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KENNETH N. WALTZ TEORIA DAS RELACOES INTERNACIONAIS TRADUGLO REVISKO CIENTIFICA gradiva 4 Teorias sistémicas e reducionistas Os capitulos 2 e 3 sto altamente criticos. A critica € uma tarefa nega- ttiva que é suposto ter resultados positives. Para os conseguir, vou, neste capitulo, comegar por reflect nas insuficiéncias tebricas reveladas nas ‘paginas anteriores, e depois dizer 0 que compreende uma teoria sistémica das relagdes internacionais € 0 que pode ou no realizar. I De uma forma ou de outra, as teorias das relagdes internacionais, quer sejam reducionistas ou sistémicas, lidam com acontecimentos a todos os niveis, do subnacional ao supranacional. As teorias so reducionistas ou sistémicas, nfo em fungdo daquilo com que lidam, mas de acordo com a forma como organizam os seus materiais. As teorias reducionistas explicam as resultantes internacionais através de elementos e combinagdes de elementos localizados a nivel nacional ou subnacional. A argumentagdo de tais teorias & que forgas internas produzem resultantes externas. NX é 0 seu padro. O sistema in- ternacional, se for sequer concebido, é tomado como mera resultante. ‘TEORIAS SISTEMICAS E REDUCIONISTAS o Uma teoria reducionista é uma teoria sobre o comportamento das partes. Uma vez que a teoria que explica o comportamento das partes esteja moldada, no & necessério mais esforgo. De acordo com as teorias do imperialism examinadas no capitulo 2, por exemplo, as resultantes internacionais sio simplesmente a soma dos resultados produzidos pelos estados separados, ¢ 0 comportamento de cada um deles & explicado através das suas caracteristicas intemnas. A teoria de Hobson, tomada como teoria geral, ¢ uma teoria sobre o funciona- mento das economias nacionais. Dadas certas condigées, explica por que a procura abranda, por que a produgo diminui, e por que os recursos sto subempregues. Hobson acreditava que podia inferir 0 comportamento externo dos estados capitalistas a partir do conhe- cimento de como funcionam as economias capitalistas. Cometeu o erro de prever resultantes a partir de atributos. Tentar fazé-lo signi- fica ignorar a diferenca entre estas duas declaragdes: «Ble € um desordeiron ¢ «ile cria desordem». A segunda afirmagao resulta da primeira se os atributos dos actores no determinarem unicamente as resultantes. Assim como os pacificadores podem nio conseguir fazer paz, também os desordeiros podem niio conseguir criar desor- dem. A partir dos atributos no podemos prever resultantes, se essas resultantes dependerem das situagdes dos actores assim como dos seus atributos. Parece que poucos conseguem consistentemente escapar & crenga de que as resultantes politicas internacionais sio determinadas, mais, do que meramente afectados, pelo que os estados so. O ero de Hobson foi cometido por quase todos, pelo menos do século xrx em diante, Na histéria inicial da politica das grandes poténcias modernas, todos os estados eram monarquias, e a maioria monarquias absolutas, Terd o jogo politico do poder sido jogado devido aos imperativos das relagdes internacionais ou simplesmente porque os estados autorité- rigs tém inclinago para o poder? Se a resposta & tltima parte da questio fosse «sim», entZio mudangas nacionais profundas iriam trans- formar as relagSes internacionais. Tais mudangas comegaram a acon- tecer na Europa ¢ na América mais marcadamente em 1789. Para alguns, a democracia tormou-se a forma de estado que iria fazer do mundo um mundo pacifico; para outros, mais tarde, era o socialismo que iria dar resultado. Além disso, no s6 a guerra € a paz, mas as relagdes intemacionais em geral eram para ser entendidas através do estudo dos estados e dos estadistas, das elites e das burocracias, dos 90 TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS. actores subnacionais e transnacionais cujos comportamentos ¢ interac Ges formam a substincia dos assuntos intemnacionais, Os cientistas politicos, de orientagio tradicional ou moderna, reificam os seus sistemas reduzindo-os as suas partes em interac Por duas razoes, a jungao de tradicionalistas orientados pela hist6ria © modemistas orientados pela ciéncia pode parecer estranha. Primeiro, a diferenga nos métodos que usam obscurece a similaridade da sua metodologia, isto é, da légica que seguem as suas investigagdes. Se. gundo, as suas diferentes descrigdes dos objectos das suas investiga Ges reforcam a impressao que a diferenga de métodos é uma diferenca de metodologia. Os tradicionalistas enfatizam a distingdo estrutural entre politica interna e intemacional, uma distingao que os modemis- tas normalmente negam. A distingo apoia-se na diferenga entre a politica conduzida numa condigio de regras estabelecidas e a politica conduzida numa condigaio de anarquia. Raymond Aron, por exemplo, encontra a qualidade distintiva das relacdes intemacionais na «aus cia de um tribunal ou de uma forga policial, no direito de recorrer & forga, na pluralidade de centros de decisdo auténomos, na alternncia € continua interaccdo entre guerra e paz» (1967, p. 192). Esta visio contrasta com a investigagao de J. David Singer das potencialidades descritiva, explanatéria e preditiva dos dois niveis diferentes de ané- lise: o nacional e 0 internacional (1961). No seu exame, no consegue ‘mesmo mencionar a diferenga contextual entre politica organizada dentro de estados e politica formalmente desorganizada entre eles. Se a diferenga contextual for descurada ou negada, entio a diferenga qualitativa entre politica interna e externa desaparece ou nunca exis- tiu. E esta 6, de facto, a conclusio a que os modemistas chegam. A diferenga entre o sistema global e os seus subsistemas nao esté na anarquia dos primeiros e na organizac&o formal dos iltimos, mas no facto de haver, como Singer diz, apenas um sistema internacional «no planeta Terra ¢ & volta dele» (1969, p. 30). Se acrestitarmos nisso, entio «o problema do nivel de andlise em relagdes internacionais» resolvido tornando o problema numa questdo de escolha, uma escolha feita de acordo com o interesse do investigador (1961, p. 90). Os tradicionalistas continuam a insistir no carécter andrquico das relagdes internacionais marcando uma distingfio entre os dominios interno e extemno, ao passo que os modemnistas nao o fazem. Se ou- virmos 0 que dizem membros das duas doutrinas, 0 abismo entre eles € enorme, Se olharmos para o que fazem membros das duas doutrinas, ‘TEORIAS SISTEMICAS E REDUCIONISTAS a métodos a parte, 0 abismo diminui e quase desaparece. Todos eles deixam-se ir para 0 «pélo subsistémico dominante». A sua atenc&o estd focada nas unidades comportamentais. Concentram-se em desco- brir quem est a fazer 0 qué para produzir os resultados. Quando Aron © outros Lradicionalistas insistem para que as catcgorias dos tedricos sejam consonantes com os motivos € as percepgdes dos actores, esto a afirmar a légica preeminentemenie comportamental que as suas investigagdes seguem. Modemistas e tradicionalistas saem da mesma escola, Partilham a crenga de que explicagses das resultantes politicas internacionais podem ser delineadas através do exame das acgdes interacgies das nagdes e outros actores. ‘A similaridade das abordagens tradicional e moderna no estudo das relagSes internacionais é facilmente mostrada. Os analistas que con- finam a sua atengao as unidades em interacgdo, sem reconhecerem que causas sistémicas esto em jogo, compensam as omissBes ao atri- bufrem arbitrariamente tais causas ao nivel das unidades em interacg20 ¢ ao dividirem-nas pelos actores. Os efeitos de relegar as causas sistémicas para o nivel dis unidades em interacedo so praticos assim como teéricos. A politica interna é transformada em assuntos de pre~ ocupacao internacional directa. Isto foi claramente mostrado em 1973 e depois quando a détenie se tornou assunto de discussio na politica americana. Podia a détente, pensava-se, sobreviver & pressdo americana sobre 0s lideres politicos russos para que governassem um pouco mais liberalmente? Hans Morgenthau, nio inesperadamente, virou a discussio ao contrario. A preocupacio americana com a politica in- tema russa, afirmou, nde € «interferir nos assuntos internos de outro pais, Pelo contrario, reflecte 0 reconhecimento que uma paz estavel, fundada numa balanca de poder estavel, esté pressuposta numa estru- tura moral comum que expressa 0 compromisso de todas as nagdes envolvidas a certos prineipios morais basicos, um dos quais é a pre- servagio da balanga de poder» (1974, p. 39). Se as resultantes poli ticas internacionais so determinadas pelo que 0s estados so, entiio devemos estar preocupados com as disposigdes internas dos estados internacionalmente importantes € se necessétio fazer alguma coisa para mudé-las. Como politico, 0 Secretirio de Estado Henry Kissinger rejeitou a argumentagao de Morgenthau. No entanto, como cientista politico, Kissinger tinha anteriormente concordado com Morgenthau ao acredi~ tar que a preservagio da paz ¢ a manutengdo da estabilidade intema- 2 ‘TEORIA DAS RELAGOFS INTERNACIONAIS cional dependem das atitudes ¢ das caracteristicas internas dos esta- dos. Kissinger definiu uma ordem internacional como «legitimay se for aceite por todas as grandes poténcias e como «revolucionariay se uma, ou mais, a rejeitar. Em contraste com uma ordem legitima, uma ordem revolucionéria & aquela em que uma, ou mais, das grandes poténcias se recusa a lidar com outros estados de acordo com as regras de jogo convencionais. A qualidade da ordem depende das disposigdes dos estados que a constituem, Uma ordem internacional legitima tende para a estabilidade e para a paz; uma ordem interna cional revolucionaria, para a instabilidade © para a guerra. Estados revolucionérios fazem sistemas internacionais revoluciondtios; um sis- tema revoluciondrio & aquele que contém um ou mais estados revolu- ciondrios (Kissinger, 1957, pp. 316-320; 1964, pp. 1-6, 145-147; 1968, p. 899). O raciocinio é circular, ¢ € natural que assim seja. Uma vez que o sistema € reduzio as suas partes em interacedo, 0 destino do sistema apenas pode ser determinado pelas caracteristicas das suas unidades principais®. Entre os cientistas politicos, Morgenthau e Kissinger stio conside- rados tradicionalistas — eruditos voltados para a historia e mais pre~ ocupados com a politica do que com os métodos teéricos € cientificos No entanto, a pritica em questo é comum entre cientistas sociais de diferentes orientagdes. Vimos no capitulo 3 que o raciocinio de Kaplan € igual ao de Morgenthau, apesar do vocabulirio de Kaplan, empres- tado da teoria sistémica geral, ter ofuscado isso. Marion Levy, um socidlogo que, as vezes, escreve sobre relagdes intemacionais, dé-nos outro exemplo. Ele afirma que os «problemas focais» dos assuntos internacionais «so 0s éa modernizagao das sociedades relativamente no modemizadas ¢ os da manutengao da estabilidade dentro das 0 que Kissinger aprendev como politico & muito diferente das conclusBes a que tinha chegado como professor. DeclaacBes revelando as suas novas visies abundam, mas um ‘exemplo ser sufciente. Entrevistado, enguanto Secretirio de Estado, por Wiliam F. Buckley, 4c, Kissinger fez as soguintes observagdes em trés pardgrafos sucessivos: «As sociedades comunistas slo moralmente, na sua estrutura interna, inaceitiveis para nés..». Apesar das rnossas ideologias e das deles zontinuarem a ser incompativeis, podemos, contudo, fazer entendimentos priticos e preservadores da paz na nosse politica extema. Devemes, de facto, ‘eovtarcrar a iuslo de que o progresso em slgumas quesides de politica externa. signifiea ‘que houve uma mudanga na estutura interna» (13 de Setembro de 1975, p. 5). (© elo entre aributes internat ¢ resultados externas ndo € visto como inquebrivel. AS ccondigSes e os compromissosintemos jé no determinam a qualidade da vida internacional ‘TEORIAS SISTEMICAS E REDUCIONISTAS. 93 sociedades relativamente modemizadas (¢ consequentemente entre elas)» (1966, p. 734). As explicagdes de tipo dentro para fora produzem sempre os resul- tados que estes exemplos ilustram. O facto de Kissinger dizer que a instabilidade internacional ¢ a guerra so causadas pela existéncia de estados revoluciondrios, equivale a dizer que as guerras ocorrem por- que alguns estados so propensos a guerra. E, contudo, os regimes revolucionérios podem obedecer as regras internacionais — ou, mais simplesmente, podem tender para a coexisténcia pacifica — porque as presses das suas situagdes externas prevalecem sobre os seus objectivos internos. Ordens intemacionais revolucionrias so, as ve- 2es, estiveis ¢ pacificas. Inversamente, ordens internacionais legitimas si, &s vezes, instaveis e propensas & guerra. O esforgo de Levy para predizer resultantes internacionais a partir das caracteristicas nacio- nais levam a resultados sinilarmente pouco expressivos. Dizer que estados estéveis produzem um mundo estivel equivale a nao mais do que dizer que a ordem prevalece se a maioria dos estados for ordeiro. Mas mesmo que todos os estados fossem estiveis, o mundo de estados poderia néo ser. Se cada estado, sendo estivel, lutasse apenas pela eguranga e nao cobigasse cs seus vizinhos, todos os estados iriam, no obstante, permanecer inseguros; porque os meios que garantem a seguranga de um estado sio, s6 pelo facto de existirem, os meios pelos quais os outros estados siio ameagados. Nao podemos inferir a condigio das relagées internacionais da composicao interna dos esta- dos, nem podemos chegar ¢ um entendimento das relagdes interna- cionais somando os comportamentos externos e as politicas externas dos estados. As diferencas entre as escolas tradicional e modema so suficiente- mente vastas para obscurecer a sua similaridade fundamental. A simi- laridade, uma vez analisada, é impressionante: membros de ambas as escolas revelam-se seguidores do behaviourismo. Membros de ambas as escolas oferecem explicagdes em termos das unidades enquanto deixam de lado 0 efeito que as suas situagdes podem gerar. O sentido completo da unidade como estilo de raciocinio & conseguido ao jun- tarmos os exemplos dados nos capitulos 2 € 3 com estes agora acres- centados. Veblen e Schumpeter explicam o imperialismo e a guerra de acordo com o desenvolyimerto social intemo; Hobson e os seus vas- tos seguidores, de acordo com arranjos cconémicos internos. Levy pensa que a estabilidade nacional determina a estabilidade interna- oo TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS cional. Kaplan declara que as relagdes internacionais resultam de uma dominante subsistémica. Aron diz que 0 que os pélos do sistema sio € mais importante do que a quantidade de pélos que possam existir. Como professor, nao como estadista, Kissinger identifica estados revo- lucionarios com instabilidade internacional e guerra. Porque concorda com Kissinger enquanto professor, Morgenthau aconselha a interven ‘40 nos assuntos internos de outros estados em nome de uma neces sidade politico-internacional. Rosecrance faz do sistema internacional, um efeito, e, de forma alguma uma causa, e transforma a sua inves- tigagdo das relagdes intemacionais numa «correlagio» entre condi- ¢Ges internas e resultados intemacionais e num tragado de efeitos sequenciais. Muitos estudiosos modemnos passam muito do seu tempo a calcular os coeficientes de correlacao de Pearson. Isto, muitas vezes, equivale a aduzir mimeros aos tipos de associagdes impressionistas entre condigées internas ¢ resultantes interacionais que os tradicio- nalistas to frequentemente oferecem. Os estudos das relagdes inter- nacionais conformes ao pedro do tipo dentro para fora, seguem a l6gica correlacional, sejam quais forem os métodos usados. Os estu- diosos que podem ou nao achar-se tedricos sistémicos, ¢ as formula- ges que parecem ser, mais ou menos, cientificas, seguem a mesma linha de raciocinio. Eles examinam as relages internacionais em ter- mos de como so os estados e como interagem, mas no em termos da posi¢o que ocupam uns em relagdo aos outros. Eles cometem a « & | N——> % Figura 5.1 tanto afecta as interacgies dos estados como os seus atributos". Apesar da estrutura como um conceito organizacional ser opaca, 0 seu signifi- cado pode ser explicado de forma simples. Enquanto os estados retém @ sua autonomia, cada um tem uma relagdo determindvel com os outros. Formam uma espécie de ordem. Podemos usar o termo worga- nizago» para cobrir esta condigio pré-institucional se pensarmos numa organizagio como um simples constrangimento, & maneira de W. Ross Ashby (1956, p. 131). Porque os estados se constrangem e limitam 1uns aos outros, as relagdes internacionais podem ser vistas em termos organizacionais rudimentares. Estrutura é 0 conceito que torna poss: vel dizer quais so 0s efeitos organizacionais esperados ¢ como as estruturas e as unidades interagem e se afectam umas as outras. _— Figura 5.2 “© Nada de essencial ¢ omitido da fig. 5.2, mas algumas complicagBes sio omitidas. Um uadro completo incuiria, por exempl, aliangas possivelmente formadas do Indo dizcito, 1a ‘TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS Pensar a estrutura como a defini resolve o problema de separarmos mudangas ao nivel das unidades de mudangas 20 nivel do sistema. Se ‘estamos preocupados com os diferentes efeitos esperados de sistemas diferentes, temos de ser capazes de distinguir mudangas de sistemas de mudangas dentro deles, uma coisa que os supostos tedricos sistémi- cos descobriram set excessivamente dificil de fazer. Uma defini¢ao de ‘estrutura em trés partes permite-nos distinguir esses tipos de mudangas: Primeiro, as estruturas sto definidas de acordo com o principio pelo qual um sistema é ordenado. Os sistemas so transformados se um prineipio ordenador substituir outro. Passar de um dominio anérquico para um hierérquico é passar de am sistema para outro. * Segundo, as estruturas so definidas pela especificagdo das fungdes de unidades diferenciadas. Os sistemas hierdrquicos mudam se as fungdes forem diferentemente definidas e distribuidas. Para os sis- temas anarquicos, 0 critério da mudanga sistémica derivado da segunda parte da definig2o desaparece uma vez que o sistema & composto por unidades semethantes. ‘© Teiceiro, as estruturas sto definidas pela distribuigdo das capacida- des pelas varias unidades. Mudancas nesta distribuicdo so mudan- gas de sistema quer o sistema seja anarquico ou hierérquico. 6 Ordens anarquicas e balancas de poder Restam duas tarefas: primeiro, examinar as caracteristicas da anar- quia e as expectativas acerca dos resultados associados com os domi- nios andrquicos; segundo, examinar as formas como as expectativas variam a medida que a estrutura de um sistema andrquico muda através de mudangas na distribuicdo das capacidades entre nagdes. A segunda tarefa, levada a cabo nos capitulos 7, 8, € 9, requer que se comparem diferentes sistemas interacionais. A primeira, que vou agoza tratar, & melhor conseguida fazendo algumas comparagdes entre comporta- mento e resultados nos dominios anarquico e hierérquico. 1. Violéncia interna e externa Diz-se muitas vezes, que 0 estado entre estados conduz os seus assuntos envolto na sombra da violéncia. Porque alguns estados po- dem em qualquer altura usar a forga, todos os estados tém de estar “a TEORIA DAS RELACOES INTERNACIONAIS preparados para o fazet — ou entéo vivet 4 mercé dos seus vizinhos snilitarmente mais vigorosos. Entre estados, o estado da natureza é um estado de guerra. Isto é dito nfo no sentido de que a guerra ocorre ‘constantemente, mas no sentido de que, com cada estado a decidir por si mesmo usar ou ndo a forga, a guerra pode rebentar a qualquer altura. Quer seja na familia, na comunidade, ou no mundo em geral, © contacto sem, pelo menos, conflito ocasional & inconcebivel; e a esperanca de que na auséncia de um agente para gerir ou manipular as partes em conflito, 0 uso da forga sera sempre evitado, ndo pode ser encarado de forma realista. Entre homens como entre estados, a anarquia, ou a auséncia de governo, est4 associada & ocorréncia de violencia, se que a ameaca de violéncia € 0 uso recorrente da forca dis- tinguem os assuntos internacionais dos nacionais. Mas na historia do mundo, certamente que a maioria dos governantes teve de ter em mente que os seus sibditos podiam usar a forga para Thes resistir ou para os depor. Se a auséncia de governo esté associada & ameaga de violencia, entio também esté a sua existéncia. Uma lista aleatoria de tragédias nacionais ilustra muito bem este ponto. As guerras mais destrutivas dos 100 anos apés a derrote de Napoledo travaram-se nao entre estados mas dentro deles. As estimativas do mimero de mortos na rebelido de Taiping na China, que comecou em 1851 ¢ durou 13 anos, atingem os 20 milhdes. Na Guerra Civil Americana cerca de 600 mil pessoas perderam a vida. Na histéria mais recente, a colectivizagio forgada e as purgas de Estaline eliminaram cinco milhdes de russos, e Hitler exterminou seis milhdes de judeus. Em alguns pafses da América Latina, golpes de estado e rebelides tém sido caracteristicas normais da vida nacional, Entre 1948 ¢ 1957 por exemplo, 200 mil colombianos foram mortos em conflitos civis. Em meados dos anos 70, a maioria dos habitantes do Uganda de Idi Amin devem ter sentido as suas vidas tomarem-se terriveis, brutalizadas ¢ curtas, como no estado de natureza de Thomas Hobbes. Se tais casos constituem aber- rages, so desconfortavelmente comuns. Facilmente perdemos de vista © facto de que as lutas para alcangar ¢ manter 0 poder, para estabe- lecer a ordem e para conseguir uma forma de justiga dentro dos esta- dos podem ser mais sangrentas do que as guerras entre cles. Se a anarquia é identificada com 0 caos, a destrui¢do e a morte, entio a distingao entre anarquia e governo nao nos diz muito. Qual seré mais precdria: a vida de um estado entre estados, ou de um ORDENS ANARQUICAS E BALANGAS DE PODER 5 governo em relagdo aos seus sibditos? A resposta varia com o tempo € © lugar. Entre alguns estados em algumas alturas, a ocorréncia real ou esperada de violencia € baixa. Dentro de alguns estados em algu- mas alturas, a ocorréncia real ou esperada de violéncia é alta. O uso da forga, ou 0 medo constante do seu uso nao constituem base sufi- ciente para distinguir assuntos intemnacionais de internos. Se 0 uso possivel e real da forca marcam as ordens internacionais ¢ internas, entio nfo pode ser delineada nenhuma distingao duradoura entre os dois dominios em termos do uso ou no da forga. Nenhuma ordem humana é & prova de violéncia Para descobrirmos diferengas qualitativas entre os assuntos internos ¢ extemos temos de procurar um critério que nao seja a ocorréncia da violencia. A distingéo entre os dominios da politica nacional e inter- nacional nao se encontra no uso ou nfo uso da forga, mas nas suas diferentes estruturas. Mas se o perigo de ser violentamente atacado é maior, digamos, ao dar-se uma volta a noite pela baixa de Detroit do que ao fazer-se um piquenique na fronteira franco-alema, que di renga pritica faz a diferenga de estrutura? Nacional como internacio- nalmente, 0 contacto geta conflito e, as vezes, resulta em violencia. A diferenca entre politica nacional e internacional reside no no uso da forga, mas nos diferentes modos de organizag3o para fazer alguma coisa em relagio a esse uso. Um governo, que governe segundo algum padrao de legitimidade, arroga-se 0 direito de usar a fora — isto é, de aplicar uma variedade de sancdes para controlar 0 uso da forga pelos seus stibditos. Se alguns usam a forga privada, outros podem apelar a0 governo. Um governo no tem 0 monopélio do uso da forca, como é deveras evidente. No entanto, um governo efectivo tem um monopélio no uso legitimo da forea, ¢ legitimo aqui significa que os agentes piiblicos estiio organizados para evitar ¢ para conter 0 uso privado da forga. Os cidadios no precisam de se preparar para se defender. As agéncias piblicas fazem-no. Um sistema politico interno nao é um sistema de auto-ajuda. O sistema intemacional & 2. Interdependércia e integragiio O significado politico de interdependéncia varia dependendo se um dominio é organizado, com relagdes de autoridade especificas e esta- belecidas, ou se permanece formalmente desorganizado. Desde que Las ‘TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS um dominio seja formalmente organizado, as suas unidades sao livres para se especializarem, para perseguirem os seus préprios interesses sem se preocuparem em desenvolver os meios de manutenedo da sua identidade e preservacdo da sua seguranga perante os outros. So livres para se especializarem porque no tém razdo para temer a cres- cente interdependéncia que vem com a especializaco. Se aqueles que se especializam mais, beneficiam mais, entio competir pela especia- lizagio prossegue. Os bens sio manufacturados, 0 grio & produzido, a lei ¢ a ordem séo mantidas, 0 comércio é realizado, e os servigos financeiros sio proporcionados por pessoas que se especializam mais minuciosamente. Em termos econémicos simples, 0 sapateiro depende do alfaiate para ter calgas 0 alfaiate depende do sapateiro para ter sapatos, € um estaria mal arranjado sem o servigo do outro. Em ter- mos politices simples, 0 Kansas depende de Washington para ter proteceo e regulamentagdo © Washington depende do Kansas para ter came € trigo Ao dizermos que em tais situagdes a interdependéncia & -apertada, ndo precisamos de afirmar que uma parte ndo aprenderia a viver sem a outta. Precisamos apenas de dizer que 0 custo de quebrar a relagio de interdependéncia seria alto. As pessoas € as instituiges dependem -muito umas das outras devido as diferentes tarefas que desempenham e aos diferentes bens que produzem e trocam. As partes de uma sociedade fundem-se pelas suas diferengas (cf. Durkheim, 1893, p. 212). ‘As diferencas entre as estruturas nacionais e internacionais reflee- ‘tem-se na forma como as unidades de cada sistema definem os seus fins e desenvolvem os meios para alcangé-los. Num ambiente andr- -quico, as unidades semelhantes cooperam. Em meios hierarquizados, unidades diferentes interagem. Num ambiente anérquico, as unidades sio funcionelmente similares e tendem a manter-se assim. As unida- des semelhentes trabalham para manter uma certa independéncia € podem até lutar pela autarcia, Num meio hierarquizado, as unidades sto diferenciadas, ¢ tendem a aumentar a extensio da sua especiali- zago. As unidades diferenciadas tornam-se estreitamente interdepen- dentes, mais estreitamente ainda A medida que a sua especializagio prossegue. Devido a diferenca de estrutura, a interdependéncia dentro © a interdependéncia entre as nagdes sd dois conceitos distintos. De forma a seguir 0 conselho dos Iégicos para manter um tinico signifi- cado para um dado termo no nosso discurso, usarei «integracdo» para descrever a condic&o dentro das nagdes e «interdependénciay para descrever a condigao entre clas. ORDENS ANARQUICAS E BALANGAS DE PODER Mr Apesar dos estados serem unidades funcionalmente semelhantes, cles diferem muito nas suas capacidades. Dessas diferencas qualquer coisa como uma divisdo do trabalho se desenvolve (ver capitulo 9). No entanto, a divisio do trabalho entre as nagdes é irrelevante em comparagio com a altamente articulada divisio do trabalho dentro delas. A integragio aproxima as partes de uma nagio. A interdepen- déncia entre as nagdes deixa-as vagamente ligadas. Apesar de se falar frequentemente da integrago das nacdes, isso raramente acontece. As nagdes podiam enriquecer-se mutuamente ao dividirem mais no s6 0 trabalho envolvido na producdo de bens mas também algumas das outras tarefas que desempenham, tais como a conducdo politica ¢ a defesa militar. Por que motivo a sua integracao ndo acontece? A estru- tura das relages internacionais limita a cooperacdo dos estados em duas formas ‘Num sistema de auto-ajuda cada uma das unidades gasta uma por- do do seu esforco, no a perseguir 0 seu préprio bem, mas a arranjar os meios de se proteger dos outros. A especializagio num sistema de divisio do trabalho funciona com vantagem para todos, apesar de nao ser equitativa. A desigualdade na distribuicao esperada do produto acrescido opera fortemente contra a extensio da diviso do trabalho a nivel intemacional. Quando confrontados com a possibilidade de cooperarem para ganho miituo, os estados que se sentem inseguros devem querer saber como o ganho sera dividido, So impelidos a. perguntar nao «remos ambos ganhar?», mas «Quem ganhara mais?» Se um ganho esperado € para ser dividido, digamos, na razao de dois para um, um estado pode usar o seu ganho desproporcional para implementar uma politica virada para prejudicar ou destruir 0 outro, Mesmo a perspectiva de grandes ganhos absolutos para ambas as partes no invalida a sua cooperagao desde que cada um tema a forma como © outro ird usar as suas crescentes capacidades. Notem que os impe- dimentos & colaboragiio podem nao residir no cardcter ¢ na intencAo imediata de qualquer uma das partes. Em vez disso, a condi¢ao de inseguranga —no minimo, a incerteza de um em selagdo s futuras intengdes e acgSes do outro — trabatha contra a sua cooperacao. Em qualquer sistema de auto-ajuda, as unidades preocupam-se com a sua sobrevivéncia, ¢ a preocupacao condiciona 0 seu comporta- ‘mento. Os mercados oligopolistas limitam a cooperaciio de firmas, da mesma forma que as estruturas politico-internacionais limitam a coo- peragio dos estados. Dentro das regtas impostas pelos governos, 0 a ‘TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS facto de as firmas sobreviverem e prosperarem depende dos seus pré- prios esforgos. As firmas no precisam de se proteger fisicamente con- tra os assaltos das outras firmas. Sao livres para se concentrarem nos seus interesses econémicos. No entanto, como entidades econdmicas, vivem num mundo de auto-ajuda. Todos querem aumentar os lucros. Se correm riscos indevidos no esforco para o fazerem, devem esperar Por softer as consequéncias. Como diz William Fellner, € «impossivel maximizar ganhos conjuntos sem o tratamento conivente de todas as variveis relevantes». E isto s6 pode ser conseguido pelo «completo desarmamento das firmas umas em relagdo as outras», Mas as firmas io se podem simplesmente desarmar mesmo para aumentar os seus lucros. Esta afirmacdo qualifica, em vez de contradizer, a premissa de que as firmas tm como objective principal lucros méximos. Para maximizar os lucros amanha assim como hoje, as firmas tém primeito de sobreviver. Jogar todos os recursos implica, mais uma vez como Feliner diz, amenosprezar as futuras possibilidades de todas as firmas Participantes» (1949, p. 35). Mas 0 futuro nfo pode ser menospre- zado. A forca relativa das firmas muda ao longo dos tenpos de formas que ndo podem ser previstas. As firmas so impelidas a chegar a um compromisso entre maximizar os seus lucros e minim:zar o perigo da sua propria morte. Cada uma de duas firmas pode estar melhor se uma delas aceitar uma compensago da outra para se retirar de alguma parte do mercado. Mas uma firma que aceite mercados menores em troca de maiores Iucros tera graves inconvenientes se, por exemplo, rehentar uma guerra de precos como parte de uma Juta renovada pelos mercados, Se possivel, devemos resistir a aceitar mercados mais pequenos em troca de maiores luctos (pp. 132, 217-218). «Nao é, insiste Fellner, «aconsethivel desarmarmos em relacio 20s nossos rivais» (p. 199). Por que no? Porque «existe sempre a potencialidade de um conflito renovado» (p. 177). O raciocinio de Felner € muito parecido com 0 raciocinio que levou Lenine a acreditar que os paises capitalistas munca seriam capazes de cooperar para 0 seu enriqueci- mento mituo numa vasta iniciativa imperialista. Como as nagdes, as firmas oligopolistas devem estar mais preocupadas com a forga rela- tiva do que com a vantagem absoluta. Um estado preocupa-se sempre com uma divisio de ganhos possi veis que pode favorecer outros mais do que a si mesmo. Essa é a primeira forma pela qual a estrutura das relagdes interracionais limita cooperagio dos estados. Um estado também se preocupa para que ‘ORDENS ANARQUICAS E BALANGAS DE PODER 19 no se tome dependente de outros através de esforgos cooperatives e trocas de bens e servicos. Essa éa segunda forma pela qual a estrutura das relagdes intemacionais limita a cooperagao dos estados. Quanto ‘mais um estado se especializa, mais confia nos outros para Ihe forne- cerem os materiais ¢ os bens que nfo esta a produzir. Quanto maior a quantidade de importagdes e exportagdes de um estado, mais ele depende dos outros. O bem estar mundial seria maior se uma cada vez ‘mais elaborada divisio do trabalho fosse desenvolvida, mas os estados iriam assim colocar-se em situacdes de cada vez mais estreita interde- pendéncia. Alguns estados poderiam nao resistir a isso. Para estados pequenos ¢ mal apetrechados os custos de fazé-lo sio demasiado al- tos. Mas os estados que podem resistir a tornar-se cada vez mais enredados com outros, normalmente fazem-no de uma ou de duas formas. Os estados que so muito dependentes, ou estreitamente inter- dependentes, preocupam-se em assegurar aquilo de que dependem. ‘Uma maior interdependéncia dos estados significa que os estados em questio, experimentam, ou esto sujeitos, 4 vulnerabilidade esperada associada 4 maior interdependéncia. Como outras organizagies, os estados procuram controlar aquilo de que dependem ou diminuir a amplitude da sua dependéncia. Esta ideia simples explica um bom bocado do comportamento dos estados: os seus impulsos imperialistas para alargar o escopo do seu controlo ¢ as suas lutas pela autonomia para uma maior auto-suficiéncia ‘As estruturas encorajam certos comportamentos € penalizam os que no respondem ao encorajamento, Nacionalmente, muitos lamen- tam 0 desenvolvimento extremo da divisio do trabalho, um desenvol- -vimento que resulta da atribuigo de tarefas cada vez mais especificas aos individuos. E, no entanto, a especializag3o prossegue, e a sua extensio é uma medida do desenvolvimento das sociedades. Num ambiente formalmente organizado estimula-se 4 capacidade de cada unidade em especializar-se de forma a aumentar o seu valor em rela- do as outras num sistema de divisio de trabalho. O imperativo in- temo 6 «especializar»! Internacionalmente, muitos lamentam os recur- sos que 0s estados gastam, improdutivamente, para a sua propria defesa € as oportunidades que perdem de realgar o bem-estar dos seus povos através da cooperagiio com os outros estados. E, no entanto, as atitu- des dos estados mudam pouco. Num ambiente desorganizado o in: tivo de cada unidade ¢ pér-se numa posi¢ao de ser capaz de tomar conta de si mesma, uma vez que no pode contar com mais ninguém 150 TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS para fazé-lo. O imperativo internacional é «toma conta de ti mesmon! Alguns lideres de nagdes podem entender que o bem-estar de todas elas poderia aumentar através da sua participagio numa completa divisio do trabalho. Mas agir de acordo com a ideia seria agir de acordo com um imperativo intemo, um imperative que nao funciona internacionalmente. O que podemos querer fazer na auséncia de cons- trangimentos estruturais ¢ diferente daquilo que somos encorajados a fazer na sua presenga. Os estados ndo se colocam voluntariamente em situagdes de mais dependéncia. Num sistema de auto-ajuda, as consi- deragdes de seguranca subordinam os ganhos econémicos ao interesse politico. © que cada estado faz, por si mesmo é muito parecido com 0 que 0s outros fazem. Sao-Ihes negadas as vantagens que uma completa divisdo do trabalho, tanto politica como econdmica, iria fornecer, Além disso, as despesas com a defesa sdo improdutivas para todos e ine taveis para muitos. Em vez de mais bem-estar, a sua recompensa esta na manutenc%o da sua autonomia. Os estados competem, mas ndo para contribuirem com os seus esforgos individuais para a producdo conjunta de bens para o seu beneficio mituo, Aqui esta uma segunda grande diferenca entre o sistema politico-intermacional e o sistema econdmico, que é discutida na parte 1, seceo 4, do préximo capitulo, 3. Estruturas e estratégias Que as motivagdes ¢ as resultantes possam muito bem estar apar- tadas deveria ser agora ficil de ver. As estruturas fazem com que as acces tenham consequéncias que nfo se tencionava que tivessem. Claro que a maioria dos actores se aperceber4 disso, e, pelo menos, alguns deles serio capazes de pereeber porqué. Podem desenvolver um senso bastante bom de como as estruturas produzem os seus efei- tos. Nao sero entdo capazes de alcancar os seus objectivos originais a0 ajustarem apropriadamente as suas estratégias? Infelizmente, mui- tas vezes nao podem. Para mostrar por que motivo isto é assim darei apenas alguns exemplos; uma vez que se entenda a questio, o leitor pensaré facilmente noutros. Se a escassez de uma mercadoria é esperada, colectivamente, todos estaro melhor se comprarem menos dessa mercadoria de forma a moderar 0s aumentos de pregos ¢ a distribuir a pouca mercadoria ORDENS ANARQUICAS F BALANCAS DE PODER 11 existente equitativamente, Mas porque alguns estardo melhor se arme- zenarem rapidamente mantimentos extra, todos tém um forte incentivo para o fazer. Se esperarmos que os outros corram ao banco, 0 nosso caminho prudente é correr mais depressa de que eles, mesmo sabendo que se poucos correrem, o banco manter-se-A solvente, ¢ se muitos correrem, iré falir. Em tais casos, a busca do interesse proprio produz resultados colectivos que ninguém quer, contudo os individuos ao comportarem-se diferentemente iro prejudicat-se sem alterarem as resultantes. Estes dois exemplos muito usados estabelecem 0 ponto principal. Nao posso seguir sensatamente alguns cursos de acco a no ser que tu também os sigas, € tu e eu nao podemos sensatamente segui-los a nao ser que estejamos muito seguros de que muitos outres também 0 fario. Aprofundemos mais 0 problema ao considerarmas mais dois exemplos com algum pormenor, Uma de muitas pessoas pode escolher conduzir o seu carro em vez de andar de comboio. Os carros oferecem flexibilidade horéria © na escolha dos destinos; contudo, as vezes, com mau tempo, por exem- plo, 0 servigo de caminhos de ferro & uma escolha mais conveniente. ‘Uma de muitas pessoas pode comprar em supermercados em vez. de © fazer na mercearia da esquina. Os stocks dos supermercados so maiores e os pregos mais baixos; contudo, as vezes, a mercearia da esquina, oferecendo crédito € entregas a0 domicilio, ¢ a escolha mais conveniente, O resultado de 2 maioria das pessoas, normalmente, conduzir carro préprio e comprar em supermercados ¢ reduzir 0 ser- vigo de passageiros ¢ baixar 0 numero de mercearias da esquina. Estes resultados podem no ser 0 que a maioria quer. Podem estar dispostes a pagar para impedir que esses servigos desaparegam. E, no entanto, os individuos no podem fazer nada para afectar as resultantes. © aumento da clientela iria fazé-lo, mas nfo o aumento da clientela feito por mim e alguns outros que eu poderia persuadir a seguir 0 meu exemplo, Podemos muito bem notar que 0 nosso comportamento produz resultantes no desejadas, mas também vernos que instincias como estas so exemplos do que Alfred E. Kahn descreve como «grandes» mudancas que so trazidas ao de cima pela acumulagao de «peque- nas» decisdes. Em tais situagdes as pessoas sto vitimas da «tirania das pequenas decisdes», uma frase que sugere que «se 100 consumidores escolherem a opcdo x, € isto fizer com que o mercado produza & decisio X (sendo X igual a 100 x), nfo é necessariamente verdade que 132 TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS aqueles mesmos consumidores teriam votado nesse resultado se essa decistio central tivesse sido colocada a sua considerago explicita» (Kahn, 1966, p. 523). Se 0 mercado ndo apresenta a questéo central ‘para decisio, entio os individuos esto condenados a tomar decisdes que so sensatas dentro dos seus estreitos contextos, mesmo que eles saibam sompre que ao tomarcm cssas decisdes estio a dar origem a um resultado que a maioria deles nfo quer. Ou isso, ou eles arranjam maneira de ultrapassar alguns dos efeitos do mercado mudando a sua estrutura—por exemplo, trazendo as unidades consumidoras para préximo do nivel das unidades que esto a provocar as decisdes dos produtores. Isto mostra habilmente o ponto: desde que deixemos a estrutura intocada ndo é possivel que as mudangas nas intengdes e nas acgdes dos actores particulares produzam resultados desejéveis ou evitem resultados indesejaveis. As estrutures podem ser mudadas, como {i foi dito, mudando a distribuigio das capacidades entre as unidades. {As estruturas também podem ser mudadas impondo requisitos onde anteriormente as pessoas tinham de decidir por si mesmas. Se alguns comerciantes vendem ao domingo, outros poderio ter de o fazer de forma a manter a competitividade mesme que a maioria prefira uma semana de seis dias. A maioria s6 é capaz de fazer 0 que quer se a todos for requerido que mantenham horas compardveis. Os tinicos remédios para efeitos estruturais fortes sio mudangas estruturais. Os constrangimentos estruturais nfo podem ser afastados, apesar de muitos nao entenderem isto. Em todas as épocas € lugares, as unidades dos sistemas de auto-ajuda — neces, corporagdes, ou qual- quer outro sistema — é dito que o maior bem, a par com o seu pré- prio, requer que elas ajam pelo bem ¢o sistema e nfo pela sua vantagem estreitamente definida. Na década de 50, a medida que 0 medo da destruigao mundial por uma guerra nuclear crescia, alguns conclufram que a alternativa A destruicio do mundo era o desar- mamento mundial. Na década de 70, com o crescimento répido da populacio, pobreza, ¢ polui¢do, alguns conchuiram, como afirmou um cientista politico, que «os estados devem ir de encontro 4s necessi- dades do ecossistema politico nas suas dimensdes globais ou arriscar- -se & aniquilacdo» (Sterling, 1974, p. 336). O interesse internacional deve ser servido; ¢ se isso significa alguma coisa, significa que os ‘interesses nacionais Ihe esto subordinados. Os problemas encontram- -se ao nivel global. As solugSes para os problemas continuam a depen- der da politica nacional. Quais so as condigdes que tornariam as ‘ORDENS ANARQUICAS E BALANCAS DE PODER 133 nagdes mais ou menos dispostas a obedecer aos constrangimentos que Ihes sdo to frequentemente impostos? Como podem resolver a tensio centre perseguir os seus préprios interesses e agir pelo bem do sistema? ‘Nunca ninguém mostrou como isso pode ser feito, apesar de muitos torcerem as mios ¢ implorarem por um comportamento racional. © problema central, no entanto, é que © comportamento racional, dados os constrangimentos estruturais, no leva aos resultados deseja- dos. Com cada pais impelido a tomar conta de si mesmo, ninguém pode tomar conta do sistema. Um forte sentido de risco e aniquilagio pode levar a uma clara definigo dos fins que tém de ser alcangados. A sua realizagao nao é, assim, tornada possivel. A possibilidade de acgdo efectiva depende da habilidade de fomnecer os meios necessérios. Depende ainda mais da existéncia de condigdes que permitam que as nagdes e outras organi- zagdes sigam politicas e estratégias apropriadas. Problemas que aba- lam 0 mundo pedem solugdes globais, mas no existe nenhuma agén- cia global para as fornecer. As necessidades nao criam possibilidades. Desejar que as causas finais sejam eficientes nao as toma eficientes. Grandes tarefas podem ser realizadas apenas por agentes de grande capacidade. E por isso que os estados, ¢, em especial, os grandes estados, sto chamados para fazer 0 que é necessirio para a sobrevi- véncia do mundo. Mas os estados tém de fazer 0 que quer que con- siderem necessério para a sua propria preservagio, uma vez que nio podem confiar em ninguém para fazer isso por eles. Por que motivo © conselho para colocar o interesse intemacional acima do nacional é itrelevante, pode ser explicado, precisamente, em termos da distingtio entre micro e macroteorias. Entre os economistas a distingiio é bem entendida. Entre os cientistas politicos, no ¢, Como expliquei, a teoria microeconémica € uma teoria do mercado construida a partir de assunges sobre 0 comportamento dos individuos. A teoria mostra como as accées ¢ interacgdes das unidades formam e afectam 0 mer- cado e como, em troca, o mercado as afecta. Uma macroteoria é uma teoria sobre a economia nacional construida a partir da oferta, rendi- ™ Posto de outra forma, o8 estado enfrentam o eilema do prisioneiroy. Se cada uma das cduas partes seguir o seu prio interese, ambas acaburio pior do que se cada uma agisse de {orm a atingie os inteesses conjunos. Para um exame mais pormenorizado da ligica de tis situapies, ver Sayder e Diesing, 1977; para aplicagSes intemacionais curas e sugestvas, ver Jervis, Janeiro 1978,

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