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PIERRE VIDAL-NAQUET TRADUCAO: MARINA APPENZELLER DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI OS ASSASSINOS DA MEMORIA “Um, Eichmann de papel” e outros ensaios sobre 0 revis} TER & CORTE 3 secre oe % Historie 8 a et Ry Bp y Digitalizada com CamScanner Capa: Francs Rodrigues Yn 3 ‘Tradugao: Marina Appenzel 4 to oad Equine de reviséo: Ana Fausto A, E Latciunis V 617, Dados de Catalogagi na Publicesdo (CIP) Internacion c 0 internacional (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) + um Eichoann de papel € amo / Pierre Vidal-Naquet + 1. Antsemitsmo 2, Goer Manda, 19391945 — — Campos de concentragio — Alemanha 3. Guer “ ‘Mun- sie lot aden C93 um Ehsan © poe ¢ Sobre o reveinme. cop 34051500924 “os. 5a8 Sse 87-2708 Indices para catélogo sistemitico: ‘Anti-semitismo : Sociologia 305.8924 va Mundial, 1939-1945 : Histéria 940.5472 24 Histor 940. 531503924 in 940,531503924 1 2 3 5 DIREITOS RESERVADOS PARA A LINGUA PORTUGUESA (© M.R, Cornacchia & Cia. Lda, opus EDITORA Francisco Glicéria, 1314 - 2.° and. Fone: (0192) 32-7268 - Cx. Postal 736 13013 - Campinas + SP - Brasil parcial por qualquer mefo de impressfo, em forma ftuguesa ou qualquer outro idioms proibida a reproducio Prtatica, resumida ou modificada, em lingua port A meméria de minha mae, Marquerite Valabrégue. Marselha, 20 de maio de 1907. Auschwitz, 2 de junho (?) de 1944. Eternamente jovem. Digitalizada com CamScanner y perseguido; quando um mau perseque wm justo, Deus lo lado do perseguido; quando um mau persegue um mau, Deus estd do lado do perseguido, e mesmo quando um justo persegue um mau, Deus estd do lado do que é perseguido,” Refletir sobre tal texto e sobre o que implica, eis 0 que, com certeza, seria bom para os judeus. 116 TESES SOBRE O REVISIONISMO (1985) * I. DE UM REVISIONISMO A OUTRO Chamarei aqui de “revisionismo” a doutrina segun- do a qual o genocidio praticado na Alemanha nazista contra os Judeus e Ciganos nao existiu e pertence a0 dominio do mito, da fabulacdo, da fraude*, Falo aqui do “revisionismo” no sentido absoluto do termo, mas exis- tem também revisionismos relativos sobre os quais fala- rei um pouco. A propria palavra tem uma histéria estranha, que mereceria ser desenvolvida. Os primeiros revisionistas modernos na Franga foram os adeptos da “revisiio” do processo de Alfred Dreyfus (1894), mas a palavra foi rapidamente invertida por seus adversarios*, ¢ essa in- versio deve ser considerada sintomatica. A palavra, a seguir, adquiriu um sentido ora positivo, ora negativo, sempre implicando a critica de uma ortodoxia dominan- ‘Texto pubicado nos autos do coldquio da Ecole des haues études en sciences le genocide ju} (Le Seuil/Gallimard/ Paris, 1983 1. Agradeso a todos os que me ajudaram na au, grande Gio “Hautes Etudes" “L'dllemagne ‘nazie et le Seuil, Paris, 1985), remeto a outros ensaios pul fo Alemanha nazista. ‘Joseph Reinach Historien. Révision de Uhis- fécio de Ch, Maurras, A. Savadte, Pars, 1905. 7 Digitalizada com CamScanner te. Revisionistas foram Bernstein e seus amigos diante dos marxistas ortodoxos, e o termo foi transmitido aos maistas que assim qualificam seus inimigos soviéticos. ‘Também revisionistas em relagdo ao sionismo tradicio- nal so os discipulos de Vladimir Jabotinsky, atualmen- te no poder em Israel, assim como os historiadores ame- ticanos que contestam a versio oficial e tradicional das origens da guerra fria. Os revisionistas do genocidio hitlerista reivindicam, no entanto, em parte com razio, uma outra escola histé- rica americana, a que pode ser simbolizada pelo nome de H, E. Bamnes (1889-1968)*. Historiador e sociélogo, “radical” no sentido americano do termo, pelo menos no inicio de sua carreira, anti-imperialista e anticolonialis- ta‘, Barnes insurgiu-se contra a ortodoxia histérica que atribufa apenas aos impérios principais a responsabili- dade pela Primeira Guerra Mundial. Embora nao tota- litaria, essa ortodoxia nao deixava de ser menos real na Franga, na Inglaterra, assim como nos Estados Unidos. O “livro amarelo” francés de 1914 apagava os epis6dios mais perturbadores e por vezes passava a ilusdes puras e simples, por exemplo, quando apresentava a mobiliza- gdo geral russa (30 de julho de 1914) como posterior & mobilizag&io autro-hingara (31 de julho). Durante a guerra, pela primeira vez, a propaganda agira de forma maciga *. Nos dois campos, os historiadores entraram no jogo. Por exemplo, um historiador americano publicou 5. Ver o lugar que the & concedido em K, STIMLEY, 1981 Revisionist Biblio- graphy. A Sele raphy of Revisionist Books Dealing with the Two Wars and ins, Institute for Historical Review, Torrance, Cali- fornia, 1980. Ver também de H. E. BARNES, Revisionism: a Key to Peace ond Other Essays, preficio de J.J. Martin, Cato Institute, San Francisco, 1980. 4. Ver por exemplo seu prefécio em L, Hamilton JENKS, Our Cuban Colony, Vanguard Press, Nova Torque, 1928. 5. Ver a obra eléssica de Lord A. PONSONBY, Les Faussaires @ Temps de guerre, Maison internationale édition, s. d., Bruxelas (19292). em 1919 uma coletinea que se intitulava, paradoxal e significativamente, Salvas de um ndo-combatente’. No mundo liberal, a ortodoxia com certeza néo era imposta como 0 era e devia sé-lo no mundo totalitario, mas nao deixava de existir. O historiador francés Jules Isaac, autor de livros didaticos bem conhecidos, quis, em 1935, propor na Sorbonne, um tema de tese sobre o ministé- rio Poincaré (janeiro 1912-janeiro 1913), 0 que colocava, no contexto historiogréfico da época, o problema da res- ponsabilidade de Poincaré nas origens da guerra. A Sor- bonne pediu que “por conveniéncia”, o nome de Poincaré nao figurasse na minuta do assunto. Isaac recusou esse ‘compromisso e esereveu ao decano da Faculdade de Le- tras: “Se ‘por conveniéncia’, a Faculdade proibe-me colocar o nome de Poincaré no titulo, igualmente ‘por conveniéncia’, a Faculdade poderia pedir-me para nao revelar plenamente no decorrer da obra o papel pessoal de Poincaré '.” © que é verdadeiro para depois da Pri- meira Guerra Mundial, vale também para a Segunda. Nos Estados Unidos, o presidente Truman dirigiu-se, a* 22 de dezembro de 1950, ao congresso da American His- torical Association pedindo-lhe para auxilid-lo no esta- belecimento de um programa histérico federal de Iuta contra 0 comunismo". Tratava-se, é claro, de opor a verdade & mentira, mas a verdade pode ser facilmente federal? Infelizmente, H. E. Barnes ndo se contentou com destruir a ortodoxia da Alianca e de seu aliado ameri- cano e inverteu-a. Seu livro sobre A Génese da Guerra 6, W. ROSCOE THAYER, Volleys jrom a Non-Combattant, Doubleday, Nova 19. reproduzida pelo Mouvement social, janeivo-margo de 1982, p. 10i- 102; agradeco a Madeleine Rebérioux por ter chamado minha atengio de 1951, p. TUL 19 | Digitalizada com CamScanner me descobre, ou melhor, inventa, um “complé trance ‘Usso como causa da guerra”. Nao hesita em “re- yar, Por exemplo, que Jaurés foi assassinado “por instigacio de Iswolski e da policia secreta russa qq, Jilles Isaac poderd dizer com moderagio que-ele é “temerdrio e tem muita imaginaedo para aplicar o mé- todo histérico O livro de Barnes ainda nos traz outro ensinamen- to. Ao dirigir-se ao piiblico francés, o patriarca do revi- sionismo americano evoca 0 caso Dreyfus; 6 também lembrando o exemplo do caso Dreyfus que consegue apagar completamente qualquer responsabilidade da Alemanha na génese do conflito mundial — 0 que é tao absurdo quanto a tese inversa . O caso é portanto uma referéncia e, por mais paradoxal que possa parecer, con- tinuaré sendo para um grande ntimero de revisionistas do genocidio hitlerista *. Realmente é uma referéncia, mas num sentido com- pletamente diferente. Foi com muita razéo que Hannah Arendt nela viu um dos primeiros tempos da génese do totalitarismo moderno “. Mutatis mutandi, a evidéncia trad, L, Laurent, 1933, p. 224. . The Genes of the World War, Knopf, Nova com prefécio de G. Demartial, Marcel Ri 10. Genéze.+. ibid, p. 306 jorique: 1914. Le probleme des origines de la guerre, Riedet, 12, 103, 333-335. 13. Poderfamos citar um grande nimero de ype de La Vi ‘de Bernard ns de la brochura de J. G. BURG (Judeval mals trangiila do mundo accuse (Ich klage an), 2. ed. Ederer, Munigve, 1982 e, do mesmo autor, Zionnaei Zensur in der B.R,D., Bderer, Muni- ‘que, 1980, p. 48-49. Ve LM, Pouteau, Calmann-Lévy, col, “Diaspora”, Paris, 1973, p. | | i da culpabilidade de Dreyfus, apesar das montanhas de “provas” que se teima em inverter é, para o niicleo anti- Dreyfus, um dogma tao incontornavel quanto a inocén- cia de Hitler, acusado de genocidio, para o revisionista, de Hitler. Inocentar Hitler em nome de valores referen- tes a Dreyfus e com a obstinagao dos nacionalistas mais limitados é um refinamento moderno particularmente digno de interesse. Caso Dreyfus, luta contra as versdes nacionalistas da guerra 1914-1918", luta contra as “mentiras” da Se- e contra a maior de todas as © genocidio hitlerista, essa “fraude do sé- sao trés elementos que permitem perceber a sinier a Jean-Gabriel Cohn-Bendit ", O caso de Rassinier 6 particularmente notavel: socialista, pacifista e no entanto da Resisténcia, deportado, é 0 verdadeiro pai do revisionismo contemporaneo. “Num movimento de obstinagao cujo enigma nao se consegue decifrar com- pletamente, Rassinier permanece fiel até o Amago dessa novidade absoluta, 0 mundo dos campos de concentra- 40, a ligdo de 14. Se descreve sua experiéncia com todos os detalhes, se trabalha na sua conceituacdo, na sua tematizacao, nao é para transi imi la enquanto experiéncia, para limpé-la de tudo que escapa ao repetitivo. Nao magnifica os SS por fascinio IS. Na America © na Franga: nem & preciso dizer que os revisionists alemies, os de. extrema-dirita neonazista abso- ‘versio nacionalisiaalemf da Prime dos revsionistas, The Hoar of stitute (or Historical Review, Torrance, Califérnia, aupra, p $089; JoG. fexrimem-se em intolérable 942, Digitalizada com CamScanner ou em virtude de algum masoquismo, banaliza-os com © tnico designio de fazer com que uma guerra entre na outra e de colocar todos os comportamentos — os da vitima e do carrasco, os dos soldados alemaes e os de seus adversérios — dentro da mesma ‘abjecdo desproposita- da’ *” Negando, por muito tempo sozinho, o genocidio main Rolland “acima da confusio” em 1914 e Bernard Lazare, combatendo solitario em favor da verdade e da justica em 1986, Seu exemplo influenciaré H. E. Barnes e contribuiré para a transigéo entre o revisionismo antigo e 0 revisionismo moderno™. Era preciso recons- tituir esse conjunto e tentaremos esbogd-lo de maneira mais precisa. Devem-se, no entanto, refutar as teses “re- visionistas” e principalmente a mais caracteristica delas, a negagao do genocidio hitlerista e de seu instrumento privilegiado, a cAmara de gas? Por vezes pareceu neces- sario fazé-lo™, Essa no sera com certeza minha inten- do nessas paginas. Na verdade, nao se refuta um siste- ma fechado, uma mentira total que no se situa na ordem do refutavel, pois ai a conclusao precede as pro- ‘Por vezes uma propaganda semita: ver, por exemplo, em Journal of Historical Review, 1, reprodugio de um capitulo do livio de A. PONSONBY . 5. Relembro que se trata de um érgio periédico de seta revisionista ame- ime, 20 pé da pagina 4, nio & me ‘ulterior ¢ substituldo por outras m | | vas“, Outrota foi necessdrio provar que os Protocolos dos Sdbios do Sido eram falsos. Mas, como dizia H. ‘Arendt, se tanta gente acha que o documento é autén- tico, “o trabalho do historiador néo é mais [apenas] descobrir a impostura. Sua tarefa também nao é inven- tar explicag6es que dissimulem o0 fato histérico e politico essencial. Acreditamos numa falsidade. Esse fato é mais importante do que a circunstancia (historicamente fa- lando, secundaria) de que se trata de uma falsidade *.” DOS MITOS DE GUERRA E DO PERCURSO DA VERDADE Propaganda, ou como se dizia “lavagem cerebral” durante a'guerra 1914-1918; propaganda ou “lavagem cerebral” durante a guerra 1939-1945. O grande massa- cre hitlerista é colocado no mesmo plano que as “crian- gas de mo cortadas” de 1914; trata-se portanto sim- plesmente de uma operacdo de guerra psicolgica. Essa teoria central do “revisionismo” tem o mérito de lem- brar-nos dois dados basicos do conflito mundial. A pro- paganda aliada, em seu conjunto, utilizou muito pouco © grande massacre em sua guerra psicolégica contra a Alemanha nazista. Quando comecaram a surgir as in- formagées sobre o genocidio, 0 que aconteceu bastante cedo, depararam-se com obstaculos gigantescos, entre os quais o menor nao era precisamente o precedente de 1914-1918, Num sentido, podemos dizer que os primeiros “revisionistas” e, entre eles muitos Judeus, recrutaram- 21: "A coneluséo precede as provas"; tomo esta expressio emprestada de um > 123 Digitalizada com CamScanner tendo @ guerra no servico de informagao das po- rretatinttas. Tudo isso foi estabelecido de maneira vel num ‘trabalho recente-de Walter Laqueur *. He erate de informagées que provinha dos ter- i "upados, havia o verdadeiro, 0 menos verda- deiro e 0 falso. Nao se colocava em diivida o sentido do que estava acontecendo, mas era sempre possivel hesi- tar entre essa ou aquela versao dos acontecimentos. No caso do campo de Auschwitz, por exemplo, sé em abril de 1944 péde ser estabelecida, a partir das evasdes, uma descrigéo de primeira mo que se revelou notavelmente exata, dos processos de exterminio. Esses “protocolos de Auschwitz” sé viriam a piblico pelo War Refugee Board americano em novembro de 1944*'. A deportacéo e o ‘massacre dos Judeus hingaros a partir de maio de 1944 foram acontecimentos anunciados pela imprensa neutra e aliada praticamente no dia em que comegaram *. Falei de “falso” e “verdadeiro”. Essa simples oposi- ¢&o no revela muito bem o que aconteceu. Todas as formas de inexatidao, desde erros sobre as formas arqui- teturais até confusdes sobre distincias ou nimeros, existiram, assim como existiram fantasmas e mitos. Mas B. The Terrible Secret, Weidenfeld and Nicolson, Londres, La “Solution Fit Pingo 1980, em fra es ¢ major exten in GILBERT, Auschwite and the ton, Londres e Nova Torque, 19 ‘muitos outros, ver E. YOUNG-BRUEHL, Hann E. Tassin, Anthropos, Paris, 1986, p. 224. Nem € pr jogo. foi explorado num sentido. rey Mcreditaram, € porque nfo havia no que acredi igos de R. FAURISSON © de P. GUILLAUME em Jeune N¢ 1q.,¢ sobretuda R, BRAHAM, The Po! ‘Columbia University nao existiam por si, como uma criagao sui generis, como um “boato” ou fraude inventado por um meio determi- nado, por exemplo, os sionistas de Nova Iorque™. Exis- tiram como uma sombra, como um prolongamento da realidade”. Acrescentemos que, quando chegavam aos \ servigos de informagées aliados, as informacdes ainda deviam ser decifradas, pois eram escritas na linguagem em cédigo dos sistemas totalitédrios, linguagem que s6 péde ser plenamente interpretada apéso final da guerra. Daremos um exemplo de cada um dos dois fendéme- nos, comegando pelo segundo. Os servigos secretos bri- tanicos haviam decifrado os cédigos utilizados pelos Alemes para suas emiss6es internas. Entre os documen- tos de fonte policial conhecidos dessa forma, figuravam d s numéricos: entradas e saidas de material humano para um certo niimero de campos, entre eles, Auschwitz entre a primavera de 1942 e fevereiro de 1943. Uma das © que indicava “partidas por todos os meios”, fol interpretada como significando a morte. Nio se men- ciona porém, nesses textos, 0 exterminio por gas”. Gracas a uma publicaco oficial polonesa, conhecemos perfeitamente esse tipo de-documentos. Assim, a esta- tistica de 18 de outubro de 1944 no campo de mulheres f outta expressi, por vezes ambas encor por exemplo BUTZ, The Hoar, 29121978 (ut ‘Second World War Il, Het 1. p. 673 125 Digitalizada com CamScanner Ls de Birkenau, que acrescenta “partidas" que diminuem 0s efetivos do campo: morte natural, transito e “trata- mento especial”, 0 que depois foi decifrado como exter- minio por gas™. ‘Um dos documentos capitais discutidos no livro de Laqueur® é um telegrama de Berna a Londres de 10 de agosto de 1942, de G. Riegner, secretario do Congres- so judaico mundial. Redigido com base em informagées comunicadas por um industrial alemdo, esse telegrama .anuncia que, no quartel general do Fiihrer, visa-se reunir todos os Judeus europeus “para serem exterminados de uma s6 vez” (““be at one blow exterminated”). Entre 0s meios estudados, o dcido priissico, Os erros e mitos nesse documento sdo notaveis. A decisdio de proceder aos exter- minios fora tomada muitos meses antes; 0 emprego do Acido prissico (Zyklon B), inaugurado em setembro de 1941 em prisioneiros de guerra soviéticos, era normal em Auschwitz desde 0 inicio de 1942, e a utilizagio do gas opée-se evidentemente a um exterminio operado de uma 86 vez que suporia a arma atémica entao inexistente. Em termos freudianos, seria possivel dizer que ha con- densacdo e deslocamento da informacio. Mas condensagio do que? Um dos debates mais no- tveis provocado entre os historiadores pela politi¢a hi- tlerista de exterm{nio é 0 que opés Martin Broszat e Christopher Browning numa mesma revista cientifica alema". 29, N. BLUMENTAL, Dokumenty ily z Csasdw Okupac}i Nlemechij ido. pelos autores revisio 5 60-62, Endlisung", Vierteljhrshelfe (raduzido para o inglés em 126 Refutando num livro semi-revisionista do historia- dor inglés David Irving gue exonerara ‘Hitler em be- neficio de Himmler da responsabilidade do grande mas- sacre, M. Broszat vé na “solugao final” que é o extermi- nio, algo em parte improvisado, que se desenvolveu, de certa forma, aos poucos. Ao que Browning responde que 6 preciso levar completamente a sério as informagdes dadas por Hoess e por Eichmann, o primeiro de acordo com Himmler, o segundo, de acordo com Heydrich “:* Hitler decidiu exterminar os Judeus durante overdo de 1941. O fato de tal ordem, transmida a alguns, ter sido colocada imediatamente em pratica, e ter-se tornado por condensagao o “de uma sé vez” do telegrama de Riegner nao é nada inverossimil. Mas como nio insistir também no papel crucial das etapas num processo que se desenvolve de acordo com a ordem do tempo, etapas sobre as quais o trabalho de Broszat traz precisées importantes? Etapas: o gueto modelo de Theresienstadt e o “campo das familias” em Auschwitz, etapas também os guetos com suas camadas sociais privilegiadas, que, por esses privilégios, acredi- tavam poder escapar a um processo comum para o qual contribuiam, etapas a respeito dos prdprios lugares do 127 Digitalizada com CamScanner exterminio para aqueles e aquelas nao-selecionados para, as cAmaras de gas. Somente etapas de todos. os tipos Permitiram que a politica de extermfnio se desenvol- esse, em suma, com suavidade. Todos esses momentos de um proceso, todas essas etapas de um assassinato, servem de argumentos aos revisionistas. Como se pode celebrar um casamento judaico em Maidanek perto de Lublin, muitos fingirfo acreditar que os campos eram, quando necessirio, locais de alegria"*. Quem, ao con trério, ndo vé que as etapas sio as condigées temporais e sont necessirias ao bom desenvolvimento do morti- cinio’ II. QUE HAJA MUITAS MORADAS... _ O revisionismo apresenta-se sob miiltiplas e varia- das formas, panfletos, livros “erudi ivros comuns de propaganda, brochuras mimeografadas, revistas de aspecto atraente, videocassetes. Quando se examina um conjunto desses documentos nas prateleiras de uma biblioteca, quando se constata a multiplicidade das tradugdes de um tinico e.mesmo texto”, quando se 1éem as miltiplas referéncias eruditas a jornais e livros obscuros, temos o sentimento de um tinico e amplo tudo estan 35. Fol o que pude fazer no inicio do més de abril de 1982 na biblioteca de ‘Yad Vashem em Jerusalém. 36. 0 récorde parece ser da célebre br imo do neonazisa inglés R. Vert ‘mond, 1979, pequeno monumento Algumas indicapdes sobre a repercussio dese livro na Inglaterra de Gill SEIDEL, The Holocaust Dental, Beyond the Pale Collect 1986, de RE, HARWOOD (pseu id Sie Millions really die?, Rich- ‘rudigio imaginéria. Encont 128 empreendimento internacional, Coneluséo extremada talvez, mesmo que exista indiscutivelmente na Califér- nia o centro de uma Internacional revisionista que aco- Ihe e redistribui toda essa literatura", Nao hd nada de surpreendente nisso; ¢ simplesmente uma conseqiién- \eia da universalizagao da informacéo e da posi¢o dominante dos Estados Unidos no mercado mundial. De fato, a “informagao” é divulgada, nos mais diversos niveis, com freqiiéncia pelas mesmas pessoas. Citemos por exemplo o caso de Dietlicb Felderer, nascido em Innsbruck em 1942, instalado na Suécia, testemunha de ‘Jeov’, pertencente portanto por conversdo a um grupo perseguido mas nao exterminado na época de Hitler. Colaborador do Journal of Historical Review ou seja, de uma revista com pretensées cientificas, edita também em Tiby, na Suécia, uma revista anti-semita mimeogra- fada completamente imunda, Jewish Information “, di- vulga muitos panfletos e organiza, em principio, todo verdo, viagens “revisionistas” para a Polénia. Levar turistas de um novo tipo a Auschwitz ou aos restos de ‘Treblinka e explicar-Ihe que la nada aconteceu de muito grave, é algo realmente inédito, rico em sensagdes de sabor excepeional. O revisionismo encontra-se na encru- zilhada de ideologias muito diversas e por vezes contra- Review, sediado em Torrance, na Cati> journal com © mesmo nome, toda uma 38, Um dos estudon mais precsos a respelto dessa Internacional ¢ 0 de P. A. TAGUIEFF, “Libétitage nazi, Nouveaux Cahiers, 66, primavera de 1981, p32. 39, Tomo empres fe algumas outrs personage! of Historical Review, também TAKUBOWSKI, em 40. Seu n , 9, de wma campanha de todos of membros do American Historical Association. ‘mim um dese nimeros publicado em 198 alguns eabelos com © tlo: "Please accept this hair 129 Digitalizada com CamScanner eee de tipo nazista, o anticomu- x ireita, o anti-sionismo, o naciona- ismo alemao, os varios nacionalismos dos paises do Leste europeu, o pacifismo libertario, 0 marxismo de extrema-esquerda. Como é facil prever, essas doutrinas parecer ora em estado puro, ora e até na maioria das vezes, sob formas e combinagées variadas. Daremos al- guns exemplos pouco conhecidos. Uma editora htingara de Londres publicou, além de uma tradugio inglesa dos Protocolos dos Sdbios de Sido, um livro intitulado The World Conquerors, onde se explica por uma inversio notével que, durante a Segunda Guerra Mundial, os ver- dadeiros criminosos foram os Judeus*. O livro é também de um anticomunismo violento, acusando todos os ci munistas htingaros e até todos os comunistas espanhéi de serem Judeus. A inversio é tipica dessa ideologia. Em O Judeu Siiss (1940), eram os Judeus que torciam os fatos. s Enqianto o anti-semitismo francés tradicional — de Maurras — 6 em getal, pré-Israel, todos os revisio- nismos so anti-sionistas convictos. Alguns resvalam do anti-sionismo ao anti-semitismo, o que é 0 caso de uma certa extrema-esquerda “. Outros percorrem o caminho inverso, Essa necessidade absoluta do discurso anti- sionista no revisionismo pode ser muito bem explicada. % preciso ferir a criacio do Estado de Israel. Israel é um Estado que emprega a violéncia e a dominagao. Desta Gu L: MASCHALKO, The World Conquerors The Rel War Cimiai, wad scr yok Soran Joep Suey Late 1938, red, Chan took ee Ne “ >. Milner indicou-me essa obra notivel. 4a etentes, mas nada tamente por antisionismo) de Vincent’ Montel oe + | forma, fingindo-se que tal entidade j4 existia em 1943, pode-se fazer esquecer que as comunidades judaicas eram comunidades desarmadas. Pode-se até mesmo ex- plicar que nazismo é uma criagdo, sem diivida imagi- naria, do sionismo “. Dito isso, 0 nacionalismo alemao pode ser perfeita~ mente combinado com a defesa de teses arabes *, Existe um palestino-revisionismo com adversarios decididos *. Também existem, até em Israel, alguns judeus-revisio- nistas, parece que em pequeno ntimero ". De um modo geral, a temética dessas obras, prin- cipalmente das que se inspiram no nacional-socialismo aleméo, antigo ou renovado é muito pobre, a ponto de ros. publicados po ‘Munique, 1970) wma coletines. de histrias ich KERN, do qual mencionarei ed, 1971) © Die Traple der editors especilizada de ist Digitalizada com CamScanner be hed dizer que todos esses livros sio programados, 9 As paginas se sucedem sem nunca trazer qualquer imprevisto. O leitor, com grande regularidade, tomaré conhecimento dos mesmos fatos: os judeus declararam guerra & Alemanha hitlerista em 1933, como estabele- cem de forma infalivel as citagdes deste ou daquele jornal obscuro do Middle West“; as perdas durante a guerra, alids, muito moderadas, devem-se exclusivamen- te ao acaso da guerra da Resisténcia; nao. existiram instalagdes de exterminio, as mortes nos campos deven- do-se quase que exclusivamente ao tifo. Limitar-me-ei aqui a observar uma questdo de método e a levantar alguns erros. Uma pratica revisionista fundamental é a recusa em distinguir as palavras da realidade. Durante a guer- ra mundial, existiram declaracées e atos terriveis de chefes aliados em relagio & Alemanha, que constituem crimes de guerra em todos os sentidos do termo. Mas & notavel constatar que os revisionistas, além de mencio- nar esses fatos (bombardeios de Dresden, evacuagio dramatica dos Alemies das regiées que voltaram a ser polonesas ou checoslovacas, etc.) enfatizam bastante | textos delirantes que dizem respeito a um racismo de Preussich Oldendorf, © Ieitor francés observard com interesse no cltimo fo para a gléria de Robert Faurisson, Uma tinea é de interesse por apresentar dez autores is Inglés D. Irving) com suas biografias: Verrat und Wid Reich, Nation Europa, Coburg, 1978. A assinalar, finalment de U. WALENDY, espe: P Verlag fir Volkstum um Zi lim 1. G, Farben Prozess, mesmo editor, 1981. 49, Ver por exemplo, E. KERN, vagodie der Juden, p. 83; W. STAGLICH, Der Auschwitz Mythos, p. 8285, com referéncia, por exemplo, p. 83, 2 “American Hebrew (Nova Torque) de 24 de maio de 1934 ¢ a Youngstown Jewish Times (Ohio) de 16 de abril de 1939. Poderia ter acrescentado 0 Daily Express de 24 de margo de 1933. 132 guerra elementar, que mal foram aplicados. Dessa for- ma, um certo Théodore Kaufmann, batizado para a circunstaneia de conselheiro pessoal de Roosevelt, pu- blicou um panfleto intitulado Germany must perish, que previa a esterilizagio dos alemaes; ora, esse panfleto é situado no mesmo plano que os discursos de Hitler e Hinmnler que, estes sim, tiveram a possibilidade de passar & pratica™. Nadine Fresco comparou com propriedade 0 méto- do revisionista a um Witz freudiano bem conhecido, o do caldeiréo"; “A emprestou um caldeirdo de cobre de B. Quando 0 devolve, B reclama que o caldeiréo tem uum buraco que ja no presta mais. A defesa de A: ‘1° nunca pedi um caldeirdo emprestado a B; 2°, caldei- rao j tinha um buraco quando o tomei emprestado de B; 32 devolvi o caldeirao intacto’.” HA muitos exemplos. Diréo — ou sugerirfo — que © “Protocolo de Wannsee” (20 de janeiro de 1942), que mostra um certo niimero de funcionarios trabalhando para a “soluedo final”, é um documento pouco confié- vel, pois nao est assinado, ou mesmo, que nao compor- ta nada de muito dramatico™. Atingem uma espécie de recorde com os Discursos secretos de Himmler, nos quais a teoria e a pratica do assassinato coletivo sfo expostas relativamente com pouca dissimulago®. Diréo a0 mes- ‘mo tempo que esses textos, publicados sob um titulo nfio jonaparte © M. Naths ,W, STAGLICH, Der Auschwitz Mythos, p. 38-65: je der Juden, p. 122-133; BUTZ, The Hoax, p. terpretasio, féncis de "Um Eichmann de papel’, supra, p. 3638 133 Digitalizada com CamScanner previsto por seu autor, foram falsificados, que nele foram IV. DE UMA MISTURA EXPLOSIVA introduzidas palavras que ndo figuravam no original, por exemplo, a palavra “matar” (umbringen), que ali Voltemos geografia do revisionismo . ae significa outra coisa, talvez evacuar, e que seu sentido mos seu alcance politico e intelectual. Nao disp: = 6, de fato, benigno: o exterminio do judaismo (Ausrot- todos os elementos de apreciagdo necessirios, @ as tung des Judentus) no é exterminio dos Judeus, Mas hipéteses que formularei séo fatalmente provisérias \ além de Freud, é possivel prolongar o Witz do caldeirao. sumarias, E possivel, no entanto, estabelecer alguns Por que A ndo diria: fui eu quem emprestei o caldeirdo marcos. Dois paises dominam de longe a produgao revi- a B,e ele esté intacto. Existe toda uma literatura para sionista, a Alemanha e os Estados Unidos. No primeiro, provar que os verdadeiros assassinos de Judeus e sobre- existe uma grande quantidade de livros que tém um tudo de Alemées so Judeus: Judeus kapos, Judeus da certo sucesso, a julgar pelo ntimero de reedicdes de Resisténcia, ete. O assassinato coletivo, que nao existiu, alguns deles. Sao, no entanto, estreitamente ligados a 6, no entanto, amplamente justificavel e justificado™. um determinado meio: uma extrema-direita herdeira i do nazismo e sonhando reabilité-lo. ‘Temos aqui uma ultrapasagem por excesso da nor- ma revisionista. Existe também a ultrapassagem por { © revisionismo propriamente dito nao conseguiu falha. O historiador inglés David Irving estima que a adeptos na extrema-esquerda ou ultra-esquerda, sé uns soluedo final foi elaborada por Himmler as escondidas | poucos. Com certeza, alguns pequenos grupos de terro- de Hitler e apesar de uma ordem formal dada pelo chan- ristas resvalaram do anti-sionismo, da ajuda ao movi- celer alemAo em novembro de 1941 para nao exterminar mento palestino de libertacdo nacional ao anti-semitis- os Judeus *, mo puro e simples, mas sem empregar o argumento swan revisionista. Cita-se com freqiiéncia uma declaragao 54, W, STAGLICH, op. cit, p. 94, citando © comentando 0 discurso de Posen 5 inhof: “ ills UWonnun) 6 lg de 158 Ms € os eae bauer demon da terrorista alemi Ulrike Meinhof: “Seis milhdes de tarvbém uma pégina da Judeus foram mortos e jogados no lixo da Europa por- Site aailel ee Ureciuiey e que eram Judeus de dinheiro” (Geldjuden)*. Quando se 3 de Guerre soelale, Pais, maio 1 essa frase em seu contexto, pereebe-se que sé se trata Ss) Agden eee een ke Ste de uma variag&o sobre o tema da formula de Bebel: “O Le Drame der ulls Enroptens, Sel Covlew anti-semitismo é 0 socialismo dos imbecis”. Uma escor- ene tet regadela, todavia, é posivel, e aconteceu algumas vezes. ci 0 sutpreendent © assunto € a obra de H. HARTLE, Freispruch flr Deu! ver sobretudo 204-274, 56, Hitler's War, op, city p. 332 € 393. Hssa pretensa ordem é na realidade 0” 87. Ver o testemunho capital de H.J. KLEIN, La Mort Mercenaire, prefécio resultado de uma pequena fraude intelectual que fo denu de D. Cohn-Bendit, Editions du Seuil, Paris, 1980. tempo por M. BROSZAT, Hitler und die Genesis...", op city p. 760 ¢ 38, Foi erro meu citar esse texto (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 1S de por G. SERENY ¢ L. CHESTER, Sunday Times de 10 de julho de 1977. dezembro de 1972) a partic da interpretagio de J. TARNERO (Nouveaux Trata-se de um telefonema de Himmler 8 Heydrich a 30 de novembro de Cahiers. 64, primavera 198 1941 do QG do Fuhrer sobre um determinado comboio de Judeus de amigo € erftico italiano D, Lanza chamou minha atengio sobre este e170 Berlim e a ordem era nfo exterminar (Keine Llquidierung) esse comboio ‘ me fu point” em Quaderni di Storia, 25 (janciro-ulho de preciso. TORT), p. 159-160, . 28) © de muitos outros com ele. Meu 134 138 Digitalizada com CamScanner de wis Estados Unidos, o revisionismo ¢ obra sobretudo le um lobby californiano, o Liberty Lobby de W. A. Car- to, de antiga e sélida tradic&o anti-semita, anti-sionista © antinegra que se sustenta também ou tenta sustentar- Se no nacionalismo dos Americanos de origem alema”. Nao parece que os esforgos feitos em direcéo do mundo libertdrio tenham, a despeito do patrocinio de H. E. Bar- nes, conseguido muito sucesso’. No meio intelectual e universitario, uma obra como a de Arthur Butz é quase totalmente ignorada “: Em alguns paises, ao contrario, o revisionismo é obra no somente de uma extrema-direita racista e anti-se- mita, mas também de alguns grupos ou personalidades de extrema-esquerda. Assim ocorreu na Suécia, apés a intervendo do sociélogo de extrema-esquerda J. Myrdal em defesa do francés Robert Faurisson, que nao inter- veio unicamente pelo homem, mas, em parte por suas idéias®, na Australia, apés a aco do antigo secretario do Victorian Council for Civil Liberties, John Bennett, e até na ItAlia, onde um pequeno grupo libertério e mar- xista reivindica Paul Rassinier “. O caso francés, no entanto, parece o mais interes- sante e complexo. Constatemos, em primeiro lugar, esse fato curioso: 0 problema revisionista foi tratado pela imprensa internacional no decorrer desses tltimos trés anos quase que exclusivamente em torno do caso Robert Faurisson. Noam Chomsky escreveu para ele um texto que serviu de prefacio a um de seus livros"; a partir de suas “teses”, a imprensa do mundo inteiro, na Alemanha e Estados Unidos, publicou enfoques dos mais rebus- cados. Observacéo ainda mais surpreendente, pois membro ou simpatizante do Gruppo Commonista 11 Imente de uma brochura i inter, r dessas piginas L’onestd pole- ensione, publicad 10, cas ia. Os dois, resolveu Digitalizada com CamScanner nesses dois paises sempre houve, e ainda hé revisionistas ° de maior envergadura do que Faurisson. Nao € que se trate de um revisionismo particular- mente temivel. Sua originalidade consistiu em colocar © problema num plano essencialmente técnico. Ainda, mesmo nesse campo, deve muito a Butz. Suas formulas que provocaram estardalhaco sio, na verdade, uma simples adaptac&o-traduciio.de um texto alemio", E claro que a categoria social de Faurisson, profes- sor universitario numa cidade grande, num pais onde tal titulo permite um acesso mais facil do que em outras partes aos meios de comunicagiio, seu talento natural para o escindalo, que é antigo, os processos que quase teve de responder", a apresentac&o de seus trabalhos por um antropélogo conceituado, Serge Thion”, com certeza ajudaram muito. Fato igualmente notavel: enquanto na Inglaterra, pais que inventou a liberdade de imprensa, os revisio- nistas nfo tiveram acesso aos grandes jornais”, na Franga, esbogou-se uma discussdo em certos jornais li- berais ou libertérios (Le Monde, Libération), por vezes que alguém fosse morto em virtude igl'o": essa f6rmula celebrizou Faurisson ¢ foi divulgada, ) W. D. ROTHE, em worde wire, weil er Jude 68. Ainda que’ tais processos acontesam nos Estados Unidos (sem grande estardalhaso), ver infra, p. 69. No volume ji citado, 70. Ver, por exemplo em Journal a correspondéncia entre os fesman de Londres, Soube por G. Sereny que as mais altas autoridades morals e juridicas da imprensa inglesa debateram a questio € decidiram pela recusa do direito de resposta. 138 "| para que 0 leitor sentisse que havia duas teses equiva~ lentes entre as quais poderia hesitar ". Como outros paises, a Franea teve e continua tendo uma corrente neonazista simbolizada por Maurice Bar- déche ¢ sua revista Défense de L’Occident, renovada ha pouco tempo pela Nova Diretoria, onde logo apareceram os temas revisionistas". Com Paul Rassinier (1906- 1967), comunista, depois socialista, deportado para Buchenwald e para Dora, sempre anticolonialista, mas amigo de Bardéche e colaborador de Rivarol, trata-se de outra coisa, de uma alianca entre uma extrema-es- querda pacifista e libertaria e uma extrema-direita muito diretamente hitlerista *. O anti-semitismo, aqui ainda muito misturado ao anti-sionismo, faz a jungdo entre os dois. Essa alianga seria renovada na geracdo seguinte pela difuso das teses revisionistas e das de Faurisson, em particular pelo grupo marxista de La Vieille Taupe e grupos correlatos (La Guerre soci Jeune Taupe, ete.)*. suigo): Ubu juticier aw premier procis de 7 8. Ver "Um Eichmann de papel", supra, p. 1-52. 74. Dou algumas precisdes no que diz respeito a La Vieille Taupe na segunda parte de meu estado “Um Eichmann de papel": precisamente sobre 0 139 Digitalizada com CamScanner P| mae eb Politico desse grupo, objetivo ampla- Hage caclitado por varias décadas de sagragéo do povo JEERG, Delos remarsas tardios do Ocidente apés a desco- erta do grande massacre e, conseqiientemente pela protecdo de que usufrui a aventura israelense mesmo no que tinha de mais contestavel? O tema central é perfel- tamente claro: trata-se de romper o consenso antifas- cista decorrente da Segunda Guerra Mundial e selado pela revelacéo do exterminio dos Judeus. No espirito da extremissima-esquerda, é preciso diminuir a importén- cia dos crimes nazistas e, em compensag&o, aumentar a culpabilidade do mundo ocidental e do mundo comunis- ta de forma a fazer com que a opressdo comum apa- Tega", De certa forma, é preciso mudar de inimigos. um fato completamente novo? Essas ideologias tém, na rea- lidade, raizes na Franca, No final do século XIX, 0 con- senso liberal reunia camponeses, operdrios e burgueses republicanos em torno de uma mesma hostilidade aris- tocracia fundidria e “feudal”. O autor de La France juive (1886), que era um grande homem e sociélogo importante aos olhos de mais de um socialista” pro- punha, ele também, mudar de inimigo: néo o castelo Go senhor com seus locais de suplicio, mas o covil miste- tioso onde o Judeu elabora sua riqueza com o sangue cristéo, Comegando com a histéria oficial: “A Escola ‘que sabia ou acreditava sobre Rassiier, Noam. Chor teses reviso- SE grupo francés de La Vieille Taupe sem todavia ader ver também 175, Esses temas aparecem com za num panfleto distribuido por ‘esses grupos em outubro de (ulado “Notre royaume est une pri cee erp produgio pode ser enconttada na brochure é citada (supra, fnola $4), De Fexploitations dans les camps. 76, Sobre Dromont e sua infltacia, ver Z, STERNHELL, Le Drolte role. soe ire 1885-1914. Les origines francais du fosclsme, Ba. iu Sel, Paris: Tora coleinea de M. WINOCK, Drumont et Cle, Bd du Seulh Pari, 1982. 140 historica francesa”, eserevia Drumont, “mais uma vez passou ao lado de tudo isso sem saber, a despeito dos novos métodos de pesquisa, pretensamente inventados por ela, Tolamente, deteve-se diante de masmorras que, segundo o prépi let-le-Duc eram latrinas, diante de in pace que eram celeiros, no entrou nesse sacrifica- rium misterioso nesse gabinete mais sanguinario que 0 de Barba-Azul, onde jazem, exangues, 0 coracio calado, as criangas vitimas da supersti¢ao semitica".” Bstra- nha alianga... y. DAS NACOES E DE ISRAEL Da mesma forma que as cidades antigas ergueram em Delfos e Olimpia “tesouros” que expriam suas riva- Tidades no culto de Apolo é de Zeus, as nagées vitimas de Hitler — ou, a0 menos, algumas delas — ergueram em Auschwitz pavilhdes que lembram a desgraca que atingiu os que 14 estiveram presos. Também as desgra- gas sao rivais. Entre esses pavilhdes, incongruente, 0 pavilhdo judaico. Por falta de uma autoridade [para assumir a responsabilidade, foi erigido pelo governo po- lonés e proclama sobretudo o martirolégio da Poldnia”. Devemos deter-nos um pouco, agora, nessas “pré- ticas", principalmente nas nacdes do Leste, donde provinham a imensa maioria dos Judeus assassinados, Ttualmente formando a Europa “socialista”. Nem é pre tiso dizer que o “revisionismo” foi completamente ba- wnido de 1a. Mas, e a histéria? Digamos simplesmente algumas palavras — apés uma pesquisa fatalmente ynarion, Paris, 1886, t. 1, 77. E, DRUMONT, La France juive, Marpont p. 408-409. gn, Ber men texto “Des muses et des hommes’, preficio aR. MARTENS: Ye Stare un peuple en Diaspora, Maspéro, Paris, 1975, reediado em Les Suifts soy 07. eit, pe AIOHI2S Hl Digitalizada com CamScanner muito répida — sobre a historiografia de trés paises so- cialistas: da URSS, em virtude de seu papel de dirigen- te no sistema e porque foram seus exércitos que libera~ ram Auschwitz, da Reptiblica Democratica Alema, en- quanto herdeira de uma parte do territério e da popu- Jago do Estado nacional-socialista, e finalmente, da Polénia, pois foi em seu solo que a maioria dos extermi- nios aconteceu Que eu saiba, nfo existe uma historiografia sovié- tica do genocidio dos Judeus propriamente dita. Apenias alguns livros ou libretos de reportagem ou propaganda publicados quando da vitéria"’. O estudo dos campos de concentragao alemaes parece ter sido completamente rudimentar — as razGes dessa caréncia parecem bastan- te evidentes — e 0 tinico livro em russo sobre Ausch- witz que consegui identificar é traduzido do polonés e publicado em Varsévia ", ambém informagles capitals sobre a Unio Sovistica e a Polonia, preciso cité-lo em cada uma das notas que se seguem; um outro de R. BRAHAM, 80. 5, eed. 1966, obras sem verdadeiro 6s de L. S. DAWIDOWICZ, op. cit, p. 69-79, 0 breve estudo de E. GOLDHAGEN, “Der Holocaust in det Sowjtischen Propaganda tund Geschichisschreibung”, Vierteljahsefe fiir Zeitgeschicine, 28, 1980, 502-507. 81. ‘as quais o russo. Pode-se ver facilmente que 0 espago dos Hingua & insignficante. A tradusdo russa do livro cldssico do Polonés Jean Sehn sobre Auschwitz 6 de n° 1382 ¢ foi publicada em Varséria em 1961. t ‘A Histéria da grande guerra patridtica (1914-1945), de Boris Telpuchowski, que passa por ser representativa da historiografia soviética pés-stalinista menciona as camaras de gas e o exterminio tal como foi praticado em ‘Auschwitz, Maidanek e Treblinka, mas entre os povos vitimas, ndo se mencionam os Judeus — em compensa- cdo, mencionam-se seis milhées de poloneses assassina~ dos. Duas linhas precisam que, no solo ocupado pelos soviéticos, toda a populacao judia foi exterminada *. A nacionalidade judaica existe na Unido Soviética, mas é, de certa forma, uma nacionalidade negativa. & a situa- co refletida na historiografia soviética. caso da RDA é bem diferente. Na ideologia oficial, existe uma ruptura absoluta com o perfodo capitalista e nazista, © anti-semitismo e os exterminios so uma heranga que o pais no tem de assumir de nenhuma ma- neira, nem pagando indenizacées a Israel, nem man- dando um chefe de governo ajoelhar-se no local do gueto de Varsévia, Em Berlim-Leste, estima-se que, em com- pensacao, a RFA deve assumir a heranga da Alemanha hitlerista e, durante um bom tempo, fingiu-se acreditar que ela era sua continuagao. O resultado é que os estudos sobre 0 exterminio, apesar de existirem (muitos dizerh Digitalizada com CamScanner = erradamente que nao existem)®, sio amplamente instru- mentais e reagem menos diretamente A solicitagao do Conhecimento e da reflexiio histéricas do que A neces- sidade de completar e corrigir o que se escreve ou 0 que se faz na Repiiblica Federal, ou, ainda, de polemizar contra seus dirigentes “. Os revisionistas parecem ter deixado escapar esse Pequeno fato bastante significative: embora a Poldnia tenha sofrido varios terremotos politicos desde o final da guerra, que acarretaram principalmente uma conside- rével emigragio, inclusive uma emigracdo de naciona- listas militantes que em geral nao alimentam uma ter- nura excessiva pelos Judeus, nem pelos comunistas que, na ideologia revisionista, passam pelos grandes fabri- cantes da “mentira” do exterminio, nao houve um tini- co Polonés a alimentar o fogo revisionista. De fato, a histéria dos campos de exterminio baseia- se fundamentalmente em trabalho publicados na Pold- nia, tanto documentos reproduzidos nas séries do museu 3B. M, BROSZAT escreve em “Holocaust und. die Geshcchtswisenschat’ Fr, 1919, p. 285-298 (er p. 294295), ” yer por exemplo, e196 p. 984387, 0 resume de 3, 196, © resumo da série Hefte von jografia da Alemanha do Leste a esse res ide distinguir as vécias seqiéncias cronolégieas; K, ‘and the German Democratic Republic on Ar te Yearbook, XXI, 1976, p. 173 198; devo essa referéncia a S, Friedlinder. 84, Ver por exemplo, F, K. KAUL e J. NOACK, Angellagter nr 6. Eine Auschwitz Dokumentation, Akad, Verlag, Berlim, 1966, Trate-se de uma ‘Auschwitz em Frankfurt, Pery Broad. 144 de Auschwitz quanto os da Comissio polonesa de crimes de guerra ou volumes do Instituto Histérico de Var- sovia, E mais do que evidente que se devem introduzir corregdes no estudo dessa literatura, O nacionalismo polonés, de tradicao violentamente anti-semita, acres- cido da censura comunista, interveio varias vezes. £ freqiiente os trabalhos publicados atribuirem maior im- portancia repressdo antipolonesa, que foi feroz, do que ao exterminio dos Judeus. Freaiiente também é a naturalizacao polonesa dos Judeus mortos, naturaliza- co que sé aconteceu de fato raramente durante o perio- do em questo ™. ‘Um nacionalismo assinala com bastante facilidade as deformagées de um outro nacionalismo. A historio- grafia polonesa do genocidio e, em geral, do periodo da ‘ocupagao, é levada a sério pela historiografia israelense, discutida, eventualmente condenada, e essa afronta é um reflexo do grande drama judaico-polonés™. Com certeza, nao ha uma historiografia israelense. ‘Uma simples folheada na colegio Yad Vashem Studies, 145 Digitalizada com CamScanner

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