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J 4aso dindmica entre tempo e modelo, revelam seu verdadeiro. “entido, esse desenho do narrador que nasce da observacio detalha- da das coisas passageiras se pode ver também uma metéfora do trabalho do critico, em busca da integragao e da coeréncia que definem a forma literéria perante a realidade do mundo e fo sempre alvos preferenciais de sua longa jornada em meio & m plicidade aparentemente castica dos textos. Durante sua formago como narrador nos anos 1930, Jorge “Luis Borges, interessado também no modo como se apresental rariamente a realidade ( a irrealidade), descobriu que o métody ais dificil eeficiente de postulara realidade na arte narrativa de= pende da invengio de “pormenores lacdnicos de longa projegio"™ E foillevado entdo a reduzir 0 principio de causalidade que ‘construsio do enredo do romance, que ele aproxima parado: ‘mente da magia, com seus jogos de vigilincias, ecos e afinid dido langa inesperada luz Borges, anticonfessional e tdo diferente de Proust, demonstra apercuciéncia e o longo alcance de sua visada para alémdo espagd. a que se limitava. Creio que nao preciso dizer mais para deino trar aforga viva de seu modelo critico. 456. L Borges. “A postulagio da reilidade”, Em Discusdo (1932), Ti ‘Vianna Baptista Séo Paulo: Companhia das Letras (2008, p. 77. s57-Em“A arte narrativa a magia’ 0p. PMIGIVEH [2 | MAu/, O fis arnn de eyed . Seed thes Cen che lehiae, Al. 4. Em busca do sentido” (Entrevista) ‘Todo 0 meu trabalho nos estudos lterdrios — de critico lite- rio, ensalsta e professor de teoria literdria da usp—teve sempre muito a ver com a teoria e a pritica da interpretagao. Em 1990, ‘quando defendi.a tese de livre-docéncia com um livro sobre Ma- nuel Bandeira, tive de formular, numa das provas,o projeto de um } curso. Pensei, entio, em um curso sobre métodos ¢ técnicas de anilise ¢ interpretagdo da obra literéria, o que acabou sendo um pouco o resumo de minha trajetéria, do aprendizado desde os contatos iniciais que eu tive na universidade com a pritica da and~ lise de textos, Toda a critica que desenvolvinos meus ensaios e nas | aulas estd fundada num tipo de leitura cerrada, de “close reading’, | quendo € exatamente o “close reading” de tendéncia norte-ameri- cana dos anos 1940, 50 ¢ 60, apesar de ter bebido nisso também, = mas um “close reading” muito assentado na estilistica, qué € uma ® _espécie de fenomenclogia com psicandlise e critica social, e num PA “entrevista publcada originalmente na Revista Brasilia de Picante, vl. 39, 1, 2005, 219 % modo espectfico de abordar os textos que aprendi com meus mes- Talvez seja 0 momento de detalhr os métodes da interpieingho tres da critica brasileira A vertente da estilistica que mais me inte- 1a literatura. ressou primeiro foi ada estilistica espanhola de Démaso Alonso, Quando eu falo em interpretagzo na literatura, penso na ex- voltada sobretudo para a leitura do texto pottico, e, em seguida, a pressio verbal da compreensio, ne tradugao em alema, representada por Leo Spitzer ¢ Erich Auerbach, grandes titicos, extraordindrios letores de literatura. Além disso, € claro, estava acompanhando, fazia muito tempo, as obras de criticos da- qui, como Mario de Andrade, Augusto Meyer, Oto Maria Car- peaux (que jé era nosso) e sobretudo Antonio Candido. ja; toma-se aquele texto particular, aquele conjunto de signos particulares que o constituem eo inserimos em contextos mais amplos,seja na dimensio da historia, sea na da linguagem, sia ainda na da cultura em geral, aproximando-nos da esfera de disci- plinas afins. A atitude explicativa traduz aquele conjunto de sig- nos e seus problemas em uma outra coisa, Essa atitude pode set | muito importante na tarefa de abordagem dos textos, mas ela nfo €a tarefa decisiva para o intérprete da literatura; constitui apenas ‘wn predmbulo para o trabalho interno mais importante: A tarefa decisiva € tarefa de compreensic. Ba compreensio consiste jus- tamente na penetracio na estruturs significativa da obra. O terreno da interpretagio é vasto. Voct falou um pouco da: experitncia na andlise de textos. Na sua formagao, a interpreta em outras dreas teve um peso decisivo? O terreno da interpretagdo ¢ de fato muito vasto e bastan: ‘complexo, mas talvez seja o momento de tentarmos definiralgu pontos fundamentais. A teoria da intexpretacdo é tao complexa ‘extensa que vai além das minhas forgas,restrtas a0 terreno liter: ‘gio tem um papel decisivo: dda exegese biblica, a que m ¢fundaniental, nds nado 1a. poss! fair em lites dae oe ‘Até unde explicar para compreendert Eliot, ém varios néuticaflos6fica, muito importante e que eu estudei um pou F _ensaios do comeso do século xx, sobre a fungio eas fronteiras da Li vitios livros nessa diregdo, alguns deles pesaram bastante |] critica, tratou dessa questio tio importante para a geragao dele. minha formagdo, como os de Gadamer e de Luigi Pareyson, se falar em Schleiermacher e na questio do circulo hermenti ‘Hé.a hermentutica psicanalitica e sua discussio, como a de Pat ‘Ricoeur, por quem também me interessci vivamente. pratica da andlise de textos literérios que nasceu a minha «do tebrica com relagao a interpretacéo. {Segundo Eliot, o poema deve ser compreendido em si mesmo € por simesmo. A poesia ¢ capaz de nos dar uma coisa que s6 ela dé. ‘Nenhuma explicagao, nenhuma tradusao do poema ém outra coi- ‘sa poderd responder & pergunta que» poema nos coloca, a per- ‘gunta drummondiana: “Trouxeste a chave?”, Mas n6s nao pode- “mos compreender sem explicar. Hé obras literérias que exigem, ‘hecessariamente, a explicagdo, ou seja,aclucidacdo de todos aque- 220 ex les elementos objetivos do texto que emperram ou dificultam a compreensio, A explicasito pode ser uma espécie de superagao inicial de. ‘guns dos obstéculos do texto, +O poema que requer uma explicagio é um poema de nés por uma ou por varias das razées do seu modo de ser. seja, por exemplo: por uma linguagem peculiar. Alinguagem p ser arcaica, pode conter alusbes dificeis de decifrar. Ela também pode ser detal modo singularizada pelo uso estlistico quedela faz Hi, entdo, uma dificuldade a ser enfrentada pela explicagio inicial. A operacio explicativa daquilo que emperra a compreen- sao é 0 comentario. O comentario ¢ algo velhissimo e surgiu pela primeira vez, na hist6ria do Ocidente, quando os textos de Ho 0, no século uta, C., comegaram a ficar dificeis para quem os ¢s- cutava ou no seu processo de transmiss4o. O século vm a.C.6 0 de necesséria com que se deve trabalhar diante dos textos cujo acesso se torna dificil € 0 comentério filol6gico. O comentério é um. | do conhecimento da hist6ria e da linguagem. “~ O comentioflol6gico foi mudando ao longo dos sécl © que se pode perceber é que ele virou uma ‘nos textos literdrios ao longo da historia da literatura. E ‘importante que as vezes se intrometeu dentro dos textos: Hé obt ‘que contém o seu préprio comentario ou poetas que comentat ‘sseus préprios poemas, como foi, por exemplo,o caso de Flot, 2m citado, ou de Umberto Saba, na Itélia, autor de um longo comen- ‘ério que acompanha 0 seu Carzzoniere.O Itinerdrio de Paségarda, de Manuel Bandeira, tio notével pela qualidade da prosa com que enlaca poesia ¢ experiéncia vivida, pode serlido nesse sentido, ‘Talvez.seja interessante. ressaltar as armadilhas' ‘colocadas no ‘meio do caminho da interpretacao. O processo interpretative pode ficar totalmente comprometido por causa de um equévoco no inicio a Ieituray nto éyerdade? Deve-se resolver antes de mais nada,o problema da tradugio it icadlos expressos.lss0 pode parecer simples ficil, 50 critico, além de antenas propicias. Eu posso it mal tima palavra do texto e isso tornar-se desastroso ‘Manuel Bandeira, pode ser desastroso se eu no com- render que “feracidade” nao tem nada a ver com fera nem com atrocidade, mas com fertilidade. A leitura pode jé de infcio des- viar-se do texto correto. No poema “Aporo”, de Drummond, um ctico leu, certa veo, na primeira estrofe do po me ‘um erro tipografico,e teve que se ver as voltas com a justificativa de sua leitura, Mas isso pode ocorrer com qualquer um que, inad- vertidamente, nao comece do mais simples e ndo leve em conside- agi, antes de mais nada, a precisdo do sentido literal em sua cor- respondéncia com os signos corretos do poema, cujo texto deve estar perfeitamente bem estabelecido, antes que se avance no tra balho, termo na acepgao exata em que ele : strusao do sentido poder cair Por terra. Esse trabalho filolégicoé inicialmente externo ao que de fato interessa no texto, mas pode ser decisivo como tarefa prepara- 23 ‘t6ria e tem a ver, desde 0 comego, com nossa sensibilidade para 0s, ‘elementos significativos. Ele nao é, a principio, uma operas. gostava de citar dizia que o comentiio era o vestfbulo da boa terpretagdo, e continua sendo. Apostar todas as fichas no comentério torna acanhada a interpretativa. Eliot afirma que é preciso saber onde parar com a explicacio. 6 explicat o explcivel. nso jé 6 uma tarefa critica, O miolo da nossas letras. Isso por ‘Quem pode dispensar, para comeso de conversa, o excelente livro de Stuart Gilbert ao se dispor aller 0 Ulises de Joyce? Walter Besa ‘num texto belissimo sobre “As afnidades ragio de catar feijao, do nosso poeta Jodo Cabral; enquanto 0 con- tetido de verdade vai para o fundo. O comentador deve limpar essa 24 cescrita do pergaminho para deixar ver 0 contetido de verdade que jaz por baixo, peneirar €6im jeito, para separar 0s gros bons da pa- Ihae das impurezas que se acuimulam, atrapalhanido. Quando exe- cuta adequadamente ese procedimentoso.comentador,como disse Benjamin, removeas pesadasachas do passado que recobrem tex- to, para deitar a chama viva’ exposta & compreensio do critico. critico esté interessado no contetido de verdade, naquilé que man- ‘tm viva a chama‘da’fogieira: Isso € tarefa da critica literdria edas opeagesintemas Estouflando da anise e da interpreta Talvez Jha npg dewthar um poucoo process a edbhecieno da fncionaidade qe temas partes 0 todo, Ainterpretacio é uma tradugio interna, pessoal eafetiva, des- Sg foreman te dete dvi cnn to,ou sej, que a obra lterdria €uuma espécie de enigma. interpre- tacdo sempre lidou e lida com uma questo, no fuindo, enigmstica. Em inglés, enigma é uma forma de‘‘riddle’ ou adivinba, que esté ligada & raiz do verbo “to read”: Entdo, a litura critica se depara no fando com o enigma, com a pergunta da adivinha. eee Unn de seus livros tem, justamente,o titulo Enigma e com Isso mesmo. Enigma e comentério, Quer dizer, 0 de um enigma. Um poeta amigo meu, Antonio Car (Cacaso), quando eu publiqueio livro; disse: “Gostei demais titulo porque todo objeto ¢ enigma; todo pensamento, co rio’: Ele estava anunciando exatamente o miolo do livro, qu bém € 0 miolo da interpretagio. Ea i cariter inexaurivel do fundo da verda fil6sofo italiano Luigi Pareyso: a formulaga verdade € uma questo hermenéntica. Toda formulagio de, toda interpretacdo, é uma tentativa de dar conta dessa to de que €a verdade. Mas ela 6 aparece como verdade verdadeira se mantiver como verdade infinita para a pessoa que é ointérpi te, Cada um dos intérpretes deve fazer uma leitura totalizante d sa verdade: tio adequada, abrangente, coerente, que seja ca ‘razé-la viva e iluminada nossa presenga. A interpretagio enquanto leitura pessoal da verdade. Quando o intérprete s ca diante de uma obra de arte, ele deve saber ¢ estar pre} ara uma operacio interna, afetiva e pessoal. Ou seja, a respos A totalidade da verdade esté inteira em cada uma das par- tes. E cada uma das partes re ‘uma continuidade da verda 80 pelo qualse deve desenvol totalidade que a cada passo: tra naviséo do'todo. O' movimento da interpretagao ¢ 0 movi- mento do efrculo hermentutico de que falou Heidegger, prova- velmente rétomando o pensamento de Schl ropésito, ou seja,é um movimento do todo a parte e da parte ao todo. ae “© processo pelo qual eu entro no circulo é complicado, Afi- nal de contas, ele depende da atencao flutuante do leitor sobre 0 texto, Vamos colocar a seguintesituacfo: elimintadas as bartelizas Onde ‘nicial. Eu tenho de ler e reler diver- ‘sas vezes. Devo dedicar a essa aproximagao uma aten¢ao flutuan- te, como talvez dissesse um psicanalista. De repente, eu me dou conta de que uma metifora é recorrente e, portanto, tem alguma outra ligagdo dentro do texto. Posso perceber, também, que essa metéfora esté repetida no ritmo do poema, e que o ritmo se con- firma pelas rimas, interligando palavras-chave para a construgio do sentido, Percebo assim elementos de semelhanca dentro da se-, quéncia dos signos. Portanto, na atengao flutuante dedicada texto € possivel detectar um detalhe significative que seligaaou- , tos, permitindo o estabeléciixicito de uina cadeia coerente de sig- nificados na qual, em cada elo, esté latente’a totalidade: Vai-se da Pi imego a enfrada ne censaio: ela talver seja lateral, sem ser unilateral, mas deve corres onder a0 que a pessoa compreendeu da obra enquanto todo, 3 ‘enigma, na versio de Pareyson, é uma forma de i

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