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O grupo como instituicao e Oo grupo nas instituicGes “Tels de fs cola jin Ane Blecmn td. ratios foures (48 Conferéncia pronunciada na V Jornada Sul-Riograndense de Psi- quiatria Dinamica de Porto Alegre, de 1 ¢ 2 de Maio de 1970, a convite dos organizadores. / Meu propésito é contribuir com uma certa experiéncia, um certo conhecimento e uma boa dose de reflexdo para repensar 0 concei- to generalizado do que € um grupo ¢ o que é um grupo numa insti- do. Naconcep¢do generalizada do que é um grupo incluo aquela ‘definigéo que o Postula como “um conjunto de individuos que interagem entre si compartilhando certas normas m fa”. Ocupei-me desta questo em outras oportunidades tomando como ponto de partida o problema dalsimbiose ¢ do sincretis Entendo por isso os_estratos da personalidade que permanecem em estado de nao discriminacdo e que existem em toda constitui- 40, organizacao ¢ funcionamento de grupo, baseados numa comu- nicacdo pré-verbal, subelinica, dificil de detectar e conceitualmente dificil de caracterizar. Em fungo disso temos que formular fend- menos com um tipo de pensamento ¢ categorizacdo, cuja estrutura estd muito distante deles. Minhas postulacées nesse sentido me levam a considerar, em todo grupo, um tipo de relagdo que é, paradoxalmente, uma néo- stelagéo no sentido de uma ndo-individualizagao que se impée co- mo matriz ou como estrutura basica de todo grupo e que persiste, de maneira varidvel, durante toda a vida deste. Chamarei esta rela- do de ociabilidade sincrética) para diferencié-la da sociabilidade por interagdo, com a qual se estruturou nosso conhecimento atual de psicologia grupal. A existéncia ou a identidade de uma pessoa ou de um grupo sio dadas na ordem do cotidiano e manifesto pela estrutura e integracao que alcanca o ego individual e grupal em cada caso; con- siderando como ego grupal o grau de organizacao, amplitude e integracao do conjunto daquelas manifestagées incluidas no que 85 86 TEMAS DE PSICOLOGIA chamamos verbalizacao, motricidade, ago, juizo, raciocinio, pen- samento, etc. Porém, esta individualizacao, personificagao ou identidade, que um individuo ou um grupo tem ou espera ter, basciam-se necessariamente numa certa imobilizagao dos estratos sineréticos ou ndo discriminados da personalidade ou do grupo. Descrevi em outros artigos como se instala entre ambos os estratos da personalidade (ou da identidade) umalforte clivagem /que impe- de que entrem em relacéo um com o outvoypela imal do dos sspectos sineréticos permite-se a organizacio, a mobilizagio, a dindmica ¢ 0 trabalho terapéutico dos aspectos mais integrados da personalidad e do grupo. : Podesse alegar que, embora seja realmente assim, isso néo tira © valor do trabalho terapéutico ¢ da conapreensio dos dinamismos gtupais que chegamos a ter destes estratos mais integrados da per- Sonalidade; concordo com esta afirmagao, porém, de qualquer mo- do, creio necessdrio o aprofundamento nos conhecimentos da \ parte clivada da personalidade ou do grupo, ja que € aqui (através de-sua “im agdo) que nos < deparamos-com-um—trabalho terapéutico embora muito mais incdmodo ¢ dificil. As crises que um grupo atravessa devem-se 4 Tuptura dessa clivagem e ao surgimento, na seqiténcia, dos niveis sineréticos, A identidade — paradoxalmente —néo.é dada s6 pelo ego mas tam- bém pelo ego sincrético, Quero agora abordar este problema procurando captélo ¢ tomé-lo mais visivel através do exame dos aspectos institucionali. zados do grupo, ou seja, daqueles padres, normas e estruturas que fe organizaram ou que jd vém organizados de uma mancira dada, Para este objetivo necessito descartar, por razdes metodolégicas ¢ didaticas, os grapes nos quais a clivagem jé vem rompida ou néo existe, tal como ocorre, por exemplo, em certos grupos de psicéti- ©os ou personalidades psicopdticas, Feita esta primeira delimitacdo quero considerar os aspectos institucionais do grupo terapéutico que funciona fora das instituicdes, e, em segundo lugar, os grupos terapeuticos que funcionam em instituigdes, Embora esta altima divisdo seja Gil por razdes expositivas ¢ de pesquisa, tenho desde Ja que observar, em outro nivel, que, com freq éncia, no me ceuparei s6 de grupos terapéuticos da experiéncia psiquidtrica, mas is lens lavaY sq (a) 4° nosso pensamento conceitual para captar niveis muito diferen- ail cara O GRUPO COMO INSTITUICAO E O GRUPO NAS INSTITUICOES a7 também de outros tipos de grupos, fazendo parte, todos, do nosso trabalho em dindmica. Um grupo ¢ um conjunto de pessoas que entram em interagdo en- ire si, porém, além disso, o grupo é, fundamentalmente, uma socia- bilidade-estabelecida~sobre um fundo de indiferenciagio ou de sincretismo, no qual 0s individuos nao tém existéncia como tais e im transitivismo permanente. O grupo terapéutico a também por @stas mesmas qualidades, acrescido o Tato de que um dos integrantes do grupo (0 terapeuta) intervém com um papel especializado ¢ predetetminado, mas isso (esta dilti- Teor se realiza sobre uma base na qual o terapeuta estd en- volvido no mesmo fundo de sincretismo que 9 grupo. —“Aparentemente a Idgica do senso comum nos mostra, com evidéncia, que um conjunto de pessoas pode ter um encontro mar- cado em hora ¢ local determinados por um terapeuta ¢ que o gru- po comega a funcionar quando estas pessoas diferentes, até entio separadas, estdo a uma distdncia suficiente e relativamente isoladas de outros contextos como para poder interatuar. ea Poderia recordar a esse respeito a concepgio sartreana que | afirma que enquanto ndo se estabelece a interagio no existe_o | “grupo, mas somente uma “serialidade”, no sentido de que cada \ [pessoas equipardveis e sem distingao entre si. Aparentemente a concepgdo sartreana nega o que estou afir- mando como tese nesta exposicéo, porém um exame mais detalha- do pode levar a conclusio, como penso, de que essa serialidade ¢, justamente, o fundo de solidariedade, de indiseriminago ou sin- | ‘retismo que constitu o vinculo mais poderoso entre os membros | do grupo. Sem ele a interacdo nao seria poss{vel: Nesta descricio, assim como em outfas que virdo a seguir, quero que se considere as limitagdes da linguagem e da organizacao tes de sociabilidade; dessa sociabilidade muito particular que se steriza por uma ndo-relacao por uma indiferenciagio na qual cada individuo nao se diferencia do outro ou nao se acha discrimi- 88 TEMAS DE PSICOLOGIA nado do outro, ¢ na qual nao existe discriminagao estabelecida entre cu ¢ n entre corpo ¢ espaco, nem entre eu e o Nn oy Uma limitagio a que me quero referir, porque pesaré muito na possibilidade de podermos nos entender, diz respeito as diferencas entre o ponto de vista naturalista e o ponto de vi sta fenomenolé- gico. Por ponto de vista naturalista entendemos a descricdo de um £ fendmeno realizada por um observador que o descreve “de fora”, no\” quer dizer, como um fenémeno da natureza que existe indepen. dentemente do sujeito observador, e, neste sentido, a definigéo do sTupo como “conjunto de individuos que interatuam com papéis, status, etc.” € uma descricdo tipicamente naturalista. Por descricdo ou observagéo fenomenolégica devemos enten- AN 5 der aquela que se realiza a partir do interior dos préprios fenome- nos, tal como séo_percebidos, vivenciados ou « organizados ye participam do fendmeno ou de um acontecimento dado, E ( Neste sentido, com muita freqiiéncia vejo-me obrigado, por \o \ limitagSes semAnticas e conceituais, a descrever fendmenos a partir do ponto de vista fenomenolégico com uma linguagem que corres. ponde ao ponto de vista naturalista: incorro nisto, por exemplo, quando digo que, para certo nivel, um grupo se caracteriza por uma ndo-relacdo ou por um fendmeno de nio discriminagado entre 0s individuos ¢ entre o ego ¢ os objetos, Esta iiltima definicao, que tenta abranger ou tenta ser construrda a partir de um ponto de vista fenomenolégico, se realiza por meio da negagao da descriggo do ponto de vista naturalista. A esse respeito penso, por exemplo, que muito do que descrevemos como identificacdo projetiva ¢ introjetiva corresponde a uma descriedo naturalista daquilo ue, ‘do ponio de vista fenomenoldgico, corresponde ao sincretismo. Estaria fora de lugar ¢ levaria muito tempo ocupar-me das relagdes entre as observagées realizadas a partir de um ponto de vista fenomenolégico e aquelas realizadas a partir de um ponto de vista naturalista, ¢ além disso, estas relagdes estado ainda num terre. no de muita controvérsia e ndo existe acordo sobre as mesmas, As- sim, hd quem veja nestes dois pontos de vista posigdes excludentes, pr e fila focal pres 0 GRUPO COMO INSTITUICAO E 0 GRUPO NAS INSTITUIGOES 89 enquanto outros véem posigdes complementares, ¢ outros (entre 05 quais me incluo) véem descrigées limitadas a espera de um pon- to de vista unitdrio que mantenha e supere ambas (Aufhebung). Referir-me-ei brevemente as implicagdes deste enfoque. Um peque- no exemplo poderd servir para ilustrar; nao demonstrar4 nem abrangerd a totalidade destes problemas. ‘Trata-se somente de um exemplo: Numa sala encontra-se uma mde lendo, olhando a tela da tele- visdo ou costurando; na mesma sala encontra-se seu filho concen- trado ¢ isolado em seu brinquedo. Se nos guiamos pelos niveis de interagéo no vamos encontrar comunicacéo entre estas duas pessoas: nao se falam, nao se olham, ic iua_independentemei © podemos dizer que nio hé interago ou que estdo incomunicaveis, Isto é correto se considerarmos somente os niveis de intera- cao. Continuemos com 0 exemplo: a mae, num determinado mo- mento, deixa o que estava fazendo ¢ sai da sala; o menino péra imediatamente sua brincadeira ¢ sai correndo para estar com ela, Agora podemos compreender que quando a mae ¢ seu filho esta- vam, cada um numa tarefa distinta, sem se falar e incomunicdveis nos niveis de interagdo, sem divida havia entre eles uma ligacdo profunda, pré-verbal, que nem sequer necessita das palavras ou que, pelo contrério, as palavras perturbam, Em outros termos, juan- to falta a interagdo, enquanto ndo se falam nem se olham, esta (sociabilidade sincrética na qual cada um dos que, de um ponto de vista naturalista, pensamos que sejam pessoas isoladas, acham-se em um estado de fuséo ou de indiscriminacao, Este gru- po pode servir de exemplo daquilo que freqitentemente o siléncio significa nos grupos terapéuticos, e de como 0 modelo da comuni- cago verbal tende as vezes a distorcer ou oculiar a compreensio deste fendmeno. Para evitar equivocos devo dizer que admito que uma mac ¢ um menino que se comportem sempre, tinica e exclusivamente des- ta maneira, dardo lugar a uma séria perturbacdo no desenvolvimen- to da personalidade e da relagéo entre ambos, mas ainda assim af 90 TEMAS DE PSICOLOGIA agredito que quando falta 0 nivel de sociabilidade sinerética tam- bém existe uma . perturbacao muito séria no grupo ¢ no desenvolvi- mento da personalidade de m, Vejo a falta de um marco para esta sociabilidade sincrética, por exemplo, nas personalidades psicopaticas, fAticas, ambfguas, as if de H. Deutsch. Retomando o exemplo, o menino isolado brincando pode precisamente cetar olado ¢ consent brincar (com tudo o que brincar significa, do ponto de vista psicolégico) na medida em que "Um dos exemplos que Sartre apresenta como tfpico da seriali- dade é 0 de uma “fila” de pessoas esperando um dnibus; ele supoe que a caracteristica fundamental da serialidade consiste em que cada um dos integrantes dessa “fila” é um indivéduo totalmente isolado; esses individuos, enquanto nimeros, so intercambiéveis um pelo outro. Para 1, ainda no exemplo de uma “fila” 4 espe- ra de um 6nibus esta presente a sociabilidade sincrética depositada nos modelos e normas que vigoram rodos 0s indivfduos. Cada um dos integrantes S _ “fila” conta esta seguranga, de tal for- T consciéncia ia da mesma, tanto que ° pesitartestoh aed a ignoré-la. Podemos nos comportar co- mo individuos em interagio na medida em que participamos de uma convengao demodelos ¢ citcaat que His oaday aa aias te quais podemds, entao, formar outros modelos Para gue haja interacao ‘deve haver um fundo presentes e gracas de comportam: gun es funda de sociable Secs Quando um conjunto de pessoas marcam hora, enquanto pes- soas, para um grupo terapéutico e tém seu primeiro encontro no consultério do terapeuta ou num lugar até entio desconhecido pa- ra todos, todo terapeuta observa de imediato fendmenos que cata- logamos como reagées parandides, ¢ penso que todos concordam em considerar esas reagdes parandides como normais, significando medo de uma experiéncia nova ¢ medo do desconhecido. Pode ha- ver alguma diferenga na formulagio, mas podem ser todas reduzi- das & experiéncia que acabo de enunciar. PEER Re aa Na “ m rad Wy ~ (t \ ye dos que jé assimilaram enquanto p 0 GRUPO COMO INSTITUICAO E 0 GRUPO NAS INSTITUICOES gt Nao ponho em diivida a existéncia da reagio parandide, O que ponho em divida ¢ que através dessa formulagéo possames entender, realmente, aquilo que ocorre de mais importante nesse momento, Quando dizemos nestes_casos 0 reage com _medo de uma experiéncia nova, do indeterminado ou do desconhe- “cido, estamos dizendo-uma verdade muito mais ampla do que a que nos mesmos reconhecemos ¢ que, P tanto, o grupo também nfo pode reconhecer, a ndo ser apenas 0s aspectos superficiais des- ‘ta.afirmagao. Nao € somente 0 novo que produz medo, mas sim 0 desconhecida que existe dentro do conhecido (recorde-se que isto 6a esséncia do estranho: Unheimlich). Quando assinalamos as ansicdades parandides, 0 medo do desconhecido ou da situagéo nova, estamos realmente dizendo ou assinalando (embora sem compreender no todo) que o medo se produz frente ao desconhecido que cada pessoa traz consigo em forma de ndo-pessoa ¢ em forma de nio-identidade (ou de ego sin- crético). Em outros termos, para sermos mais claros, 0 que esta- mos dizendo com a formulagio das ansiedades parandides ¢ 0 ‘medo de nfo poder continuar reagindo com os modelos estabiliza- x soas_e_o medo do encontro com uma sociabilidade que as destitua enquanto pessoas €25.¢ohe yerta em um sO meio homogéneo, sincrético, no qual cada um nao de individual buscam, de inicio, 0 estabelécimento de uma situa- ‘ Go simbidtica de dependénciae de identidade grupal; ¢ esta tltima r € tudo 0 que podem obter. A identidade grupal tem dois niveis em t ‘upos: um _€ 0 da identidade proporcionada por um trabalho em comum e que chega a estabelecer modelos de interagio e modelos de com- Portamento que sao institucionalizados no grupo; esta identidade € dada pela tendéncia A integragio ¢ interagio dos individuos ou pessoas, Porém, outra identidade que existe em todos os grupos, ¢ que as vezes € a tinica (ou a tinica que se atinge em grupo), é uma identidade muito particular ates pal sinerética, Esta nio € dada com base numa integragio, numa interagao em modelos dé niveis evolufdos, mas com base numa socializagao em que esses limites nao existem € ai que, do ponto de vista naturalista, ve mo duos ou pessoas nfo tém identidade enquanto tal, mas sua identi- dade reside no seu pertencimento ao grupo. ea { Podemos estabelecer aqui uma equiparacao, uma equivaléncia, || ou uma formula, dizendo que quanto maior for o grau de pertenci- mento a_um_gmpo maior sera a identidade grupal sincrética (em yf \ osicio a identidade por integragio). E quanto maior for aidenti- por_integracao, menor ser4_o pertencimento sincrético_ao jjdede Jeeps. \ Quero também referir-me sumariamente, citando apenas, 20 | fato de que o pertencimento é, paradoxalmente, sempre uma dependéncia nos niveis da sociabilidade sincrética. Existem grupos 2 0 GRUPO COMO INSTITUICAO E 0 GRUPO NAS INSTITUICOES 93 terapéuticos que buscam tais fendmenos ¢ outros que reagem com pinico ou desintegracao frente aos mesmos. (3)4 i > Para dar maior clareza a exposicdo quero assinalar brevemente trés | tipos de grupos ou trés tipos de individuos que podem integrar o i diferentes grupos ou um mesmo grupo. Um dos tipos corresponde aos individuos dependentes ou simbiéticos que vo utilizar de imediato o grupo como um grupo \ de dependéncia ou de pertencimento € que > tentarao estabilizar sua S entidade através da identidade grupal como identidade mais | \yt!® completa alcangada por eles no curso da evollgio. Trata-se de indi- i ey mais do que o hecessdrio, ou entdo nunca foi suficientemente normal para po- der se dissolver € dar Iugar aos Tendmenos de individuagao e perso- nificagdo. Procurardo transformar 6 grupo, de forma manifesta, em uma organizagdo estavel: a interacao sera superficial, com uma ten- déncia a ndo dar lugar ao processo grupal. : ‘Um segundo tipo de individuos so aqueles, aos quais me refe- ri mais detidamente até agora, que chamamos neurdticos ou nor- _ mais, nos quais reconhecemos @ neurose-apenas como uma parte oovpar ih da personalidade, na medida em que alcangaram uma boa propor- )J Gao de individuacao ¢ personificacdo, isto é, aquilo que comumente chaitiamos~de~aspectos-maduros-ow-realfsticos da personalidade. ‘Tenderao a mover-se na sociabilidade de interagéo ¢ podem apre- Sentar-se—comio grupos muito ativos, “muito motivados”, mas somente em um plano e garantindo a Clivagem. Podem acontecer muitas coisas para que nada aconte¢a. hale Um terceiro tipo coresponde aqueles que nunca tiveram uma relagio : simbidtica ¢ que também nao irdo estabelecé-la no grupo, a nao ser apés um arduo proceso terapéutico: entre estes incluimos as personalidades psicopaticas, perversas, as asi personalities Ll de scritas por H. Deutsch ¢ todas as personalidades ambiguas (entre as quais incluo o tipo as if). Para eles 0 arece desempenhar ai pe eR edrin e peacaliepaarane Name Sae os que tendem ao grupo de sociabilidade sincrética, no manifesta (mais pré-verbal). TEMAS DE PSIC Como disse, ¢ salvo indicagéo em contrétio, farei apenas ao segundo tipo de pessoas ou grupos. Até aqui desenvolvi as caracteristicas fundamentais do grupo para poder entender o seu papel como instituigdo e nas instituigdes. O conceito de instituicao foi utilizado com significados muito A diferentes; aqui recorrerei a duas acepgoes, entre as muitas possi- ex! veis, que desejo esclarecer: utilizarei instituiggo como o e sonjunto de_normas-e_padrées-e-atividades agrupadas em tomo de nye Yalores e fungdes saciais, Em pv” ‘mo. organizacio, no sentido ont fungoes que se rea ou espaco delimitado. Para esta segunda acepgio utilizarel-exchasiva- mente a palayra organizacao. O grupo é Sempre_uma instituigéo muito complexa, ou me- lhor, € sempre um conjunto de instituigées, mas a0 mesmo ‘tempo “a ~, ‘ende a estabilizar-se como uma organizacio, com padioes Tizes ¢ \ ye P" préprios. A importincia esta no fato de que quanto mais o grupo XY" tende a se estabilizar como organizagio, tanto mais tende ae ‘obje- x —————-. — = a gn” tivo de existir por si mesmo margeando ou sujeitando a este objeti- _ot propriamente.terapéutico do grupo, A organizacdo hega a um ponto em que se torna antiterapéutica. Isto ocorre por duas razdes fundamentais ou em dois niveis: orga. i s niveis de interagao de uma mancira fixa e estavel, mas a. Por sua vez a fixacdo € a estereotipia da organizacdo baselam-se {eco também,_e fundamentaimente, 1 belecimento_do controle ‘oa sobre a clivagem entre ambos os niveis, de tal maneira que a soci S Agem_entre ambos de tal maneira que a ide sincrética seja imobilizada, Este fendmenc onde ao que considero_uma lei geral |. das organizacdes, isto , em todas clas os obje icitos 0s quais foram criadas correm sempre © tisco de passar a um segun- do plano, passando ao primeiro plano a perpetuacdo da organiza- go como tal. E isto ocorre nao s6 para resguardar a estereotipia ) f dos niveis de interagio, mas principalmente para resguardar e asse- jn Surar a clivagem, a depositagéo e a imobilizagio da soeiabilidade ca ETupo). sincrética (ou parte psicdtica d a dap | O GRUPO COMO INSTITUICAO E 0 GRUPO NAS INSTITUICOES 95 Jéassinalei que um grupo que deixou de ser um proceso para estabilizar-se como organizacio se se transformou d de grupo terapéuti- co em grupo antiterapéutico(!). Em outros termos, diria 2 que © guy _burocratizou, entendendo por burocracia @ organizagio na qual os meios sé transformam em fins e se deixa de lado 0 fato de se ter recorrido aos meios para conseguir determinados objeti- vos ou fins. HF A tendéncia @ organizagio e a burocratizagio (ou em outros termos a _tendéncia antiprocesso) 140 se do se deve _unicamente a uma pode “trabalhar bem” e estar rompendo esteredtipos, e isto pode ser real, mas se dé apenas no nivel de interacdo. Se isto persiste leva o grupo a mudar permanentemente; na realidade, € uma mu- dan¢a para néo mudar: no fundo “nao acontece nada”. Existe em tudo isto, no entanto, um aspecto de consideravel impor- tincia e do qual nao quero passar por cima: poderia comegar dizen- do que toda organizagio tende a ter a mesma estrutura que 0 pro- blema’que~deve~enfrentar-e para o qual foi criada. Assim, um hospital acaba tendo, enquanto organizacao, as mesmas caracterts- ticas que os proprios doentes (isolamento, privacao sensorial, défi- cit de comunicagao, etc.). Nossas organizagdes psiquidtricas, nossas terapias, nossas teo- rias e nossas técnicas tém também a mesma estrutura que os fend- menos que enfrentamos. Tornaram-se — ¢ si0 apenas — organiza- gées e cumprem, portanto, uma fungao igual de manutengao_¢ controle da clivagem: uma tendéncia & burocratizacio. me ungao iatrogénica e de garantia das doencas que desempe- ‘nossos hospitais psiquidtricos nao precisa ser comentada aqui, € comhecide de todos, ¢ constitui um aspecto sobre 0 } a. ‘compreensdo destes fendmenos também 4 chamada Reagao tera- TEMAS DE PSICOLOGIA | qual se insiste muito na atualidade; mas nos esquecemos de outros _ tantos aspectos que tém_o mesmo efeito-burocratico iatrogénico e igual fungao latente: a de manter a clivagem controlando a sociabi- | lidade sincrética bhai? vost. ota A sociedade tende a instalar uma clivagem entre 0 que consi- dera sadio ¢ doente, entre o que considera normal ¢ anormal. Assim uw cstabelece uma clivagem muito profunda entre ela (a sociedade “sadia”) ¢ todos aqueles que, como os loucos, os delingiientes e as Prostitutas, stio desvios, doencas, que — supde-se — nada tm a ver com aestrutura social. A sociedade se autodefende, no dos loucos, dos delingiientes ¢ das prostitutas, mas de sua propria Toucura, de sua prépria delingiiéncia e de sua propria prostituicdo, ¢ desta ma- neira aliena, desconhece ¢ trata como se fossem alheias e néo_the ‘correspondessem. Isto ocorre atr: ravés de uma profunda clivagem. Esta segregagio e esta clivagem se transferem logo para os nossos instrumentos ¢ conhecimentos, Assim, respeitar a clivagem de um sgupo terapéutico.e.ndo.examinar os niveis de sociabilid ré- tica significa admitir essa segregacéo sancionada pela sociedade, assim como admitir os mecanismos pelos quais determinados sujei- tos se tornam doentes ¢ segregados, e também a imitir 0 critério adap tativo de satide ¢ doenga e sua segregagio como ) cura’, Nao € possivel, no tempo de que disponho, detalhar as vicissi- tudes de cada um destes fendmenos que assinalo dentro da dindmi- ca grupal, porém nao sera dificil para o leitor extrair as conseqiién- Clas ¢ analisé-las em seu préprio trabalho com grupos. Pelo que nos \ diz respeito mais diretamente, acrescentarei apenas que um sta/f técnico de um hospital ou a sua equipe administrativa tendem, BED, A), cranes ta = eit organizacées, e as resisténcias 4 mu. i me 0" Ganga ndo-provém-necessariamente sempre au apenas dos paciontes {ens {° ( 0U seus familiares, mas muito mais freqiientemente de nés mesmos yo" enquanto integramos. organizacGes_¢.as organizacdes sao parte de P\T nossa personalidade, O que ocorre é que nas organizagées, além do mais, 08 conflitos suscitados em niveis superiores se manifestam ou detectam em niveis inferiores: ocorrerd, entao, que 0s conllitos do staff técnico nao se manifestardo neles mesmos mas nos pacientes “Ou no pessoal subalterno, assim como as tensdes € conilitos entre 9s pais, com muita freqiiéncia, ndo aparecem a nivel déles mas, co: 97 0 GRUPO COMO INSTITUICAO E 0 GRUPO NAS INSTITUIGOES mo sintomas, em seus filhos. Os exemplos poderiam continuar para todavas organizac6es Civis, governamentais, militares, religiosas, etc. No paragrafo anterior assinalei que as organizages formam parte denossa personalidade quero retomar esta afirmagdo muito suma- riamente porque me parece de importéncia vital para o que estou desenvolvendo. Em nossas teorias € categorias conceituais, contrapomos indi- _viduo a grupo e organizagio a grupo, do mesmo modo como supo- ‘mos que os individuos existem isolados e se redinem para formar os grupos eas organizagoes. Tudo isto nao é correto € = é heranca di das concepgdes associacionistas e mecanicistas. O ser humano antes de ser pessoa é sempre um grupo, mas no no sentide-de que pertence aum grupo, ¢ sim no de que sua personalidadé é g grupo. A esse respeito remeto os interessados ao livro de Whyte El hombre orga- nizacion. Assim, compreende-se que a dissolugio de uma onganizagio ou a tentativa de mudanga da mesma possa ser diretamente uma desagregagao da personalidade; ¢ nao por projecdo, mas porque diretamente_o grupo € a organizagao sao a personalidade de seus integrantes. Assim se explica a grande freqiiéncia de doengas orga- nicas graves nos aposentados recentes, € podemos entender melhor como o ostracismo na antiga Grécia era mais destrutivo para a per- sonalidade do que a prisio € o fuzilamento. Existe, entio, uma espécie de transfusio nos problemas que estou estudando, ja A que in insisti anteriormente. te que todo grupo ten— de_a ser uma organizagio-e agora, a0 ocuparme de organizacées, afirmo que estas constituem partes da personalidade dos indivi- duos eas vézes fodaa personalidade que eles possuem. E. Jaques afirmou que as instituiges servem como defesa j frente a ansiedades psicdticas. Esta afirmagio é limitada, e é mais co} er que as instituigoes ¢ organizagGes sio depositarias ¢ da sociabilidade sincrética ou da parie psicética e que isso explica muito da tendéncia 2 burocracia €@ ‘aesisténcia 4 m mudanga.~ 98 TEMAS DE PSICOLOGIA Quando falamos de organizages ¢ do trabalho de psiquiatras, psi- célogos © psicoterapeutas nas organizagées, geralmente se suben. tende que nos referimos a terapia de grapo em organizacdes psi- quidtricas ou hospitalares. Nao nos conscientizamos, no entanto, pelo menos em psicologia ¢ psicoterapia de grupo, das necessidades € problemas que nos coloca a quarta revolugio psiquitrica, que pode ser definida como a orientacao para a prevencio primaria e uma concentragdo de esforcos na administracdo de recursos, Em- bora tenhamos conhecimentos e técnicas de grupo bastante desen- volvidos, ndo é menos certo que carecemos de uma estratégia para @ utilizagao dessas técnicas e conhecimentos quando temos que trabalhar em psicologia institucional (em organizagées) em institui- GOes que nao sejam psiquidtricas ou hospitalares. Pode acontecer também que, nestas, a melhor forma de administrar nossos recur- sos ndo seja organizar grupos terapéuticos, mas sim, aplicar nossos esforeos e conhecimentos a prépria organizacao. Quando trabalhamos em organizagées, em psicologia institu- cional, a dindmica de grupo é uma técnica para enfrentar problemas organizacionais. Entretanto, para utilizar estas técnicas, devemos contar com uma estratégia geral de nossa intervengao assim como com um “diagnéstico” da situagio da organizagao, Um dos problemas bdsicos nas organizagdes nao € so a dind- mica intragrupal mas a dindmica intergrupal, ¢ nosso objetivo pode nao ser os grupos mas o organograma. Numa organizacio, 0 recurso as técnicas de grupo ¢ a escolha do tipo de técnica de grupo que iremos utilizar estio dete rminados ndo $6 por um esforco para reformar nosso furor curandis, mas também por um diagnéstico que pemita entender qual € 0 grau de buroeratizagdo ou o grau em que se produziu uma fissura pela qual os niveis icrética ja nao pode ser mantida, bem como a existéncia e corre- lagdo entre as_estruturas de grupo primério e as de grupo secun- din, ee Freqiientemente nossos objetivos, ao trabalhar com dindmica de grupo em organizagées, referem-se a andlise das implicagdes psi- col6gicas das tarefas que se realizam e da forma pela qual os objeti- O GRUPO COMO INSTITUICGAO E 0 GRUPO NAS INSTITUICOES 99 vos sio ou ndo cumpridos, juntando a dimensao humana ou psico- Iogica ao trabalho que realizam e & forma pela qual o realizam. Nao conhego erro mais grossciro do que transferir, junto com as técnicas de grupo, o hospital psiquidtrico para o hospital geral ¢ ambos para as organizagées (indistrias, escolas, etc.). Em sintese, defini o grupo por dois niveis de sociabilidade: um € a chamada sociabilidade de interacdo, ¢ outro é a sociabilidade sin- Assinalei que o grupo tende a burocratizar-se como organi- zagdo e a fazerse antiterapéutico néo so por uma reiteragio de modelos dos niveis de interagao, mas, Tundamentalmente, pela necessidade de manutengao da clivagem (ou separacao) entre am- bos os niveis. ear oe ~~ Passei entdo a mostrar como as organizacdes tém essa mesma fungao de clivagem e como nossos conhecimentos ¢ técnicas de gru- po tém que ser precedidos, se quisermos trabalhar com dinamica de grupo em organizagées, por um estudo diagnéstico das mesmas € por uma estratégia dentro da qual as técnicas grupais constituem apenas um instrumento. ‘Assinalei, embora sem desenvolvé-las em profundidade, algu- mas leis das organizacées, assim como algumas das linhas para as quais deve tender nossa fungao no plano da psiquiatria preventiva e de prevencio priméria. Mais do que um desenvolvimento exausti- vo, esta exposigdo tem a fungao de provocar, incitar ou estimular tanto uma mudanga de nossas estereotipias tedricas e técnicas co- mo uma mudanga na administragdo de nossos recursos.

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