~ Puxa, em menos de cinco minutos acabaram com dois pra- 40s de bolinhos. Tem certeza? Acho que 86 serviram um prato. = Que nada! Parece que cada pessoa comeu uns quatro boli- thos. = Nao € verdade; so aquele gordinho ali comeu quatro, que eu vi No primeiro didlogo, sé exprime uma dentincia (= pelo menos); no segundo, uma restricao, uma limitacdo. sintaxe @ ciscurso 125 Sintaticamente falando, tudo que se pode dizer dessas unidades que elas ocupam a fronteira dos sintagmas, pois ndo servem de bases, de modificadores, de conectivos ou de transpositores. Elas marcam fronteiras sintagmaticas, exprimindo certas informag6es que @ Jocutor considera relevantes por serem “novas" para 0 ouvinte; servem para estabelecer relagdes de implicacao e/ou pressuposigao com outros enunciados. Assim, ao dizer *s6 aquele gordinho ali comeu quatro, que eu vi, 0 locutor pressupde que ‘nenhuma outra pessoa comeu tantos” Em enunciados como ‘até minha avé faria esse gol” ou “Gastio no paga sequer cafezinho’, os marcadores aré e sequer introduzem no dis- curso 0 julgamento do locutor sobre certas situag0es ou fatos ¢ impli- cam outros enunciados: ‘minha av6 mal sabe chutar uma bola’ ¢ 'é nor- mal as pessoas pagarem cafezinho, Por sua vez, eis permite que 0 locu- tor enuncie um fato como algo repentino ou inesperado. Por fim, 0 marcador € que expressa um contraste entre uma informagdo explicita ¢ outra(s) implicita(s) ou constante(s) de outro discurso ~ do interlo cutor, por exemplo, A) O verbo ser e 0 foco Em V.2 referimo-nos a0 emprego do verbo transpositor ser como subs titato anaforico (Eles sairam, mas foi (= safram) sem minha permis- 80). Como vimos, por esse recurso se deu realce &s circunstancias ex- pressas pelos $Preps. Nos exemplos seguintes se observa um outro meio de realgar uma informagao por meio dé ser (ser que, ser...que) 526 ~ Com esse rifle é que ele cagava 527 - Bracom esse rifle que ele cagava Ser que ou ser...que funciona nesseS exemplos como ‘marcador de foco’. Conforme dissemos, essas estruturas tém 2 peculiaridade de impor uma nitida diviséo do enunciado em dois segmentos: 0 focali- zado ¢ 0 restante, O marcador & que situa-se precisamente na fronteira centre os dois: 528 ~ Podiamos ir até o agude/para pegar peixe 529 ~ Para pegar peixe ¢ que podamos ir até 0 agude 530 — Eles nao bebem/café 531 - Café ¢ que cles no bebem ‘0 segmento focalizado impOe-se af como exclusivo em contraste com outros de informacao diversa: quem diz ‘No quintal é que voces podem fazer a festa’ explicita enfaticamente que ndo pode ser em outro lugar, Em outra variante o segmento focalizado se posiciona entre ser ¢ que. Nesta construgao ser é varidvel e est4 sujeito & regra de concor- dancia. Comparem-se 532 ¢ 533 4 128 iniciagdo & sintaxe do portugues 532 Voces é que devem procuré-lo 533 — Sao vocés que devem procuré-lo Ha ainda um outro uso focalizador de ser nfio correlato a que. E um marcador que, nas oragdes independentes, se insere entre qualquer forma verbal e o que se segue a ela’ 934 —Ela quer € casar 535 ~ Todas as manhas eu tenho é corrido na praia 536 ~ Nés estamos é consultando 0 arquivo 537 ~Ele quer ser é médico 538 - Eu ficava era preocupado o) A referéncia A referéncia constitui 0 conjunto dos meios pelos quais o locutor de- signa no discurso as varidveis do contexto:! ele préprio (o locutor), 0 interlocutor, 0 tempo, 0 espago, 0 assunto. Sao recursos referenciais eu/vocé/ele, aqui/ai/ali, agora/antes/depois, isto/isso/aquilo. Também a0 contexto sao referidas as épocas em que se situa o contetido do pre- dicado, flexionaimente expressas através do verbo: presente, passado, futuro. As classes lexicais diretamente envolvidas com esse sistema refe- rencial sdo 0 verbo, 08 pronomes pessoais, demonstrativos e possessi- vos € os advérbios de tempo, de lugare de modo (‘assim’). Os advérbios e, em particular, os pronomes tém tido um tratamento satisfatério nas gramaticas. Aqui nos limitaremos ao sistema temporal do verbo, que apresenta peculiaridades ainda nao devidamente analisadas nos manuais, A) Contexto mediato e contexto imediato Precisamos dessa distinggo para explicar a propriedade que tem a lin- guagem de fazer referéncia a duas ordens de variaveis: as presentes no ato da enunciagao ou no discurso af produzido, e as que esto “distantes” do enunciador, como experiéncia de vida apenas simulada, relatada em outros textos ou em virtude de uma atitude de cautela. E a0 contexto imediato que alguém se refere quando, deparando com o resultado da ‘A referéncia oa polifonia (ver VUL.1d) fazem parte do ‘entomo’ que, na definiglo de Reyes, “consta de elementos linglisticos (que formam 0 ‘contexto", onde eabem toot 0¢ textos suscitados, aludidos, transcritos) e elementos extralinglistices, organizados em fungi do aqui e agora da enunciagso,” (Raves, 1984, p.59) sintaxe @ oiscurso 27 loteria, exclama feliz. ‘Acertei a quinal’. Por outro lado, € a0 contexto mediato que se refere 0 narrador de Inféincia quando, no segundo capi- tulo daquela obra, escreve “Mergulhei numa comprida manhs de inverno” (Ramos, 1976, p.20). A mesma diferenga ocorre entre 0 enunciado ‘Bom dial’ dirigido por um individuo A a um individuo B eo enunciado “Bom dia...” com que o individuo B, em seguida, contrafeito e mal-humorado, comentasse com desdém a saudagao recebida. O Iocutor assume ou ‘simula’ uma relagdo de distanciamento com 0 con- texto mediato, distanciamento que pode ocorrer no tempo ou na ati- tude (ceriménia/fantasia) ‘O verbo apresenta duas séries de formas — variag6es temporais = conforme tenhiam por pélo de referéncia 0 contexto mediato ou 0 contexto imediato, No interior de cada uma dessas séries as formas ver- bais variam para representar 0 contedido como “perfeito’ ou como ‘po- tencial’. Uma terceira forma o representa como ‘neutro’ em relagao a essas propriedades. P6lo de referencia: contexto imedisto Processo perteito: cheguei, vi, venci Proceso potencial: chegarei, verei, vencerei Proceso neutro: chego, vejo, vengo Polo de referéncia: contexto mediato Proceso perfeito: chegara, vira, vencera Processo potencial: chegaria, veria, venceria Processo neutro: chegava, via, vencia A nog de contexto mediato nao se confunde com o passado, mas 0 inclui. Como dissemos, a ‘ceriménia’ e a ‘fantasia’ constituem variveis desse tipo de contexto. As narrativas ficticias ndo dizem res- peito ao passado, a menos que o narrador faga questéo de situar histo- Ticamente os fatos narrados. A ficgdo cientifica estd ai mesmo para pro- var que no so fatos ‘passados" que 0 narrador relata, nem por isso eles ‘so narrados no presente ou no futuro. Trata-se em geral de uma simu- ago, Por outro lado, as formas do pretérito se empregam &s vezes sem qualquer referéncia temporal; o que vale nos exemplos abaixo é a refe- Féncia 20 contexto mediato, que no caso resulta de uma atitude simula~ dora: 539 - Achou, ganhou! (bordao publicitério) 540 - Bu preferia que voces ficassem calados (forma cerimo- niosa de enunciar uma ordem) Considerando 0 contexto mediato apenas o tempo passado, Hi. Weinrich (WEINRicH, 1968, pp.61-94) distinguiu o “mundo comenta- do” (contexto imediato) ¢ o ‘mundo narrado’ (contexto mediato). O mundo comentado € préprio dos textos ensafsticos, dos artigos cientiti- 128 Iniciaga0 & sintaxe do portugués cos, dos textos em que se expoe um argumento ou se defende uma tese, 60 mundo proprio dos editoriais ¢ das crénicas sobre matéria cultural, religiose, esportiva, politica, econdmica etc. O mundo narrado & tipico dos relatos, ficticios ou ndo, em que personagens conduzem ou se envolvem em ages situadas em épocas e lugares determinados, Wein- rich classificou como ‘metaféricos’ os empregos de formas da série nar- rada em textos em que predominem as formas da série comentada. Ou seja, os empregos ‘no temporais” das formas ‘temporais’. Acreditamos, porém, que 0 conceito de contexto mediato, que recobre tempo ¢ atitu- de, dispensa a interpretacao metaforica ‘Como quer que seja, a verdade € que 0 ‘uso do imperfeito, do pas- sado simples, do condicional etc., em situagdes comentadoras, exprime bm matiz de validez fimitada, trazendo ao contexto comeniador 0 que € peculiar ao mundo narrado, como relaxemento, falta de compromis- so." (Kock, 1984, p41) 8) Os tempos do subjuntivo No modo subjuntivo articulam-se apenas urés formas simples: 0 presen- te, 0 passado € o futuro. Este conjunto reduz-se, contudo, 2 oposicgao entre dois contettdos, jé que as formas do presente e do futuro nao tm contetidos temporais distintos; clas diferem tio-s6 quanto & distribui- (40 sintagmatica: 541 ~ Se voces voltarem cedo, jantaremos juntos 542 - Caso vocés voltem cedo, jantaremos juntos Tanto ‘voltarem’ (futuro do subjuntiva) como ‘voltem” (presente do subjuntivo) situam a ‘volta’ no tempo futuro, Por outro lado, em 343 ~ Se vocés souberem a resposta, podem dizer 544 — Caso vocés saibam a resposta, podem dizer as formas ‘souberem’ e *saibam’ situam © conhecimento da resposta, ainda que suposto, no tempo presente. H4, por conseguinte, uma neutralizagdo da oposigio presente/fu- tro no subjuntivor voltarem/voltem, souberem/saibam so variantes ‘combinat6ries da forma subjuntiva que exprime referéncia 20 contexto imediato. A referéncia ao contexto mediato faz-se por meio do ‘pretérito imperfeito’, tanto para o contevido potencial (545) quanto para 0 no potencial (546 e 547) 545 — Quando ele chegasse, n6s sairfamos 546 ~ Imaginei que vocé Gabathasse na fabrica 547 ~ Precisdvamos de um guia que conhecesse as igrejas iN a Sintaxe e dlscurso 129 @) A polifonia “No fundo do mato-virgem nasceu Macunaima, erdi de nossa gente, Era preto retinto e filho do medo da noite.” (ANDRADE, 1969, pall) “Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Tracema. Tracema, a virgem dos labios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da gratina, ¢ mais longos que sou talhe de palmei- ra."(ALENCAR, 1965, pp.50-1) Nao € preciso esforgo para perceber que 0 texto de Mério de Andrade lembra 0 de José de Alencar. Os dois se unem pelo ‘intertex- to’, de sorte que 0 entendimento literdrio do primeiro depende do co- mhecimento do segundo. No texto de Mario, a voz de Alencar soa para- lela A dele ¢ faz daquele um discurso polifénico. A polifonia pode ser definida “como a incorporagdo que 0 locu- tor faz a0 seu discurso de assergdes atribu{das a outros enunciadores ou personagens discursivos (Kocu, 1984, p.142). Ao proceder a essa incorporagao, porém, 0 locutor pode ou ngo explicitar que o esta fazendo. O procedimento mais Sbvio dessa ‘incorporacdo’ é & ‘citagao’, que graficamente se costuma indicar por meio de aspas ~ nos comen- térios — ou por meio de travessio ~ nas narragées. O menos Gbvio costuma ser a ‘alusio", para cuja identificagao o enunciador raramente fornece pistas gramaticais ou textuai Entre a citagao ¢ a aluszo se situam as técnicas do discurso indi reto ~ mais proximo da citagao ~ ¢ do discurso indireto livre ~ mais préximo da alusao. Esta € uma formulagao muito esquematica, mas satisfatdria para os nossos propdsitos. Se uma pessoa assume acriticamente 0 discurso alheio ~ caso da polifonia automatizada ~ , cla pode tornar-se apenas instrumento de uma ideologia que ‘passa além’ através de sua boca. O exemplo mais pico desse fendmeno sao os jargdes religiosos e partidérios que uma pessoa repete sob a ilusdo de que estd dizendo o que pensa. A forma ‘in- génua’ da citacdo € 0 provérbio, que o locutor precavido e critico Feproduz mediante as {6rmulas ‘como diz...", ‘segundo a sabedoria popular...”, ‘nas palavras de...” etc. Como se vé, as conjungbes confor- mativas tém basicamente esse papel. No discurso de cada individuo coexistem inevitavelmente outros discursos. O-ato de dizer & em grande parte um ato de repetir. A repeti- 80 esta na natureza mesma do discurso, como garantia da necesséria continuidade entre 0 que se disse ¢ se sabe e 0 que se vai dizer ¢ tornar sabido. O que se disse ¢ se sabe est codificado em textos ou na memd- ria coletiva, de sorte que no ato de enunciar, uns ¢ outra sio convoca- 130 iniciagao & simaxe do portugues dos a tomar parte na enunciagao e assim garantir a continuidade hist6- rica da comunidade enquanto arquivo de conhecimentos produzidos e laborat6rio de novos conhecimentos. Essa coexisténcia de discursos, ou polifonia, ¢ propriedade de ‘qualquer texto, mas em certos discursos, como o cientifico ¢ 0 literario, ela atua mais intensamente, No cientifico, em que outros textos sao citados em nome da dinamica do conhecimento. No literério, como matéria de criagdo textual, de integragao de informagoes na meméria textual do leitor. A) O discurso indireto © Editorial do Jornal do Brasil de 8.9.87 comega com esta frase: “A cada quinze dias, segundo o escritor Ivan Lessa, 0 Brasil esquece o que aconteceu nos ditimos quinze anos”. Trata-se de uma citaco que se pretende fiel, ¢ que também poderia assumir a forma ‘Disse o escritor Ivan Lessa: A cada quinze dias, 0 Brasil esquece o que aconteceu nos Stimos quinze anos.” A reproducao literal do enunciado nao s6 garante a fidelidade da citagao, como de certo modo exprime a adesao do articulista aquela tese. Se, contudo, o texto fosse “Ivan Lessa escreveu que @ cada quinze dias 0 Brasil esquecia o que acontecera nos quinze anos anteriores’, a afirmagao, além de no vir encampada pelo seu citador, perde a feicao de tese, porque perde o tom da validade permanente: enfim, ‘arquiva- se” no pasado, O contetido proposicional ~ expresso na relagdo entre © predicado € 0 seu sujeito ~ continua 0 mesmo, e se mantém a inter- textualidade, mas os discursos ndo se confundem, pois o distancia- mento operado pelo discurso indireto deixa perceber que uma coisa é a enunciagao do editorialista, outra o discurso citado. (0 discurso indireto, forma de incorporagdo explicita do discurso alheio através do chamado verbum dicendi seguido de ‘que’, “pressu- pe um tipo de relato de carater predominantemente informative ¢ intelectivo, sem a feigao teatral ¢ atualizadora do discurso direto”(Cu- sua, 1970, p.452). O discurso indireto € 0 mais tipico recurso pelo qual um enuncia- dor 1 El) substitui o contexto imediato de sua enunciagao pelo con- texto mediato, que no caso € 0 contexto imediato de um enunciador 2 (B2), cujo discurso 0 enunciador 1 procura relatar. Essa mudanga envoive uma série de alteragdes no sistema referencial, que afeta parti- cularmente os advérbios de tempo (hoje/entdo), os pronomes demons- trativos (este/aquele), pessoais (eu/ele) e possessivos (meu/seu-dele), © 05 tempos do verbo, que tendem a mudar da série I (referente a0 con- sintaxe e olscurso sat texto imediato) para a série II (referente ao contexto mediato). Um exemplo: 548a — Estes méveis sdo hoje menos resistentes do que os que comprei hé trinta anos (discurso direto) 548B — (Ele disse que)aqueles méveis eram entdo menos resis- tentes do que 0s que (ele)comprara havia trinta anos (discurso indire- to) Este exemplo ilustra uma mudanga rigida das formas da série 1 para as da série IT. E importante notar, porém, que o que caracteriza 0 discurso indireto nao sao as formas verbais, pronominais ou adverbiais, mas 0 fato de ser um discurso que se tornou contedido de outro discur- so, O grau de identidade entre o discurso citante (de E1) e 0 discurso citado (de E2) € varidvel. Suponhamos, por exemplo, que 0 editoria~ lista tivesse escrito *O escritor Ivan Lessa dizia que a cada quinze dias 0 Brasil esquece 0 que ‘aconteceu nos tiltimos quinze anos’. Nao hé neste caso 0 que H. Weinrich chamou ‘emprego metafOrico’ dos tempos. Uma vez mais, explica-se a mistura das duas séries pela superposigao dos contextos mediato ¢ imediato. A adesao do editorialista a tese do autor citado traz’o’enunciado para 0 contexto do El — contexto ime- diato ~ ¢ este contexto passa a ser 0 contexto de referéncia dos tempos verbais. 2. A COESAO TEXTUAL ‘Varios fatores concorrem para conferir a um fragmento qualquer de discurso 0 cardter de texto, A coeséo é um deles (cf. III). Bla constitui a continuidade que ha entre uma e outra parte do texto. Essa continui- dade consiste, em termos gerais, em haver em cada ponto do discurso a ligagdo necesséria entre um segmento e outro que 0 preceda. Se 0 texto 6 um objeto de razoavel extensdo composto de varios periodos, sua unidade semfntica repousard na coesdo existente entre esses perfodos, ‘A coesio se expressa em parte através de recursos gramaticais — como os pronomes pessoais ¢ demonstrativos - em parte através do Iéxico. Pode-se, portanto, falar em dois tipos de coesao: gramatical & lexical. No limite desses dois processos, confundindo-se ora com um ora com outro, encontra-se um conjunto de recursos de coesdo, tradi- cionalmente clasificados principalmente como ‘conjungdes coordenati- vas’ € como advérbios, 492 Iniciagao a simtaxe do portugués a) As espécies de coesdo Examinemos pretiminarmente os seguintes dados Texto 1; “-Acho que o elevador no vem até aqui, Vamos ter de des- cer um lance de escada” Texto 2: “Comprei as frutas para a salada. $6 no achei abacaxi" Texto 3:.“psicandlise: —Tenha a bondade de se deitar, minha senhora. Isso nunca, doutor. Todos os meus problemas comegaram assim” (Eutacear, 1979, p.32) ‘Texto 4: “Apartamento de 1 ¢ 2 quartos (suite), ¢/ varanda, salao € vaga na geragem junto ao metré. Rua tranquila ¢ arborizada, Excelentes condigoes de pagamento. Informagoes e vendas, rua Prudente de Moraes, 326”. 1, 2,3 € 4 s8o aqui citagoes de textos. Cada um de nés pode facil- mente tecompor a situacao apropriada a cada um, onde cada qual serd um texto legitimo, Mesmo fora dessas situagSes, porém, ¢ possivel observar a urdidura interna de cada um e identificar a coesao em cada caso. Em 1 ¢ 2 ela é garantida por associagdes entre unidades do Iéxico (oposiggo em elevador/escada; incluso em fruta/abacaxi). Em 3, a coesdo é expressa pelas formas referenciais isso ¢ assim ~ coesao ana- forica. Em 4 temos um texto estruturado por justaposigao de quatro segmentos de sentido: tipo e tamanho do imével, localizagao e ambien- te, meio de aquisigao, informag6es. Essa disposicgo reflete uma ordem de prioridade na estrutura informacional do texto. A coesdo nao é explicita, mas deixa-se intuir em relagdo a tipologia textual: esteredtipo dos antincios imobilidtios em jornal. © que, em suma, caracteriza os meios de coesao intratextual ¢ intertextual € a capacidade que eles tém de remeter 0 ouvinte/leitor para unidades de sentido precedentes, isto é, para 0 que jé foi dito ou escrito, ¢ interpretar uns em funcdo dos outros. Freqtientémente a coe~ so se bascia na compresenga de expressGes semanticamente associa~ das, como em 1 ¢ 2, Nowtros casos, a coesdo vem explicitada por pala- vras de funcao anaférica — como o isso ¢ 0 assim, pronomes pessoais, possessivos e demonstrativos, artigos e advérbios, unidades que no Significamn sendo aquilo que o texto ja informou. : ‘Vamio-nos deter agora em dois aspectos da coesto: 0 tdpicoe jungao. sintaxe e discurso 133 b) O tépico “A noite, todos os gatos sto pardos" E 6bvio que toda enunciagao tem de dizer respeito a situacao em ue ocorre, ou ficard ‘solta’, como a epigrafe desta segao. E da situagiio que o locutor tira a razdo de seus enunciados, os quais podem ser sau- dasoes, expressdes de surpresa, perguntas, respostas, declaragoes. Neste iiltimo caso, essa razdo ou assunto normalmente serve de ‘ponto de partida’ da enunciagao. Jé na gramatica de Pacheco ¢ Lameira se lé: “Na conversagao, parte-se geralmente de uma nogdo jé conhecida pelo interlocutor, para a desconhecida que se Ihe quer comunicar.” (Pa- crEco & LaMelna, 1894, p.535) ‘Trata-se de um dado disponivel na situagao, supostamente co- nhecido do ouvinte, ou de um dado a ser ativado em sua meméria. Essa “nogao ja conhecida’ e que serve de “ponto de partida’ do enunciado ¢ 0 seu {6pico, a “desconhecida que se the quer apresentar’, o comentério. A importancia desse conceito ¢ sua expressBo em portugues vem sendo estudadas por Eunice Pontes, que recentemente publicou uma extensa monografia sobre 0 assunto (Pontes, 1986). A tradicional defi- nigdo de sujeito ~ ‘ser sobre o qual se declara alguma coisa’ — aplica-se melhor & nogdo de t6pico, haja vista frases como 349 ~ Os pastéis, ninguém comeu. Estavam frios 5508 ~ Por falar em Pedro, onde ele esta morando agora? S5la— Essa méquina, ela reproduz cem c6pias por minuto ‘em que cada termo destacado € tOpico, ¢ $6 no Ultimo exemplo talvez possa ser classificado como sujeito, pois o sujeito gramaticel ‘ela’ refe- Fe-se a0 t6pico ‘Essa maquina’ ‘Se comparatinos a estrutura desses.enunciados de seus correla- tos 549b — Ninguém comeu os pastéis. Estavam frios 530b— Onde Pedro esta morando agora? 551b ~ Essa maquina reproduz cem cépias por minuto notaremos que as primeiras so informacionalmente diferentes das iltimas, Elas tém estrutura propria do discurso coloquial, ou mais pre- cisamente, do discurso dialogado, em que o enunciador, para dar sequléncia ao discurso, & conversa, elege como ponto de partida de seu enunciado um dado qualquer que é objeto da atengSo de seu interlocu- tor. Na lingua escrita, é a0 t6pico que se deve muitas vezes a ponte entre dois perfodos seqitencializados no texto. Aqui mesmo, 0 seg- mento ‘Na lingua escrita’ é 0 t6pico através do qual promovi a relagao entre 0 periodo que inicia este parégrafo e o pardgrafo anterior, em que me referi ao “discurso coloquial’ 134 iniciagao & sintaxe do portugues Na medida em que serve de ponte entre enunciados de diferentes Jocutores ou entre periodos no interior do mesmo texto, o t6pico é um conceito discursivo, e 0 proceso que confere a um fragmento da frase © papel de tépico é'um processo que faz avangar 0 texto, conferindo- the coesao. ‘Oconceito de t6pico ainda € controvertido. Em todo 0 caso, parece uma nogao util ¢ fecunda, mesmo quando se limite a caracteri- zar a espécie de unidade que assinalamos em 549-551. Além disso, & Seguramente o status de t6pico das unidades assinaladas abaixo que conduziu a gramaticalizacao delas como sujeito: 552 ~ A forncira pingava agua 0 dia todo 553 — Carlos cortou 0 cabelo na semana passada 554 — O elevador s6 cabe trés pessoas 555 — Petropolis faz muito frio 556 ~ Esse quarto bate muito sol & tarde 557 ~ Os olhos dela faiscavam Sdio 558 - Ana torceu 0 pé ¢) A jungao A) Conectiva Realiza-se por meio de palavras ¢ locugdes com que 0 locutor estabe- lece e explicita relagbes semanticas entre sintagmas, oragbes, pardera- fos associados no seu proprio discurso ou em discursos de distintos locutores, Esses operadores so advérbios ou locugdes adverbiais, com posigao variavel, e coordenantes que sempre precedem oragdes. Muitos desses operadores sao classificados tradicionaimente como ‘conjungdes coordenativas’: portanto, entretanto, pois, todavia etc. Outros tém sido, embora sem uniformidade, classificados como “lo- cugdes adverbiais’ ou reunidos sob a imprecisa rubrica de ‘palavras denotativas’: até, inclusive, $6, isto 6, etc. Sao variados 0s conteddos expressos por essas unidades. Nesta ‘exposigo nos limitaremos &s que a gramatica tradicional chamou ‘con~ jungBes coordenativas’, incluindo algumas ‘locugées” que, funcionando embora como essas ‘conjungdes coordenativas’, nlo receberam tal clas- sificagao. : {a) Exprimem oposigao: contudo, entretanto, todavis tante, porém, na verdade, por outro lado, em compensagdo. ‘S80 advérbios ou locugdes adverbiais e tem posigao flexivel junto ao segmento ~ geralmente oragdo — a que se adicionam. nao obs- sintaxe @ clecurso ae 559 ~“A mio, levantando-se, dilacerava a trama, que contudo Jogo se recompunha...” (ANDRADE, 1973, p.837) 360 ~ “Manuela era uma dessas mulheres desiludidas do amor e que, entretanto, se guardam toda a vida para um homem desconheci- do.” (Mactiado, 1976, p.215) 561 ~ “A estrutura social gerada no proceso de colonizago sofria alguns abalos, insignificantes todavia para provocar modificagao sensivel no mundo do trabalho.” (Mora, 1978, p.108) 562. -““A maioria, embora aceitasse muitas das conclusdes prati- cas a que dera ensejo o descobrimento das terras inc6gnitas, deveria optar, porém, no dominio da teoria e da especulagao, por alguma via mediana.” (HOLLAND, 1977, p.278) 563 ~ “Assim, os que queriam abandonar de todo as velhas idéias, ¢ contudo no podiam ficar cegos a importéncia dos novos acha- dos, sé tinham 0 recurso de tentar entre umas € outros algum capri- choso concerto.” (HotLaNDa, 1977, p.278) 564 ~ “Fantasiei de mil modos 0 momento em que ia ser ferido e no entanto tudo se passa da mancira mais gratuita ¢ inesperada.” (Vz. Rissimo, 1966, p.96) 565 ~ “As primeiras defesas por ele realizadas assumiram um tom francamente formalista. A medida, porém, que se foi aprofun- dando nos meandros dos eventos da revolugao nordestina, tentando justificar seus constituintes, a postura passou a ser menos rigida ea argumentagao adquiriu maior clareza e ponderabilidade.” (Mota, 1982, p.212) 566 - “Sendo a literatura fendmeno socializante por exceléncia, contudo permanece fendmeno individual quanto A produgdo.” (AN. Rave, 1973, p.843) 7 567 - “O referido cearense nao eséapava a regra: pelo contrério, ia mais longe quando tentava defender 0 juiz de fora de Goiana, apri- sionado na fortaleza.” (Mora, 1982, p.81) Todos esses exemplos deixam claro que esses operadores no S80 conjungdes, pelo menos no sentido em que esse termo 6 empregado na gramatica tradicional. Essas unidades indicam que o enunciidor esta- belece uma oposigao ou contraste entre duas informagbes, e NAO que 98 segmentos associados por elas estejam coordenados. Com efeito, 0 instrumento da coordenago pode até ocorrer, haja vista os exemplos 563 ¢ 564 (/e/ contudo, /e/ no entanto) ¢ a possibilidade das combina~ ‘goes ‘mas...contudo’, ‘mas...no obstante”. (b) Exprimem conclusdo/inferéncia/resultado: portanto, pois, de sorte que, de modo que, por isso (que), por conseguinte, em conse- giléncia, tanto que. ‘As formas terminadas em ‘que’ vém obrigatoriamente antes da 436 4 sintaxe de poruguas oragéo que exprime a inferéncia, jé as outras, como no grupo anterior, {8m posigao flexivel. 568 ~ “O tato de grande parte do acervo documental provir de fontes oficiais, através de agentes da repressao — e portanto do regime ainda absolatista ~, condiciona o tipo de informacao disponivel.” (Mora, 1982, p.75) 569 ~ “Entre 0 sal ¢ 0 agiicar, sempre optara por este, de sorte que o jantar consistia, no caso particular deste escriba, numa prepara- G40 do doce.”(ANDRADE, 1973, p.1048) 570 - “O enterro foi no Chile, apés 0 golpe, de modo que nossos livros ¢ discos possivelmente cafram nas maos da policia.” (GasEiRa, 1981, p.141) 571 ~ “Um deles, menino de dez anos, empunhava uma vara, ¢ se ndo sentia o desejo de dar com ela na anca do burro, endo eu no sei conhecer meninos.(Assis, 1962, p.609) 572 ~ “Essa aptidao para 0 social esté longe de constituir um fator aprecidvel de ordem coletiva. Por isso mesmo que relutamas em aceitar um principio superindividual de organizacao ...” (HOLLANDA, 1976, p.113) 573 — “Nascida a 14 de dezembro de 1847, ela era 2 anos, 4 meses € 27 dias mais velha que 0 novo marido ~ vindo ao mundo em 11 de maio de 1850. Assim, esse assunto de idades tornou-se para sempre tabu na minha famflia matemna.” (Nava, 19736, p.168) 574 ~ “Fez uma ligeira mesura de cabega para o bacharel, conti- nuou a explicar-the que se sentia seu amigo, e, por conseguinte, seu confidente."(Ripeiro, 1984, p.327) (©) Exprimem 1azao, justificativa: pois, porque, tanto (assim) que. 575 — “No adiantou a providéncia, pois, nesse momento, lé fora, so portas ¢ janelas que estalam em varias diregdes.” (ANDRADE, 1973, p.993) 576 ~ “Essa dignidade nao era diminuida pelos novilhos e pelos Porcos do Indcio Gama, porque 36 nas fazendas sofisticadas de hoje € que 0 gado, 0 mugido, 0 ronco ¢ 0 cheiro de bosta foram afastados do dono.” (Nava, 1973b, p.146) 577 ~“E como ventasse de maneira esquisita, pareceu-me que qualquer resolucao jé havia sido tomada, tanto assim que um de meus antepassados vinha chegando, ouvindo-se bem os seus passos.” (Ma. cHADO, 1976, p.100) (@) Exprimem uma explicagao: isto &, ou se/a, a saber, em suma, noutras palavras, enfim, por exemplo. So advérbios, locugses, sintag- mas preposicionados que servem para pOr sob foco a unidade que acompanham. simaxe e dlecureo 137 578 ~ “Ao omitit os grandes proprietérios rurais ~ agricultores enfim -, sua vis8o colonialista ficava definida,” (Mota, 1982, p.113) 579 ~“...na Lei Organica estabelecida e proposta para ampla consulta popular, o ‘povo" jé ndo era concebido como simples compo- nente de uma sociedade de ordens, isto €, como Terceiro Estado.” (Mora, 1982, p.113) 580 ~ “Os dominios rurais ganhavam tanto mais em importan- cia, quanto mais livres se achassem na influéncia das fndagoes de cen- 10 urbanos, ou seja, quanto mais distassem das fronteiras.” (HoLLAN. a, 1976, p.62) 581 ~ “$6 as criaturas humanas conseguem abrir uma porta bem fechada e vice-versa, isto 6, fechar uma porta bem aberta.” (CaMPos, 1965, p.23) (e) Exprimem uma confirmagdo: com efeito, efetivamente, de fato, realmente. 582 ~ “Essa primazia acentuada da vida rural concorda bem com © espirito da dominagdo portuguesa .... Com efeito, a habitagao em cidades ¢ essencialmente antinatural...” (HOLLANDA, 1976, p.61) 583 ~“O bebs, de olhinhos trangiilos, olhava sem reprovagao ara tudo. De fato, nao era de reclamar.” (AxDRaDE, 1973, p.1003) (© Exprimem-uma retificagdo: ou melhor, na verdade, (ou) por outra. : ‘584 ~ “... nem todos 0s mandatos séo verdadeiros, ou, por outra, muitos deles s20 argilidos de falsos, e nem por isso deixam de ser ‘cumpridos.” (Assts, 1962, p.730) 585 ~ “Na parede oposta a que separava a cela da enfermaria tinha sido instalado um “guarda-roupa’ — na verdade uma armagao de cabos de vassoura coberta com len¢éis grudados por tachinhas ...” (Morars, 1987, p.175). 7 586 ~ “...€ assim o bastardinho vai sendo amamentado de seio em seio ou, melhor, de imaginagao em imaginagao...” (VERIssiMo, 1975, p.116), 587 ~ “(A lixcira) nao the abafou o chorinho com 0 desmorona- mento de um pacote de restos de cozinha, ou a queda de uma lata vazia de pessegada sobre a cabera. Na verdade, estimulou-a a chorar e bra- dar...” (ANDRADE, 1973, p.1196) 8) Por justaposi¢ao (a) Por justaposigao se relacionam no texto segmentos atribufdos 8 diferentes atos discursivos ou a diferentes locutores. 138 Iniciagao & sintaxe do portugués 588 — “Agora vamos tacar fogo./~ Ordenov 0 comandante.” (Axorape, 1973, p.670) 589 _ "Precisamente como eu disse aos senhores/ - falow abrindo os bragos " (Ruszino, 1984, p.391) 590 — "Quanto a constituigdo, /informava Cabugé no final da mesma carta/, deveria ser modelada pela dos Estados Unidos.” (Mora, 1982, p.200) 591 - “Uma familia brasileira tipica,/poderiamos dizer”. (Mo- as, 1986, p.603) 592 "Em 1898 Xisto Vacariano tomou um vapor em Buenos Aires ¢ viajou até ao Rio de Janeiro, onde - /conta-se/ — se avistou ‘com 0 Senador Pinheiro Machado.” (Ver'ssimo, 1975, p.28) (b) Uma informacao fundamental ¢ outra subsididria, cuja fun- G40 & exprimir comentarios, ressalvas, etc 593 = “Apanha, leva a0 nariz ~ / ndo tem cheiro, como incons- cientemente jé se esperava/ — depois amassa a flor, joga para um can- to.” (Anpxabs, 1973, p.676) 594 — "Como sua solitéria nao possuta sanitério — /ele era obri- gado a usar o do comandante, sempre acompanhado de escolta/ ~ Prestes simplesmente atirava Sob 0 colehdo as tiras de jornais lidos (Morais, 1987, p.203) 595 - “A sozinhez (/esquece essa palavra que inventei agora sem. querer/) € inevicavel. (Campos, 1965, p.23) 596 - “Apesar de nfo se poder dizer que sistematicamente os indigenas estiveram associados aos contra-revolucionérios -/os epis6- dios de feroz resisténcia em Itabaiana provariam o contrério/-, pode~ se indicar as significativas tentativas dos zeladores do regime no esforgo de canalizar para a restaura¢o 0s indios até entdo marginaliza- dos.” (Mora, 1982, p.182) (©) Um segmento ~ sintagma ou oragao ~ ¢ seu aposto 597 ~ “$6 dois fOlegos vivos no so candidatos a0 governo da cidade, ue eu” (Assis, 1962, p.752) 598 ~“...0s proprietérios is vezes transigem com eles, coisa que nenhum poderia decentemente fazer com um ladrao de cavalos. (Ra. os, 1981, p.130) 599 “A vida pulula em volta do pintor: formas vivas ou meca nicas que se movem, volumes e cores que se deslocam...” (BRAGA, 1963, p87) (@ Um sintagma verbal ¢ um ou mais sintagma(s) nominal(is) de valor circunstancial. E uso corrente no discurso narrativo. 600 ~ “Admirei-os em suas displicentes poses escultéricas, mzos na cintura sobre a tdbua balougante, indiferentes a sucgdo do abismo aberto em espirais de morte sob seus pés.” (Morals, 1986, p.602) sintaxe 0 ciscurso 199 601 ~ “Continuam a chegar ao largo, vindos de varios quadran- tes da cidade, homens e mulheres que ficam a olhar 0 coreto de longe, narizes e bocas tapades por lencos, um espavento nos olhos.” (Vexissi. Mo, 1975, p.320) 602 - “Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos des- Bovernados, a lingua pendente ¢ insensivel.” (RAMOS, 1969, p.153) 603 ~ “Finalmente, encostando as pontas dos dedos umas nas outras, os indicadores tocando os idbios, olhou para cima como quem busca no teto 0 fio da conversa.” (RiBERO, 1984, p.336) (©) 0 vocativo ¢ a oragao 604 — “Pois, senhores, nem 0 ilustre brasileiro, nem este ctiado do leitor, éramos os mais precavidos dos homens.” (Assis, 1962, p.507) 605 - “Coronel, fique certo de que conhego muito bem sua bio grafia.” (Vertssimo, 1975, p.111) 606 ~“E além do mais, vocé chegou a idade de descansar coisa nenhuma, seu engragadinho.” (ANDRADS, 1973, p.1091) (D) duas oragdes (aqui separadas por /) 607 ~ “Ontem, querendo it pela Rua da Candelaria .... nao me foi possivel passar/ tal era a multidtio de gente,” (Assis, 1962, p.561) 608 ~ “Procissio ndo eray/ nfo havia tochas acesas nem sobrepe- izes.” (Assis, 1962, p.561) 609 - “Obviamente, nao ¢ nova a utilizagdo do termo ‘social":/ novo € 0 contetido.” (Mora, 1982, p.79) 610 ~ “Para o empregador moderno — assinala um socidlogo norte-americano ~ 0 empregado transforma-se em um simples nume- ro: /a relagao humana desapareceu.” (HoLLaNpA, 1976, p.102)

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