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A LEITURA COMO RET! O INTERESSE PEDAGOGICO DAS LI UBJETIVAS Vincent Jouve (Tiadugio: Neide Luzia de Rezende) “Toda leitura tem, como se sabe, uma parte const cs, trata-se de uma realidade neyativa a texto, a qual contém em germe todos os desvios possveis, indo do simples «erro de leitura a0 contrassenso mais lagrante. Gostaria de nuangar esse ponto positivos dessa reapropriagio parcial do texto pelo leitor. Com feito, cada projeta um pouco de sina sua leieura, por iso a relagio com a obra no significa somente sai de si, mas também retomar asi. A leitura de um text wo somente abertura para a alteridade mas, também, exploracio, quase nstrugio de sua propria identidade? Nio se trata portanto de apagan, no 1 da leitura. Eu proporia “4 Annie Rousel Gérard Langlade + Nei de Revende tum objeto que fale dele proprio; e nao é desinteressante, no plano educativo, implicagac do leitor, i 0 diferentes compo- nrentes do ato de leitura sio dependences da subjetividade, A dimensao subjetiva do ler Os planos que se consideram tradicionalmente como constitutivos do 10 ambos afetados pela certas reagies do letor so no pode descrever tudo, nem descrever completamente), necessariamente vas. © modo pelo qual um leitor imagina cendrio e personagens @ partir de indicagées, em geral um tanto vagas do texto, remete a situagbes jou e cuja lembranga retorna espontancamen- ce a leitura, Como podemos imaginar a sala de aula de Charles as de aula que nés mesmos frequentamos: to apenas se contenta em dizer que ele tem os olhos azuis? Eno processo de vidual aparecem fundadas em nossa meméria pessoal, tém meméria reteve, com uma atmosfera de tons ¢ detalhes que nio existem Leiturasubjeivaeensino de fteatura 55 no texto, & que essa sala tem para mim um valor ps Aquilo que a Jeitura faz ressurgir, por meio de uma palavra, de uma frase ou de uma des- igio, no vem do nada, mas do meu passado, Lembremos 0 que a palavra orence” evoca para Jean-Paul Sartre: rence é cidade e lore mulher ela cidade flor cidade-mulbere mosa- ‘lor ao mesmo tempo, (..) A is eacrscentao efor isidios da bio grafa, Para min, Florence ¢ também cera mulher, uma atriz americana (que atucva ras files mds da minha infncia de quem exguec tudo, ‘menes que ea ea longline como wma lus longa de bale e sempre asa sempre re asada ¢inconpreendida,e que eva ama € que cla we charava Florence IE porque a lecura remete cada um a suas préprias lembrangas ~ ¢5- ses famosos souvenirs-éerans [lembrangas-telas] que “escondem e revelam a0 mesmo tempo” ~ que as adaptagbes det sitios para a tela se rmostram frequentemente decepcionantes. O que se perde na passagem romance ao filme é a forma particular com que cada leitor vestiu as avras do texto. Quem entio, afora o realizador, representou para si nna Karenina com os tragos de Sophie Marceau? Que leitor do Conde de Montecristo verd sem pesar Gérard Dep 0 lugar desse Edmond Dantés tinico € fa ue ele imaginou? Impor um rosto as figuras nescasé, po lestituir de nossa intimidade. Quanto a0 plano intelectual, iniimeras operagdes de leitura se apresen- 1m também como necessariamen ivas, F, claro, 0 caso do processo pretativo na medida em q yerentes a0 texto, as quais chamamos as veze Jéncia ou obscuridade solicitam estrut 10 muito numerosos. JL. Dufays mostrou, JEP Quesce gue li ira an, M, Lie kts, Pais: ccensino de teratura A subjetividade acidental Seo leitor é, em certos momentos, conduzido pelo texto ase envolver pessoalmente na ficgio, no lugar onde ela nio a0 discurso expl s, que comentando uma observagio de nha wm gato amarelo. Quem sabe ese gato amarelo seja cle toda a Iteratua; pois sea notagio remeteelvex « pobreza, esse amarelo & também simplesmente amare somente a0 sublime, enfim ao intelectual, ele permancce nivel das cores ( Esse privilégio dado & representagao (é melhor assinalara cor do gato do que a gencrosidade do abade) explica porqu rio geralmente cao de um romance ¢ obter o conceito a partir do acontecimento. ‘Tal operacio pode dificilmente escapar & subjetividade. Mang, 994. Verenoost, M. Philp d roman 8 ‘Annie Rouse» Gérard Langlade « Neide Luria de Rezende certos de leicura. Kundera, em Os testamentostnaidas, cita 0 caso da leicura, ino, da novela de Hemingway Colinas parecen- Em consequéncia: ‘A novela se ctansformou em uma ligio de moral as personagens sio julgadas segundo suas reagGes com 0 aborto que € 4 priori considerado Segundo Kundera, o comentador, realizando uma leitura seletiva, pro- jetou no texto uma escala de valores ausente da novela de Hemingway. Podemos nos perguntar se nao é proprio a toda leitura informa mais sobre ender aquilo que a diz) do que sobre o texto, Outea razio que explica a dimensio subjetiva da compreensio é que nao podemos deixar de construir o sentido a nio set nos referindo a um deja lu subjetivo. A jererminante nao é a do texto, !pagio com a cronologia, todas as Leicura subjtivaeensino posses maiores do fora ed do mecinico edo viv, do os aproxima etende a confund-os. Na mesma ordem de ideias, pode-se, como Proust, ser sensivel 20 “lado Dostoiévski de Mme. De Sévigné” keafkiana de Cervantes. ‘A compreensio é ainda mais dependente da subjetividade do leitor & ivo de um texto: podemos, ou se interessar & dimensio ou, ao contrat sat a miopia da speito da letra contra os preconceitos cultura 1 letor que se manteve estupicamente na superficie do texto sem perce- «0s jogos da ironia €0 segundo grau. F preciso obscrvar que encontramos ‘exes esses dois procedimentos na pena do mesmo critica. Ciremos duas sagens da leitura de Ligagéespergosis por Guy Scarpetta. Na p é respito da letra que é invocado para estigmatizar o mal-entendido que vé ade de Mme. Merteuil em relagio a Valmont: (6.2) a reler sem idea preconcebida ests cartas, parece que 2 m: {que NADA, de fat, Merreuil. Nio apenas porque a Montaigne bergonien” 96, Pa Purl pli, avis 1998, p. 209 60 Annie Rouxel + Gérard Langlade « Neide Luzia de Rezende ingenuamente no discurso explicto. Trata-se de saber como ler a conclu- so “moral” do romance de Laclos Alguns encontrario a oportunidade de recalcar © prazer perturbador antes de tudo a oferecer ao romance a cobertura mo preservélo da reprovasio gera de identificar. Leitura e identidade Que a reapropriagio subje legitima ou acidental, 0 faro é que sua importincia na leitura é considerivel, Ela explica porque a telagio com a obra ¢ sempre ao mesmo tempo exploragio do sujeito por ele ‘mesmo. Como observa justamente C. Grivel Nio se deve (,.)aceditar muito no “abandon0” d le nio se encrega tanto eaquilo a que ele se apega, «a de seu afrebro; ele o observa se gl sua lieu para come- 8 configurasdes subjetvas do leitor sio questiona- das pelo texto (quer dizer, quando a subjetividade & acidental) que a experi éncia da volta asi & mais impactante. O leitor éentio levado arelletir sobre 0 que 0 conduzi a projetar no texto aquilo que nio estava Ik. Como nota Ise ro Ins Op ei 187. Leicutasubjetivae ensino de literatura 6 [As contradigdes que 0 leitor produriu formando suas configuragdes adquirem sua iemportincia pr dar conta da Elas 0 obrigam a ‘entdo sedis «qual faz pare, de sorte a por se ob- servat, ou ao menos se perceberimplicado, A atiude de se percber rum proces do qual participa € um momento central da cexperiénca estéica" acabada de nossa identidade, tor consigo mesmo é, portanto, uma das dimen- ses maiores da leitura. A questéo € saber como introduzi-la no ensino. Propostas metodolégicas Proponho tum percurso em trés tempos. ir da relagio pessoal com 0 texto. dle perguntar aos alunos 0 se- A primeira etapa consis -se-ia, apés a leitura de um dado t smo estio representados o cenitio, os objetos, as personagens? Como as reagem 3 situagio no plano afetivo moral? Os alunos podem se ident- ar com elas? O que cles compreendem do texto? O que acham interessant ‘Uma segunda etapa consistria em confrontar as reas6es dos alunos com os dados textuais. Poderse-ia, por exemplo, partir ce respostas contraditrias 1a. ver e 0 texto permite ou nio respostas categéricas. O desafio € mediar o que vem do texto ¢ 0 que cada Ketor acrescenta. Distinguir-e-8o igual- reas configuragées subjtivas, aquels que sio compativeis com 0 cxto eaquelas que nio 0 to, rane, Lidge: Ardaga, 1976, p. 241-2 sn, M, a etre comme je. Pais: Les a eiura © jogo et 086. ‘Annie Rousel » Gérard Langlade + Neide Luria de Revende ‘A tiltima etapa consist em interrogar as reagdes subjetivas dos alu nos (sobretudo quando elas nfo sio requisitadas pelo texto, ou até quando clas 0 contradizem). De onde vém suas representagées? Por que se identi- ficam com certas personagens? Por quais razGes julgam certo ato positive cou negative ete? A finalidade do exercicio é mostrar que a leitura nao & s0- mente a ocasiéo de enriquecer o saber sobre mundo; ela permie também aprofundar o saber sobre si. Gostaria, para terminar, de propor um exemplo concreto desse tipo de método baseando-me nos resultados de uma experiéncia de leitura cfetuada com classes de 6* ¢ 42 séries* de um colégio de Val-de-Marne. Trata-se de um exercicio realizado por F. Rastier ~ por raz6es totalmente diversas dessas com que nos ocupamos hoje ~ a partir de um excerto do sétimo capitulo de L’asommoin® As respostas dos alunos a um questio- nario elaborado na ocasido me interessam enquanto reagbes de leituras registradas. O texto evoca a refeigio dada para a festa de Gervaise e, mais precisamente, a recepeao ao prato blanguette de veau. Cito algumas linhas para esclarecer a exposig0: 3! Raiost que buraco falistemos nada, mast te oF bocados, xe ouvia 0 fundo dos

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