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| Goncato Aramjos PaLécios De como fazer filosofia sem ser grego, estat morto ou ser genio UNIVERSIDADE FEDERAL DEGOIAS ED. Nica Severino Pereira (ES + Reine Lago Buspedes Xavier Colegio Filosofia, + VieReior Sétie Easaios Adio José Peixoto Dinter « Ear ‘Alejandeo Lugueti Ostermayer, Alvaro de Almeida Caparica, Eduaedo Meiinhos, Marcus Fraga Vie, Zz Royésio Santana dos Santos, Nizio Antonio da Silva, & ind de Pati Cao Melo coin + Cousibo abril fae Gee para nio aceitar passivamente tudo o que se nos diz ou tudo ‘que lemos; imaginagio, para estar em condigdes de achar solugdese saidas do labirinto em que nos encontramos; poder argumentativo para fundamentar racionalmente nossas intuigdes. Em outeas palavtas, nos comportarmos na filosofia como 0 fazemos como seres normais: avaliaemos 0 que escutamos, vemos ou lemos, pensarmos se concordamos, avaliarmos, refletitmos ¢ decidirmos as coisas por nés mesmos, como pessoas adultas que niio precisam ser conduzidas pelas mas de outros adultos. Podemos, portanto, estar em condigdes de filosofar ‘mesmo antes de saber que o fizemos ‘Quando tha uns 14anos comeceia pensar na existéncia deDeus Estava uma tarde considera este c aquele atributo de Deus, a existéncia do mal ete. Cheguei a uma determinada conclusio ¢, anos depois, quando estudava filosofia, um professor nos passou umas paginas esrits por Cicero sobreo ‘mesmo assunto, Pa minha grande suepresa, 0 argumento que clo tecia em exatamente o mesmo queeutinha constrido anos ates, Nunca me passoupda cabera, quando adolescente, que tal problema eta um problema floséfico que tinha dado muita dor de cabega aos grandes filésofos —_muitos, até, perderama sua por tex proposto certas solugées. Isso mostrou para mim ques filosofia esti sempre mais perto das pessons do que elas imaginam. Filosofamos espontaneamente porque 0 ‘questionamento é natura 20 ser humano, a nio ser que tal «espontaneidade sea esmagada por ambientes pouco propicios 4 + Gong Ammo Pin A crintvidade ef lberdade de pensamento, ‘Desa maneita,e para responder questi desta seco, poderiamos dizer que, como os bons ¢ os maus costumes, a filosofia comeca aainfanci, se houver um ambiente propicio parao normal esadio desenvolvimento espritual intelectual ‘das criangas. As criancas aliis, mostram uma curiosidade filos6fica e cienifea surpreendentes.E pena que a familia, ou ‘escola, frustrem. Disto resulta algo que, para muitos leitores, sexi um alivio. Na verdade nio ¢ por termos lido que podemos ser fildsofos, mas por estarmos acostumados a pensar | criticamente. A esctita filos6fica como r cédigo cifrado As iiltimas linhas da segio anterior nos levam a outro assunto, a saber,o da relagio entre escitaeletura dos textos filos6ficos. _Emp: Iogat, devemos diferenciat ler filosofia (J) de fazer flosofia/ Quem I filosofia faz tanta filosofia como quer Hteratura fx literatura. O leitor de poesia, por mais _ssiduo que sj, no & porisso, um poeta;oleitor de flosofia, ‘por mais erudlito que sj, nfo é,porisso,fldsofo. Ultimamente se usa muito a expressio “a leitura xxx De como ft ilo sem sr gre, tar marta ou ergo + 37 deZZZ”. Por exemplo, “aleitura heideggeriana dos gregos”, “a leitura nietzscheana dos gregos”. I se fala tanto em “Ieinuras”, nese sentido sofisticado, que se passa aimpressio —equivocada— de que se fz flosofiafazendo esta ouaquela “eitura” ou, entio, eatendendo a diferenca entre a “letura heideggeriana dos pregos” da letura “nietzschiana” ou a ‘foucaubiana’ Bu sinto uma profunda estranheza com estas ‘expresses. Vejamos por qué. Leio em Tales, por exemplo, «que o principio de todasas coisas éa fgua. O que eu fago? Se ‘io hi algum outro fragmento de Tales que explique por que propés esta tese, paro para pensar € me pergunto: por aque seri que afirmou aquilo? Em pouco tempo chego a conclusio, por demas dbvia, de que o fato de a Agua ser 0 clemento que permite a vida aparecere se manter deve ter levado Tales tal afirmacio. Imediatamente procuro algoma confirmacio dessa hipétese, Procuro nos fragmentos dos outros filésofos pré-socriticos, mas nfo acho nada que me sunlie, Poracaso chegoa Asistétees, que, na Fé, neferindo- sea Tales, diz que, seguramente, ele afitmou esta tese porque sempre que encontramos seres vivos hé-umidade, Iss0 me ceasina vitas coisas interessantes A primeira, que me parece Sbvio postular, também © pareceu a um dos grandes filésofos da historia da filosofia que viveu numa époce préxima a Tales, que também fazia parte de sua cultura ¢ também falava a mesma lingua. A segunda, que ofo devemos procurar cinco pés no gato. Devemos, pois, procurar & 38 + Gono ArmjoePiicie 7 (gb) escrito coma intengio de afrmar uma coisa, hipétese menos estapafidia. Em tercero lugar, e 0 mais importante, aquilo que os fibsofos escreveram devia tsidey no duas nem“ tués-Desse modo, nfo veo como alguém poderia fazer uma \\Joutraleitura do fngmento de Tales diferente da que Atstételes ‘cu fizemos —e que fazem pessoas ainda nfo contaminadas pelos vicios académicos (meus alunos dos primeizos anos de filosofia, por exemple) quando Icio o fiagmentoe pego que ‘-expliquem, Se Xen6fanes diz que nio podemos conhecet as verdades essenciais sobre as coisas, no vejo como alguém poderia fazer uma “Ieitura” que conchua outra coisa eque a atribua a Xen6fanes, Se Marx disse que o proletatiado devia fazet a revolucio, eu nto vejo como poderia ler as intimeras passagens em que diz isso e interpreti-lo de uma maneira diferente, Porisso, incomoda-me muito esta nova moda de falar de “leituras”. Nictzsche diz que os gregos inventarama verdade ¢ os valores. Pois bem, disse ou nio disse? Seri que alguém pode fazer uma “eitura” segundo a qual Nietzsche diz outra coisa? Outra coisa, alii, que no esti publicada em lngar nenhum? Nesse caso deve-se dizer: “A pastr do que Nietzsche escreveu proponho esta tese que nfo coincide com ade Nietzsche, que nem a peatou. Fda minha colheita”. Ai, tudo bem, Mas fica clato que Nietzsche ficou de lado e — eventualmente — surge uma nova posisio filosofica. Dessa ‘maneiraa flosofia até gan. Para nio ir mais longe, eu digo que a filosofia no pode ser definida. Alguém poderia fazer uma “eitura” da De camo fazer floofa sem se rps, et morta Yee gio = 9 ) wo qual se depreenda que eu digo outa coisa? Aficio que quer sc limita a comentar nio faz filosofia, Alguém poderia let ‘essa minha afirmacio sento no sentido em que eua disse— com todas as letras, alii, e procurando ser muito claro? Quando as pessons filam, o frzem pata comunicar- passa® pan outros, de maneita clara, que se. E.comunicar é passar par se pensa. Se isso vale para os seres humanos comuns, _que devera ser diferente para os filésofos? Por que um filésof, que disse que o principio de todas as coisas no éa figua e sim ar, deveria ser“lido” como dizendo outea coisa? Sem diivida, as possbilidades de interpretar um texto siio enormes. Mas prova isso que o fildsofo que esereveu csse texto quis dizer, nto como que disse, 0 que iio disse? Se our filésofo ~Bacon—escreveu que 0s filésofos gregos cram tagarclas ¢ que sua filosofia era farta em palaveas eestéil cm obras, como podria alguém fazer uma “leitura” que dliga ago diferente do que aquele filbsofo escreveu? Seriique os filésofos escreveram mensagens cifiadas? Cédigos secretos para iniciados? Seré que os gtegos esereveram para serem “interpretados” ou “lidos” por Heideggerou Niewsche ou pelos estrutualistas ftanceses mais de dois mil anos depois? Seri que Marx escreveu para ser “explicado” por Althusser? Seri que alguém, na sua si razio, escreve para se interpretado por quem 6 nasceri num outro século,arrogando-se odieitodeinterpreti-loa seu bel-prazet ¢ atribuindo-lhe afirmagdes que nem fez. nem Ihe ocorteu fazer? Parece-me que tudo aponta no sentido contro, Isto + Gong Aes Pacis Lay) Nie serie por ould, que cada fi 6,que os il6sofos — quase na sua totalidade —escrevem para _. seus contemporincos, oma intengio de serem compreen- QO didos por meio de um leita normal eo fazer da mane’ wu ais cara queacham possive, Quando Kantescrevea Ca “da raza pura evi a reagio dos que leram seu liveo, perceben aque foi mal interpretado ou simplesmente nem sequet entendide. Que fez? Escreveu uma obra explcaiva, para cortig as interpretagdesequvocada Isso mostm que no & _, possivel fazer infinitas “leituras” dos textos filos6ficos se 0 ‘que nos interessa é entender 0 que os fil6sofs disseram. Os UO" flésofos nio estio interessados—ninguém esti - em dizer ‘mil coisas simultaneamente, e sim esta ou aquela. Se digo que ‘existe idéias inatas, ¢isso que digo, nfo outa coisa. E se rego tl tese, aio vejo como possa ser interpretado afirmando outa, Ws conscifncia histrica de sua época, porque, a5 tum fildsofo em cada época. Qual é filésofo que expressa. consciéncia histérca da modemnicade, por exemplo? Locke com seu sensualismo antinatista on Descartes com seu racionalismo inatista? Hobbes e seu autoritarismo ou Rousseau “Pe seuigualitasismo? Quem expressa a consciéncia histérica do século XIX, Marx ou Comte? Hegel ou Feuerbach? Quem expressa a consciéacia histériea da época contemporinen? Husserl ou Wittgenstein? Qual Wittgenstein, o primeito ou 0 segundo? Russell ou Rorty? Habermas ou Foucault? Sei uma épocaceviriosflbsofos que propdem teses contrrias 04, de De como fzee Sota sm ser gogo, ear mest ons gio * ‘to afastadas,incompasiveis, como determinar quem reflete tal consciénciahistrea? E.quem fornece os citéios para fxzet atescolha? Teremos acaso de aceitar que s6 um fildsofo, dentse todos os que viveram numa épocs, expressou a consciéncia histérica de seu tempo, ougque hi vias épocas dentro de cada época e cada um reflete a subconseiéneia histbrica da sua subépoca? Isto, ao obstante, é pouco ou nada intuitive, O que é verdade, pelo contriio, éque, segundo suas peculiares orientagies politicas ou ideolgicas, cada pensador seinclinari por um dentre 05 vitios projetos politicos de sua época, € 08 seus leitores o acetario ou rejetario segundo as, suas inelinagSes, Dessa forma, naturalmente, cada leitor receberiaguilo que lhe parece corre, ov recta o que no Ihe agrada. Ocorre com o texto filos6fico 0 que ocorre na sala de aula ou nas conferéncias. Cada um de n6s ~cu pelo ‘menos ~ se preacupa em ser 0 mais caro possivel e, peas ppenguntas, vemos que as pessoas ou alunos podem fazeras ‘mas variadas interpretagdes, inclusive as mais estapafindias. ‘Mas também sabemos que, pelasintervengdes do pailicoe de alunos, bi muitos que entenderam o que quesiamos dizer 0 dizemos quando respondemos: “sim, era exatamente isso que queria dizee”. E.a intuigio popular também capt isso na expressio conbecida: “Nietzsche viratia no seu tirmulo se pudesse escutar a interpretagio atribuida a ele pelo expositor”. Se nds eclamamos quando niio se nos entende, 4h, |por que é que os filésofos clissicos datiam lugar para urna infinidade de interpretages? 42 + Geno Aes Pais Un Blisofo que certamente no estinem munca esteve ‘na moda deu nome a esse costume de querer encontrar significados profundos nas géneses dos discursos:filcia genética Nao precisamos da histrin de uma ida embutida ‘numa afirmagio para entendé-la. Pasa avaliar uma tese filos6fica nio precisamos entender a trajetéria espiciual, psicolgica ou ideol6gica do flésofo que a propos —anio ser ei casos excepeionais, ou quando nos referimos 20 contexto Se o fildsofo achasse que isso é preciso, publicaria ‘uma biografiajunto com eada obra eserita. Mas eu no acho necessitio expor aos meus potenciais leitores a minha vida pessoal nem minhas idéias poiticas ou teligiosas para que cntendarm que, como penso, aio exister verdades absolutas triers Pops ete enpanao, pode ser uma tse fae AN(@) «uj defendi teses que hoje considero falsas. Mas ninguém precisa da minha tjet6ria intelectual, do meu curriculo ou ‘minha biogeafia para entender tudo que digo neste ensaio. ‘Também aio considero que, afirmando estates filos6fica teaha, cu, a pretensio ou a preocupagio de “expresser 10 [meu] discurso a8 eategorias de interpretagio das eategorias histéticas da humanidade do (meu) tempo”, como diz 0 colega Joel (p. 22) Alii, nunca me passou pela cabeca esta idéin. Nema teveo adolescente-filsofo que fez 0 argumento sobre a existéncia de Dens, nem, com toda certeza, Cicero, quando fez 0 mesmo argumento, (Als, naquele texto, ele explicaas tazdes por que estruturou tal argomento;nenbura delas tema vercom qualquer deejo de expressara consciéncia De como fier Swofs sem ser ep, exar moc ou sergio + (43) histérica de seu tempo ~ mesmo porque “consciéacia histética” éum canceito desconhecido naquea época). Porianto, assim como Aristteles sustentou a idéia ©) slosética, false, de que uns nascem para mandate outros para obsedocer, «Plato, a tee flostica fils, de que o oxo se prepara para more o colega Joel defende ates osc, falsa de que todo filésofo expressa na sua Filosofia aquela consciénciahistérica. O fato de que muitos flésofos nio se Jnteressam por essa temitieaéprova disso, (Ou sesi que por ‘ose interessarem deveriamos conch que no sio filéxofos? Se foresteocaso, devesiames expurgar da filosofiaa maria dos ildsofos). <<\ Issome leva susten esta outa tet flosica.NA tanto altura que interessa—ou que nos deverainteresear, NO se.queremos fazer flosofid: Ea escrita) porque escsit 9F instramento que orden a nostas dia. Fesereven Sistematizamos nosso pensamenio, no lendo. Concordo com. a tese filos6fica, correta, do eolega Joel, de que 0 filésofo deve tentar sistematizar suas ids. Mas ni élendo que 0 fari. Lendo, 0 filésofo esti A mercé de idéias alhein. E escrevendo quese fi & pondo no pape o ue nds pensamos. E para provar meu ponto de vista pero que se faga essa cexperiéncia. Sempre que eu nio consigo entender o que um outro filésofo diz, quando oleio, tome lipise pape etento reproduc o quel, sem copiar Leio uns quantos periodos procuro transerevé-los Leta porletr, palavra por palavea, to papel do lado. Quando compato os dois textos, pereebo + Gongs Anni Pacis ky See conde esto meus erros de letura Esse pequeno artifcio tem me dado excelentes resultados. Prove oleitor isso com algo que ele proprio ésereveu hi algum tempo e notar’ que nem de nds mesmos somos boas letores (ou melbor, nem de n63 :mesmos somos bons “especilistas”) [A questio é que os filésofos niio eserevem para complicat a vida do leitor, o que seria uma atitude psicologicamente incomum. F: porisso que é possvel, erm fazer um esforco sobre-humano,entendé-los. De qualquer ‘modo, nio sei como alguém poderiafcar debrucado a vida inte sobre os textos de um mesmo autor. Se lemos um texto virias vezes e nfo 0 entendemos, deveriamos seguir 0 conselho de Borges: feche olivro—dizele—o autor fiacassou, ele ni escreveu para vocél Pease que a geande maiotia de lsofos, se nko todos), rpreiados de) ‘mille uma manciras diferentes. A verdade € que cada um pode ler um texto de um jeito ou de outro mas, certamente, contra asintengdes origins do autor —o que cepitose mostra toda vex que um autor dé uma conferéacia e, firmemente (¢ «em muitos casos até perdendo a paciéacia),insiste em que ‘nao é dessa ou daguela outra maneim que deve ser entendido. Desde Platio sabiamos que os textos tinham — ow deviam ter ~ uma estrutura argomentativa, Por isso Platio insicia na importincia do estudo da geometia. El ensinava a pensar cientifcamente:E Plato estava coberto de sxzio. (Os avangos daldgica contemporiinea voltam a confirmi-lo De como fier fin sam sr peg, estar mito sr gio + 45 ‘Com respeito a isso ha uma veedade incontestivel:hé algo que autor quer dizer, e€isso e no outea coisa, eo diz de luma maneira e no de outra, usando esses argumentos e n20 outros. Se pode ser entendido de maneirns diferentes, oautor errou de maneiras diferentes; se pode ser interpretado de infintas manciras,o autor eesouinginitamentee nio mereceria ser lido, Ora, propriamente, no é que o autor esre tanto assim, mas 0 leitor. (Os comentatistas recorrem a um. subterfiigio muito usado nas palestras. Depois de falar, advertem: “eu nto me posicione, eu niio estou defendendo snenhuma tes, s6eston destacando esses ou aquelesaspectos” E falam muito e, quando deviam dizer o que pensam, escapolem por meio desse artificio). Concord plenamente coma afirmacio dequeo texto nfo se basta a si mesmo. Acredito que 0 contexto 0 ‘complementa. F.que contexto esse? O das rlagiestesricas do autor, até dados sobre sua vida particular, se esti muito afastado no tempo, dados sobre a época na qual viveu, © lugar que ocupou na sociedade de seu tempo ete. Ora, esses dados deviamos ter aprendido nas escolas primiria ¢ secundaria. Pelo menos comigo foi assim, Nas aulas de Hist6ria Universal, Literatur, Geografia, Economia Politica, Sociologia e Filosofia, jf fiquei sabendo de muita coisa importante que depois me ajudou a entender essa ouraquela épora. (Morrunadamente tive exeelentes professores ¢cursci ‘um bom colégio) Com essa base sélida, o que me faltava sabei, sabia como e onde procuras. 46 * Gongalo Ara Pain 7 oF ‘Nao podemos esquecer, se vamos ser coerentes com ‘o.que estaznos sustentandl, que nunca houve tanta informacio nei tio boa ou sobre tantos assuntos como agora Dificilmente, quem estuda flosofia moderna pela primeira vez, no teve aulas sobre formacdes econémicas pré- capitalistas ou sobre liberalismo ou sobre a Revolucio Francesa na escola ou no colégio Sc essa informacio no basta, entio vamos procurar textos clissicos sobre a obra ou.a vida dos autores que nos interessam. \ biogeafin de Kant, escrita por Cassirer, por ‘exemplo,éuma excelente introdugio sua Glosofia. Seirestdes sobre Sere Tempo, de Exvildo Stein, é uma excelente introdugio 1 Heidegger. Roberto Machado tem textos magnificos sobre Nictesche. fato dea sociedade grega antiga ter sido escravista, assim como Arist6tcles membro da arstocracia, podem ajudar 2 entender por que afirmava que uns nascem para mandar e ‘outros para obedecet. Mas em nada ajudam para entender smelhora tese,na Eitia a Nicimay, de que uma agio é boa ou ‘mf dependendo da situagio em que este insetida (ese que, ali, qualquer um pode entender sem dificuldade e ser precisar saber awida de Anstételes) 86 podemos pér tanta énfase naleitura se deisamos a csetita como secundiria. Mas deveria sero contrivio. O que deveria estar em primeiro plano é2 eserita, nossa escrita,¢ Z shee eer anos itereses pomuea strié jOnseqliéncia direta de nossa reflexao filos6fica. Eno De como fr lofi em ser greg, estar moo ou sergio = 47 necessariamente eserevemos porque lemos, mas porque ppensamos, porque reletimos, porque nos problematizamos, porque nos admiramos e espantamos. A leitura deve ser subservientes escria, eno 0 contritio —o que significa, n0 fuando, que aletura deve ser subserviente a reflesao. O mais importante, para cada um de 96s, assim como Foi e€ para os grandes filésolos, é 0 que esti dentro das nossas eabegas, nnio o que esti fora delas Se o que eu penso nio ¢importante pata mim, em primeiro lugas, para quem mais poderia ser? Sem texto filoséfico pode ter mil significados, entio io temnenhum.O esettor nao ating seu objetivo, oescttor fimcassou, Frtcass quando ninguém oentende,fneassa quando cada letor acha que pode fazer a Ieitura que baja por bem fazer. A verdade, no entanto, é que quem fracassa niio € 0 cescritor, que fez 0 possivel para ser claro,e simo leitor quese dew odieito de interpretar como quis. Com isto destruimos a Filosofia a tornamos um conjunto de caixas vazias em que os Ikitores podem colocar dentro delas o que quiserem, a tottoe adireito. Eu, como autor, io posso aceitar que cada leitor me Ieia de uma maneina diferente. Seisso é possivel,entao deverci admitica minba incompeténcia. Que cada um possa lero que csctevo da mania que quiser me resulta inadmissivel, porque cstou taxativamenteafirmando certas tess eno outnas Outra coisa é que meu textoleveoleltoraachar siguificados que sabe ue nio estio no meu texto, mas isso pode set se, tomara, cestimulo o leitor pensar por sia argumentar sobre meu texto ceairadiante com suas conclusdes Ficaria feliz sc isso aconteoest 48 + Gongs Ari Pls (On, paraisso, primeito o letor tem de entender o que digo— ‘oquealié, nio acho dificil tal o cuidado,a preocupasioeo ‘compzomisso que teaho coma cateza As revistas especializadas, ali, tém, para osientar 0 Ieitor c impede “Ieituras” a esmo, 0 recurso do resumo ou abstract: “Este astigo pretende mostrar que ..” Entio, se pretende mostrar algo, ¢ss0 € nao outra coisa, © litor, depois, veré se 0 escrtor do artigo ating seu objetivo ou io, ou seo estimulou a levantar ¥60 agitando suas proprias asas—o que eu, certamente,almejo, Oleitor eo escrtorsepresentam duas figuras diferentes. ‘O leitor assiduo de fildsofos dificilmente seri filésofo. Bo eseritor que poderi séo. E quem escrevee publica sabe que deve evitarambigiidades, Antes de publicar seu liv, todo ator & chamado por memibtos da equipe de revisio da casa editora para corrigir 0 texto, alterando-o aqui para evitar trechos confusos que déem lugar a vitias interpretages, corrigindo-o li para deixi-lo mais preciso. Os revis A “perguntarn: “E isto que 0 senbor quer dizer oué aquilo®” E CO rreabeao autor fazer as aterigSes aim sents ou HOUTA Qual é entio,odireto que temo leitor deinterpretar o texto seu bel-prazere “tclativizélo” como lhe convenha? Todo o diteto, na verdade, se 0 que interessa é tudo, menos o que o filésofo disse. Nesse caso, para que let? Nao seria melhor pr sobre o papel as préprias idéias? ‘Nao é porque inventam teorias puras que os filésofos pulicam, Seus textos sio fruto das discussdes tebricas com como fre Sout tem ser go, ete Mor OW se gio + 49 seus colegas, com outros fildsofos ete. Bxatamente como éa filosofa em Plato, De um ponto de vst, a flosofia ¢ um dlidlogo com a época. Por esta razio os diilogos de Platio, servein maravilhosarnente para mostrar como se fz ilosofa Paz-seflosofia descobrindo problemas, propondo solugdes ¢ diseutindo-as. E com quem mais poderiamos fazé-o se ‘io & com os nossos pares? Como disse antes, a flosofia avanga quando duas pessoas sentam e dizems argumentemos, discutamos, Semisso, 08 textos sio palavras 20 vento—e no pode haver nada mais triste para um autor do que a falta de retorno do que escteve. Os textos que produzimos nio sio abortos, so flhos diletos e devem ser acolhidos, de uma ov dccoutra maineira... mas acolhidos.Lidos e contestalos, 0 ‘como cartas das quaislogramos obter respostas. Epocas ¢ individuos Tndiscutivelmente, filsofo filo de sua época,econhecer \ agpoca na qual ele escreveuéde grande ajuda para conhecer jlhor o homem. Também sevia interessante saber dados ‘Sobre sua vida particular ‘A nogii de époes, no obstante, nto pode ses pensada como se Fosse algo concreto, definido, clato para todo mundo. 5 + Gong Amn Paci “poca” € uma abstragio. Se todos somos flhos de uma época, somos da mesma mancira que o somos dos n0ssos pais Or, cada iho é um ser nico, éum individuo diferente dlos seus irmiios, Ha, portant, algo prdpsio que ele tem e |sicompari nem comsesimnios Ota ele ea situagio em que se encontra como diz Ortega y Gasset. Por outro lado, a individuo produ idéias que, uma vvez criadas, tomam certa independéncia do seu autor. Sei ppouco da vida de Marx, pot exemple fiquei sabendo que teveum iho coma empregada flo que nio quis reconhecet eque ficou cargo de Engels, Este fato conereto me ajuda a entendera eid tendéncia da queda da taxa de lucro, ponto central da sa teoria? Fgualmente, em que me ajuda saber que ele se casou com Jenny von Westfllen? O que ajuda, sem posto pé-la assim: qual é a origem da miséti, da pobreza, do sofrimento, das injustgas?A preocupasio se expica,tlve, | por ter nascido nam pais latino-americano, com gente pobre, | muito pobre, mas, também, com gente rica e muito rica. Quando meus pais me levavam a passear e saia da redorna | de felicidade que era minha casa, via muita pobreza em ruas, pracas eavenidas. Mendigos, pedintes, pessoas descaleas de De como fer lofi ese args, eta moc ow sr gin + 81

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