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Revista Critica de Cidncias Sociais ne 18/19/20 Fevereiro de 1986 ALVARO LABORINHO LOCIO* © MAGISTRADO HOJE — ACTUAGAO EB FORMAGAO** I 1. Circunscrito o discurso temAtico a década que decorre entre 1974 ¢ 1984, importa nao apenas analisar 0 sentido © os limites da transformacao, mas ainda lobrigar o quadro da situagao em que, no inicio do perfodo, se tracavam os contor= nos da administracio da justica em Portugal. ‘Afastado da dinamiea axiolégico-cultural que transfigurou a Europa a partir dos anos quarenta, o pensamento portugués, limitado internamente e avesso a referéncias externas, prosse- guia, sem soluefo de continuidade, a linha estilistica liberal formal inspirada no culturalismo do século XIX. Da filosofia — que nao da ideologia — retirava-se a ideia de homem abs- tracto, moldado em conceitos teorizantes de liberdade e de igualdade, valores estes que encontravam na lei, 4 qual o + Director do Centro de Estudos Judietérios. + Inscrevendo-se a presente eomunicaco no quadro das in- tervengées subordinadas ao ‘tema através da criago do jiri, da participagio popular e da assessoria técnica () tudo na linha consequente, por um lado, da titu- laridade real da justica e, por outro, da distingao ela prépria, da natureza epistemolégica, entre direito e facto sempre que, em situagao de aplicacao daquele, se prossiga a competéncia de administrar justiga. E se é certo, neste particular, que tanto a lei ordindria se _mostrou pouco’ imaginativa na’ previsio de situagées diversificantes de partieipacdo popular e de assessoria, como a pritica judiciéria escasso recurso fez 4 possibilidade de intervenco do Jari, menos certo nfo 6 que persiste o mérito de se ter, a um tempo, deslocado a questao da base ideolégica onde vinha sendo situada para o lugar coneeitual que Ihe 6 préprio como consequéncia directa e ldgica quer de assuncao de origem ontolégica do valor justiga, quer de uma nova com- preenso do facto enquanto elemento estrutural do direito em aplicagao; e aberta a via para futuras exploracées seja na solu- gio da crise quantitativa que assola grande parte dos nossos tribunais, seja numa nova visto interdisciplinar da ciéncia do direito, 4. A par, todavia, dos tragos mareadamente positivos que sublinharam a transformagao, razdes de estrutura de raiz pro- jectada no tempo, e de conjuntura centradas em torno da acele- ragao da dinamica social entretanto ocorrida, assistiu-se ao de- senvolvimento paralelo da crise da administracio da justica que se proclama em termos de eficdcia. A excessiva e rapida acumulacko de questdes a resolver pelos tribunais aliada as caréncias quantitativas de quadros humanos e qualitativas de meios téenicos, precipitou, em varias Areas, uma situagdo de dificil e morosa recuperagao. Porém, enquanto se vem pro- curando encontrar resposta adequada para as exigéncias de prontidao que, a nao se cumprirem, deixam em causa a propria justeza das decisées, importante & que se no reduza toda a rise a uma mera questo tecnolégica capaz de justificar solu- ges que, aliciantes do ponto de vista da eficécia, venham a impedir que se resolva a crise na sua dimensio axiolégica de (2) Decreto-Lei ne 251/74, de 6 de Junho, (2) Chart? 217° da Constituigso da Repliblica Portuguesa, 298 A, Laborinho Liicio fundo, Sem embargo da atencio a prestar aos mefos de que deve dotar-se a institui¢ao judiciaria com vista a resolver, pela positiva, a crise dos tribunais, imprescindivel se torna que se prossiga na revitalizago do papel da prépria instituigao para que se néo instale entéo uma verdadeira crise de justia. Dai a necessidade de afeicoar direito substantive a uma nova rea- lidade cultural, social e econémica, através da adopeio de mo- delos normativos dotados de flexibilidade capaz de permitir superar a cada vez mais eélebre disfungao entre a estitica natural da lei e a dinamica compreensiva da vida, aceitando, de pleno, o sentido da relagio fenomenolégica a ‘estabelecer entre ser, dever-ser, ordem e justica, valendo aqui, como bons exemplos, tanto a reforma, em 1977, de parte do Cédigo Civil, como, principalmente, a tecente introducio de toda a nova legislagdo penal, As quais se juntaré, por certo, em breve, 0 novo quadro legal das sociedades comerciais. Por outro lado, e sempre na sequéncia do plano conceitual que, necessariamente, envolve a tematica da definicao do sen- tido e dos Timites da instituigéo judicidria, cumpre reapreciar, revigorando-os e ampliando-os, os poderes do julgador de modo a que, sem atingir, enquanto bens a proteger legitimamente, os valores de certeza e de seguranca da vida juridica, Ihe seja conferida a responsabilidade de, realmente, administrar justica, Ievando a instituicio a assumir, por inteiro, 0 papel que essen- cialmente a caracteriza e, por isso, a justifica, revestindo aqui especial relevo, as reformas em curso no dominio do direito adjectivo civil e penal enquanto verdadeiros estatutos e ima- gem impressiva da filosofia da institui¢io judicifria, Finalmente, do acertado entrosamento de um direito subs- tantivo capaz de se reproduzir no interior do préprio sistema pela via de mecanismos de actualizacdo a extrair dos seus préprios principios, com um direito processual apto a servi-lo, ¢ com um conjunto de regras de organizacao judiciéria imagi- nosas e modernas, resultaré um novo estilo judiciério que, rece- bendo as virtudes do passado, as projecte, de forma inovadora, num futuro vivo por cuja afirmaedo passara, seguramente, a superacdo da crise da justica, aqui entroncando, em termos decisivos, a questo, hoje fundamental, da formacéo do ma- gistrado. r 1. Criado pelo Decreto-Lei n° 374-A/79, de 10 de Setem- bro, o Centro de Estudos Judiciarios, enquanto escola de for- magio de magistrados, vem, antes do mais, responder as exi- © Magistrado Hoje 200 géncias colocadas nesse dominio, pelas alteragdes entio recen- temente introduzidas no quadro da organizagéo judicidria por- tuguesa e entre as quais avulta, como essencial, a ja referida autonomia conferida & magistratura do Ministério Pablico rela- tivamente & magistratura judicial, passando cada uma delas, a constituir carreira propria e independente. Rompe-se, assim, uma longa tradigo que via no Ministério Pablico uma magistratura vestibular da magistratura judicial e, por forca da qual, salvo algumas rarissimas excepgoes ("), 0 acesso a categoria de juiz de primeira instincia se fazia, obri- gatoriamente, através dos quadros do Ministério Publico, me- diante a adopgio de processos de selecedo de incidéneia exclu- sivamente tedrica (°*) e com total auséncia de acgdes formativas de natureza prética profissionalizante situagio que, entretanto, pretendeu superar-se, transitoriamente, através da’ adopgio de modelos de estagio, de natureza selectiva, com a durago de Umi ano e # decorrer junto dos tribunals judieals de 1 ins- tancia (**). Separadas, porém, as magistraturas e reconhecedo-se insu- ficiente, por demasiado empirista e pouco reflexivo, 0 processo de formagio centrado apenas nos estigios em jurisdie’o, abriu- -se definitivamente a questao da formagéo dos magistrados por- tugueses tendo-se optado por uma solugao que aponta para a institucionalizacdo e profissionalizacdo, através da consti ‘gio de um corpo de formadores especializado e da criac&o Ge um estabelecimento adequado e com competéncia prépria. Assim nascia 0 Centro de Estudos Judicidrios! (**) 2, Assumindo a questo da formacio do magistrado as- eetos novos resultantes, por um lado, das profundas modifi- cages introduzidas no dominio da organizagao judicidria e, por outro lado, das préprias mutacées sentidas no todo social que interessa a’ compreensao do direito e & sua aplicagio, optou- Se, ao definir uma filosofia e ao tragar os respectivos’ planos de acco, por proceder ao levantamento das linhas definidoras do quadro tedrico luz do qual deveria decorrer a pratica formativa, Sem esquecer as especificidades de natureza pro- (8) Arte 3802 n° 2 do Estatuto Judiciério, (4) Cf. ark 371° e seguintes do Estatuto Judiciario, (9) Decroto-Lei n® 714/75, de 20 de Dezembro e 102/77, de 21 de Margo. |. (8) Para além do diploma que eriou 9 CEJ, referem-se hoje sua organizagio ¢ 20 sou funcionamento, of Decretos-Lel n? 264- “AVB1, de 3 de Setembro; 148-A/a4 e 146-B/s4, de 9 de Malo. 300 A, Latiorinho Liicio fundamente humanistiea que caracteriza a actividade do ma- gistrado, importava, porque de uma verdadeira formacio pro- fissional se tratava, definir objectivos, estabelecer prioridades, seleccionar 05 meios e tracar limites para, a partir dai, for- mulare fazer executar uma consequente politica de gestio. Quatro questées fundamentais se perfilavam entao, cons- tituindo as zespostas que para elas viessem a ser encontradas 0 contevido substancial sobre o qual se requeria a construgio das bases tedricas que inspirariam, as regras e os modelos da for- mado em. causa: a) Em primeiro lugar, haveria que definir os limites temporais da formacéo do magistrado, a fim de adoptar uma eronologia de formacao progressiva e ‘diversificada no tempo; b) Em segundo lugar, indispensavel se tornava definir as caracteristicas significentes dos destinatérios da formacéo inicial, para que esta assentasse em projectos adequados nao apenas a um fim ideal, mas a realidade gonereta que The deft, nitia os contornos e marcaria o estilo; ©) Bm terceiro lugar, importava indagar, para os definir, sobre 0 objecto e o contetido da propria formacio, para; 4) finalmente, e em grande parte em consequéncia das respostas colhidas das questées antes formuladas, estabelecer 9 método da formacao, considerando cada uma delas, nfo iso- Iadamente, mas nas suas reciprocas implicagées. a) Sem embargo do papel a reconhecer, na formagio do magistrado, & sucessiva acumulacio cultural colhida no exterior das instfmcias formais, facil € coneluir que o inicio da sua preparacdo profissional técnica hi-de localizar-se na formacio universitarla e, dentro desta, no desenvolvimento normal dos cursos de direito. Por outro lado, na sua tarefa quotidiana de ligar 0 direito a vida, a ve jamiea por que passam os valores sociais, as constantes mutagdes operadas no interior do préprio sistema juridico, e 0 desenvolvimento e o apareci- mento de novas técnicas auxiliares, apontam para uma extensio da formagio do magistrado muito para Ii da sua formacio inicial, num esforco de actualizagao constante © permanente, com vista a substituir 0 mito da experiéncia, pela eonsciéneia critica da complexidade cultural e técnica’ que caracteriza, sempre em constante devir, a vida e 0 mundo modernos. Logo aqui, trés fases sucessivas é possivel distinguir no estabeleci- mento da cronologia da formagao do magistrado: uma primeira, de preparacao tedrica base, a desempenhar pela Universidade ¢ onde o estudante, futuro magistrado, se ocupa do conhecimento © Magistrado Hoje 301 do direito, aprofunda 0 estudo do pensamento juridico, desen- volve o seu sentido critico, se apura, enfim, enquanto’jurista. Uma segunda, de formacao inicial profissionalizante, durante a qual, partindo do acervo de conhecimentos acumulado ao longo da formacto universitaria, se exercita a tecnologia judiciéria, se desenvolve o estudo da relagdo do direito com o facto con- creto, se afina e incentiva o poder de decisio, se alarga a capacidade critica, se adiciona, enfim, ao jurista, a carga for- mativa que o distinguiré enquanto magisirado. ‘Aqui se defi- nem 0s contornos de autonomia que justificam, entre nés, a eriagio e 0 funcionamento do Centro’ de Estudos Judiciarios que, justamente pelo que fica dito, se afirma como centro de formacao profissional e nao como escola de post-graduagao para © que nao esta vocacionado nem, em termos de teoria das instituigdes, teria qualquer justificacdo. Finalmente, wma ter~ ceira fase, de formagao permanente, ao longo da qual, se actua- liza 6 conhecimento técnico, se exercita a teflexio critica, se dialogam experiéneias e se refresca o pensamento. Aqui se Tes- tabelece a relagao entre o jurista e o magistrado aprofundando- -se a formacio juridica e reapreciando-se 0 sentido e os mo- delos da aplicagao do direito. b) Entretanto, envolvendo todo 0 processo formative, na sua expresso mais acabada, uma verdadeira relacdo de comu- cago, a qualidade desta, expressa na eficdcia dos resultados atingidos, hé-de.passar, preliminarmente, pela defini¢ao dos polos entre os quais se trava 0 didlogo da formacio, dela de- pendendo o éxito das tarefas a empreender. Assim, tendo em conta o escalio etdrio em que se integra a esmagadora maioria dos juristas que frequentam a fase de formacao inicial profis- sionalizante, importa reter as caracteristicas fundamentais da sna personalidade, conhecer os quadros de valores em que esta se molda, estar atento as suas prdprias. concepgdes € projectos de vida, ‘aprender, enfim, a natureza e a expresso da sua afirmacéo como seres auténomos construfdos em torno das suas circunstancias e autores dos seus préprios movimentos. Inseridos numa vivéneia social instével, earacterizada por uma mudanga indefinida de valores e pela proposta de afir- magfo de novos quadros mentais, importa reter, como linha mareante da comunicagio a estabelecer eficazmente, a necessi- dade de proporeionar ao formando um papel activo no desen- rolar da sua prépria formacao, desvinculando-o de uma tradi- cional posi¢éo passiva de mero espectador. Deste modo, nfo sé se cria 0 espago adequado para a necessidade de afirmagao propria do jovem, como se The proporcionam, apelando 4 sua 302 A, Laborinho Liieio responsabilidade, as condigGes indispensiveis para uma mais funda reflexio critica sobre si, nas relagdes consigo mesmo e com os outros, apurando-se, do mesmo passo, 0 seu sentido de julgamento, O jovem candidato a magistratura de hoje nao busea apenas uma carreira, nem esgota a sua ambiga0 pessoal na dignidade formal que a fungéo Ihe oferece por si prépria Bem mais do que isso, ele pretende exercer uma actividade socialmente itil, cujo sentido se identifica mais com o fundo que a justifica do que com a forma que a soleniza. Nao Ihe basta, por isso, saber o que é 0 direito, isto é, possuir uma boa formagao no dominio da ciéneia juridica. Ele quer, também, guestionar a finalidade tltima do direito para que, em vez de mero instrumento da sua aplicagao, possa afirmar-se como ver- dadeiro autor responsavel pela realizagio da sua missio. Por isso que a formagéo do jovem magistrado ndo pode aspirar A imitagao, antes ha-de encerrar um projecto renovado de criagao permanente o que vern a reflectir-se, decisivamente, nas opgoes a fazer em termos de objecto e de'método da formagio. ©), Quanto ao primeiro, sendo certo que 0 direito cons- titui o instrumento de trabalho privilegiado do magistrado jus- tificando-se, por isso, que integre o objecto, por exceléncia, da formagio, menos certo ndo ¢ que, ao candidato a magistratura, nio basta manipular com destreza as ténicas de interpretagao da lei, nem discorrer sem hesitagdes sobre a evolugao do pen- samento juridico. Este dar-lhe-4 a indispensivel visio critica do direito e remete-o para o gosto pelo estudo da sua criagio da sua validade; aquelas permitir-Ihe-4o conhecer 0 seu con- tetido e dio-lhe a compreensio positiva da lei na sua expressio geral e abstracta. Porém, sem embargo da relevancia funda- mental de ambos na formagao do magistrado, com eles nao Gifere este ainda do jurista para quem a gnoseologia do direito pode constituir objecto iltimo da sua actividade profissional. © magistrado é acima de tudo, aplicador do direito, no quadro da instituigao que tem por competéncia administrar justia em cuja fungao nao pode hoje, como vimos, continuar a afir- mar-se como mero téenico a quem, perante um caso dado, se nfo pede mais do que um juizo de subsungéo de mera légica formal, para que diga o sentido do direito aplicavel. No momento da aplicacio do direito abre-se, ao lado do estudo normativo deste, a anélise do facto em presenca, da sua definigo histériea, da sua compreensio axiolégica, da’ sua di- mensio sociologica, tudo a partir da sua individualizacao e, por isso, da sua expresso real naturalistica. Ora este facto con- ereto, assim definido, que ha-de ser levado a0 didlogo criador © Magistrado Hoje 303 com a lei, nele se isolando, em cada caso, o verdadeiro senti- tido desta, ai se definindo' como norma-em-aplicagio. Cria-se, assim, um’ sentido verdadeiro e proprio para o direito judiciario enquanto direito aplicado nos tribunais que, respeitando as regras proprias do sistema e actuando no interior deste, encontre no reconhecimento das potencialidades diferenciais do facto e sujeito ao estimulo destas, uma margem nova para exploragio do seu sentido tiltimo. B agora, por isso, 0 estudo do facto que, no dominio especifico da formagio profissionalizante do ma- gistrado, hé-de conquistar lugar de relevo, ao lado do estudo da norma realizado no Ambito da formagio universitéria e reto- mado aqui no quadro da relacio nova a estabelecer agora, em cada caso concreto, entre a norma legal e o facto real. Deste modo se confere a ciéncia sociolégica do direito, por um lado, e & sociologia geral, por outro, papel decisive no con- tetido da formacio do magistrado, funcdo essa que adquire maior relevo ainda quando se trabalha sobre um direito forte- mente inspirado em valores, dada a especial vocacao da socio- Togia na aferico da actualidade de um e da maior ou menor capacidade de assimilacio e de interiorizagéo de outros pelo individuo e pela colectividade, nomeadamente numa época em que a dindmica social e os conflitos que Ihe andam ligados exigem reflexio continua, culturalmente prosseguida. Por outro lado, so ainda realidades do mesmo tipo que sugerem o estudo da criminologia em geral e da penologia em particular cabendo, por seu turno, & psicologia geral uma funcio significativa na compreensio do direito judiciario, particular- ‘mente nas areas da jurisdi¢So de menores e de familia, o mesmo se verificando quanto A psicologia do testemunho e as técnicas de comunicacdo e de interrogatorio, no que respeita & recolha € interpretacio da prova testemunhal e & definigdo da persona- lidade dos agentes concretos pontualmente objecto de andlise. Aberta, assim, a perspectiva critica e cientifica da rea- lidade social e individual onde se gera e se define o facto, importa, complementarmente, dirigir a aten¢fo para areas do conhecimento que, inscrevendo-se, numa primeira aproximagio, fora do mundo do direito, todavia o inspiram, lhe marcam os limites de compreensio e¢ facilitam a sua aplicacio. E 0 que sueede com a economia e com as ciéncias de empresa, tanto na sua expresso auténoma, como na sua ligagio ao direito comer- cial e ao direito do trabalho; 6 0 que se verifiea no dominio das técnicas de organizagdo de servigos e de gestéo de recursos humanos tendo em conta as fungdes de direcgéo e de adminis- tragdo que cabem ao magistrado; & 0 que ocorre com o ensino de idiomas orientado, preferencialmente, para o estudo do di- 304 A, Laborinho Liieio reito comunitério e do direito internacional privado e conven- cional. Desta forma se cria um mticleo de formacao cultural geral onde se apela 4 formacio activa dos formandos incenti- vando 0 seu poder criador, mitigando 0 seu voluntarismo desenvolvendo qualidades pessoais preexistentes, através da adopetio de processos pedagégicos adequados. Entretanto, uma teal abertura ao campo social e cultural em_geral no legitima o abrandamento no estudo da teoria juridica. Com feito, cumpre cuidar da preparagdo técnica, ‘aprofundando os conhecimentos adquiridos na Universidade, incentivando investigagao e orientando-a para 0 exercicio da fungio, propondo e acompanhando o estudo e a andlise da jurisprudéncia, fornecendo instrumentos de trabalho nas reas de outras cigneias e técnicas auxiliares como a medicina legal, a psiquiatria forense e a criminalistica e adestrando na pratica judiciéria sem desligar desta o seu fundamento cientifico e a sua inspiracao iiltima para fazer intervir ai o estudo da meto- dologia juridica e da filosofia do direito como caminhos ade- quados & sua boa compreensio. @) Finalmente, recolhendo o sentido a extrair dos dados anteriores, sobre ela’ hi-de assentar 0 métado pedagégico que fecharé 0 cielo tedrico da formacéo do magistrado. Do ponto de vista formal impée-se a divisio do curso em grupos de reduzido néimero de unidades, trabalhando em sistema de laboratério ¢ com a adopedo sucessiva, pelo responsivel pedagégico, do mé- todo expositivo, através do qual, numa primeira fase, 6 forne- cida informagao teérica base indispensivel 4 compreensio das diversas matérias; do método interrogativo, traduzido num estilo misto de exposicio e de resposta a questies suscitadas pelos préprios formandos; do método participativo, por fora do qual as sessdes de trabalho decorrem em permanente dilogo sob a orientacao do responsavel pedagégico; e, finalmente, do método activo, em que grande parte da iniciativa, nas varias sessées, cabe ao formando. Caminha-se, assim, progressivamente, para uma responsabilizagio deste a0 mesmo tempo que, de forma gradativa, se The vai incutindo confianga e personalidade atra- vés da devolucdo da condugio das sessdes. Por seu turno, a prépria organizacgo das matérias a mi- nistrar deve obedecer menos & sua autonomia relativa enquanto disciplinas, do que a sua interaccao no quadro da competéncia do magistrado, partindo a metodologia que conduz ao seu agru- pamento pedagégico nao da natureza de cada uma, mas do ‘contetido da fungdo do magistrado e da definicéo das suas com- peténcias especificas, pelo que se identificam cinco grandes © Magistrado Hoje 305 niicleos de formagao em torno da jurisdigao efvel, da jurisdigao penal, da jurisdigdo de menores e de famélia, da jurisdigao do trabatho e do direito judicidrio. Nas quatro primeiras, trabalhando-se fundamentalmente sobre processos reais, textos de jurisprudéncia e situagdes de case-book, as sessdes ganham ein vivacidade e participagéo, adestrando-se 05 formandos na interpretacao do direito e na pratica da tecnologia judiciéria. Do mesmo passo, e obedecendo a uma ideia de formacao integrada, em cada uma das jurisdi- ges se versam matérias afins que com elas mais de perto se Telacionam, tais como a economia na jurisdigéo civel que en- volve o direito comercial; a penologia ¢ a criminologia na juris- dig&o penal; a psicologia do desenvolvimento e a psicologia geral, na jurisdi¢ao de menores e de famflia; ¢ as ciéneias de empresa, na jurisdigao do trabalho. Entretanto, cada um dos respectivos programas & completado pela organizacio de séries de confe- réncias participadas em regime de aula aberta e de visitas de estudo entre as quais se destacam os contactos com tribunais na jurisdigdo civel; com as policias e os estabelecimentos prisio- nai, na jurisdigio penal; com os estabelecimentos de menores, na jurisdigdo de menores e de familia; e com empresas, na juris- digdo do trabalho. Por seu turno, ao direito judicidrio cabe, em coordenacao com as jurisdi¢des, propor um trabalho de reflexao teérica sobre a aplicacdo do direito. Assim, nele se enquadram matérias como a filosofia do direito e a metodologia da sua aplicagdo, a sociologia geral, a psicologia do testemunho © as téenieas de comunicacao, de interrogatério e do argumento, bem como a anflise do proceso psicolégico de decisio, além da deon- tologia profissional. Dada a diversidade de temas, é adoptado aqui um método de desempenho figurative e de simulagio sendo as varias questées abordadas em termos indutivos a partir das situagdes eriadas, que server de modelo & abordagem te6rica subsequente, Em paralelo com estas cinco matérias nucleares sio orgax nizados semindrios sobre temas especificos que véo desde 0 direito comunitério aos direitos do Homem, passando pela in jormética e pela organizacao de servicos. Por sua vez, uma série de conferéncias distribufdas 20 longo do curso permite a abor- dagem de temas isclados e 0 contacto com especialistas em ‘varios ramos que interessam a aplicacao do direito, ai se tra- tando a organizacao judicidria, o sindicalismio e a magistratura, a inspeceao do trabalho, a Provedoria de Justiga e 0 Tribunal Constitucional, ete, Finalmente € preparado um programa cultural, a desen- volver paralelamente as actividades lectivas tfpicas, durante o 405A, Laborinho Litelo qual se abordam temas ligados & musica, as artes plasticas, & literatura, ao teatro e ao cinema, & comunicagio social e a his- t6ria, proporeionando uma formagio global que permite perma- necer criticamente desperto para o mundo e para a vida onde se afirmam os valores que ao direito cabe proteger e onde se geram 03 conflitos que este tem por objectivo solucionar. Estas as actividades que, durante dez meses de formacéo efectiva, integram a fase tedrico-prética que constitui o primeiro periodo da formacao inicial profissionalizante. A ela se sucede uma segunda fase de estégio de iniciagao junto dos tribunais no decurso da qual os formandos, com a assisténeia de magis- trados judiciais e do Ministério Pablico, simulam os actos pré- prios que contetidam as respectivas fungées, para frequentarem, depois, durante dois meses, um novo curso, este complementar € de sintese, com vista a estabelecer a coordenagdo critica entre a formacio tedrica-pratica do primeiro periodo e a formacio pré- tica adquirida no estagio de iniciagao. Finalmente integra 0 Ultimo periodo de formagio um novo estégio, este de pré-afecta- do, ainda junto dos tribunais, mas com a particularidade de 0 estagiério actuar agora sob responsabilidade prépria gozando ja do estatuto pleno de magistrado, findo o qual est em condicdes legais de poder ser, de imediato, nomeado em regime de efecti- vidade. 3. Por ailtimo, agora no émbito da formacdo permanente, dois objectives fundamentais presidem a elaboracio dos res- pectivos programas: por um lado, propor a reflexao critica e 0 Tefrescamento em Areas que interessam directamente & aplica- Go do direito; e, por outro, contribuir para a actualizacdo técnica do magistrado, em ambos’ os casos se mostrando indispensavel, ao lado da eapacidade organizativa do Centro de Estudos Judi- cifrios, a intervenco qualitativa da Universidade. Assim, num plano de acco descentralizada, varias accées formativas se tm projectado de molde a abrangerem matérias, tais como o direito comunitério, os direitos do Homem, economia e direito, direito penal econémico, direito e medicina do trabalho, metodologia juridica e aplicacao do direito, psicologia judicidria, téenicas de ‘comunicacto, reforma penal, reforma do proceso’ civil, juris- diedo de menores e de famflia, antropologia social, direit cos- tumeiro africano, direito administrativo, ete. Pode, assim, coneluir-se ter constituido a eriagio do Centro de Estudos Judiciérios uma das mais significativas inovacdes introduzidas na década em apreciagio, no que diz respeito a administragao da justiga. Com ele se dev, por um lado, um © Magistrado Hoje 307 passo decisivo no caminho da institucionalizacéo da formagio Profissional do magistrado, substituindo-se a um processo de acumulagao empiriea de conhecimentos, despido de sentido cri- ico e nao sistematico. Por outro lado, abriu-se o espaco proprio para o estudo cientifico do facto no seu sentido mais amplo, permitindo uma abordagem dialéetiea do direito e revigorando, teoricamente, 0 momento da sua aplicagéo por forma a dar corpo a uma nogo propria de direito judiciério e, através dela, a retomar, em termos inovadores, a questéo da 'relagao entre direito e justiga (*). Com ele se criou, por tltimo, 0 campo privilegiado para 0 debate estimulante em torno das questdes que se desencadeiam no ambito da administracdo da justiga em geral, proporcionando um didlogo livremente eritico de ‘cujas sinteses se extrai o espfrito renovado que impede a estagna- cdo e motiva a transformagio criadora. (%)Merece aqui especial destaque a recente criagio do Ga- binete de Estudos Juridico-Sociais do Centro de Estudos Judiciérios (Decreto-Lei n.° 146-B/84, de 9 de Maio) como servico de suporte as respectivas ‘ireas pedagdgicas enquanto servico de investigacio yoltado para o momento da aplicagao do direito, e onde avultam os 44 eriados departamentos de Menores ¢ de Familia, de Direlto Admi- histrativo, de Direlto do Trabalho, de Psicologia Judicidria ¢ de An- ‘ropologia e Sociologia, 308 A, Laborinho Liicio REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Andrade, Manuel de (1973), Sentido e Valor da Jurisprudéncia, Coimbra, Faculdade de Direito, Ascensio, Oliveira (1980), O Direito, introdugao e Teoria Geral, Lis- boa, Gulbenkian, Batifol, Henti (1079), Problémes de Base de Philosophie du Droit, Paris, LGD, Batifol, Henri (1981), A Filosofia do Direito, Lisboa, Editorial Noticias. 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