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Priscila Gomes Dornelles | lleana Wenetz a Maria Simone Vione Schwengber | (Organizadoras) © 2017, Editora Unijui Rua do Comércio, 3000, Bairro Universitario 98700-000 — Ijui - RS — Brasil Fones: (0__55) 3332-0217 E-maik editora@unijui.edu.br Hetp://oww.editoraunijui.com.br Editor: Femando Jaime GonzAler Capa: Alexandre Sadi Dallepiane Responsubilidade Editorial, Grdfica e Ndministrativa: Rditora Unijut da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Uniju; [jui, RS, Brasil) Acolecao Educacao Fisica é um projeto editorial da Editora Unijui, yinculado a um conselho editorial interinstitucional, que visa dar publicida- dea pesquisas que buscam um constante aprofundamento da compreensao teorica desta area que vem constituindo sua reflexao conceitual, bem como os trabalhos que garantam uma maior aproximagao entre a pesquisa aca- démica e os profissionais que encontram-se nos espacos de intervencao. Promover este movimento é sem divida o maior desafio desta colecao. Conselho Editorial Carmen Lucia Soares - Unicamp, Mauro Betti—Unesp/Bauru Tarcisio Mauro Vago - UFMG Amauri Bassoli de Oliveira UEM Giovani De Lorenzi Pires - UFSC Valter Bracht — Ufes Nelson Carvalho Marcellino - Unicamp Paulo Evaldo Fensterseifer - Unijui Vicente Molina Neto - UFRGS Elenor Kunz - UFSC Victor Andrade de Melo - UFRJ Silvana Vilodre Goellner — UFRGS. Catalogagio na Publicagao: Biblioteca Universitaria Mario Osorio Marques — Unijut E24 Educagao fisica e sexualidade : desafios cducacionais, 1 / organizagio Priscila Gomes Dornellles; Ileana Wenetz; Maria Simone Vione Schwengber. ~ Ijui: Ed, Unijui, 2017. - 160 p. ~ (Colegio educagio fisica). ISBN ; 978-85-419-0237-3 1. Edueagio Fisica — Quests de género ¢ sexvalidade. 2 Educagio fisiea - Educago sexual. 3. Educagio fisica escolar = Questdes de género e sexualidade, 4, Educagio fisica escolar — Pedagogias do género ¢ da sexualidade, I, Dornelles, Priscila Gomes (Org,). Tl. Wenetz, Heana (Org.). HL Schwengber, Maria Simone Vione. IV. Titulo: Desafios educacionais, 1. V. Série. CDU : 796:37 615.88: 796 37: 613.88 Comité de Redacéo Paulo Evaldo Fensterseifer Fernando Gonzalez Maria Simone Vione Schwengber Leopoldo Schonardie Filho ‘sure Uni! entiade ‘Associa Brute dewehorse Unverias 94 Jodo Paulo Fernandes Soares — Ludmila Meurdo SILVEIRA, V. ‘I; VAZ, A. FO doping © a construgio de experiéncias: de feminilidade: comentarios a respeito de caso Rebeca Gusmao. In; DORNELES, Priscila Gomes; WENE'TZ, Ileana; SCHWENGBER, Maria Simone Vione (Org,). Educagéto fisica e género: desafios educ: nais. Ijui: Ed. Unijuf, 2013. p. 291-308. SIMOES, Kamila; DAIAN, Vera; FRANGA, Felipe. Documentd- rio: mulher de peso. Disponivel em: . Acesso em: 22 nov. 2014. CAPITULO 4 “AFEMINADA! AFEMINADA!” — Queerizando as masculinidades no contexto do voleibol Leandro Teofilo de Brito ENTRANDO EM QUADRA... Durante a premiagio final do campeonato, os jovens atlctas ccoavam um grito debochado ¢ irénico, com palmas, para cada um que recebia seu troféu de destaque por fundamento: “Afeminada! Afeminadal Afeminada! Pra jogar vélei tem que ser afeminada...” (Didtio de campo em 13 de devembro de 2015). O fragmento anterior diz respcito a observagdo participante que buscou descrever relatos de um campeonato de voleibol masculino, que ocorre anualmente na cidade do Rio de Janeiro, no qual problematizo a performatizagdo de masculinidades nao normativas entre jovens atlotas da categoria sub-21. Os jovens atletas, sujeitos da pesquisa ¢ participan- tes de equipes que chegaram a etapa final do campeonato, identifica~ Vvam-se como gays € bissexuais, deslocando os sentidos mais estiveis do masculino no esporte ao performatizarem masculinidades que designo neste capitulo como queer. a6 Leandro Teofilo de Brito Buscando desconstruir e ressignificar 0 carater essencialista das identificagdes de género e sexualidade, a teoria gueer problematiza a heterossexualidade como norma, como um modelo compulsério a ser seguido ¢ incorporado pelos sujeitos, assim como questiona o binarismo presence nas identificagées de género, Destacam-se, neste contexto,! aquelas ¢ aqueles que, além de nao se conformarem com um modelo heterocentrado para viver seus desejas, desestabilizam o sistema dico- témico e fixo de identidade ¢ performance de género que se restringe ao masculino/feminino. Nas concepgdes de Spargo (2006), gaeer é um termo que se define, independentemente de funcionar como substantivo, adjetivo ou verbo, contra o normal ou normatizador, um quadro que nao pode ser considerado singular, conceitual ou sistematico, mas sim reconhe- cido por meio de compromissos intelectuais relacionados a questoes sobre géneto, sexo e sexualidade, uma escola de pensamento com visdo bastante heterodoxa. Para a autora, gucer descreve um leque diverso de praticas relacionadas a criticas ao sistema sexo-género, a sexualidades nao normativas, pessoas transgéneros, descjos transgressivos, sadoma- soquismo, entre outros, expressos por meio de textos literarios, livros, filmes, misicas, imagens, etc. Salih (2012) afirma que os estudos gueer’ surgiram de uma alianga entre teorias feministas, pds-estrucuralistas € psicanaliticas, alianga esta, por vezes, incSmoda, que buscava investigar (e desconstruir) a categoria sujcito, pouco sc importando com termos como definigao, fixidez e estabilidade, para discutir os processos de identificagao ¢ significagao do género c da sexualidade. O uso da palayra desconstrugao, neste trabalho, refere-se a teori- zacao proposta pelo filésofo Jacques Derrida, bastante apropriada por autoras feministas p6s-estruturalistas ¢ que coaduna com os preceitos da. teoria gueer. Mostra-se como mais um caminho para inverter ¢ deslacara * ‘Tomo como base neste texto a nogio de contexto em Derrida (1991), afirmada pela sua abertura, instabilidade ¢ precaricdade, nao permitindo estabilizages de sentidos. a7 construgdo hierrquica que se naturalizou na diferenga sexual, colocando em discussio os binarismos dos termos homem/mulher, maseulino/femi- nino e heterossexual/homossexual. Nas palavras de Derrida (1991): A desconstrugao nao pode limitar-se ou passat imediatamente para uma neutralizagio: deve, através de um gesto duplo, uma dupla ciéncia, uma dupla escrita, praticar uma reviravolta da oposigao clas- sica € um deslocamento geral do sistema. I sé nesta condigao que a desconstrugio tera os meios de intervir no campo das oposigdes que critica e que é também um campo de forgas ndo-discursivas (p. 372). Jacques Derrida busca promover com 0 movimento da descons- trugio o que chama de “duplo gesto”, que se di por meio de dois momentos constituintes da atividade desconstrutiva, a inversao € 0 deslocamento, citados no excerto anterior. No primeiro momento, a inverso vai buscar colocar em destaque o que foi reprimido, marginali- zado, para no movimento de deslocamento, ir além das dicotomias, das hicrarquizagdes, dos binarismos, rompendo com qualquer nova hierar quizagio. A nogio proposta pelo filésofo ¢ potente dentro de uma critica pés-estruturalista a hereronormatividade, pois assume que os sentidos atribuidos ao g€nero e 2 sexualidade sao variados € diversos, sem qual- quer fundamento essencialista, como a propria teoria gueer propoe. Rodrigues (2009) expli desconstrugio dos binarismos em torno das questdes de géncro ¢ sexu- alidade: ita o pensamento de Derrida sobre a Quando Derrida fala em incalculaveis sexos, cle nao estaria propondo um indeterminismo em relagio a homens ¢ mulheres ou qualquer tipo de relativismo em relacio ao género, mas estaria apontando como ir além da oposigo masculino/femninino, entendida como mais uma das oposigdes metafisicas sobre as quais se formulam discursos de exelusio (p. 86). Leandro Teofilo de Brito ‘Trago também na construgao deste quadro teérico a nogio de performatividade gueer, discutida por Judith Butler e Eve Sedgwick. ‘Tomando como base a teoria dos atos de fala, de John Austin, Butler (2015a) nomeia de género performativo a repcticao estilizada de atos, gestos, atuagdes ¢ encenagdes que, por meio de proc s lingufstico- -discursivos, constitui € regula tanto o género quanto 0 sexo € a sexua- lidade a partir de padrdes tidos como normativos. A performatividade, entretanto, também permite deslocamentos de sentidos, pois, como afirma Butler (2015b), os sujcitos io constituidos mediante normas que, quando repetidas, produzem e deslocam os termos por meio dos quais sdo reconhecidos. A fildsofa estadunidense apropria-se de dois quase conceitos* desenvolvidos por Derrida a iterabilidade ¢ a citacionalidade, para afirmar que a repetigao € citagao das normas so contingentes e nao se proce: m de maneira deterministica sempre, o que permite 4 nogdo de performatividade possibilidades de rupturas ¢ desestabilizagtes. Um enunciado performative gera efeitos de forma proviséria ¢ contingente, mas no porque a intengao governa a agio da linguagem com éxito ¢ sim porque a agao se faz com agdes antecedentes, pela repeti¢ao ¢ citago de um conjunto de praticas anteriores (Butler, 2009). Neste contexto, Sedgwick (1993) far uma releitura da performa- tividade pelas significagé: s do termo gueer, que, num primeiro momento, constitufa um xingamento € uma forma bastante pejorativa de se referir a homossexuais, tal como “bicha”, por exemplo. A forea performativa do queer, segundo a autora, permite que pessoas LLGBTQ® ressignifiquem © termo, de um xingamento para uma posig&o politica ¢ epistemol6- * A nogio de quase conceito efou indecidivel para Derrida (2001), busca responder & impossibilidade do pensamento se organizar a partir de conceitos fixos, homogéncos € universais, desconstruindo assim parte da Idgica do pensamento metafisieo ~ pensa- mento binirio, polarizado e hierarquizado. Sigla que denomina Iésbicas, gays, bissexuais, transgeneros (travestis ¢ cransexuais) & queers 99 “"Neminaéal Afeminada!” ica que abarque a afirmagio de suas identidades, até entdo tidas como abjetas.! A performatividade queer, a partir destas proposigées, se faz importante nas andlises deste capitulo. Aproprio-me também da perspectiva queer como metodologia de pesquisa em interlocugio com a etnografia, A escolha do gucer como metodologia nao visa apenas a um olhar de desconstrugao para as iden- tificagdes de género e sexualidade dos sujeitos no campo empitico, mas também como uma opcio alternativa de metodologia que permits o didlogo com perspectivas pés-cstruturalistas para a pesquisa no campo das Ciéncias Humanas. Browne ¢ Nash (2010) afirmam que a pesquisa 14 pesquisa convencio- queer busca, além de desconstruir © desestabil nal, ressignificando métodos ¢ téenicas, reconhecer deslocamentos iden- titdrios, pois, neste contexto, a pesquisa queer'se debrucard em contextos anti-identitarios. A utilizagao de preceitos exnogréficos em conjunto com a perspec- tiva queer, tomando como base Rooke (2010), possibilita-me um olhar ctnografico desconstrufdo, que incide para as dimensdes emocionais, intersubjetivas ¢ eréticas na pesquisa de campo, possibilitando limi- tes fluidos ¢ flexfveis ao reconhecer as subjetividades nos processos de identificagdo dos sujeitos. O autor também afirma que a abordagem ctnografica para 0 género ¢ a sexualidade reconhece nfo 86 seu caréter discursivo, mas efeitos que gesam consequéncias nas realidades e priti- cas cotidianas. Utilizo observagdes participantes e entrevistas informais, em ctapas de um campeonato de voleibo! masculino sub-21, para opera- cionalizar uma etnografia queer, + Oemno abjeto, de Julia Kristeva (1988), aponta para aquilo que foi expelido do corpo, como um excremento ou um elemento estranho, algo que € considerada, de Faro, 0 “outro”. A autora afirma o carater de exclustio ¢ repulsa do abjeto ¢, neste contexto, identificagdes de género e sexualidade nao normativas, facilmente saci aactoass 20 abjeto, porém ressignificadas pela performatividade queer, conforme discutido aqui neste texto. 100 Leandro Teofilo de Brito Deste modo, 0 gueer como opeio tedrico-metodolégica neste capi- tulo anuncia 0 reconhecimento de infinitas masculinidades performatiza- das no contexto do voleibol, pois coaduna com as teorizagdes da descons- trugao e performatividade, possibilitando que se pense a gueer’zagéo dos sentidos atribufdos ao masculino potencializando o reconhecimento da desconstrugao de masculinidades normativas. PERFORMATIZACOES QUEER EM JOGO Em set bastante acirrado, que definiria tanto 0 jogo ¢ as posigdes das equipes na tabela, Gonchatovas libero do time, defende uma bola, que gera contra-araque € o ponto para sua equipe, comemorando de frente para o time adversério, girando a cabega e seeudindo sua franja loira, A arbitra adverte-o, afirmando a ele que provocagoes nao sie permitidas. Goncharova respond “Bater cabelo’ nao pode? Que eu saiba sempre péde!” (Diario de campo em 6 de dezembro de 2015). A performatizagao gucer do jovem atleta promovia deslocamentos de sentidos no que se reconhece como uma masculinidade normativa, entretanto sua performance de género j4 se mostrava naturalizada no contexto do campeonato de voleibol. As equipes que fizeram parte da fase final de disputa eram compostas por varios jovens atletas que se autoidentificavam como gays e bissexuais, fato que nao causava estra- nhamento entre técnicos, arbitragem ¢ espectadores do campconato, os quais, cm sua maioria, cram amigos ¢ familiares dos jogadores. 5 Os jovens atletas serio apresentados por nomes ficticios, nomes de atletus profissionai apedido dos mesmos, por s. Goncharov, jogadora da selegao da Russia, foi um dos nomes escolhidos, assim como Naidlia, Amanda, Sheilla © Miclael, entce os nomes que apresento neste texto. © Bater cabelo, uma expresso que, neste contexto do campeonato de voleibol masculino, pode ser considerada gueer, foi esclarecica pelo jovem atleta: “E provocar a adversirio Joganda 0 cabelo pra frente ¢ radando a cabega. As travas facen muito isso ea gente qc é mais solia ¢ menos incubada imita” (Goncharova), “Afeminada! Aerial” Apresento algumas falas a seguir que explicitam tal afirmagao: Eu acompanho meu irmao que joga vélei € essa questao dos gays sempre teve, se voce ver os jogos das categorias sub-13 € sub-15 & a mesma coisa, tem vérios meninos que séo também... a gente se ‘acostuma, faz parte, nao vejo nada demais nisso (Espectador). Entao, a gente que € técnico sempre recebe meninos que so gays, isso pra mim sempre foi normal. Dé uma olhada aqui nas equipes. nao tem uma equipe que nao tenha um menino que € gay... € Se NBO é gay, a chance de ser bi é enorme... ¢ nisso vocé como professor, técnico, educador... nao pode ser homofébico. Aquela coisa que se va de técnico xingando jogador de viado num erro no jogo, aqui até ¢ isso nao é nada deixa de ser xingamento, porque todos quase so... legal, ofender um menino (Professor-Téenico). Ah, gays no volei? Sempre teve... iss0 niio € de agora € cada vez a gente vai ver mais pelo visto... de um tempo pra ef tem até campe- onato especifico pra eles, a superliga gay, s¢ nvio me enganc... mas cles nem precisam disso, pois tomam conta dos carpeonatos que 0 so espectficos pra esse piblico... ou seja, nfo tem nem isso de ser campconato pra gay ou nfo, porque eles estio em tudo quanto é time... difteil ter um time hoje que nao tenha um gay (Arbitra). Os discursos apresentados mostram a naturalizagao da prescnga de jovens atletas gays ¢ bissexuais nos variados contextos do voleibol, indo, inclusive, além do campeonato propriamente dito em que ocorreram as observagdes, conforme a fala da arbitra aponta. ‘Tal fato foi levantado em pesquisa realizada por Coelho (2009), que afirma que o voleibol no Brasil se constitui como um espaco de socializagao hibrida ¢ homoe- rotica, pois como o futebol é um esporte que, historicamente, excluiu mulheres ¢ homossexuais de seu universo, o voleibol absorveu tanto as feminilidades como as masculinidades alternativas, entre torcedores/as e entre praticantes. Scgundo a autora: BE nesse cenario que o vélei acaba se constituindo em um espago de sociabilidade feminina ¢ homoerética. Mais do que isso, acaba se tornanda um esporte hibride — uma vez que permite cruzamentos, misturas, bricolagens cntre 0 que consideramos masculino € 102 Leandro Teofile de Brito feminino. (...; 0 voleibol estaria mais aberto a pluralidade, ou seja, daria a estrutura simbélica para que a feminilidade feminina, a femini idade masculina, « masculinidade masculina, a masculinidade feminina e outras combinagées posstveis tivessem seu espago esportivo (Coelho, 2009, p. 91), O volcibol, em alguma medida, desconstréi 0 binarismo mascu- lino/feminino, no contexto de exclusio do feminino no esporte, como também no dualismo masculinidades normativas/masculinidades desviantes. Coelho (2009) também afirma que 0 vélei é uma modalidade esportiva cujo acento na feminilidade se faz presente entre praticantes © torcedores/as ¢ tal fato se da por algumas constatagdes: nimero mais elevade de mulheres que praticam a modalidade,’ maior engajamento das mesmas nas torcidas.¢ também pelo fato de o vélei ter estreado nos Jogos Olimpicos jé com os naipes masculino ¢ feminino, nas Olimpiadas de 1964, em Téquio. A pesquisadora também ressalta ter encontrado em sua pesquisa de campo, realizada em jogos de volcibol e etnografias virtuais em redes sociais, uma parcela significativa de homens homos- sexuais como jogadores ¢ torcedores da modalidade, Complemento os dados levantados por Coelho (2009) destacando 0 crescimento da moda- lidade volci de praia misto nos ultimos anos, que permite a partivipagio de homens e mulheres jogando juntos cm duplas e quartetos,° assim como campeonatos voltados para o ptiblico gay, como a Liga Gay de Volei Amazonense, com sua 25? edicao do ano de 2016.” * Em pesquisa recente do Ministério dos Esportes (2015) ~ Diagndstico do Esporte no Brasil ~ constatou-se que o voleibol é 0 esporte mais praticado pelas mulheres, com um percentual de 20.5%, cnquanto os homens praticantes de vélei chewarn apenas a 5.1%, sendo o futebol principal esporte mais praticado pelos mesmos, com 66.2%. Disponivel em: . Acesso em: 18 maio 2016, * Insctigécs abertas para o volei em duplas masculino/feminino e misto, Dispontvel . Acesso em: 18 maio 2016, * Pagina da Liga Gay de Vélei Amazonense no Facebook. Disponivel em: . Acesso em: 19 maio 2016. 103 “‘Mfeminada! Afeminada!” Voltando ao campeonato de voleibol, Goncharova, nas conversas informais durante a pesquisa, colocava-se em determinade momento no masculino ¢ em outros momentos no feminino. Na tiltima etapa jogou com maquiagem, com 0 cabelo pintado de amarelo-ovo ¢ me contou o porqué da escolha do nome da jogadora russa: Foi quando, também, eu vi a Goncha jogando pela primeira vez contra o Brasil, ¢ me identifiquei demais, fui acompanhando ela, gostei do modo dela de jogar, que é meio parecido que o meu, ela provoca, griea na cara das adversérias...6 meio barraqueita, eu gosto disso, porque também sou barraqueira, voce 4 percebeu (risos). Fora que a Goncha € linda... (Goncharova) A enunciagio guver de Goncharova, ao transitar nas identifica- Bes de gener, promove deslocamentos nos sentidos mais estivels do masculino, identificagao esta que, aprioristicamente, o jovem assumiria no contexto do voleibol como atleta por atuar em uma equipe de rapa zes. O carater contingente da performatividade, porém, ¢, em especifico da performatividade gueer assumida por Goncharova, de algum modo desestabiliza a fixidez do g¢nero num campo t&o normatizador como 0. esporte. Outros jovens atletas, interpelados na pesquisa, escolheram também como nomes ficticios jogadoras de voleibol e o jogador Michael, atleta profissional que € assumido como homossexual no voleibol brasi- leiro. A escolha esteve direcionada para a admiragao por tais atletas, conforme exponho nas falas a seguir: Eu gosto na Navilia que joza no time do Rio de Janeiro... vejo 0 jogo dela e sempre tento fazer igual, a forma como ela bate na bola tudo mais (Natdlia). Ah, a Amanda que joga em Brasilia ¢ jogou aqui no Rio de Janeiro por anos... adorava quando o Bemardinho colocava ela sé pra sacar e cla quebrava a recepeao da equipe adverséria (Amanda). Sheila! Sheilla chama o jogo quando € necessirio, igual nas olimpiadas naquele jogo contra a Russia. Sou fi dele e quero ter 0 nome dela na pesquisa (Sheilla). 104 Leandro Tecfile de Brito Eu gosto do Ricardinho, de Lucao... mas vou escolher o Michael por serum icone pros atletas gay’ sua pesquisa (Michael). a loka (risos)... eu quero causar nessa Os deslocamentos promovidos pela escolha dos nomes de jogado- ras de voleibol, em especial, desconstroem as performatizagdes norma- tivas do esporte ¢ independentemente da orientagao sexual dos jovens atletas, tal fato no contexto do voleibol masculino mostra-se como uma ressignificago importante neste espago. A masculinidade normativa, tio cara ao esporte praticado por homens, reconfigura-se a partir de outras possibilidades no contexto contemporaneo do voleibol. Neste sentido recorro a Butler (2015a) pela seguinte afirmagio: “A ordem de ser de um dado género produr fracassos necessdrios, uma variedade de confi- guragdes incoerentes que, em sua multiplicidade, ex a ordem pela qual foram geradas” (p. 250). edem e desafiam Os espagos de pritica do voleibol também cram locais de namoro © encontros sextiais entre os jovens atletas. ‘Tul fato era explicitamente visivel nas ctapas do campeonato, confirmado pelas conversas informais comigo € pelos papos que ocorriam entre os jovens nas arquibancadas entre um jogo € outro, assim como em algumas idas e vindas que realizei aos vestiirios, quando pude perecber olhares e cédigos entre os jovens que circulavam constantemente por tal espago. Um destes jovens atletas relata situagio de “pegagio” que aconteccu em uma das ctapas da qual sua equipe participou: [..J} Foi assim do nada a pegacdo: “Ah, vamos brincar de um joguinho no banheiro?”. Poi depois do torncio e no era com ninguém do meu time, até porque ninguém do meu time soube e nem nada. Era 0 que... uns cinco ou seis caras comigo. Af teve uma tal da brincadeira verdade e consequéncia, onde aconteceu de um passar a mio no outro, tocar no outto, beijar... e tipo, foi no banheiro ¢ na frente de todo mundo que entrava... foi tudo muito louco! (Natélia). Embora 0 campeonato de voleibol deserito nesta pesquisa nao seja um campeonato especificamente gay, a predominancia de jovens atletas que se identificavam como homossexuais € bissexuais contestava 105 “Merninada! Aferninada!” a logica heceronormativa do esporte em variadas questoes, por meio de suas performatizagdes, que perpassavam, inclusive, as situagbes de socializagdo voltadas para 0 sexo, como 0 que se denomina de “pega- Go”. Camargo (2014), em artigo que problematizou a crotizagio dos espacos esportivos de competigoes LGBT, argumenta que locais como banheiros € vestidrios s4o ressignificados por atletas gays nas competi- goes, mediante a dindmica mais livre de desejos posta em pritica por cles em tais espacos, Outro espago relatado por um jovem atleta foram 0 alojamentos esportivos. Apresento a seguir meu didlogo com ele: Pesquisador: B pegagio no banheiro? Sheilla: Acontece muito ¢ em viagens rola muito, nos banheiros dos alojamentos... € nZo € sé homem com homem, cm competicéo que tem ferninino j4 rolou com garotas. Pesquisador: E voc ja fez? Sheilla: J4, j4 sim. Normal, porque eu custo meninas também (risos). Dando continuidade As proposigdes de Camargo (2014), em inter- locugéo com as minhas andlises, reconhego a existéncia dessa crotiza- (0 no contexto do voleibol como uma performatizagiio queer, que & encenada pelos jovens atletas de voleibol. Mesmo em uma competigao no especifica para gays, 0 contexto homossocial que prevalece ern tais espacos possibilica que as aproximagées, que culminam em encontros sexuais entre os jovens, ressignifiquem as (hetero) normatizagoes que 0 contexto do esporte masculino dificilmente permitiria DECIDINDO 0 SET Busquei, neste capitulo, discutir desconstrugdes da masculi- nidade normativa no contexto do esporte, problematizando atuagoes e encenagoes de performatividades queer entre jovens atletas que disputavam um campeonato de voleibol. Deslocamentos importantes 106 Leandro Teofilo de Brito fizeram-se presentes nas narrativas etnograficas apresentadas, princi- palmente quando consideramos 0 espago do esporte como um campo regulado ¢ generificado, As discussdes apresentadas permitem apontar variados desloca- mentos de sentidos, tais como as performatizagdes que os jogadores encenavam no contexto do campeonato, “batendo cabelo”, fazendo “pegagio” nos vestidrios, como também 0 fato de os jovens atletas esco- lherem nomes ficticios de jogadoras de voleibol Para se nomearem na pesquisa. Masculinidades alternativas aos modos normatizadores de ser homem se fazem presentes na sociedade, ¢ 0 campo do esporte, embora ainda repleto de resisténcias diante dessas quest6es, vem protagoni- zando a partir do voleibol. Problematizar a desconstragao de um masculino normativo, como este texto se props, ¢ uma aposta politica e teérica em potencial, pois coloca em xeque o dominio da heteronormatividade, nao 36 no campo do espurte, assim como a fixidez ¢ regulagio de corpas, desejos e escolhas dos sujeitos. REFERENCIAS BROWNE, Kathe; NASH, Catherine (Org,). Queer methods and methodolo- ies: intersecting queer theories and a social science research. Surrey: Ashgate, 2010. BUTLER, Judith. Lenguaje, poder identidad, Madrid: Editorial Sintesis, 2009. » Problemas de género: feminismo ¢ subversio da identidade. 8. ed, Rio de Janeiro: Civilizagdo Brasileira, 2015a. » Quadros de guerra: quando a vida € passivel de luto. Rio de Janciro: Civilizagao Brasileira, 2015b. 107 “Afesrinada! Neminadal” CAMARGO, Wagner Xavier. Notas etnogeaficas sobre vestidrios ¢ a crotizacio de espagos esportivos. Revista Ariemis, v. 17, p. 61-75, 2014. COELHO, Juliana Afonso Gomes. Voleibol: um espago hibrido de socia- bilidade esportiva. In: TOLEDO, Luiz Henrique de; COSTA, Carlos Eduardo (Org.). Viséo de jogo: antropologia das praticas esportivas. S20 Paulo: Editora ‘Terceiro Nome, 2009. p. 75-93. DERRIDA, Jacques. Maryens da filosofia. Campinas: Papirus, 1991. . Posigées. Belo Horizonte: Auréntica, 2001. KRISTEVA, Julia. Poderes de la perversién: ensayo sobre Louis-Ferdi- nand Céline. México. Siglo XX, 1988. MINISTERIO DOS ESPORTES. Dizgnéstico Nacional do Esporte — Caderno I. 2015, Dispontvel em: . Acesso em: 20 maio 2016, RODRIGUES, Carla. Coreagrafias do feminine. Florian6polis: Edivora Mulheres, 2009. ROOKE, Alison. Queer in the ficld: On emotions, temporality and performativity in Ethnography. In: BROWNE, Kathe; NASH, Catherine (Otg,). Queer methods and methodologies. London: Asghate, 2010. p. 25-40. SALIH, Sara. Judith Butler ¢ a teoria queer. Belo Horizonte: Auténtica Editora, 2012. SEDGWICK, Eve Kosofsky. 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