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788567 COLECAO HISTORIA DO PARANA Urbanizagao e Industrializacgao no Parana il fore MMS eT ed elementos mais ecu eme Cere | Mee Tete tet) Tee eae MOY rg tornaram-se na cultura freee eeRe Teer iliatd ee eae ete) ee ee Ue ett) Cece eet ee tr] tessa) No Parana o tema da eer re OMe oe) ee Maur eye che} Bree ur uCule ie is a Segunda Guerra Mundial. teenie ie eens) nosso Estado e erigir uma Cree ea ar ol Me Semi ers praticamente todos os CI ecm CEL Ger RCE Cesc perspectivas e com desiguais graus de éxito. JA no que se Clee Mle race Te) Pes Cera enn eo POMC Oa eT) See ie Mme eM) Mutu cuem ete ee eM umes ns) eee) Este livro se prop6em a interpretar de que forma nosso Ce MU ir Leta) Wace ls oe ML) Pee een Mn eee ny PE Meroe Meee uti) Ce eee) determinada estrutura de SMC EM et mg uae Resear Oe Coe eter ts Cer paranaense contemporanea rescore EEC CROC ILE) ee Rea eli (UFPR, 1987), Mestre em Ciéncia Politica (UNICAMP, 1990): ele Reet oe rer (UNICAMP, 1995). E autor, entre outros livros. eset ier oy Peerage thir (Editora Prephacio, 1991) e ‘Curitiba e o mito da cidade modelo (Editora da UFPR. PU een NTI Pee ney eater lea Atualmente é professor eee ReoM ere ere tui) Fetal R steel eae ene Pte Melg a DENNISON DE OLIVEIRA Urbanizacdo e industrializagao no Parana 2# edicdo eletrénica Curitiba 2017 Sociedade de Amigos do Museu Paranaense Créditos Governador do Parana Beto Richa Secretario de Estado da Cultura Jodo Luiz Fiani Diretora-Geral da SEEC Jader Alves Coordenador do Sistema Estadual de Museus ¢ Diretor do Museu Paranaense Renato Augusto Cameiro Junior Editoracdo¢ preparagio e-book Roberto Guiraud — De: Sociedade de Amigos do Museu Paranaense — SAMP Marionilde Dias Brepobl de Magalhiies Presidente Este livro foi reeditado com recursos do CNPq e Fundagio Araucai Let DE Apoio Apresentacao da Colecao O presente exemplar integra uma colegio de 5 livros que foi ori- ginalmente publicada em 2001 pela Secretaria de Educago do Estado do Parang, intitulada Colegio Historia do Paran3, © objetivo era propiciar 203 aducadores 0 acesso a conhecimentos e interpretagde: da Historia Regional, abordande diversos aspectos que conferizam identidade ao Estado. Com o tempo, comstatou-se que outros leitores se imteressavam pela colegao: além des professores, pesquisadores e estudantes, profissionais das mais diversas areas procwavam obter os livros para saber mais sobre o Parana; sua formagio econémica, a populagio qua ocupou o teritorio, sua cultura, sua contibuigae politica a nagae brasileira. Esta foi 2 motivagio que levou o Museu Paranaense, sempre de- dicade 2 difusie da Historia sob wma perspectiva cientifica, a langar uma segunda edigie do material, que ora 4 denominada Colagao Parana- Taxtos mtrodutéros. Acolegdo ¢ composta pelos seguintes titules: Parana: Ocupacio do Territério, populacio e migracées. por Sergio Oden Nadalin; Vida material, vida econdémica por Carlos Roberto Amtunes dos Santos; Cultura e educagio uo Parana, por Etelvina Maria de Castro Trindade e Maria Luiza Andreazza; Parana: politica e governo, por Marion Brepoll; Urbanizacio ¢ Industrializacio do Parana, por Dennison de Oliveira © leitor que apreciar estes contetides podera conhecer mio ape- nas os fatos 2 as comjunturas querevelam a trajetoria social desta regio, mas também familiarizar-se com wma rica bibliografia académica que orientow a escrita de seus autores, todos eles, professores da Universida- de Federal do Parana. Envetanto, longe de ser uma resposta defimitiva, estes estudes ampliam as questées e os debates tomo do tema, procurande des- pertar a cuosidade intelectual de tedos relativamente aos personagens, experigncias, institui¢des e movimentos sociais que configuram a singzu- lanidade de nosso estado. Que a presente colegio, ao sugerir fontes e métodos de estudes, estimulem trabalhos outres que venham a emiquecer a historia como instrumente de conhecumento, de educagao, de ensino. Agradecimentos Agradecemos a Sociedade de Amigos do Museu Paranaense, a Fundagio Araucaria e 20 Conselhe Nacional de Desenvelvimento Cien- tice @ Teenolégico - CNPq, pelos recursos destinados a esta publica- a0, a partir, respectivamente, da Lei Rouanet, do Ministerio da Cultura do Govemo Federal ¢ do Programa Niicleo de Exceléncia - PRONEX, da Secretaria de Ciéncia e Teenologia do Estado do Parana em parceria com o Ministerio de Ciéneia e Tecnologia do Governo Federal. Colegio Historias do Parana Marion Brepobl de Magalhaes Presidente da SAMP Renato Carneiro Jr. Duetor do Museu Paranaense Pesquisa Lorena Beghetto Revisio bibliogrifica Ligia Leindorf Bartz Kramer Editoragio Eletrénica e Capa Amiraldo M. de Gusmio Je. Lilian Alcantara Soares Depésito legal junto a Biblioteca Nacional, conforme Lei n? 10.994 de 14 de dezembro de 2004 Dados Internacionais de Catalogacao na Publicagao (CIP) Bibliotecaria responsavel: Luzia G. Kintopp - CRB/9-1535 Index Consultoria em Informagao e Servigos Ltda. Curitiba - PR Oliveira, Dennison de Urbanizagao e industrializagao no Parana [recurso eletronico] / Dennison de Oliveira. — Curitiba : SAMP, 2017. Recurso on-line : PDF. ISBN 978-85-67310-27-5 1, Economia - Parani. Historia. 4. Migrago rural-urban: 6. Politica industrial. 7. Urbanizagao - Parana. 1. IL Série. CDD: 338.098162 IMPRESSO NO BRASIL/PRINTED IN BRAZIL. lustragao oa capa: Imagem invertida de DEBRET, Jean Baptiste - Curitiba, 1827. SUMARIO LISTA DE SIGLAS...... LISTA DE TABELAS E QUADROS..... a 1 URBANIZACAO E INDUSTRIALIZACAO: QUESTOES PRELIMINARES .... 2 CIDADE E INDUSTRIA NO CAPITALISMO CONTEMPORANEO ... 3 TRANSFORMAQOES RECENTES DA SOCIEDADE PARANAENSE: INDUSTRIAS E CIDADES . 3.1 OCASO DA INDUSTRIA DE ERVA MA’ 32 A EXTRAGCAO DA MADEIRA ... 3.3. CAFE: INDUSTRIALIZACAO E URBANIZACAO 3.4 SOJA: EXODO RURAL E INDUSTRIALIZACAO .. 026. 026. 030 033 4 AFORMACAO DO PARANA CONTEMPORANEDO ....... 4.1 O PAPEL DO ESTADO E DA CLASSE EMPRESARIAL NA INDUSTRIALIZAGAO ..... 4.2 OS PROJETOS INDUSTRIALIZANTES DA CODEPAR E DO BADEP.......... 045 4.3 REFORMA URBANA E INDUSTRIA: 0 CASO DA CIDADE INDUSTRIAL DE CURITIBA 4.4 POLITICAS INDUSTRIAIS E METR' HISTORIA RECENTE DO PARANA ..... 4.4.1 UM PROJETO: A TERMELETRICA NO LITORAL 4.4.2 UM CASO CONCRETO: O POLO AUTOMOTIVO . 038 5 CONCLUSAO: TENDENCIAS E PERSPECTIVAS DA INDUSTRIALIZACGAO E DA URBANIZACAO DO PARANA NO III MILENIO..... REFERENCIAS .. BIBLIOGRAFIA E FONTES RECOMENDADAS ... TESES, DISSERTACOES E MONOGRAFIAS...... See ee eee LISTA DE SIGLAS ACP — Associago Comercial do Parana APEOP - Associagio Paranaense de Empreiteitos de Obras Piiblicas BADEP — Banco de Desenvolvimento Econdmico do Estado do Parana BNDE = Banco Nacional de Desenvolvimento Econémico /BNH — Banco Nacional de Habitacio ‘CAE — Comissio de Assuntos Econémicos CBPO — Companhia Brasileira de Projetos ¢ Obras ‘CEPAL — Comissio Econémica para a América Latina CIC = Cidade Industrial de Curitiba ‘COPEL - Companhia Paranacnse de Energia Ektrica ‘CODEPAR ~ Companhia de Desenvolvimento Econémico do Parana COMEC - Coordenagio da Regiio Metropolitana de Curitiba FEBRABAN - Federagio Brasileira de Bancos. DE — Pundo de Desenvolvimento Econémico FIEP — Federagio das Indistrias do Estado do Parand GM = General Motors HSBC — Hong Kong and Shangai Bank IAP = Instituto Ambiental do Parand IBGE - Instituto Brasileiro de Goografia ¢ Estatistica ICMS — Imposto sobre Cireulagio de Mereadarias ¢ Servigos IPARDES ~ Instituto Paranaense de Desenvolvimemo Econdémico ¢ Social IPPUC - Instituto de Pesquisa ¢ Planejamento Urbano de Curitiba IPTU = Imposto Predial ¢ Territorial Urbano PDC - Partido Democrata Cristio PPL. Partido da Frente Liberal PIB — Produto Interno Bruto PMDB - Partido do Movimento Democritico Brasileiro ‘PSDB — Partido da Social Democracia Brasileira PTB ~ Partido Trabalhista Brasileiro PV ~ Partido Verde ‘RMC — Regio Metropolitana de Curitiba SAGMACS ~ Soc. de Artes Grificas ¢ Meeanogrificas A plicadas is Citncias Sociais TER/PR - Tribunal Regional Eleitoral do Parana ‘URBS — Urbanizagio de Curitiba $/A LISTA DE TABELAS E QUADROS Tabelas Distribuigdo relativa da populacao, por situagio de domicilio, no Parana, 1940-1980 ... 2 Taxa de urbanizagio dos municipios ~ regio metropolitana de Curitiba, 1950-1980 3 Participasio relativa dos setores da economia na geracio de renda interna estadual, 1970-1980 ..... 4 Principais produtos de exportagio — Brasil, 5 Dados referentes 4 industria, por Estado, 1913... 6 — Exportagdo de erva mate pelo Estado do Parana, 1851-1892 7 Niimero e participagio percentual nos estabelecimentos industriais, segundo classes ¢ géneros da indhistria, no Parand — 1939-1980... 8 Movimento de mercadorias no Porto de Paranagud, 1948-1955 9 Produgio ~ Area cultivada com soja no Parana = 1970-1978 10 Exporagdes paranaenses de dleo ¢ farelo de soja — 1969-197 11. Investimentos estaduais em energia elétrica e rodovias — 1961-1966 12 Participagio relativa do valor da producio das grandes empresas do Parand no valor agregado de varios grupos - 1975 .... es ad) 13. Distribuiglo do valor adicionado da indistria paranaense, segundo micro-regides = 1975-1979 .. 14 Valor acrescido relativo as manu! 15 Valor das. compras ¢ das vendas do género mecanica, segundo origem destino, no Parana - 1986-1989 .. = 16 Distribuigio da populagio urbana, segundo estratos de tamanho, no Paranda — 1970-1991 - 099 ‘Quadros 1. Prestasio de contas de Jaime Lerner/demonstracio de recursos. artecadados 3328 Urtanizagdo @ Industrializagio no Parand 1 URBANIZACAO E INDUSTRIALIZACAO: QUESTOES PRELIMINARES A sociedade brasileira do ano 2000 é industrial ¢ urbana. Isso significa que grande parte do valor do conjunto da sua produgio ¢ gerado na Indhistria © que a maioria da sua populacio vive nas cidades, ¢ nio no campo. Esse quadro € perfcitamente adequado as tendéncias mundiais, que apontam, de forma consistente, para o declinio do valor médio da produgio agricola e para ‘© crescimento das cidades, em especial das grandes cidades. O crescimento do setor terciirio — dedicado 4 prestagio de servigos, inclusive financeiros - também reforga a tendéncia 4 urbanizacio (c, no limite, metropolizagio), ao mesmo tempo em que diminui a participagao relativa do setor apricoh na .getacio da renda nacional. O fato de a industria ¢ a cidade serem as imagens mais representativas das sociedades contemporineas nio quer dizer, necessatiamente, que ambos ‘98 processos tenham de ocorrer nas mesmas circunstincias, ou mesmo que um seja, necessariamente, a causa de outro. A diversidade de casos nacionais, ‘com seus respectivos contextos institucionais, diferentes padres de formagio histérica de suas classes sociais, para niio mencionar as posigdes distintas que ‘ocupam no quadro da divisio internacional do trabalho, sio fatores a ser levados em conta no debate sobre as origens ¢ as transformagics da sociedade urbana ¢ industrial. Historicamente, a urbanizacio antecede a industrializagio, embora se possa reconhecer que a passagem da economia rural para outra de base industrial intensifique a urbanizagio. O crescimento de malhas urbanas relativamente proximas forma auténticas redes de cidades, chegando inclusive a se tomar dificil distinguir onde comega ¢ onde terminam os municipios, caracterizando o fenémeno da conurbacio urbana. Pode-se falar em metropolizagdo quando estiverem presentes tanto uma expressiva concentracao da populacio urbana em algumas poucas cidades, quanto o papel proeminente destas no desenvolvimento de uma rede de cidades que com elas mantém relagdes de interdependéncia. Cole¢io Histéria do Parand No caso paranaense, essa transi¢io se completou apenas nos anos 1980, quando finalmente a populagio urbana ultrapassou a rural (tabela 1). TABELAT DISTRIBUICAO RELATIVA DA POPULACAO, POR SITUAGAO: DE DOMICILIO, NO PARANA, 1940-1980 POPULAGAO FONTE: IPARDES. Séries retrospectivas do Parana : dados histéricos da inciistria (1940 -1980). Curitiba, 1993, p.17 Foi também nos anos 80 que se assistiu a um auténtico processo de metropolizagao no Parana. A referencia aqui € a0 caso de Curitiba. Apesar de a Coordenagio da Regio Metropolitana de Curitiba (Comec), ligada ao governo do Estado do Parana, existir desde 1973, poucos autores defendem que interfaces autenticamente metropolitanas entre Curitiba € seus municipios vizinhos tenham se materializado ji naquela época. Nem mesmo no plano institucional se verificou qualquer articulagio consistente a0 longo do tempo. A patticipacio da Regiio Metropolitana de Curitiba {RMC) enquanto proporcao do total do Estado também pode ser usada como argumento a favor do entendimento de uma metropolizacgio nos anos 80. Na década de 50, a populagao da futura RMC representava 15% do total do Estado; 12% em 1960; 11% em 1970; 18% em 1980, Em que pese a precariedade dos dados, resultado de diversas adesdes de municipios i RMC, pode-se dizer que nos anos 90 essa participagio alcangou 26% (LIMA, 2000, p.69), Outro indicador que permite falar da metropolizagio de Curitiba é conurbagio. Esse fenémeno € tio mais provivel quanto mais alta for a taxa de urbanizacio dos municipios. A medida que vai declinando a area rural dos municipios, em proveito do crescimento da malha urbana, ¢ 10 Urbanizagao © Incustrializagio no Parand decai a proporgio de habitantes na zona rural, a sua fusio se torna mais comum. A esse respeito, é instrutivo examinar a tabela 2, a seguir: TABELA2 TAXA DE URBANIZACAO DOS MUNICIPIOS REGIAO METROPOLITANA DE CURITIBA, 1950-1980 Em %) aS i [me | [ ~sez6_[ rae | 79.91 | 919] PONTE: ULTRAMARL C4 MOURA, R. (Ong). Meteépole grande Curitiba! teotia © pritica. Curitiba: IPARDES, 194, p.9 Faz sentido entio falar de uma convergéncia tanto da industrializagio: quanto da urbanizagio no caso do Parana. Cabe refletir sobre tis processos a luz dos precedentes histéricos disponiveis, em particular dos efeitos que um possa exercer sobre 0 outro. Isso exige uma feflexio, numa perspectiva historicamente comparada, sobre as origens da Revolugio Industrial ¢ 0 correspondente proceso de urbanizagio, A referéncia aqui ¢ ao caso britinico, Colegio Histéria do Parand A Revolugao Industrial proporcionou & economia a oportunidade de incrementar cada vez mais a produtividade de um vasto numero de atividades. As priticas tadicionais de produgio ¢ comercializagio baseadas no artesanato c na manufatura cederam espaco 4 produgio em escala industrial de bens de cansumo nio-duriveis c, portanto, de baixo custo final ao consumidor: téxteis, calgados ¢, mais tarde, alimentos, Passaram a ser fabricados a um custo tio baixo que se tomaram capazes de criar a sua propria demanda, A Revolugio Industrial original ocorreu nas Ilhas Britinicas no final do século XVII, quando boa parte da economia local ji se achava org@nizada com base em priticas capitalistas, inclusive o setor agricola. O incremento precedente da produtividade do setor agricola naquela regio, o qual remonta ao século XVIL, fez-se tanto com base na adogio de novas técnicas produtivas, quanto na necessidade de redugio dos gastos com mio-de-obra. Os pregos alcangados pela li no século XV induziram um processo constante de erradicacio das terras comunais, as quais as comunidades camponesas exploravam em comum, dedicando-se @ agricultura de subsisténcia. Desejosos de utilizar area cada vez maior para as pastagens dos rebanhos, os proprietirios de terra comegaram a se apropriar dessas direas (geralmente de forma ilegal), a0 mesmo tempo que introduziam formas de pagamento pelos servicos prestados pelos trabalhadores baseadas no salirio. O aumento constante da populacio, somado 4 redugio da area plantada, levou a um rebaixamento geral desses salarios rurais, provocando maciga migragio para as cidades. O resultado foi a criagio de um vasto contingente de mio-de-obra barata que tomar- se-ia eventualmente disponivel para alavancar uma futura Revolucio Industrial. Os alimentos ¢ matérias-primas passaram a compor a partir dai proporgdes cada vez maiores da pauta de importages da Gri-Bretanha. Dessa forma, a sociedade britinica foi a primeira na Histéria a niio depender da economia rural para a sua subsisténcia, bem como a primeira a possuir a maioria de seus habitantes residindo nas cidades, ¢ niio mais no campo. Tais tendéncias foram seguidas, ji a partir da segunda metade do século XIX, por boa parte da Europa Ocidental ¢ do Norte dos EUA, bem como em ireas que podem ser consideradas parte da periferia do capitalismo no plano mundial. 12 Urbanizagao & Industrializagio no Parand O progressivo rompimento dos lagos juridicos, politicos e sociais que ligavam o homem 4 economia agricola ¢ 4 sociedade rural, bem como a substitui¢io da agricultura, do cxtrativismo e da pecuiiria pela industria, como principal setor da atividade ecanémica, marcam o inicio da sociedade contemporinea, industrial ¢ urbana. A generalizacio do trabalho assalariado, a separagio do local de trabalho daquele de domicilio, para nao mencionar a expansio do setor terciério, tornaram o estilo de pensar ¢ viver radicalmente diferente daqueles encontrades nas sociedades agricolas, regidas geralmente pelos ciclos da natureza. As origens, motivagdes, agentes, implicagdes © até mesmo o grau em que se pensa possivel generalizar as conclusdes afetas a esses diversos topicos sio sempre motivo de controvérsia. Sem divida, porém, as cidades ¢, mais ainda, as metrépoles tornaram-se o habitat da maior parte da populagio mundial, impondo um estilo de vida que pouco ‘ou nada era regulado pelos padrdes tipicos das sociedadcs agricolas, Segundo pelo menos uma metodologia disponivel de andlise € tratamento dos dados, no Parana o valor da produgdo industrial finalmente ultrapassou aquele das atividades agricolas também nos anos 80, coincidindo, pois, com a fase final do proceso de urbanizacio paranaense (tabela 3). FONTE: 1EAO, 1% C Indien no Pani ie PAZ, F. (Ong), Parandc cenisios de economia © socedade. Cuntibe: Fa. Prephico, 199%. p43 (Estimation, Colegio Histéria do Parand (© exame desses dados coloca uma série de questies, em particular no que diz respeito 4 mancira como nos referimos ¢ delimitamos os diversos setores de atividade econémica: primirio, referindo-se as atividades agropecudrias ¢ extrativistas, secundario, 4 inchistria; terciario, a servigos. As ciéncias ccondmicas discutem se ¢ quando pode-se dizer que processo de industrializagan esteja em andamento ou cferivamente concluido, Pode-se falar de industrializagio quando se inclui o beneficiamento de produtos primirios para exportagio? Em que condigées? Indtistria é entendida como a produgio de merdadorias? Como se define uma politica industrial na_cra da Sociedade da Informacio, na qual o poder politico (tecnologia militar) ¢ © econémico (biotecnologia, robética, informatica, etc.) se basciam no monopélio do conhecimento? A resposta a essas questées — cujo debate esta longe de ser concluido — deveni produzir efeitos tanto sobre a claboracio das estatisticas oficiais, quanto nas correspondentes politicas Ppublicas que clas suportam. Nos censos oficiais, em particular, a definigio da metodologia de coleta e¢ anilise das dados pode assumir grande importincia. No que diz respeito 10 exame da literatura académica, a maneira pela qual se concebe ¢ se descreve a industrializagio pode variar consideravelmente em fungio do resultado desses debates. Dentre a extensa produgio dedicada a0 tema, cabe agora comentar 0 estado da arte no interior das ciéncias humanas e aplicadas. © interesse das Primeiras tem recaido, no que respcita 4 Sociologia ¢ @ Histéria, no estudo da tansigao da sociedade tradicional (entendida aqui como de base numl c economia agricola) para a modema (urbana ¢ industrial). A énfase é dada a temas como © papel do Estado ¢ das classes sociais no processo de transigao € até mesmo as discussGes sobre as virrudes de uma Teoria da Histéria etapista e seqiencial. Com relagio a esse dldmo ponto, foi produzida toda uma vasta bibliografia dedicads interpretar o papel desempenhadlo pelas Revolugdes Burguesas em diferentes contextos nacionais (MOORE JUNIOR, 1983; DAHRENDORF, 1982; HOBSBAWM, 1981; POLANYI, 1980), No que diz respeito a esas Humanidades, notam-se algumas tendéncias que, pelo seu comtetido, tém se colocado permanentemente em oposicio, tanto no que respeita as suas orientagdes tedricas, quanto no que se refere 4s suas fontes de inspiracio politica relativas a esses dois processos. Estamos nos referindo aos estudos oricntados pelas perspectivas marxista, weberiana ou pela orientacio liberal. 14 Urbantzagiio « industrializagée no Parand Segundo os estudos inspirados pela dtica marxista, regida pelo conceito de modo de produc’o, cuja versio original remonta a 1864, a industrializagio ¢ a urbanizacio podem ser entendidas como componentes de uma etapa no processo de superacio histérica do feudalismo pelo capitalismo. Nessas abardagens, tanto as transformagées politicas quanto as econdémicas so entendidas, em boa medida, como parte do projeto social de uma certa classe — a burguesia — que atua de forma consistente na construcio de um determinado tipo de sociedade — a capitalista. A. ocorréncia quase simultinea das Revolugdes Burguesas ¢ da Revolacio Industrial € entendida na ética marxista como parte de um mesmo processo: a superagao histérica do feudalismo € sua progressiva substituigio pelas formas capitalistas de producio. A Revolugio Gloriosa na Inglaterra (1688) ¢ a Revolucio Francesa (1789) assumiriam grande importincia nesse processo de transigio por tcrem destruido as bases do poder politico dos senhores feudais, Ao abalir as normas juridicas que garantiam tanto o poder politico do Estado Absolutista quanto as fontes de renda da aristocracia ¢ do clero, as Revolugdes Burguesas teriam logrado impor as condigées necessirias a0 pleno advento da sociedade capitalista: a liberdade de comerciar ¢ produzir, a garantia do direito de propriedade, o reconhecimento formal de todos compo iguais perante a lei, a eriagdo de condigdes favoriveis ao surgimento ¢ consolidagio de um mercado de trabalho assalariado, etc. ‘Tal corrente surgiu como uma critica Aquelas teorias que enfatizavam @ Idealismo como principal fator explicativo da ascensio do modo de vida capitalista, A vertente marxista recusa a nogio de que a transformagao histérica possa ser entendida como mera prevaléncia de idéias mais avancadas sobre outras. Sua énfase é sempre nas condigées politicas, institucionais © econémicas, produzidas historicamente, que teriam gerado as condigées para se desencadear ¢ sustentar um determinado projeto politico da classe burguesa, Sua critica se dirige as doutrinas identificadas com os propdsitos da propria burguesia, notadamente o pensamento liberal, que presume que a prevaléncia das relagées capitalists de produgio se di de forma “espontinea", ou “natural”, ou “inevitavel” em toda € qualquer saciedade. Em tempos mais recentes, 0 entendimento do processo de formagio das classes sociais tem conhecido considerivel avango tanto a partir da Histéria Social do Trabalho (THOMPSON, 1987), quanto da Sociologia Lh} Coleghe Histéria de Parand do Trabalho. Em todos esses estudos, a inspiragio marxista pode ser observada, ainda que em diferentes graus. ‘A alienagio € um dos conceitos centrais no marxismo, Pode ser descrita como © cstado no qual o individuo ou grupo se encontram estranhos ou alheios ao resultados ou produtos de seu trabalho, 4 Matureza, aos outros seres humanos ¢ até a si mesmos e as suas possibilidades como agentes da mudanga da situagio cm que vivem. Segundo MARX (1968), os seres humanos alienam parte importante de si mesmos na forma de Deus, bem como os produtos da sua atividade econémica sob a forvha de mereadoria ou dinheiro, Também o seu papel social é alienado sob a forma do Estado e das instituigdes politicas. ‘© paradoxo da sociedade capitalista no que se refere a alienagio do trabalho, segundo MARX. (1968), diz respeito a relagio do tmbalhador com a forma pela qual ele s¢ relaciona com 0 proceso produtivo ¢ com os resultados de seu trabalho. Por um lado, existe sobrevalorizagio cultural do trabalho, segundo a qual somente os individuos que trabalham so dignos de respeito € crédito. Somente os trabalhadores € que podem ser considerados pessoas respeitiveis, O resultado € que o tabalhador sc empenha de forma desproporcional no seu trabalho em relagio a outras atividades (lazer, familia, Gcio, etc.), dedicando o melhor da sua vida a atividade produtiva, Além da pressio social, devem ser levadas em conta também as motivagdes de ordem pessoal, que induzem o individuo a fazer do trabalho a atividade central da sua vida. Existem textos dedicados 4 moral € satisfagio no trabalho que identificam quatro fontes de satisfacao pessoal dos individuos no que se refere ao seu trabalho; 1) © proprio trabalho; 2) © orgulho de pertencer ao grupo de trabalho; 3) © fato de pertencer a empresa; 4) © salirio ¢ © statur do posto de trabalho. essa forma, percebe-se que as atividades afetas ao trabalho podem ser fonte de satisfacio em si, mas mesmo assim isso nio implica que o trabalhador possa se identificar com os resultados de sua atividade produtiva. Percebe-se que até fatores de satisfagiio pessoal podem ser raros ou inexistentes, dado o grande niimero de queixas constatadas em pesquisas sociais que apontam para a frustragio com o cariter repetitive das operagées tipicas do processo produtivo, a falta de perspectivas no que se refere i ascensio funcional, baixos salirios, ctc, 16 Urbanizagéo @ Industrializagéo no Parand Sendo assim, podemos dizer que, no que se refere As atitudes diante do trabalho, vigoram tanto uma moral que privilegia a positividade do trabalho (manifesta no orgulho profissional) quanto a desqualificagio do nio-teabalho (“quem nio trabalha, nio come"). Em suma, pode ou nio haver identificagio do trabalhador com o seu trabalho, mas, na proposta maraista, jamais poderd ocorrer tal fato no que se refere aos frutos do trabalho assalariado. Dadas a divisio social do trabalho ¢ a apropriagia dos seus produtos pelos donos dos meios de produgio, esse mesmo trabalho assume um conteddo alierfante. Afinal de contas, o resultado final, o produto socialmente obtido, é apropriado privadamente, desligando-se ‘os vinculos que prendiam o trabalhador 4 sua producio. Dessa forma, apesar de o trabalhador ter se dedicado de corpo ¢ alma a produgao de mercadorias ¢ servigos, estas nao pertencem a cle, Ao contrario, segundo: Karl Marx (GIANOTTI, 1994), € © trabalhador que pertence As mercadorias ¢ 4 sua produgio. De fato, produzi-las se torna um fim em si mesmo, uma finalidade estranha aos desejos e fins préprios do trabalhador, Nessas circunstincias ¢ que se pode falar em alicnagio do trabalho, se processo s¢ estende a forma pela qual o trabalhador pereebe — ou nio — sua insergio na divisio do trabalho, De fato, numa sociedade complexa e dinimica como a nossa, na qual a organizacio da producio de mercadorias € servigos obedece a uma logica de escala as vezes planetiria, pouca é a possibilidade de o tabalhador perceber, no seu conjunto, o sentido © a importincia do seu papel no processo produtive. Na impossibilidade de esse entendimento se realizar, muito provavelmente 0 individuo também mostrar-se-d alienado do papel que pode desempenhar na criagio e ampliagao das possibilidades historicas de mudanga social. As origens da atual separagio do produtor direto dos frutos do seu trabalho tém um nexo evidente com 0 processo de construgio histérica da sociedade de mercado. A partir do fim da Idade Média, assistiu-se 4 progressiva reinstauragio de uma economia monetiria, da vida urbana € de uma sociedade de mercado, realidades que praticamente haviam desaparecido da Europa com a queda do Império Romano. © principal fendmeno do periodo diz respeito ao surgimento de uma classe de comerciantes que revendiam nas feiras urbanas os produtos Tieetutuiile pokes riibekes Saxe: Neen Bee © protec tea eonicle 7 Colegio Historia do Parana de todo © processo produtivo, da aquisiciio da matéria-prima 4 elaboragio: final da mercadoria. Contudo, ii medida que mais ¢ mais produtores fam entrando no processo como fornecedores dos comerciantes, estes percebiam a oportunidade de alterar os termos vigentes nas relagdes entre ambos — sempre em proveito da nascente classe mercantl que, por viver nas cidades ou burgos, tomar-sc-ia conhecida como burguesia, Um primciro passo importante no procesto de obtencio de dominio da burguesia sobre os produtores diretos foi a intradugiio do chamado “putting- out systend", segundo © qual o comerciante forecia ao artesio a matéria-prima necessiria 4 fabricacie’ das mercadorias. Dessa forma, os comerciantes se preveniam contra fraudes, desvios ¢ adulteragées nas mercadorias. Contudo, ‘os produtores continuavam a produzir em suas proprias oficinas ov domicilios, 0 que impedia os comerciantes de fiscalizar cfetivamente sc os produtos adquiridos atendiam aos padroes de qualidade desejados. Por volta dos séculos XV ou XVI, outro passo na alienagio do produtor em relagio aos produtos de seu trabalho foi dado: a criagio da fibrica. Nesses estabelecimentos, os produtores diretos trabalhavam ¢ recebiam remuneragao segundo periodo de tempo ou tarefa cumprida, estando tempo todo sob vigilincia dos donos dos estabelecimentos. Dessa forma, a introducio do espago fabril e do trabalho assalariado € que vai criar as condicées necessirias para a difusio da alicnacia do trabalhador em relagio aos produtos de seu esforgo. Oespago fabril consagrou a divisio social do trabalho no interior das fibricas, O proceso produtiva foi parcelizado em uma série de tarefas nas quais os operirios podiam se cspecializar, ganhando-se vclocidade ¢ produtividade. © resultado foi a imposicao aos trabalhadores de uma série de tarefas repetitivas, de facil aprendizagem, monétonas ¢ estafantes. Dessa forma, a alienagio se tomou completa: 0 produtor direto, que ji nio participa dos resultados de seu trabalho, apropriados que sio pelos ptoprictitios dos meios de produgao, agora se aliena também do proprio processo de trabalho, cuja natureza, ritmo ¢ intensidade lhe sio impostos pelo patrio no interior da fabrica, em troca de um salirio, Desde entio esse proceso de alienagio vcio se ampliando cada vez mais. A introducio das idéias de Taylor (1856-1915), com sua geréncia “cientifica" © "racional", ¢ depois das de Ford, com a introdugio da linha de montagem, s6 fez por excluir ainda mais 0 trabalhador do controle sobre os produtos que gerava ¢ sobre a forma como a producio se organizava. 18 Urbanizagée e Industrializagdo no Parand, Fica facil entender, entio, porque desde muito tempo uma das principais bandeiras do movimento sindical diz respeito exatamente a participacio na gestio das empresas e nos lucros auferidos. Trata-se, pois, de jiniciativas que podem abrandar o grau de alienagio a que os trabalhadores estio submetidos, sem, contudo, aboli-lo. Pode-se presumir que as empresas onde essas pniticas foram adotadas 2 alienagio sera menor, em relagio aos estabelecimentos onde elas nio acontecem. Essa alienagio do trabalhador com relagio ao scu trabalho ¢/ou seus frutos pode ser relativizada pelo empenho de suas entidades Fepresentativas ém lutar pela apropriagjo de uma parte maior do excedente que € embolsado pelos capitalistas. De fato, os sindicatos podem obter dos patrécs a participagio no processo de gestio ¢ organizagao do trabalho, bem como a participagao mos lucros da empresa. Podemos imaginar que, nesse caso, 0 grau de alicnagao sera menor. As teorias identificadas com a énfase nos aspectos de ordem cultural na interpretagio das origens da sociedade capitalista contemporinea conheceram nove impulso a partir de Max Weber (1903). Ali a categoria do ethos aparece como principal fator explicativo para a ascensao da burguesia, da democracia e da propria sociedade capitalista ocidental. Recusando qualquer énfase no determinismo econémico — que se tornou comum a um grande nmimero de pensadores marxistas -, WEBER (1983) defende a tese de que teria sido certa formagao cultural a responsivel pela imposicio a longo prazo do estilo de agir ¢ pensar que torna historicamente possivel uma sociedade capitalista. A doutrina protestante, com sua énfase no trabalho arduo, num estilo de vida frugal ¢ ma positividade da acumulagao de bens, ¢ que teria desempenhado o papel central na construgio do capitalismo. Por contraste, nos paises onde tal doutrina era fraca ou inexistente, as relagdes capitalistas de produgao teriam se imposto de forma parcial ¢ tardiamente. Ja os pensadores liberais, como, por exemplo, SCHUMPETER (191i) © seus seguidores (MAYER, 1987), partem do ponto de vista de que os marxistas exageraram largamente o papel desempenhado pela burguesia no processo de construgio da sociedade capitalista, bem como sobre a propria extensio que esse teria alcangado. Para eles, os principais eventos de seu tempo, como a corrida imperialista e a Primeira Guerra Mundial teriam sido produto de imiciativas das lites feudais ¢ 9 Colagho Historia do Parand burocriticas, ainda firmemente encasteladas no dpice da estrotura de poder dos Estados Capitalistas, mesmo decorrido tanto tempo da eclosio das Revolugdes Burguesas. Sob o ponto de vista liberal, tanto a conquista de territorios para finalidades imperialistas quanto a guerra sio atividades estranhas ao projeto capitalista, sempre tendente a enfatizar a liberdade da circulagio de mercadorias ¢ a nio-regulamentagio por parte do Estado das atividades produtivas. Recusando a tese de que tanto a corrida imperialista do final do século XIX quanto a Grande Guerra (1914-1918) seriam produtos das contradicdes internas insuperiveis do capitalism, os liberais defendem a idéia de que teriam sido justamente as elites politicas do Antigo Regime as fesponsdveis por tais politicas. Essas iniciativas teriam sido tomadas para frear o declinio social e econdémico de que padeciam tais elites nos quadros de um capitalismo industrial em acelerada expansio. Tais consideragdes remetem a uma série de questées rclativas 4 forma como foi gestado o capitalismo industrial, posigio das elites politicas € econémicas no processo ¢ as razdes que levaram ao surgimento de diferentes tipos de sociedades urbanas ¢ industriais no mundo. contemporineo. Em particular, no caso paranaense, cumpre examinar ¢ avaliar o papel dos agentes histéricos, do contexto institucional ¢ das condigdes econémicas, culturais, sociais © politicas nos processos de urbanizagio ¢ industrializaggo, Tendo ja indicado que ambos os fendmenos datam do final do século XX, cabe discutir mambém as transformagées operadas no capitalismo brasileiro e global naquela conjuntura, Urbanizagso ¢ Industristiza¢lio no Parand 2 CIDADE E INDUSTRIA NO CAPITALISMO CONTEMPORANEO No inicio do século XX, a Revolugio Industrial jd havia se disseminado Jargamente. Do néicleo constituido inicialmente apenas pela Gri-Bretanba, 1 industrializagio abarcou toda Europa Ocidental ¢ Estados Unidos. Esse processo foi largamente impulsionado, até onde se pode perceber, pela propria Gri-Bretanha. Jaa partir do inicio do século XIX, aquele pais se tansformou num grande exportador de maquinas a vapor, carvio e material ferroviirio. Mais ainda, a partir dos excedentes acumulados, Londres tommou- 3¢ 6 centro mais importante do nascente capitalismo financeiro. Assim, aquele pais estava plenamente capacitado a produzir ¢ financiar a exportagio dos bens de produgo que tornavam a Revolugio Industrial possivel para toda uma gama de paises na Europa c América. © éxodo rural, que ji cra intenso desde 0 cercamento dos campos, intensificou-se. De fato, ji no século XTX, a propor¢io da populagio urbana da Inglaterra ultrapassa a rural, As cidades onde se localizavam os novos centros do poder econémico atraiam as multidées de trabalhadores, geralmente sem qualificagio © com escassos recursos socials ¢ econdmicos. As cidades que foram se expandindo nos quadros da Revolugio Industrial apresentavam fraca capacidade de gerenciar os problemas derivados de seu crescimento. A escassez de moradia, a falta de agua tratada © esgotos, a convivéncia de inddstrias altamente polucntes dentro das cidades, o despejo de detritos de todo tipo nos céus ¢ nos rios, para nio mencionar as precarias condigdes de vida da classe operiria, derivadas dos baixos salarios, tomaram-se comuns, A predominancia de um padrio nefasto de urbanizagio provocou em todos os observadores da nova sociedade em formagio uma série de descrigdes nas quais ressaltaram tanto © fascinio pelas possibilidades de lucro que se abriam, quanto o horror que as mazelas sociais ¢ ambientais provocavam. De fato, tornaram-se célebres nas. deserigdes legadas sobre aquele periodo os efeitos da mortalidade infantil, a mendicancia, a prostituigio, a violencia urbana ¢ as epidemias (ENGELS, 1975). Contudo, nos quadros de uma economia que ainda se pretendia Eberal, toda e qualquer interven¢io publica no espago urbano era vista com reservas. Temia-se que o Estado — a pretexto de impor padrdes 21 Colegio Histéria do Parand de salubridade ou seguranga, fosse nos ambientes de trabalho, fosse na exploragio do mercado imobiliirio para as classes de baixa renda — terminasse por intervir na forma como a classe capitalista privada gerenciava seus negécios. Foi necessirio o impacto da brutal degradacio da qualidade de vida nas cidades, inclusive com a ocorréncia de epidemias em larga eseala, que vitimavam até mesmo a burguesia, para que se criassem as condigdes histéricas para a intervencio dos poderes publicos na vida das cidades. Por volta do inicio deste século, as experiéncias acumuladas nesse campo ji nos permitiam falar no aparecimento do Urbanismo, em que pesem as limitasdes infpostas pela idcologia liberal, ‘Um dos componentes centrais da economia liberal entio vigente era a peitica da livre circulagio de mercadonas © servigos, inclusive de bens de producio, como citado. O resultado € que ja a partir de 1870, fosse pela aquisicao de tecnologia importada, fosse por meio do desenvolvimento de scus mesma época, em fungio do avango das descobertas cientificas ¢ tecnokigicas, novas formas de geracio de energia ¢ novos padrdes produtivos comegavam a se generalizar, A intoducio dos motores de explosio ¢ détrics akterou Ss ap ec tar as rs produzindo principalmente bens de consumo niio-duniveis, genenilizava-se 0 uso dos motores clétricos em toda uma gama de processos produtives. Als, os Prdprios bens de consumo duniveis (cletrodomeésticos, automdveis, ctc.) comegaram a ser industrializados em série. Data desse periodo o aperfeigoamento dos motores de explosio, que possibilitou a disseminagio em escala industrial, ji em 1906, tanto de automéveis, quanto de motocicletas ¢ aviGes. Fm fungio do deslocamento da principal maiz enengética da industrializagio do carviio para o petréleo ¢ a elemicidade, tomou-sc comum referir-se a csse periodo como uma Segunda Revolucio Industrial. Esta teria, por sua vez, sido sucedida eventualmente por uma Terceira Revolugio Industrial, caracterizada pela informitica e pela energia nuclear. Além dos seus. efeitos sobre o processo produtivo, cabe destacar as transformagées que a partir da Segunda Revolugao Industrial se verificaram no setor dos transportes. Generalizou-se 0 uso do transporte maritime a vapor, fosse movido a carvin, fosse a dleo combustivel, Também as ferrovias eresceram ¢m extensio. de scus tnilhos ¢ ganharam na qualidade ¢ eficiéncia de seus servigos. O resultado da expansio da malha de transportes em escala 22 ‘Urbanizagso @ industrializaco no Parand continental foi a progressiva integracio de vastas areas ao mercado mundial. De fato, com transporte relativamente barato e abundante, ficou viivel a comercializagio de uma variedade bastante ampla de produtos primérios. Por exemplo, tomou-se economicamente cada vez mais atrativo exportar banana da América Central para a Europa; café do Beas] para os BUA; came da Argentina para a Inglaterra, e assim por diante. © resultado € que essa integragio de uma vasta gama de novas regides 4 economia mundial configurou uma determinada divisio internacional do trabalho: por um lado, o nuicleo do capitalismo industrial ff plano mundial, localizado nos dois lados do Atlintico Norte, de outro, toda uma variedade de paises de perfil primario-exportador, capazes de exportar alimentos, combustiveis ¢ matérias-primas para os paises do capitalismo central, ao mesmo tempo em que tinham nestes seus fornecedores de produtos industrializados de todo ti © Brasil inicia sua industrializagio no limo que do século XIX, caincidindo o inicio.do proceso com a primeira fase da corrida Imperialista e a Segunda Revolugdo Industrial, Nessa conjuntura, o café passa a compor, aproximadamente, metade da pauta de exportagies brasileinas, como sc pode observar pela expresso percentual contida na tabela 4, a seguir. TABELA ¢- PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXDORTAGAO - BRASIL, 121-191 its |r [sare Colepdo Histéria do Parand No Parand, © inicio do processo de industrializacio coincide com a intensificacio das politicas imigratérias ¢ com 0 auge do Ciclo da Erva-mate. A ‘vinda de imigrantes curopeus ajudou a criar um mercado local para os bens de ‘consumo néo-duriveis, que S40 caracteristicos da maior parte da primeira fase da industrializacio, Ao mesmo tempo, os imignintes ajudavam a compor ©-nascente mercado de trabalho urbano ¢ industrial, |i o beneficiamento ¢ empacotamento. da erva-mate foi responsivel pela maior parcela do valor da produgio industrial das exportagdes do periodo, alm de gerar significative mimero de empregos diretos ¢ indinetos em viirios setores procutivos. Mais ainda, as atividades relacionadas aos engenhos de mate ajudaram — talvez de forma decisiva - a criar uma sociedade de mercado, inclusive o mercado de trabalho assalariado no. Parana, expandindo as relagdes de producio capitalistas. A despeito disso, ainda no inicio do século, a posicio do Estado do Parand no conjunto da produgio industrial jamais poder rivalizar com aquela ocupada pelo Rio de Janeiro (entio Distrito Federal) e por Sio Paulo, como demonstram os dados tubela 5, seguir. TABELA 5- DADUS REFERENTES A INDUSTRIA, POR ESTADO, 11S © Br CAMTAL WALGE DA LEST ANIL ECIMENTIOS AKIO ONTOS PRODUCAD a2 MaRSO 167.130) 218345, 336 24186. 127.702, TKS wa Tsade wae Te. Ei 13832 85.795, 36002, 118 12d SRD 35.206, a7 ara SRORS, Es] 805. Sia a Tek 7078 aw ase TaR20S Elral 14811 165 2107 ia i Lies The 5 3775. Toes 1s THs. 640 5 3a70 4450) 2 1461 I is 1307 2951 z ase 7193 Rio Grande Nome a 360) 1388 Sates 4 cn o Goris 16 0 337 TOTAL 3120, Tasos Fu FONTR: EMPRISSOES do Beni! rm Sécalo XX: ua Ilenbela, wr ncdiimerian © recurso, [Lerdres, Hon de Janta: Lhoyh Graaer Britain Pabliobing temper 1S p 191. paw 24 Urbanizagio © industriaiizaglo no Parand Esse processo s6 ganhou impulso, verdadeiramente, a partir de 1960, quando as condigdes institucionais de intervengio do Estado brasileiro na promogio da industrializagao jd haviam produzido expressivos resultados, no plano nacional e regional. Suas manifestagdes mais visiveis, contudo, como a transformagio dos métodos de trabalho, a generalizacio das formas de pagamento assalariado e a incorporagio de forma sistemitica de inovagées tecnaligicas, podem ser abscrvadas jé no final do século XIX. Assim, por meio da exploragio do mate, da madeira ¢ do café € que a industrializagio do Parana comega a se forjar, Além disso, em particular nO Que se refere ao café, tais ciclos econdmicos ajudaram também a ampliar a urbanizagio, como a colonizagio de Norte do Parand bem o demonstra. Colegio Histéria do Parana 3 TRANSFORMAGCOES RECENTES DA SOCIEDADE PARANAENSE: INDUSTRIAS E CIDADES 3.1 OCASO DA INDUSTRIA DA ERVA-MATE Dificilmente poderiamos exagerar a importinga da erva-mate para a Historia do Parana. Usualmente descrita como mais um dos ciclos econdmicos pelos quais passou o Estado, a exploragio da erva-mate tormou-se rapidamente: ‘um dos temas clissicos de estudos académicos. Acima de tudo, 0 efeito decisivo da introdugio das atividades cconémicas relaconadas ao mate foi a generalizacio das. relagdes capitalistas de producdo. Isso pode ser constatado ao se avaliar a contribuicio do Ciclo do Mate para a generalizacio do trabalho assilariada, para a adogao de novas técnicas produtivas, de canater marcadamente industmal, no impulso que as atvidades de supore 4 sua produgao deram 4 urbanizacio ¢, finalmente, até mesmo na criagio de uma burguesia industrial de origem paranaense. ‘Sendo a erva-mate um produto de exportagao, levou a introdugio de uma sofisticada divisio do trabalho no interior da economia paranaense. A medida que produto ia angariando clientes no mercado interno ¢ depois externo, sua colheita, beneficiamento e¢ transporte iam agregando contingentes cada vez maiores de pessoas ao processo produtivo. Numa primeira etapa de seu processo de produgio, o mate requeria miio-de-obra abundante ¢ barata, ainda que pouca ou nenhuma qualificagio fosse necessiria. No processo da colheita, as folhas da erva, nativa dos campos do Parana, eram cortadas ¢ amarradas para envio a0 local de beneficiamento. No cstigio seguinte, as folhas eram torradas ¢ moidas em engenhos movidos a energia hidriulica ou animal. Finalmente, o p6 assim obtido era socado dentro de sacos ¢ enviado para comercializagio. J& ne inicio do século XIX, a exploragio da erva cra corrente no Parana ¢, por volta da década de 1820, teve inicio a exportagio do produto para os paises do Prata. Em meados do século XTX, a erva ji era © nosso principal produto de exportacio, posigio que manteve sem dificuldades ao longo do periodo. Nessa conjuntura histérica, importa perceber a progressiva expansio do controle que os comerciantes de erva- mate exerciam sobre proceso produtivo. 26 Urbanizagéo # Industriaiiragio no Parané Numa fase inicial, os elementos responsiveis pela comercializagio recebiam a erva ja beneficiada do produtor que, geralmente, cra a mesma pessoa que havia colhido, secado ¢ moido a erva. Essa pritica sujeitava os comerciantes a aceitar um produto sobre cuja qualidade c, conseqiientemente, custo real eles nio poderiam exercer qualquer controle. Gradualmente, ¢ no decorrer de um processo cheio de conflitos entre produtores ¢ comerciantes, estes ultimos foram adotando determinadas priticas que convergiam para a obtengio de um nivel de qualidade da erva a um custo que entendiam ser compativel, © resdltado final de todo esse provesso foi a instaurngio de uma industria da crva-matc. Nos engenhos de crva, que funcionavam no Primeiro Planalto ¢ no Litoral do Parand, por volta da segunda metade do século passado, observamos aquela que talvex tenha sido nossa primeira experiencia com o capitalismo industrial. No interior dos engenhos, propriedade dos comerciantes que enriqueceram © suficiente com essa atividade para se permitir os investimentos necessirios, vigoravam uma sofisticada divisio do trabalho ¢ a remuneragio em dinheiro por tarefa aos operirios, tragos caracteristicos do capitalismo industrial. Por ocasiio da Emancipagio Politica da Provincia do Parana (1853), encontravam-se em Morretes 47 engenhos de erva-mate ¢ em Curitiba, 29. A consteugio da Estrada da Graciosa, iniciada em 1853 ¢ concluida em 1873, intensificou ainda mais as atividades dessa industria, ao colocar cm contato mais facil ¢ rapido os fornecedores da folha da erva com os engenhos que s¢ sitwavam a meio caminho entre estes © o Porto de Paranagua (foto 1). 2 Colegio Histéria do Parand PONTE: MIRAD DA.N: URBAN, T. Engenbeiros © bar aqui, Cut Simultaneamente, a industria do mate gerou expressivo erescimento das atividades dedicadas ao scu suporte. A manutengio em funcionamento dos engenhos ¢ a embalagem e transporte da erva requeriam considerivel soma de empresas voltadas para areas como metalungia, madeireira c grifiea, Esse proceso conferiu extraordin:irio impulso também ao conjunto da economia Pparanaense, pelo menos enquanto as exportagies da erva se mantiveram em 9, o-que acorreu até a Crise de 1929. nalmente, a intensa dedicagio das populagées rura’s a atividade tas tomou dependentes do mercado para obter génen alimenticios. Isso desartic: i fragil economia de sub: © que também contribuiu para a disseminacio das relagdes de mereado. ascens: erva pu de vez jencia, 28 WAsMATE PLO ESTADO DO PARAD rostiapy [Tae [ronan _| we IA 12Ms 13722. 1261 Ta ros TAD ZI il Y i a 3 [as 358 [ae 71a {706 [rs tine _ 2st a i [aT | 2aas sia a [3452] a [eas [18330 Casas | [19.353 | Peete elele|sicl=lelele|elalelars|s A FONTFSRIROETZ, LR Aswad de ferro tho: Parand (180-260). Sie Pain, 9085. 202. Tow (Dexaexy USP Colegio Histéria do Parand A partir dos anos 30, a indiistria do mate entra em crise © comega a ser substituida pela madeira ¢ 0 café como carros-chefes da cconomia paranacnse. Contudo, as exigéncias afctas ao trabalho nos engenhos criaram um expressivo contingente operitio, engrossando ainda mais 0 processo de urbanizagio do periodo, entio em franca ascensao devido a imigragao. Porém, esse processo se restringe, no que se refere a erva-mate, ao Litoral ¢ ao Primeiro Planalto. 32 AEXTRACAO DA MADEIRA Pela propria conformacio de suas matas, o Parand sempre contou, a0 longo da sua Histéria, com expressiva variedade de madeiras. Tanto na Mata Ackintica, com sua incrivel variedade de espécimes, como na Mata de Araucirias encontravam-se praticamente todos os tipos de drvores conhecidas. no Brasil, inclusive aquelas de alto valor ccondémico, A construgao da Estrada da Graciosa ¢ da Ferrovia Curitiba-Paranagua abriu novas possibilidades de exploragio da madeira. A serraria tornou-se um. estabelecimento comum 4 paisagem paranacnse, resultado tanto do desenvolvimento da malha de transportes, quanto da demanda intema por madeira das cidades paranaenses em france processo de crescimento. Finalmente, a madcira acabou por s¢ converter em um dos nossos principais produtos de exportacgio ¢ nosso maior ramo industrial, como se pode perceber pela tabela 7, a seguir. A extragio da madeira ¢ as industrias correlatas, como papel © papelio, mobilidrio, etc., passaram a fazer parte da paisagem econdmica de grande nimero de municipios paranaenses, empregando nestes a maior parte dos trabalhadores na indistria, ao mesmo tempo que disseminavam a industrializagio pelo interior do Estado. Mais ainda, a medida que iam sendo colonizadas as terras do Norte ¢ Sudoeste do Parani ¢ ampliada a rede de transportes rodoviiria e ferroviaria, mais areas da Mata Adlintica ¢ de Araucirias iam se tornando disponiveis para exploracio (foto 2). 1999, p2t 0) Gere eisuifcaske de: censo indoweal de 1919, ponirrormente desmemben Seve Ion dak referers 4d entabelecunena a ruins gene maken pieocat ence ‘echubho mo boro ders, at Colegio Histéria do Parand A extragio da madeira ¢ as indiistrias correlatas, como papel ¢ papelio, me . passaram a fazer parte da paisagem ccondmica de grande nimero de municipios paranaenses, empregando nestes a maior parte dos trabalhadores na inddstria, a0 mesmo tempo que disseminavam a industrializagio pelo interior do Estado. Mais ainda, 4 medida que iam sendo colonizadas as terras do Norte e Sudoeste do Parana e ampliada a rede de transportes rodoviari s da Mata Atlantica e de Araucirias iam se tomando disponiveis para exploracio, bilidrio, e ¢ ferroviaria, mais : Foto 2 Serraria Santo Antonio, Serraria Santo Antonio, :propriedude dhe Mo mi — 1945 FONTIE VAZ,R. plone s sendacle Cannins Pabeasies 1986, 5.400 O resultado foi a virtual destruigio dessas matas, das quais hoje s6 podemos observar umas poucas Areas remanescentes, geralmente cm regides de difieil acesso, como a Setra do Mar, protegida por lei como de ada de 70, a exploragio da madeira nativa se encontrava virwualmente esgotada. A partir dai, as am a trabalhar com proporgdes cada vez m madeira, oriunda de fora da Estado ou de reservas florestais mantidas por clas mesmas. reserva natural desde 1986, Por vol fim da dé ores de serrarias pass: Urbanizagio Industrializagiio no Parand 3.3 CAFE: INDUSTRIALIZACAO E URBANIZACAO © cultivo do café se iniciou em escala apreciivel no Parana por volta de 1860. Nessa ocasiio, fazendciros paulistas ¢ minciros comecaram a ocupar a regio Nordeste do Estado, que se tornou conhecida como: Norte Pioneiro, como parte da expansio da area plantada que vinha de ‘Sao Paulo, Como decorréncia desse fato, eram escassos os vinculos dessa regio com o restante do Estado, Tanto o escoamento dessa produgio quanto o abastecimento da regida com os géneros nos quais cla nie cra auto-suficiente se faziam pelo Estado de Sao Paulo, Seria somente a partir de 1924 que essa repiio comecaria a se integrar de forma mais consistente 4 economia paranaense. Naquele ano, quase trinta mil sacas de café do norte do Parana seriam escoadas pelo Porto de Paranagua, em contraste com menos de duzentas sacas exportadas em 1920, © quadro se altera radicalmente a partir da ocupacio do assim chamado Norte Novo, abrangendo desde Cornélio Procépio até a regio de Londrina. A colonizagio dessa regiio esteve a cargo da Companhia de ‘Terras Norte do Parana, fundada por empresirios britinicos. Tendo comprado meio milhio de alqueires do governo do Estado em 1927, a Companhia se dedicou a partir dai a venda de lotes para pequenos © médios fazendeiros, em sua grande maioria interessados no cultivo do café. O tamanbo dos lotes girava cm tomo de 15 alqueires. No inicio da década de 1950, quase 400 mil alqueires haviam sido vendidos, totalizando 26 mil lotes rurais. © efeito dessa iniciativa sobre as estrutums demogrificas econémicas paranaenses foi enorme. Sabemos que a populagao do Parana quase dobrou de tamanho entre 1940 ¢ 1950, passando de 1.236.276 de habitantes para 2.115.547, Entre 1950 ¢ 1960, dobrou de novo, atingindo 4.258.239, O ritme de crescimento seri mantide até o ano de 1970, quando se atingiu 6.929.868 habitantes. Boa parte desses indices deriva precisamente da ocupagio, baseada na pequena e média propricdade, da regio Norte do Estado. Somente na area da Companhia de Terras Norte do Parana calcula-se que teriam se fixado 100 mil familias j4 no inicio dos anos 50. O proceso se compkta em 1960, com a ocupagio da regio conhecida como Nore Novissimo no Noroeste do Estado, também realizada sob os estimulos da cafeicultura. 3 Colegio Histéria do Parana Em fungio dessa colonizacio, a drea plantada de café passa de 117 mil hectares em 1949 para 350 mil em 1952, marcando o auge do ciclo cafeciro no Estado. No conjunto, a area plantada em todo o Estado passou de 1.350.000 hectares para 3.471.000, revelando os efeitos que a cafeicultura exerceu sobre o conjunto das atividades agricolas. Como nio poderia deixar de ser, o café acabaria por desbancar os outros itens da nossa pauta de exportagées, inclusive em tonelagem, como se pode observar pelos dados da tabela 8, a seguir. TABELAS MOVIMIENTO DE MERCADORIAS NO PORTO DE PARANAGUA, 10u8-55 EXPORTAGAO (PERCENTUAL SORE A TONELAGEND ane. = WERCADORINS CAPE. MADEIRA, MATE, me TOTAL 1938 38 8 9 17 00 1949) 6 En 9 é 100 1950) 5 2 7 20 7100 1951 ol 9 6 1 100 1952, 72, i 7 0 100 Toss 7 7 3 i Too, 1954 3% it 7 26 0, 1955 0 & ® 5 we PONTE: SILVA, (© dk As redavias no comenta sicla-ccondimice paranaense: (746-174 Cunsba, 1984. pd. Dissemagle: (Mesirado-em Mista} - DEMIS/UPPR As atividades de suporte a cafeicultura, em particular no que diz: respeito 4 , beneficiamento ¢ transporte do produto, para no mencionar a prestagio de toda uma gama de servicos de manutengio ¢ intermediagio financeita, levaram ao surgimento de virias cidades importantes no Norte do Parand. Algumas delas foram resultado de iniciativa direta da Companhia de Terras Nore do Parana, como Londrina ¢ Maringi. A subdivisio dos municipios Paranaenses daquela regiio reflete, em boa medida, a proliferagio de pequenas ¢ projeto de democratizagiio do acesso 4 terra, bem como fortleceu © crescimento dos niicleos urbanos. Essa tendénca pode ser captada por meio do mimero de niticleos que foram algados 4. condigao de municipios entre 1950-e 1990. Na década de 1950, surgiram 84 dos 325 municipios paranacnses existentes ant aquela daca (25%); na década de 1960, mais 130 (40°) ¢ na década de 1970 apenas mais dois (0,6%), sendo os municipios restintes anteriores ou posteriores a essas balizas, 4 Urbanizagio Industrializagho no Parand Tem-se entio que 65% dos municipios do Parana cxistentes até o inicio da década de 1990 surgiram entre os anos 1950 ¢ 1960, E, nessas décadas, alguns anos em particular chamam a atengio pela profusio aludida: 1952, 41 novos municipios; 1955, 32; 1964, 30; ¢ o recordista € 1961, somente ele com 81 novos municipios. © surgimento de novas municipalidades guarda relagio, é certo, com interesses politicos em geral € cleitorais em particular, mas tmduz ente um padrio de adensamento urbano, Em 1940, 0 Sudoeste do Estado era formado apenas pelos municipios de Guarapuava, Foz do Iguacu ¢ Clevelindia, ao passo que o Norte Novo tnha apenas Londrina ¢ Sertandpolis. Veja-se, por exemplo, Guarapuava: em 1946 deu origem a Laranjeiras do Sul 29.126 habiantes - 1950), em 1944 a Pitanga (54.738 habitantes - 1950), em 1961 a Inicio Martins (7.647 habitantes - 1970) e em 1965 a Pinhio (20.356 habitantes - 1970). Londrina deu origem, em 1944, 2 Apucarana (88.977 habitantes - 1950) ¢ Rolindia (34.074 habitantes ~ 1950) ¢, em 1947, a Cambé (19.166 habitantes - 1950}, Pelos exemplos, fica claro que o Parana viveu de fato, durante as décadas de 1950 ¢ 1960, intensa proliferagio de novos centros urbanos. No caso da tegiio Norte, tal fato deve ser atribuido a expansio das advidades relacionadas a0 café. Fe iat thea aida chananans dindmicas, gerando uma tendéncia a proliferagio de niicleos urbanos capazes: de sediar as atividades de suporte a esses ramos da economia. © café legou também um expressivo parque industrial dedicado a torrefagdo ¢ A moagem do produto. Postcriormente (1960-70), até mesmo empresas de café solivel seriam instaladas na regio Norte, numa etapa ji avangada dos processos de criagio de novos produtos derivados do café. O ciclo cafeeiro comega a dar claros sinais de esgotamento no inicio da década de 1960, A expansdo da irca plantada, no Brasil e nos demais paises concorrentes nesse mereado, gerou cxcesso de oferta do produto, levando a sucessivas tendéncias de baixa no prego do café. Cabe também mencionar a politica do governo Juscelino Kubistchek (1955-61) de confisco cambial dos lucros dos cafeicultores envalvides com exportagio. Tudo isso acabou por levar © sector ao declinio, Com as intensas geadas que se abatem sobre os. eafezais no fim da década de 60 ¢ primeira metade da década de 70, sua erradicagio em vastas reas se toma inevitivel, uma vez que o rephintio se tomou inviivel economicamente. Assim, o café, que em 1969 representava mais de um tergo de nossas exportagdes, chega em 1974 mal alcangando 7%. 35 Colegio Histéria do Parand 3.4 SOJA: EXODO RURAL E INDUSTRIALIZAGAO Com o declinio da lucratividade da cafeicultura, a alternativa’ que Pareceu mais atraente a uma maioria de grandes proprictarios rurais foi a Tod da cultura da soja, Logo no primeiro governo da ditadurs militar (1964-1985), o poder piiblico federal comegou a perseguir uma politica de incremento das exportagdes. Dentre as iniciativas contempladas com financiamento publico a pregos accssiveis figura o plantio do soja, O crescimento da produgio do soja no Parand nos anos 1970 é dos mais: expressivos na histéria econémica do pais. Entre 1970 € 1976, a produgio do soja no Estado passa de 24% a 40% do total da produgao nacional. A area cultivada do produto também conheceu enorme crescimento, desbancando as culturas tradicionalmente adotadas. Em 1974, ela ja ocupa a terca parte da rea plantada do Estado. A tabela 9, a seguir, ilustra a proporgao do crescimento do cultiva do soja. FONTES BORGES, G MLR See pooeras de examen Revista Paranaene de Deserwolvienento, Cua, véipl\ ee (*)Eatenatirs DERAL/CEPA-PR. Os efeitos da cultura do soja sobre a urbanizagio ¢ a industrializagio foram enormes. A intensiva mecanizagio do cultivo e colheita do produto levou a dispensa de um miimero enorme de tmbalhadores rurais. Mesmo aqueles que cram pequenos ou médios proprietirios enfrentavam grandes dificuldades para manter suas fazendas, se ndio conseguissem operar a transi¢io das culturas tradicionais para a nova vedete agricola: @ soja, Ocorre Urbanizagio Industrlalizagéa no Parand que, tanto pela escala da produgio quanto pelas dificuldades de acesso aos i a adogao do plantio do soja s6 podia ser uma realidade para uma minoria de plantadores. © resultado foi a expansio do mimero de desempregados. na drea rural, Estes se dirigitam para as novas fronteiras agricolas, ou se integraram ao contingente de despossuidos que engrossavam. as favelas © cortigos das cidades paranaenses ou de outros estadios. Nao é por acaso que a populagio urbana paranacnse finalmente ultrapassa a rural a0 fim, dos anos 70. Também foi durante essa década que a populagio total do ‘Estado permaneceu praticamente a mesma, gracas 4s migragdes para as novas frontciras agricolas. Com efeito, nao se registrou crescimento: significative depois de décadas seguidas de expansio. ‘Um segundo conjunto de efeitos relacionados 4 cultura da soja diz respeito a industrializacio. Dispondo de tamanha producio de soja, 0 Estado reuniu vantagens comparativas muito favoriveis 4 instalaglo de um parque dedicado ao beneficiamento do produto, ao invés de se dedicar apenas 4 exportagio do produto sj mafura, Repete-se, aqui, a historia ja conhecida com © café. O resultado foi a explosio dos indicadores de produgio de derivados da soja, como o farelo € o dleo, coma s¢ nota pelos dados da tabela 10, a seguir, ‘TABELA 10 ENPORTACOES PARANAENSES DE OLEO E FARELO DE SOJA - 1969.76 er —— rr] oe rr] 1972 7 ia 3 rrr] 6] FONTE: BORGES, GM. Swix problema de cromnemnReviva Paranaenee de Desenvolvimento, Curia, v4, pBK dee. 1977 a7 Colegio Histéria do Parané: 4 AFORMACAO DO PARANA CONTEMPORANEO 4.1 O PAPEL DO ESTADO FE DA CLASSE EMPRESARIAL NA INDUSTRIALIZACAO Com a difusio da industrializagio ¢ da urbanizagio ¢ a correspondente procminéncia adquirida pela burguesia, seu papel nas sociedades capitalistas contemporineas cresceu. Em varias esferas de attvidades piblicas, os donos dos meios de produgio ¢/ou seus gerentes executivos passaram a gozar de considerivel ascendéncia politica, social, econémica ¢ cultural. Cabe aqui notar que, s¢ como norma geral, em determinado momento do desenvolvimento da sociedade contemporinea ‘os empresirios acabam por obter tal ascendéncia, as condigdes para que isso ocorra ainda sio objeto de debate. Apresentam:se aqui alguns elementos centrais nessa discussio. ‘Nas sociedades capitalistas ¢ democriticas contemporineas, verifica-se historicamente um enorme esvaziamento do debate ideoldgico. Aparentemente, nenhum grupo social importante cogita seriamente crradicar 0 modo de producio capitalista, ou alterar as regras de seu funcionamento. A associagao recorrente entre democnicia ¢ economia de mercado ¢ a avaliagho negativa da experiéncia das sociedades ditas do socialismo "real" nas paises do Leste Europeu (1917-1991) contribuiram ¢ contribuem decisivamente para esse esvaziamento. Assistimos a partir dai 4 instauragio daquilo que varios observadores wém denominando de "crise das utopias”. Nesse cenirio, as priticas politicas, de fato, tendem a se restringir ao atendimento de demandas concretas: melhores salérios para os trabalhadores, mais verbas para a educacio, sade, habitacio, ete. E como se o elcitor tivesse sido reduzido 4 categoria de consumidor de bens & servigos, renunciando a reestruturar minimamente a sociedade em que vive, ou mesmo a discutir tal possibilidade. Trata-se de um fendmeno que pode ser descrito adequadamente como “despolitizacao da politica”. Uma vez restrito o debate politico a0 atendimento de demandas econémicas particulares de virios grupos sociais, 0 crescimento econémice passa a ser uma prioridade da mais alta importincia para todo € qualquer politico que seja alcado ao poder, Afinal, somente o erescimento econdmico permanente pode gerar os excedentes necessitios 38 UrbanizacSo @ Industrializagao no Parané a0 atendimento das demandas materiais dos eleitores. Assim, nio ¢ exagero afirmar que todo candidato a cargo eletivo, independentemente de suas inclinagdes ideolégicas, esta interessado no crescimento econdémico ¢ na prosperidade material da sociedade. Existe uma utra razio importante para que o debate politico esteja tio. voltado Para o tema do crescimento econédmico, Numa sociedade capitalista, a maior parte — seniio todas — dos bens ¢ servicos ¢ pee pela iniciativa privada. Se levarmos em canta o enorme leque de responsabilidades que esti a cargo da iniciativa privada, teremos razdes para afirmar que do seu bom desempenho depende destino de toda sociedade. E.isso pelo menos por dois motivos. O primeiro € que bens como alimentagio, vestuirio, calgados, meios de transporte, etc., enfim, tudo ow quase tudo de que dependemos para levar uma existéncia civilizada, é produzido no ambito da iniciativa privada. Em face do furor privatizante da atual conjuntura histérica brasileira, temos razio para crer que, muito em breve, até mesmo a totalidade dos servigos puiblicos, como a geragio de energia clétrica correios, teri passado para a esfera da iniciativa privada. Nessas circunstincias, o bem-estar geral da populagio passa a depender precisamente do bom desempenho dos empresirios privados, Uma conjuntura marcada pela baixa produgio de mercadorias ¢ pela escassa oferta de servigos acaba afetando toda a coletividade, implicando efeitos terriveis sobre o nivel de emprego © sobre a inflagio. Se a produgio baixa, serio necessirios menos empregados ¢ funcionirios, o quc leva ao aumento do desemprego, Mais ainda, com a queda da producio, verifica-se a escassez de bens e servigos, levando ao surgimento daquilo que 0s economistas denominam de uma “inflagao de demanda", Ocorre que, numa socicdade regida pela economia de mercado, as decisdes afetas ao nivel de investimento necessario para se garantir o crescimento continuado da economia estio, cm grande parte, senio totalmente, nas mos da iniciativa privada, Sio os empresirios particulares que decidem como, quando, onde € quanto investir, A medida que sio livres para administrar os recursos disponiveis para investimento, cabe a eles grande dose de responsabilidade pelo desempenho da economia como um todo. Colegio Historia do Parané Se 05 empresirios, motivados pelo desejo de maximizar seus luctos € minimizar riscos ¢ incertezas, decidirem reduzir o nivel de seus investimentos na manutengio ¢ expansio do processo produtive, o resultado seri uma grave redugio do ritmo da atividade econémica, resultando, como se disse, em inflagio ¢ desemprego. Se, por outro lado, os empresirios se sentirem encorajados a investir cada vez mais capital no desenvolvimento € ampliagao da capacidade produtiva, entio o nivel de crescimento econémico seri mantido, levando 4 abundancia de mercadorias ¢ servigos ¢ 20 aumento das oportunidades de emprego. O que se dedlzx dessas constatacdes preliminares € que, numa sociedade cujo debate politica ¢ dominado pelo tema do crescimento econémico, todo grupo politico que seja conduzido ao poder teri interesse em criar ¢ manter condigées que incentivem a continuidade do investimento privado. Assim, passa a ser do intercsse do govemo que a iniciativa privada tenha éxito © prosperidade, Somente assim serio logrados abundincia de bens e mereadorias ¢ pleno emprego, de que tanto depende 0 sucesso de todos os governos nas sucessivas disputas eleitorais que caracterizam as democracias. sociedade ¢ dependente do éxito dos empresirios pnivados diz respeito a relagio entre crescimento econdmico € nivel de arrecadaciio de impostos. O. governo depende, no que diz respeito 4 arrecadagao de recursos para atender a suas responsabilidades, de um numero limitado de fontes de renda, Por um lado, o governo pode fabricar dinheiro, jd que dispéc do monopélio da emissio de moeda; por outro, ele pode recorrer aos empréstimos, intemos ¢/ou extemnos para obter divisas. Finalmente, ele pode arrecadar dinheiro por meio de impostos, F claro que a emissio de moeda ¢ a contratagio de ‘empréstimos implicam problemas graves que podem comprometer todo o desempenho da economia, seja pela inflagao, seja pelo peso do endividamento sobre as contas piblicas. Dai se entende o interesse do governo em maximizar a arrecaclagao de impostos. Ora, 0 volume de impostos que podem ser arrecadados depende diretamente do desempenho da atividade econdmica. Se os negécios vio bem, as vendas estio em alta e hi demanda para todos os tipos de servicos, entio o volume de recursos obtidos pela arrecadacio de impostos cobrados sobre essas atividades seri alto. Tendo abundancia de recursos assim obtidos, o governo poderd execurar as obras de infra- 40 Urbanizacéo 6 industrializagiio no Paranda estrutura necessirias ao bom desempenho do setor produtivo ¢ oferecer ampla gama de servigos afetos ao bem-estar da populacio, particularmente no que diz respcito i satide, educacio, habitagio, etc., ampliando assim as bases da sua legitimidade. De outra mancira, numa conjuntura em que os empresisios se recusam a investir, fazendo declinar o nivel de atividade econémica, o montante de dinheiro arrecadado sera bem menor. Nessas circunstincias, © governo ver-se-i em dificuldades tanto para atender as demandas sociais, quanto para fomentar a continuidade das atividades produtivas. ‘Numa situagio marcada pela escassez de bens ¢ servigos (tanto publicos quanto privados) ¢ desemprego em alta, a legitimidade do governo é ripida © imeversivelmente erodida. Nessa conjuntura, verificam-se distirbios © conyulsées da ordem social, que podem levar, senio 4 destruigio do regime, certamente 4 derrota dos candidatos do governo em eleigdes futuras. EE precisamente por essa circunstincia que jamais se assistiu 4 instauragio de regimes socialistas por meio do voto, © periodo de transig¢io ao socialismo, no qual o Estado vai gradualmente encampando: ‘ou socializando as atividades produtivas, inevitavelmente instaura uma crise econdmica, derivada precisamente da relutancia do empresariado Pprivado em investir numa conjuntura em que sequer tem garantias de que continuaré a ser dono daquele empreendimento no qual esti investindo seu capital. Se nao ha investimento, verifica-se logo o declinio econdmico, ‘ou mesmo instauna-se © caos no setor produtivo. O resultado é uma crise econémica que retira © apoio eleitaral ao governo socialista, @ que pode levii-lo a tecuar nos seus propésitos. A partir dai dois cenirios sio historicamente possiveis: ou o governo leva até o fim a instauragio do socialismo pela imposicio de um regime ditatotial (caso da URSS na década de 1930), livrando-se do desgaste politico derivado do caos econémico, ou uma contra-revolugio de extrema-dircita interompe 0 processo. de socializagio dos meios de producio que cstaria sendo legitimamente referendado pelas urnas (tal como aconteceu no Chile de Allende, em 1973), Em face dessas motivagdes, torna-se do interesse de qualquer governo, independentemente de suas orientagdes ideoldgicas, que a iniciativa privada prospere e tenha éxito em scus negécios. A necessidade de se manter 0 crescimento econdmico ¢ a arrecadagio de impostos faz 4 Colegio Histéria do Parand com que também os partidos de esquetda, quando eventualmente chegam ao poder, tenham tanto interesse na prosperidade das empresas privadas quanto os governos considerados de “dircita", “reacionirios” ou "canservadores". Foi precisamente isso a que aconteceu com a vitdria eleitoral de varios partidos de inspiragao social-democrata na Europa. Verifica-se, entio, sob o capitalismo, uma situacio que é deserita adequadamente por virios autores como a Dependéncia Estrurural do Estado face ao Capital (OFFE, 1985; PRZEWORSKI, 1989; LIMDBLON, 1981). Estreitamente ligada a essa situagio de dependéncia esta a percepsao geral de que os empresirios sio portadores dos interesses universais da sociedade, Esse ponto é de crucial importincia e exige uma explicagio adicional. Numa sociedade dividida cm clisses, como a capitalista, verifica'se a existéncia de um de demandas especificas do seu grupo social, em disputa com os outros, na. tentativa de influenciar os detentores do poder no que diz respeito 4 ehiboragio © execugao de politicas piiblicas, Ora, 4 medida que o crescimento ccondmica depende umbilicalmente do investimento privado ¢, mais ainda, a medida que do éxito dos empresirios dependem o nivel de emprego ¢ a oferta de bens ¢ servigos, entio o atendimento as demandas desse sector passa a ser considerado como do interesse de todos. Trata-se de uma situagio que deriva justamente da forma pela qual a socicdade de mercado esté organizada, Note-se que, por exemplo, nio hi ameaga de recessio econdmica se os trabalhadores reivindicam melhores salirios ¢ nio sio atendidos. Igualmente, nao hi tal perigo quando os profissionais de classe média deixam de ver contempladas suas demandas por melhores condigdes de vida ¢ trabalho. Jé os empresirios, por seu turno, se Tecusarem a continuar investindo na manutencio © ampliagio de suas atividades, o resultado sera uma recessio econdmica que afetari todos os ‘setores sociais, Dessa forma, ji que todos os grupos sociais tém interesse m que os empresirios continuem investindo, passa a ser do interesse geral a criagao de um ambiente que estimule ¢ sustente csse investimento privado. Assim, as reivindicagdes dos empresirios deixam de ser vistas como de interesse particular de scu sector ¢ passam a ser encaradas como, de interesse geral, de toda a sociedade. 42 Urbanizacéo e industrializagéo no Parana Se a criagio de um ambiente que ¢stimvule e sustente o investimento privado é do interesse de toda a sociedade, entao, muito provavelmente, todos os governos adotario como pritica rotincira o atendimento das demandas cmpresariais. Claro que nem todas as demandas precisam ser atendidas para que os empresirios se sintam estimulados a inwestir. Mas, nem por isso os governos poderio se dar ao luxo de deixar de ouvir as reivindicagGes dos empresarios, Numa situagio extrema, o empresariado sequer precisaria formular quaisquer reivindicagdes, cabendo a0 gaverno antecipar ¢ prever que medidas poderiam incentivar a iniciativa privada a continuar investindo, Essa necessidade de se dar ouvidos as reivindicagdes empresariais acaba levando a criagao de mecanismos de consulta ¢ transmissio de informagées ‘entre governo ¢ iniciativa privada, Essas priticas so denominadas pela literatura sociolégica de corporativistas (ALMEIDA, 1994), Esse corporativismo tanto pode se dar de maneira formal, quanto informal. No corporativismo formal, os representantes do empresariado participam das instincias decisérias do Estado em eariter permanente, com dieito a vor e, por vezes, voto, garantidos por lei. Ji o corporativismo informal se da quando ‘08 governos adotam o habito de, no proceso de tomada de decisio, consultar empresirios que eles consideram liderangas do setor. Tanto num caso como no. outro estamos diante de um privilégio que sé é concedido a esse grapo social. Nenhuma outra classe ou fragio de classe € agraciada com tais direitos especiais de consulta ¢ acesso aos sistemas de decisiio por parte dos poderes publicos. Tais privilégios justificam-se pela percepsiio gencralizada de que o atendimento as demandas cmpresariais é do interesse de toda coletividade. Além desse acesso privilegiado dos empresirios as arenas decisérias, ‘Cumpre notar que esse grupo dispde de viirios outros instrumentos capazes de influenciar o jogo do poder nas sociedades democniticas, E a existéncia de tais instrumentos deriva justamente da possibilidade de se usar recursos econémicos para obtencio de poder politico. O mais dbvio desses instrumentos é a pnitica de se financiar partidos, campanhas ¢ candidatos. Tendo um substancial montante de recursos a sua disposicio, fica fiiil para os empresarios viabilizar a vitéria eleitoral de candidatos a cargos piblicos comprometidos com suas teses. Mais ainda, a medida que cles sio os principais anunciantes nos meins de comunicagio de massa, fica igualmente facil pressionar os éngios da imprensa cserita ¢ falada para que divulguem suas demandas ¢ projetos junto 4 sociedade, Nesse caso, scquer ¢ necessiria a 43 Colegie Histéria do Parand ameaga de rompimento dos contratos de publicidade. Sendo do interesse dos Proprictirios dos drpios de imprensa manter-se em boas relages com seus anunciantes, pode-se imaginar que esses dificilmente oporio resistencia 4 divulgagio daquilo que interessa ao empresariado ou, inversamente, abririo espago para a divulgacao de teses contnirias ao espirito da “livre iniciativa”. Mais ainda, os empresirios tem vantagens adicionais em relacio a outros Btupos sociais, no que diz respeito 4 sua capacidade de atuar politicamente. E sabido que qualquer acio politica requer organizacio. Nenhum movimento politico ow social pode abrir mio de um nivel minimo de omganizagio se quiser influenciar os poderes jriblicos ou mobilizar o apoio popular. Para ‘tanto, sio necessirios recursos materiais, como instalagdes fisicas, telefones, faxes, computadores, etc. € recursos humanos, como secretirias, tesoureiros, publicitirios, etc, Ora, qualquer grupo social que precise langar mio desses recursos teri de custed-los cam recursos do proprio bolso. Os empresirias no precisam se sujeitar a esses gastos extraordinirios, 4 medida que suas empresas ja feuinem esses recursos. Tanto os recursos materials quanto os ‘humanos das empresas estio permanentemente a servigo dos interesses politicos dos seus empresirios. Dai a conhecida afirmagio de GRAMSCI (1932) de que certas instituigdes privadas sio perfeitamente capazes de atuar Em suma, se levarmos em conta todas e¢ssas vantagens (a transmutagdo de seus intercsses particulares cm demandas de interesse geral, acesso privilegiado as arenas decisdrias, recursos © organizagdes que sustentam a luta politica), s6 podemos concluir que o jogo democritico numa sociedade capitalista esti estrururalmente enviesado de forma a favorecer os interesses dos empresarios. Esbogado esse quadro geral da relagdo entre Estado © Sociedade no capitalismo contemporinco, ¢xaminaremos agora como cla opera no Parana Contemporinco. Urbanizagio @ Industrializagio no Parand 4.2 OS PROJETOS INDUSTRIALIZANTES DA CODEPAR EDO BADEP E perfcitamente possivel perceber a preocupagio das elites locais com a efetivagio de um projeto de desenvolvimento econémico baseado na industrializagio ji a partir do inicio da década 1960. Virios fatores concorreram para uma dristica revisio dos pressupostas desses dirigentes com relagio & énfase cxclusiva na natural vocacio agricola do Parana. Por mais paradoxal que possa parccer, isso se deu justamente no instante em que © Parana se Convertia no maior exportador de café do Brasil, com a abertura de novas frentes pionciras ¢ de colonizagiio que avangavam do Estado de Sao Paulo. ‘Ocorre que o sucesso do Parand como exportador de café traxia em seu bojo alguns processos inquictantes para as elites paranaenses. © principal € que essas jireas tinham conexdes ccondmicas nio com o Estado do Parana, como se pode suport, mas sim com a cafcicultura paulista. Dessa forma, essas populagées nio s6 adquiriam os produtos industrializados © de consumo necessirios em Sio Paulo, como exportavam o seu café pelo Porto de Santos. Dai adviriam duas consegpiéncias graves para as lites politicas do Parana: a evasio de divisas ¢ a possivel quebra da unidade territorial do Estado, Este ultimo temor é uma constante na historia politica dessa unidade da federacao, remontando criagio da provincia do Parana (desmembrada precisamente de Sia Paulo em 1853), passando pela experiéncia do Contestado (1911) © pelo desmembramento temporirio do Sudoeste, sob a forma do Territério Federal do Iguacu (1937-1946), ¢ sendo reatualizado com aS propostas contemporineas de criagdo do Estado do Paranapancma (as custas do desmembramento do Norte do Estado, 1991-1992), Em fungio da percepgio de ambos os perigos, comecou a ser gerado ‘no Parani um projeto de industrializacio do Estado, que fosse capaz tanto de promover o desenvolvimento econdmico, evitando a evasio de divisas, quanto a integragio territorial, afastando o perigo de desmembramento de pares do territério. A administragio Ney Braga (1961-1966) ira dar forma concreta a esses projetos. De fato, 0 Governador do Partido Democrata Cristio (PDC) assume 0 governo colacando essas preocupagdes coma 45 Colegio Histéria do Parana centrais no seu programa de governo,' Para tanto, ele se empenhou em racionalizar a maquina administrativa? a fim de capaciti-la para aruar como propulsora do desenvolvimento econémico, ¢, camprometendo-se com um plano de governo que privilegiava a diversificagio econdmica, deslanchou ambicioso programa de industrializagio. Uma das conseqiiéncias desse process de racionalizagio foi conferis & tecnocracia do Estado considenivel dose de autonomia frente ao Legislativo estadual. A esse processo a literatura afeta 4 Citncia Politica denomina de “insularizagao tecnocritica” (SOLA, 1994). Essa conjunturl. foi marcada também pela ascensio da Ideologia Desenvolvimentista no plano nacional. Em sua composi¢io figuram em lugar de destaque tanto a nogio de que o Estado deveria ser o agente indutor do crescimento industrial, quanto a iddia de que a efetiva i econémica requeria a industrializacio. A interven¢io do Estado na economia, em que pesem 4s criticas de segmentos identificados com o Liberalismo, firmou-se de forma consistente como resultado da Crise de 1929. A crise, de fato, 20 quase inviabilizar o funcionamento da economia de mercado — € isso em nivel mundial -, derrubou as resisténcias politicas, baseadas na defesa politica do liberaismo, que se opunham intervencio estatal. O apelo em prol da industrializagéo ganhou ressondncia com a crise € s¢ tomou quase hegeménico ao final da Segunda Guerra Mundial (1939.45). No caso latino: americano, dois fatores parecem ser decisivos nesse processo: a detenoragiio: dos termos de troca entre periferia e mucleo do capitalismo ¢ a ressoniincia da proposta elaborada pela Comissio Econdmica para a América Latina (Cepal). JHA uma sssociacio evidente entre a Sociedade de Ames Grifieas ¢ Mecanogrificas Aplicadas is Ciéncias Sociais (SAGMACS), 0 Partido Democrat Cristio (PDQ) < 0 propésito dos governantes desse partido de pautar sua atuacdo pelo planejamento ¢ pela racionalizagio, O primeito governador do pais a elaborar um plano de governo foi o de Sko Paulo (Carvalho Pinto, 1961); 0 segundo foi o do Parand (Ney Braga, 1963); ambos os ram do PDC, © os dois planos foram formulados pela SAGMACS. O prefeito de Curitiba, & época da elaboracio do Plano Diretor de Curitiba, que previa a ctlaglo de um distrito industrial na espital, vale lembese, também era do PDC. iia ses Gooce 3 NG de men asee, Sinica paralcht’ que visa preciamente contumar a incficiénaa da administragio publica tradicional scm atingir intcrossc3 estabslecios, Surpemt ai a CAFE. do Parand (agropecuitia), a Fundepar (educagio), Sanepar {Ggua © exgoto), a Telepar (telecomunicages), a Celepar (informicca), a Cohapar (habitagio) ¢ a (Coclepar (fomento econdmico}* (AUGUSTO, 1978, p29), 46 Urbanizapéo # Industrializagio no Parana A deterioragio dos termos de troca refere-se ao progressivo rebaixamento dos precos dos produtos primirios no mercado mundial ao fim da Segunda Guerra Mundial, resultado da integracio cada ver mais completa de toda uma série de economias de perfil primiirio-exportador ao sistema capitalista. Essa integracio aumentou o volume de bens primarios oferecidos no mercado, derrubando sistematicamente seus precos, Dessa forma, as economias dos paises exportadores de alimentos ¢ matérias-primas se tornavam crescentemente incapazes de gerar os Fecursos necessdrios para o pagamento das suas importagdes — geralmente de produtos industrializados, que cles ndo produziam. A solugio para esse impasse que mais ressonincia politica ¢ social obteve foi a "substituigdo de importagées", proposta pela Cepal. O que essa instituicdo defendia era, nada mais, nada menos, que os paises latino- americanos criassem as condices para deslanchar a sua propria industrializagio. Tal processo destinava-se a lograr a auto-suficiéncia industrial de cada pais, iniciando-se pela produgio intema dos itens que mais fortemente pesassem na sua pauta de importagGes (geralmente bens de consumo), estendendo-se depois para todo o parque industrial. Essa proposta tinha um irresistivel apelo nacionalista: construir uma industria nacional, que tomasse o pais menos dependente (ou mesmo auto-suficiente) de importagdes ¢ mais capaz de se equipar para defender a si mesmo das ameagas externas. Tais temas ji vinham sendo divulgados pela burguesia industrial brasileira desde a fundagio da Federagio das Indistrias do Estado de Sio Paulo (Fiesp) em 1928 ¢ acabaram por ser compartilhadas por expressivos setores da esquerda ¢ dos movimentos sindicais, identificados com o combate 4 dependéncia externa, em geral, ¢ com o imperialismo das poténcias capitalists, em particular. Tanto nacionalismo quanto a industrializagio eram temas comuns 4 retériea das foreas politicas que dominavam a Republica Populist (1945- 1964). Contudo, tais temas conheceram o auge de seu prestigio na vigéncia do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando o Desenvolvimentismo se tormou a ideologia oficial do Estado. A idcologia desenvolvimentista ¢ as propostas da Cepal encontraram ampla ressonancia entre as clites paranacnses preocupadas com o futuro do Estado do Parani. Por um lado, era visivel que 0 predominio quase que exclusivo da agricultura de exportagio nio prometia muito fururo no que diz respeito ao crescimento cconédmico. Por outro, temia-se a al Colegio Histéria do Parand dependéncia econdmica do Parana com relagao ao niicleo do capitalismo brasileiro: o Estado de Sao Paulo. A resposta 4 cvasio de divisas (tanto por meio da compra de mercadorias industrializadas, quanto pelo escoamento do café paranacnse pelo Porto de Santos) foi o surgimento de uma versio paranaense da ideologia Desenvolvimentista, Nogdes tomadas de empréstimo a terminologia Cepalina e« Descnvolvimentista, como satelitizagdo, periferia, dependéncia, etc., configuram uma transplantagio do quadro tedrico criado para entender as relagdes entre as diversas partes do sistema capitalista no plano mundial para o cendrio interno brasileiro, O trecho a seguir é representativo da retérica que se tornou usual evocar para a justificativa tanto das politicas estaduais, para promogio da industrializagio, quanto do apoio ao empresariado privado. .agoverno ¢ iniciativa privada empreendem uma sé batalha - da produgio - desde a agricultura a industria. O excmplo do Parani cuidando mais de progredir do que receber favores, implantando um sistema de firmagio de recursos para o desenvolvimento com a prata da casa, provém da politica a que se impds ¢ deve ser seguida por outros estados, Em matéria de planejamento regional, de que € tio escasso este pais, o Parand aponta ©: caminho certo. {..) Neste caso, o Parani esti dando aulas ao Brasil, parecendo que o segredo de seu éxito esti contido no apoio inestrito A atividade privada, a mola da producio de nosso sistema democritico. (...) Sempre na dependéncia, vivenda como sucursal de So Paulo, um estado com a area do Parana (..) precisava apcnas da criagio dessa consciéncia de um progresso compativel com seu valor, o que o govermador Ney Braga acaba de implantar (PARANA...,’ citado por AUGUSTO, 1978, p.20), A dependéncia do Parana com relagio a Sdo Paulo e a necessidade de © Estado promover a industrializagio como estratégia da sua superagio também se manifestam claramente num dos mais influentes trabalhos sobre a economia paranacnse, de um autor totalmente identificado com essas propostas: )PARANA iniciow arrancada visando seu plena desenvolvimento industrial. Ditirio do Parand, 22 mar. 1963, pa. 48 Urbanizagao e industrializacéo no Parana

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