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Antonio Flavio Moreira e Tomaz Tadeu da Silva (ors, CURRICULO, CULTURA E SOCIEDADE cpp.375 6 edigao CORTEZ SF €DITORA Capitulo 3 A POLITICA DO CONHECIMENTO OFICIAL: FAZ SENTIDO A IDEIA DE UM CURRICULO NACIONAL? Michael W. Apple INTRODUCAO ‘A educagio est intimamente ligada a politica da cultura. O curriculo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos nas salas de aula de uma nagio. Ele € sempre parte de uma tradigdo seletiva, resultado da selegao de alguém, da visio de algum grupo do que seja conhecimento legitimo, E produto das s, conflitos e concessdes culturais, politicas e econdmicas que organizam e desor- ganizam um povo. © que conta como conhecimento, as formas como ele esté organizado, quem tem autoridade para transmiti-lo, © que é considerado como evidéncia apropriada de apren- dizagem © — no menos importante — quem pode 59 perguntar responder a todas essas questdes, tudo isso esté diretamente relacionado & maneira como dominio & subordinagdo so reproduzidos e alterados nesta sociedade.! Sempre existe, pois, uma politica do conhecimento of uma politica que exprime 0 conflito em torno daqui que alguns véem simplesmente como descrigées neutras do mundo € outros, como concepgdes de elite que pri- vilegiam determinados grupos e marginalizam outros. Falando genericamente sobre o modo como a cultura, ‘0s habitos € os “gostos” da elite funcionam, Pierre Bourdieu expressa o seguinte: A negagio da alegria simples, tosca, vulgar, venal, s que constitui © sagrado ambiente da cultura, implica a afirmagao da superioridade dos que conseguem satisfazer-se ‘com aqueles prazeres sublimados, refinados, desin- teressados, gratuitos © distintos que so eternamente vetados aos profanos. E por isso que a arte e 0 consumo cultural sio predispostos, consciente e de- liberadamente ou no, a desempenhar a fungo social fimar as diferencas sociais? Bourdieu prossegue dizendo que essas formas cul- ravés das condigdes econdmicas € sociais que esto intimamente ligadas aos sistemas de disposigdes (habitus) caracteristicos de diferentes classes 2 Assim, forma e contetido culturais funcionam como indicadores de classe‘. A concessio de legitimidade exclusiva a tal sistema de cultura, através de sua incorporagio ao curriculo centralizado oficial cria, Por sua vez, uma situagdo em que os indicadores de “gosto” se tornam indicadores de pessoas. A escola torna-se uma escola de classes sociais. 60 — A tradigdo de estudos académicos ¢ ativismo pela qual me formei baseou-se exatamente nesses insights: as complexas relagdes entre capital econémico ¢ capital cultural, 0 papel da escola nas agdes de reproduzir e desafiar a enormidade de relagdes desiguais de poder (que transcendem muito as classes sociais, obviamente) ¢ as maneiras como 0 contetido © a organizacao do curriculo, a pedagogia e a avaliagio do aprendizado funcionam em tudo isso, E precisamente nos tempos de hoje que essas questdes devem ser levadas mais a sério. Estamos vivendo uma época — que podemos denominar restauragdo conserva- dora — de gravissimos conflitos em torno da politica do smo que esteja em jogo 6pria idéia de amplos e crescentes segmentos da populagio americana, ‘Mesmo com uma administrag3o democritica “moderada” agora no poder em Washington, muitos dos seus com- promissos expressam as tendéncias sobre as quais discor- wdiante. Na realidade, € exatamente em funcdo da atual existéncia de um governo federal relativamente mais “moderado” que precisamos pensar com extremo cuidado sobre 0 que pode acontecer no futuro, a medida que ele for impelido — por razies politicas — a rumos cada ver mais conservadores. de fundamentar esses argumentos através das propostas para um curriculo © um sistema de avaliagio nacionais. Mas, para entendé-los, precisamos pensar relacionalmente, precisamos vincular essas propostas ao programa maior da restauragtio. con- servadora. Meu argumento é que, por tras das justificativas educacionais para um curriculo e um sistema de avaliago nacionais, esté uma perigosfssima investida ideol6gica 61 Seus efeitos serio verdadeiramente perniciosos aqueles que jé tm quase tudo a perder nesta sociedade. Apre- sentarei primeiramente algumas adverténcias deco de minhas interpretagdes dos fat © projeto geral da pauta di demonstrarei Enfase em privatizagao e planos de “opcdes", de outro. Por diltimo, gostaria de discutir os padroes de beneficios diferenciados que provavelmente resultardo disso tudo, A QUESTAO DO CURRICULO NACIONAL Como deveriam aqueles de n6s que se consideram arte da longa tradigdo progressista na educagio posicio- nar-se com referéncia ao clamor por um curriculo nacional? ‘oponho, em prinefpio, & Em vez disso, desejo apresentar uma série de argumentos ‘mais conjunturais, baseados na tese de que, neste momento = dado 0 equi das forgas sociais — hi perigos muito reais dos quais precisamos estar bastante conscientes. Nesta discussio, procurarei restringir-me aos aspectos ne- Minha tarefa & simples: levantar uma quantidade suficiente de questées graves para fazer-nos parar e pensar sobre as implicagées de seguir nesse rumo, em tempos de triunfalismo conservador: Nao somos a tinica nagdo em que uma coalizio predominantemente de Di nna pauta educacional. Na institufdo, em essén« ainda no governo Thatcher. Ele consiste de “matérias 62 basicas ¢ fundamentais” tais como Matemitica, Ciéncias, Tecnologia, Hist6ria, Arte, Musica, Educagdo Fisica e uma lingua estrangeira moderna, Grupos de trabalho for- inar as metas-padrao, os “objetivos a serem alcangados” e respectivos contetidos j4 apresentaram suas concluses. Paralelamente, hd um sistema nacional de exames ou testes de aproveitamento — que niio s6 so dispendiosos, mas que também consomem um tempo considerdvel para serem aplicados nas salas de aula — para todos 0s alunos de escolas piiblicas com idades de 7, 11, 14 © 16 anos. Supie-se, em muitas esferas de nossa sociedade, que precisamos seguir os passos dessas mages — como a Gra-Bretanha e, especialmente, 0 Tapio — caso contrétio, ficaremos para trés. Contudo, é fundamental percebermos que jd temos um curriculo nacional, com a diferenga de que © nosso é determinado pela complicada inter-relagio entre as politicas de adogdo de livros di € 0 mercado editorial que publica esses temos de perguntar 0 que é melhor: um curriculo nacional — que sem divida estaré vinculado a um sistema de objetivos nacionais ¢ instrumentos de avaliagdo nacional- ‘mente estandardizados (muito provavelmente testes padro- nizados, em fungao do tempo € dos custos envolvidos) — ou um curriculo nacional igualmente bem difundido, porém um pouco mais velado, estabelecido pela adogio de livros diditicos na rede piiblica, em Estados como a s, com um controle de 20% a 30% os escolares.’ Existindo ou no tal curriculo nacional disfargado, ha, entretanto, um sentimento cerescente de que um conjunto i curriculares nacionais & ” e fazer com que as escolas sejam responsabilizadas pelo sucesso ou fracasso de seus alunos. 63 E certo que ha pessoas de diversas correntes edu- cacionais e politicas defendendo nfveis mais elevados, curriculos mais rigorosos em Ambito nacional ¢ um sistema unificado de avaliagdo. Ainda assim, precisamos sempre fazer uma pergunta: que grupo lidera tais esforgos “re- formistas”? Essa pergunta leva naturalmente a outra, de maior amplitude: tendo em conta a resposta a primeira Pergunta, quem ganharé e quem perder em conseqiiéncia de tudo isso? Sustentarei que, infelizmente, quem esti estabelecendo de fato a pauta p na educagio sto |, © mesmo padrdo de ios que tem caracterizado quase todas as ‘reas da través dos quais os 20% mais ricos da populagio ficam com 80% dos beneficios! — sera reproduzido também nesta drea, grupos de Direita e que, em ger: bene! Evidentemente, precisamos ter cuidado com a faldcia da génese, ou seja, a pressuposigio de que, pelo fato de uma politica ou pritica ser oriunda de uma posigio repulsiva, ela seré fundamentalmente determinada, em todos os seus aspectos, pela origem nessa tradigdo. Veja-se © exemplo de Thorndike. O fato de suas crengas sociais serem niio raro repugnantes — com sua participagio no movimento popular pela eugenia suas nogdes de hie- rarquia de raga, sexo e classe social — nfio desmerece necessariamente todas as contribuigdes de sua pesquisa sobre a aprendizagem. Embora eu no apéie de forma alguma esse paradigma de pesquisa — e suas implicagdes epistemolégicas ¢ sociais continuam a exigir uma critica 2 altura’ — ele requer um tipo de argumentagao diferente daquele baseado na origem. (De fato, pode-se encontrar alguns educadores progressistas que recorreram a Thorn- dike a fim de fundamentar algumas de suas afirmagées sobre o que necessitava ser modificado em nosso curriculo € nossa pedagogia.) 64 icados Obviamente, com © projeto direit cional. Outros, qi uma pauta mais liberal, também tentaram j Smith, O'Day & Cohen propdem uma visio positiva, ainda que cautelosa, para um curriculo nacional. Um curriculo naci tarefa essa técnica, conceitual e politicamente Requereria 0 ensino de um contetido mais rigoroso e, portanto, demandaria o engajamento dos professores em um trabalho mais exigente e mais estimulante. Nossos professores © administradores de ensino, portanto, seriam obrigados a “aprofundar seus conhecimentos das m: académicas © mudar suas concepgdes sobre 0 proprio conecimento”. Os atos de ensinar ¢ aprender teriam de ser vistos como “mais administradores e alunos ciosos, cooperativos e pa ‘Nas palavras de Smith, O'Day & Cohen: so apenas aqueles idk curriculo na- ‘A conversio para um curriculo nacional s6 teria sucesso se 0 trabalho de mudanga fosse concebido empreendido como uma grandiosa aventura de aprendizado. cooperativo. O empreendimento seria um retumbante fracasso se fosse concebido © orga- nizado primordialmente como um proceso ténico de desenvolvimento de novos exames ¢ materiais € sua posterior “disseminacao” ou implementagio."” Prosseguem eles: Um currfeulo nacional, para ter validade e ef © contetido e a pedagogia da formacao do professor 65 teriam de ser intimamente vinculados a0 conteddo © 8 pedagogia do curriculo das escola a pedagogia dos exames teriam de vinculados aos contetidos ¢ as pedagc curriculo das escolas como da formagao de sores. Esses vinculos atualmente no existem tanto do rofes- s autores concluem que um sistema assim revita- izado, em que se estabeleca tal coordenagdo, “nao seré Ficil, ripido nem barato”, especialmente se se quiser preservar a diversidade € a iniciativa, “Se os americanos continuarem a desejar uma reforma educa custo, seré um erro in fe Concordo inteiramente com essa tl reconhecer é que muito daquilo que temem ja esté acon- tecendo na propria articulagdo que propdem como neces- séria. E, fato ainda mais grave, & aquilo a que eles nao estio dirigindo suficiente atengao — as ligagdes entre um maior da Direita — que constitui um perigo ainda maior. E neste ponto que desejo me concentrar. ENTRE 0 NEOCONSERVADORISMO E O NEOLIBERALISMO © conservadorismo sugere, por seu préprio nome, um tipo de interpretagio de sua proposta. Ele conserva. lerpretagdes so possiveis, naturalmente, Poder- se-ia dizer, desvirtuando um pouco o sentido, que o conservadorismo acredita que nada deveria ser feito pela primeira vez.' Entretanto, em muitos aspectos, isso é ilusério na atual situagao. Pois, com a Direita em ascensio em muitos pafses,” estamos testemunhando um projeto 66 muito. mais ativis conservadora € hoje em larga medida uma p de mudanga — embora nem claro que a do “no faga nada vez" nao é a explicagiio adequada para 0 que esté ocorrendo na educagio ou em outros setores."* © conservadorismo de fato tem diferentes significados Epocas e lugares. Algumas vezes, envolve 8; Outras vezes, envolve ofensivas contra © status quo." Atualmente, estamos testemunhando as duas coisas. Em fungo disso, € importante que eu apresente o contexto social mais amplo em que a atual politica do est operando. Houve uma ruptura do acordo que vinha orientando boa parte da educacional desde a II Guerra Mundial. Poderosos grupos dentro do governo, da economia € dos movimentos sociais, conseguiram redefinir — nio Faro com grande retrocesso — os termos do debate nas reas da educagio, da previdéncia social e outras areas do bem comum. O propésito da educagio esté sendo mudado. Ja se foi o tempo em que a educagio era vista como parte de uma alianga social que reunia muitas ias”,"” mulheres, professores, ativistas comunitirios, legisladores progressistas, funciondrios de governo e outros, que agiam em conjunto para propor politicas ida que limitadas) para exemplo, ampliagio das oportunidades educacionais, es- forgos limitados de equalizacao de resultados, desenvol- imento de programas especiais em educagao | multicultural, e assim por di constituida, e vem tendo sua influéncia nas. politicas educacionais ¢ sociais aumentada, Esse bloco de poder socia 0 mundo dos negécios, a Nova Direita ¢ os in- telectuais neoconservadores. Seus interesses concentram-se or ‘muito pouco na melhoria das oportunidades de vida das mulheres, das pessoas de cor ou da classe trabalhadora. Em vez disso, estd empenhado em prover as condigdes educacionais tidas como necessérias para nao s6 mas também para resgatar um pasado romantizado de lar, familia e escola “ideais”."” O poder dessa alianga pode ser constatado em uma série de politicas ¢ propostas educacionais: 1) programas de “opgdes”, como, por exemplo, planos de vale-educagio € créditos fiscais para tornar as escolas parecidas com a idealizadfssima economia de livre mercado; 2) 0 movi- ‘mento generalizado, em Ambito nacional e estadual, para “elevar o nivel” e para regulamentar, tanto para professores quanto para alunos, “competéncias”, metas e conteddos curriculares bésicos, sobretudo agora, através da imple- mentagao dos si = 3) os ataques, cada vez mais por suas “tendéncias” antifa humanismo secular, sua falta de patriotismo e seu suposto descaso em relagdo ao conhecimento e aos valores da “tradigo ocidental” e ao “verdadeiro conhecimento 4) a crescente pressio para que as necessidades observadas nnas empresas € nas indiistrias passem a ser as metas primordiais da escota.”" Em esséncia, a nova alianga a favor da restauragio conservadora inseriu a educag3o em um conjunto. mais amplo de compromissos ideolégicos. Os seus objetivos para a educagio so os mesmos que orientam as ‘metas para a economia € 0 bem-estar social. Entre eles esto a expansio do “livre mercado”; a dristica redugao da responsabilidade governamental em relagio as neces- do povo quanto & seguranga econdmica; e a popularizagao do que claramente se mostra como uma forma de pen- samento social darwinista. Conforme ja argumentei longamente em outra pu- blicagao, a Direita politica dos Estados Unidos tem tido muito sucesso na mobilizagao de manifestagdes contrérias a0 sistema educacional © a seus empregados, frequente- ‘mente exportando a crise da economia para as escolas. Assim, uma de suas principais conquistas foi transf para a escola e outros érgios puiblicos, a culpa pelo desemprego ¢ subemprego, pela perda de competitividade econémica ¢ pela suposta ruptura dos valores e padrdes “tradicionais” da familia, da educagio e dos locais de trabalho remunerado ¢ ndo-remunerado, culpa essa que cabe as politicas econ6micas, culturais e sociais dos grupos dominantes @ as suas conseqiiéncias. O “piblico” agora tomou-se 0 centro de tudo o que & ruim; 0 “privado”, © centro de tudo o que é bom. Fundamentalmente, entio, quatro tendéncias tém ca- racterizado a restauragdo conservadora nao s6 nos Estados Unidos, mas também na Gra-Bretanha — privatizagio, centraliza¢o, vocacionalizago e diferenciagao.* Essas tendéncias sfo, na verdade, em grande parte, os resultados de diferengas dentro das alas mais poderosas dessa alianga — 0 neoliberalismo € 0 neoconservadorismo. © neoliberalismo defende um Estado fraco, Uma sociedade que deixa a “mao invisivel” do livre mercado guiar todos os aspectos de suas interagdes sociais é ndo s6 como eficiente, mas também como democt Por outro lado, 0 neoconservadorismo orienta-se pela vistio de um Estado forte em certas dreas, sobretudo no que se refere & politica das relagdes de corpo, género e raga, a padrdes, valores ¢ condutas e ao tipo de conhecimento que deve ser transmitido a futuras geragdes."* Essas duas 09 posigdes nio se acomodam bem juntas, dentro da coalizao conservadora Nota-se, portanto, que 0 movimento direitista € con- t6rio. Nao existe algo paradoxal em juntar todos os fluxo absoluto”?* A contradigao entre neoliberais da coalizao fduos para propésitos econdmicos € simultaneamente controlé-los para propésitos so- le fato, & medida que a “liberdade” econdmica aumenta as desigualdades, & provivel que aumente também a necessidade de controle social. Um “Estado pequeno ¢ forte” limita 0 ambito de suas préprias atividades transferindo para o mercado, que ele de- educagdo, a nova crenga na competi¢ao e na no 6 inteiramente difundida; em vez disso, “o que se pretende é um sistema duplo, polarizado entre ... escolas para 0 mercado € escolas minimas” (Dale, 1989). Ou seja, haverd um setor relativamente menos regu- lamentado e cada vez mais privatizado para os filhos dos privilegiados. Para o resto — e 0 status econdmico e a racial das pessoas que freqientario as tais las minimas em nossas areas urbanas, por exemplo, mente previsiveis — as escolas serdo rigidamente controladas © patrulhadas, continuaro a receber poucas 70 verbas e permanecerdo sem vinculagao com empregos de remuneragao decente. dos mais exclusio das politicas educacionais do debate piiblico”. Ou seja, a escolha é deixada a cargo de pais ou mies e “o resto fica por conta das conseqiiéncias ndo-premeditadas”. Nesse da educacdo como parte integrante a publica, em que seus meios e fins sejam publicamente debatidos, acaba atrofiando.” Ha uma enorme diferenga entre o esforgo democritico escolarizagio © a énfase neoliberal em torno da merca- dizagio e da privatizacao. O primeiro visa a ampliar a ‘O mundo torna-se, em esséneia, um imenso supermercado. Ampliar 0 setor privado de tal forma que o comprar vender — em resumo, a competi¢io — se torne a ética dominante da sociedade envolve um conjunto de propo- sigdes intimamente relacionadas. Pressupde que mais in- dividuos estejam motiva mais arduamente sob essa condigiio. Afinal ” que os servidores piiblicos so ineficientes € indolentes, a0 passo que as empresas privadas so eficientes e vigorosas. Pressupde que a criatividade seja movida a interesses pessoais a competitividade. Criam-se entdo mais conhecimentos & fazem-se mais experimentagdes para alterar a atual. Desse processo resul © procura permanecem em uma espécie de eq u a Assim, € criada uma maquina custos administrativos e, e cursos de forma mais amp! Claro que a intengao no € simplesmente privilegiar alguns poucos. Entretanto, equivale a dizer que todos os individuos, sem excecdo, tém o direito de escalar 0 Monte Eiger ou 0 Monte Everest, desde que, evidentemente, sejam 6timos alpinistas e disponham dos recursos insti- tucionais ¢ financeiros para fazé-to."* Assim, em uma sociedade conservadora, 0 acesso ‘9s recursos privados de uma sociedade (e, lembremo-nos, a tentativa € tornar quase todos os recursos da sociedade privados) depende em larga medida da capacidade de pagamento de cada um. E isso, por sua vez, depende de @ pessoa pertencer a uma classe empresarial ou a uma classe com poder aquisitivo. Por outro lado, os recursos publicos da sociedade (segmento rapidamente declinante) dependem da necessidade.”* Em ut iedade conserva- dora, os primeiros devem ser maximizados, e os segundos, minimizados. Entretanto, 0 conservadorismo da Nova Direita, no que se refere a boa parcela de seus argumentos e politicas, io ficou simplesmente baseado em uma determinada visio da natureza humana — a visio de que ela é essencialmente movida a interesses proprios. Foi muito além: comegou a degradar essa natureza humana, a forgar todas as pessoas a seguirem 0 que no inicio parecia apenas uma possivel verdade. Infelizmente, jé teve bastante sucesso. Talvez ofuscados por sua prépria visio absolutista ie significa ser humano, muitos de ‘08 parecem incapazes de reconhecer © que fizeram. Partiram agressivamente para aviltar 0 cardter de um povo,** ao mesmo tempo atacando os pobres 2 © os marginalizados por sua suposta falta de valores € de caréter. Mas aqui ja comego a fazer digressdes, no conse- guindo disfargar minha raiva. Espero que me perdoem, mas, se ndo pudermos nos permitir ficar enraivecidos quando se trata das vidas de nossas criangas, que outro motivo seria justificdvel? CURRICULO, AVALIACAO E CULTURA COMUM Conforme nos aponta Whitty, 0 que é impressionante nas politicas da coalizio direitista € a sua capacidade de juntar a énfase nos conhecimentos, valores, autoridade ¢ padrdes tradicionais e na identidade nacional defendida pelos neoconservadores com a énfase na extensio dos princfpios derivados do mercado a todas as areas de nossa sociedade, defendida pelos neoliberais.’* E assim que um curriculo nacional — aliado a rigorosos padrdes nacionais ¢ a. um sistema de avaliagdo orientado para o desempenho — se torna capaz de, a um s6 tempo, objetivar uma “modernizagio” curricular ¢ uma eficiente “produgdo” de melhor “capital humano” e de representar um anseio nostilgico por um passado romantizado.* Quando asso- ciado a um programa de politicas voltadas para 0 mercado, tais como os planos de vale-educagdo e de “opgdes”, esse sistema nacional de padrées, avaliagdes e curriculos — ainda que intrinsecamente inconsistente — & uma conci- liagdo ideal dentro da coalizio direitisa ‘Mas, ainda se poderia perguntar: um curriculo na- cional, aliado a um sistema unificado de avaliagio de aproveitamento, ndo contradiria na pritica a concomitante @nfase na privatizagio e na escolha da escola? Seré mesmo B possivel colocar ambos em pritica simultaneamente’ afirmo aqui que essa aparente contradigao talvez. nd assim to substancial quaato se poderia ‘objetivos de longo prazo de poderosas forgas dentro da coalizio conservadora nio & necessariamente transferir poder do mbito Iocal part o centro, embora, para alguns jeoconservadores que defendem um Estado forte quando se trata de moralidade, valores e normas, isso possa de fato se aplicar. Ao contririo, tais forgas prefeririam des- com as forgas de mercado, assim tacitamente marginali- zando aqueles que jé oder, enquanto apelam fanto um curriculo nacional quanto um sistema de avaliago nacional podem ser vistos como “concessdes necessérias ‘na persecucio desse objetivo de longo prazo”.” imidade governamental preciso que se veja o governo fa elevar os padres educacienais. © que ele promete oferecer aos “consumid cago. Um currfculo nacional € important contexto. Seu principal valor esta no no supost a padronizagio de metas e contetido e de aproveitamento naquelas matérias curriculares consideradas as mais importantes. E claro que isso ndo deveria ser almente desconsiderado, mas seu principal papel esta sim em prover a estrutura que permitiré o funcionamento do sistema nacional de avaliagao. O curriculo nacional possibilita criaggo de um procedimento que pode su- postamente dar aos consumidores escolas com “selos de qualidade” para que as “forgas de livre mercado” possam coperar em sua maxima abrangéncia. Se for para termos um mercado livre na educagao, oferecendo ao consumidor 4 Contudo, sejamos aqui honestos com relagiio & nossa préia ria. Mesmo com a suposta énfase em ava- ‘Jes abrangentes e outras formas mais flexiveis de gio defendida por algumas pessoas, nada ha que justifique a esperanga de que, o que serd finalmente ¢ permanentemente instalado — mesmo que somente em razio do tempo e dos custos — seri algo diferente de um sistema massificado e padronizado de provas de lapis € papel. Por outro lado, também precisamos entender bem a fungao social de tal proposta. Um curriculo nacional pode ser visto como um instrumento para prestagdo de contas, para ajudar-nos a estabelecer parametros a fim de que ‘os pais possam avaliar as escolas, Porém, ele também aciona um sistema em que as prdprias criangas serio classificadas e categorizadas como nunca foram antes. ‘Uma de suas fungdes basicas seri atuar como “mecanismo para diferenciagio mais rigorosa das criangas segundo normas fixas, fungdo essa cujos significados e origem social ndo séo explicitados”.” Assim, muito embora os proponentes de um curri nacional possam vé-lo como meio de criar coesio social € de nos pos ir melhorar nossas escolas avaliando-as segundo critérios “objetivos”, os seus efeitos serdo justa- mente 0 oposto. Os critérios até poderio parecer objetivos, mas os resultados no o serio, dadas as diferengas de recursos ¢ classe social e a segregagio racial. Em lugar de coesiio cultural e social, 0 que surgiré serao diferengas ainda mais acentuadas, socialmente produzidas, entre “nés” © “os outros”, agravando os antagonismos sociais e 0 75 . “a esfacelamento cultural € econdmico delas resultantes. (O mesmo ocorrerd em relago ao atual deslumbramento com a educagdo voltada para o resultado, nova expressio para velhas versdes de estratificagiio educacional.) Richard Johnson ajuda-nos a entender os. processos sociais que se dio neste contexto. Essa nostalgia de “coesio” interessante, mas a ‘grande ilusdo esté em supor que todos os educandos — pretos e brancos, classe operiria, pobres, classe média, meninos © meninas — receberdo 0 curriculo da mesma maneira. Na verdade, ele seré lido de diferentes modos, de acordo com a posigio desses educandos nas relagdes sociais e na cultura, Um curriculo unificado numa sociedade heterogénea nao € receita para “coesio”, e sim para resisténcias para novas divisdes. Uma vez que ele sempre se baseia em fundamentos culturais préprios, qualificara os educandos nio pelo critério de “capacidade”, mas de acordo com a classificagdo de suas respectivas comunidades culturais segundo os assim considerados s-padrao”. Um currfculo que nao seja “auto- ico sempre causard So significativos esses pontos, sobretudo o anseio de que todos os curriculos se expliquem a si mesmos. Em sociedades complexas como a nossa, marcadas por uma distribuigdo desigual de poder, 0 tinico tipo de “coesio” possivel € aquele em que reconhegamos aber- tamente diferengas ¢ desigualdades. O curriculo, dessa forma, nao deve ser apresentado como “objet ao contririo, subjetivar-se constantemente, Ou seja, deve nhecer as proprias raizes” na cultura, na historia € hos interesses sociais que Ihe deram origem. Conseqilen- 16 alunos. , raga, etnia ou classe, de igual nada tem. Um curriculo ¢ uma pedagogia de- mocriticos devem comegar pelo reconhecimento dos ferentes posicionamentos. sociais e repert6rios culturais nas salas de aula, bem como das relagdes de poder entre eles”. Assim, se estivermos preocupados com “tratamento realmente igual” — como acho que devemos estar — devemos fundamentar 0 curriculo no reconhecimento des- sas diferencas que privilegiam © marginalizam nossos alunos de formas evidentes."! Foucault lembrou-nos de que, se quisermos com- preender como funciona o poder, basta que olhemos para as margens, basta que observemos os conhecimentos, a autocompreensio e a luta daqueles que foram relegados 8 condigo de “os outros” por poderosos grupos desta sociedade.” A Nova Direita e seus aliados criaram grupos inteiros desses tais “outros” dora (¢ a lista poderia estender-se). E a partir do nhecimento dessas diferengas que 0 didlogo do curr pode prosseguir. © didlogo nacional comeca pela andlise conereta € piblica de “como estamos diferentemente po- sicionados na sociedade e na cultura”. O que a Nova Direita bloqueia — o conhecimento das margens, de como cultura e poder estdo indissoluvelmente unidos — torna-se neste caso um conjunto de recursos indispensdveis." curriculo nacional proposto naturalmente reconhe- ceria algumas dessas diferengas. Mas, conforme Linda Christian-Smith e eu discutimos em The Politics of the Textbook, ao mesmo tempo em que o curriculo nacional 1 serve para parcialmente reconhecer diferengas, serve tam- de reinstituir 0 poder hegeménico que foi abalado pelos movimentos soci ‘omum, em torno da qual deva ser formulado um curriculo nacional — conforme a definicao dos neoconservadores — € uma a cultural. Em meio A imensa diversidade josa que € a esséncia da nossa idade e das mudangas continuas de nossas vidas, dade inventando uma cultura comum, praticamente repe- ido 0 que E. D. Hirsch tentou fazer em sua auto-parédia a, uma tradicao inventada que € periodi- camente reinstalada (embora de diferentes formas) em tempos de crise econdmica € crise nas relagdes de auto- Fidade, jé que ambas constituem ameaga & hegemonia dos grupos cultural e economicamente domina antes na discussdio cur- ticular © as veementes reagdes d nam-se cruciais neste contexto. Currfculos multiculturais e anti-racistas representam ameagas a0 programa da Nova Direita, amea- gas que questionam a propria esséncia de sua visio. Em tulo nacional predominantemente-monocultural com a diversidade colocando o sempre ideol6gico “n6s" como o centro de tudo e em geral mencionando perifericamente “as contribuigdes” das pessoas de cor, mulheres e “outros”), sao fundamentais a manutengdo das nogées hierdrquicas vigentes acerca do que € importante como conhecimento oficial, a restauragdo dos tradicionais 8 O aumento de voz padries e valores “ocidentais”, 0 retorno a uma pedagogia ‘“disciplinada” (e, poder-se-ia dizer, também predominan- temente machista), e assim por diante. Uma ameaga a qualquer desses pilares é também uma ameaga & prépria visio de mundo da Direita.* A idéia de uma “cultura comum” — com a roupagem da tradigao ocidental romantizada dos neoconservadores (ou mesmo conforme expressada nos anseios de alguns socialistas) — nio leva em suficiente conta, portanto, a imensa heterogeneidade cultural de uma sociedade que extrai tradigdes culturais do mundo defender o ensino pai diverso entre si ¢ profundamente dividido, envolve muito mais do que restauragio”” O debate na Inglaterra é semelhante. Um curriculo nacional € visto pela Direita como essencial para evitar . Para muitos de seus proponentes, um icado deve basicamente transmitir a“ cultura que dela se originou, Qualquer outra coisa resultaré em incoeréncia, em auséncia de cultura, em simplesmente. Desse modo, uma cultura nacional & “definida em termos excludentes, nos- tilgicos e freqtientemente raci ‘A anilise de Richard Johnson acerca da questio comprova sua légica social: as Em formutagées como essas, pensa-se em cultura como um modo de vida ou tradigzio homogéneos, ¢ no como um campo de diferencas, relagdes e poder. Nao se reconhece a real diversidade das culturas orientagdes sociais existentes em um pais, estado ou povo. Contudo, institui-se uma versao seletiva de cultura nacional como condigao absoluta para qual- quer identidade social. Os empréstimos, misturas e 79 fusdes de elementos de diferentes sistemas culturais, sio vistos como uma espécie de desordem ou trans- gressio cultural que nada produzird além de um. vazio. Portanto, hi que se “escolher” entre... uma cultura nacional ow absolutamente nenhuma cultura.” O subtexto racial aqui talvez esteja camuflado, mas mesmo assim estd presente de formas Hi ainda muitas outras consideragdes que poderiam ser feitas. Entretanto, uma coisa esté perfeitamente clara: © curriculo nacional € um mecanismo para 0 controle politico do conhecimento." Uma vez instituido, haverd mudangas em fungdo dos con contetido, mas & justamente em sua instituigo que reside ica politica. Somente reconhecendo sua légica es- do falso consenso e, sobretudo, sua indubitdvel Petrificagao no futuro» & medida que se vincule a um sistema massificado de avaliagéo nacional, é que pode- remos compreender inteiramente esse fato. Quando a ele se associam os outros itens da pi mercadizagio © a privatizagio — hi ara nos fazer parar e pensar, especi vista as cada vez mais poderosas cond nos Ambitos local, regional e estadual. Quem ganharé? Fica ainda uma pergunta final, a qual ja fiz. breve alusio no ‘Uma vez que 0 esforgos para “reformar” nosso sis educacional, bem como priticas de currfculo, ganharé com Essa € sem divida uma reforma barata. Quando faltam recursos humanos e materiais, um sistema de curriculos ¢ avaliagées nacionais s6 pode ratificar © exa- nossas reas urbanas jé € tio aguda a ponto de as aulas estarem sendo dadas em gindsios de esportes e corredores; ‘em que muitas escolas no dispdem de verbas sui nem para se manterem abertas durante os 180 dias : escolares estdo literalmente desabando diante de nossos olhos;** em que, em algumas cidades, és salas de aula do primeiro grau precisam dividir os mesmos livros" — e poderia ainda ampliar esse quadro — simplesmente uma fantasia supor que sistemas de avaliago mais padronizados diretrizes para curriculos unificados sejam a solugdo. Diante do esfacelamento da infra-estrutura econémica dessas mesmas cidades, devido a evasio de capital; diante dos quase 75% de desemprego entre os jovens, em muitas delas; diante da precariedade- da assisténcia a satide; diante de vidas quase sempre destituidas de esperanea de mobilidade social, enterradas naquilo que poderia ser qualificado como pornografia da pobreza; diante de tudo isso, imaginar que a fixagao de Pardmetros curriculares baseados em problematicas visdes culturais ¢ sistemas mais rigorosos de avaliagio far mais do que simplesmente rotular alunos pobres de uma forma aparentemente mais neutra, € igualmente demonstrar uma visio equivocada de toda implantado, faré com que se cologue mais culpa sobre 08 ombros de alunos ¢ pais pobres e, sobretudo, sobre as escolas que freqiientam. Sua implantagao sera também A anilise que Basil Bernstein faz. das complex desta situago ¢ de suas conseqiiéncias & bastante Util 81 ago das opies nngem i énarci sca que some av ‘dos cura” aqui. Diz cle que “as priticas pedagégicas do novo vocacionalismo [neoliberalismo] ¢ da velha autonomia do conhecimento [neoconservadorismo] representam um con- flito entre duas ideologias clitistas distintas, uma delas baseada na hierarquia de classes do mercado © a outra baseada na hierarquia do conhecimento e seus partidarios de classes”.* Quaisquer que sejam as oposigdes entre as priticas pedagégico-curriculares orientadas para o mercado € as orientadas para 0 conhecimento, as atuais desigual- dades de raga, sexo € classe provavelmente serio repro- duzidas:* © que ele denomina “pedagogia auténoma vist — baseada em padres abertamente explicitados € modelos altamente estruturados de ensino e avaliagao — justifica-se pelo seu proprio mérito intrinseco. O valor de aquisicao da chamada “tradi¢ao ocidental” esté em seu status fun- “tudo quanto mais prezamos” ¢ has normas ¢ regulamentos que ela incute nos alunos. Sua arrogancia est na reivindicagio de elevados motivos morais ¢ de superioridade de sua cultura, nna sua indiferenga 4s conseqiiéncias de sua propria estratificagio, na presungdo de sua falta de relagdo com qualquer outra coisa exceto ela propria, na sua abstrata autonomia auto-refere Seu pretenso oposto — baseado no conhecimento, nas habilidades e nas aptiddes “exigidas” pelas empresas , € que procura orientar a educago escolar de mercado — é na verdade uma formulagio ideolégica muito mais complexa: Incorpora um pouco da critica & pedagogia autonoma ia critica ao fracasso da escola urbana, & dos pais © a0 status inferior [a eles 82 concedido}, ao tédio ... dos alunos e seu conseqiiente distanciamento © rejeigSo a curriculos sem sentido para eles, aos procedimentos de avaliagio que dio mais importncia a um fracasso relative do que a forca positiva do aprendiz. Mas absorve essas criticas incorporando-as em um novo discurso: um novo Jano pedagégico ... O compromisso explicito com a am- pliago das opges pelos pais ... no é uma home- nagem & democracia participativa, e sim uma fina casca que esconde a velha estratificagdo das escolas € dos curriculos.” Estardo corretas as conclusoes de Berstein? A com- binagdo de curriculos e sistemas de aval nacionais com privatizagdo levard realmente ao distanciamento de processos © resultados democriticos? Para responder a essa pergunta, é necessério que olhemos ndo para o Japio (para onde muitas pessoas infelizmente insistiram que olhssemos), mas para a Grd-Bretanha, onde essa com- binagao de propostas esté muito mais avangada. Na Grd-Bretanha, jé hé atualmente consideravel e déncia de que os efeitos globais das varias politicas Bem ao contririo disso, elas poderiio é estar San legitimador para a perpetuagio de velhas formas de desigualdade organizada”.* O fato de um de seus principais efeitos ter sido a perda de poder © de qualificagao de grandes contingentes de professores tampouco € irrelevante.* Avangando um pouco mais, Edwards, Gewirtz Whitty chegaram a conclusdes semelhantes. Fundamen- talmente, a preocupacdo da Direita com tais politicas 83 impede que se percebam seus efeitos sobre aqueles (pro- vavelmente a maioria) que sero Dessa forma, & realmente possivel — até mesmo provavel — que as formas de abordagem da educagao voltadas para 0 mercado (mesmo quando associadas a ago a um sistema de curriculo acerbem as jd existentes e bastante se e raga. No novo. mercado e “escolha” sero apenas para fs que tiverem condigées ¢ recursos. educagdo seré apenas uma palavra mai condigao de apartheid educacional. REFLEXOES A GUISA DE CONCLUSAO. Fuj bastante negativo em minhas consideracdes sobre este tema. Meu argumento € que a politica do conhecimento | — neste caso, propostas que andam por af para luco de um curriculo nacional e um sistema de avaliagio nacional — nao pode ser inteiramente com- preendida de forma isolada. Todo esse contexto precisa ser resituado em uma dindmica ideolégica maior, na qual das finalidades da educagio. Essa transformagio envolve um brutal desvio — que faria Dewey estremec qual a democracia deixa de ser um conceito pol se tornar um conceito econdmico, e no qual a bem piiblico € sepultada de vez. Mas, talvez, eu tenha sido demasiado negat £ possivel, por exemple, airmar que, somente tituindo um sistema de curriculo € avaliagio n: seremos capazes de deter a fragmentagdo que consegiiéncia da porgdo nedliberal do projeto Somente um sistema como esse protegeria. p a idéia de uma escola publica, protegeria associagdes de Perderiam boa parte de seu poder, protegeria criangas pobres ¢ criangas de cor contra as vicissitudes do mercado. ‘Afinal, para comegar, foi o “livre mercado” que provocou @ pobreza © a destruigdo da comunidade que elas hoje vivenciam. E também poss{vel sustentar, como fez Geoff Whitty acerca do “conhecimento de além de encorajar a formagio de coalizdes progressistas, que, passando por cima de muitas diferengas, se posicionem contra tais definigdes de conhecimento poderia ser 0 veiculo para o retorno do aspecto politico que a Direita tanto deseja eliminar de nosso discurso iiblico ¢ que os experts em eficiéncia desejam transformar em mera preocupagio técnica. Assim, € bastante possivel que a instituigo de um curriculo nacional desencadeie a unio de grupos oposi- cionistas ¢ oprimidos. Tendo em vista a atual fragmentagao @ se concentrarem principalmente na esfera local ou ‘estadual, uma das funges de um curriculo nacional poderia ser a aglutinago de grupos em torno de uma pauta comum. Em decorréncia, poderia surgir um movimento nacional por uma visio mais democritica da reforma escolar. 85 Em muitos sentidos — digo isso com toda a seriedade — temos para com os conservadores {ntegros (€ existem muitos deles) uma divida de gratidio, de uma forma peculiar. Foi a sua percepgdo de que as questées curriculares nao se restringem apenas ao campo técnico, metodoldgico, que ajudou a estimular o atual debate. Nas muitas décadas em que tantas mulheres, pessoas de cor € organizagdes de trabalhadores (grupos esses obviamente ndo-excludentes entre si) lutaram para fazer com que esta sociedade reconhecesse a tradigdo seletiva que esta imis- cufda no conhecimento oficial, os seus movimentos foram com freqliéncia (embora nem sempre) silenciados, igno- rados ou cooptados nos discursos dominantes. O poder da Direita — em sua contraditéria tentativa de instituir de contestar 0 que esté tomar essa cultura parte uma cultura comum nacior sendo ensinado atualmente e Deverfamos, pois, apoiar um sistema nacional de curriculo e avaliagao para coibir a onda de total privatizagiio © mercadizagio? Nas atuais condigées, no acho que 0 risco compense — ndo s6 pelo seu enorme potencial destrutivo a longo e a curto prazos, mas também porque penso que ele interpreta equivocadamente e reifica a questio de um curriculo e de uma cultura comuns. Conforme observei logo no inicio, vivemos em uma sociedade com vencedores e perdedores idemtificaveis. Futuramente, poderemos dizer que os perdedores fizeram més “opgdes de consumo” e que € assim mesmo que funcionam os mercados, afinal de contas. Mas serd real- mente esta sociedade apenas um vasto mercado? 86 Como indaga Whitty: em uma época em que tantas pessoas descobriram, a partir de suas experiéncias coti- dianas, que as supostas “grandes narrativas” de progresso so um grande engodo, tem sentido cair em outra grande do mercado? Os resultados dessa ‘“narrativa” visiveis todos os dias, na destruigo de nossas comunidades ¢ de nosso meio ambiente, no crescente racismo da sociedade, nos rostos e corpos de nossas criangas, que véem 0 futuro e perdem a esperanga. Muitas pessoas conseguem dissociar-se de tais rea- lidades. Hé um distanciamento quase patolégico entre os ricos Entretanto, como pode alguém nao se indignar moralmente diante do fosso cada vez maior entre ricos © pobres, diante da persisténcia da fome e da falta de hhabitagio, da auséncia fatal de assisténcia médica, das degradagées da pobreza? Fossem esses os temas centrais (sempre com autocritica € constante subjetivagdo) de um curriculo nacional — mas, entdo, como poderia ele ser testado com eficiéncia e baixo custo, e como poderia a Direita controlar seus meios e fins? —, talvez tal curriculo alé alesse a pena. Mas enquanto isso néo acontecer, podemos tomar emprestado um slogan da Direita que se tornou popular em um outro contexto e aplicé-lo & sua Pauta educacional. Qual € esse slogan? “Simplesmente diga nao.” NOTAS Este trabalho foi apresentado em palesra denominada The John Dewey Lecture, promovida pela Join Dewey Society e pela American Educational Re iam AERA), na cidade de Sto Francisco, Califia, EUA, em abril ia. de agradecer a Geoff Whity, Roger Dal, James Beane © 20 Friday Seminar da Universidade de Wisconsin, Madison, por suas importantes crfiase supestes 87

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