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REIS, R. Cénon. IN. JOBIM. J. L. (org). Palavras da critica. Tendéncias e conceitos no estudo da Literatura, Rio de Janeiro: Imago, 1992. pp. 65-92 Canon Roberto Reis ‘There i always something outside th text rank Lentricchia, Machado de Assis escreveu numa de suas erénieas que, tendo descoberto que todos os reldgios deste mundo no marcam a ‘mesma hora, eansara co offcio de relojociro, porque tanto poderia ‘estar certo o seu relégio quanto o de seu barbeiro. ‘O que se segue €um excurso de um relojociro que contempla ‘0 mundo deste os ponteiros de seu relégio de pulso. Tanto pode ser pontual o meu quanto o de meus leitores, Para acertar um ‘minimo as nossas horas ¢ desenhar um horizonte no qual o que ppretendo elaborar sobre “cinon” ganhe maior coeréncia, necessito ‘efetuar algumas obseryagbes preliminares, Embora nao haja muita ‘ovidade no que me proponhioa escrever nesta seco introdutéria, valea pena rctomar algumas idéias, mais ou menos conhecidas, a fim de estabelecer um protocolo de leitura. Isto posto, principio por anotar que toda eserita fccionaliza seu Ieitor. E todo leitor acumula um repertério de pré-noges © é ‘munido deste aparato que se acerca de um texto, com o qual seu ‘conjunto de expectativas passaré aatritar. Toda cultura nos inculea ‘um conjunto de saberes — e estes saberes, via de regra, de uma forma ou de outra,sio saberes textualizados. Semprelemos/inter- pretamos(pode-se escrever que toda leitura é uma interpretacio e {oda interpretagao € una leitura) aparelhados com este elenco de Conhecimentos; ou sea, ee textos, na medida em que estes ou nos 6 Cimon ‘sio passados por meio de textos propriamente ditos ou por outras formagées discursivas que se comportam como textos. dalinguagem e da cultura, geralmente vendo (eso este verbo de ropdsi}otrnsio ene sigo ereferente como imedatoe de Ilo Ghia, como transparénein, naturalizande ~ tmando como haturl ~'9 que € cultural. Os signs, como qualquer Subaiuem o seu rferenie-e me tnicam a sua aus Aigo “ott” tenho as las os va. ‘Acalura, com efeito, € ui conjunto de sistemas simblicos, deesaigos que, de unsa forma ou decuira, condita lumara. © que os sugere que a cultura implica ou mos de erecamento socal. Ow, dito de uma me els, no inerfor de qualquer formacio cultural as igentes se vale de divers formas dcursvas © a3 transformam em ideologia pars assegurar seu dominio, ’ linguagem anda ua form. de wolenea-lmposia & {rarer ho dizer “olka” sbarco nna nn palava im fens Sespectro de relia que main entre a! enormes ¢ tnimeras lerengas em tetas de spare, cor, espesturs, peso, idade, \tamanho, texts, te O signo “olla? redura realidade, ul Cetadacpoimort um dno ter, aun mesmo, Nestsentio, a inguagem nfo x3 metaforino ra, nas o fli, Masa ing sn amibémn organiza oral, de al forma que pensaremes como Err nqollo gut ohorzomeanguagem fon cars de ual fix part)aricula como aA reaidade passa a ser conheeida co mundo, uma veznsertad na ordem bic assume um carter human e soca Naquchs sociedades que conicram a exci, 0 apecto cordémador da Tinguagem se complica (e, com iso, nko quero Insimuar que a soctedades que no coeceram a esr feasem Por isto menos complezs) mediante ar vriae manclras de dock. Cnn o mentar as suas priticas culurais—comércio, cerimoniais religio- 808, conheciientos de astronomia, legislacio, etc. Se a nogio de Poder estava esconda nas dobras dos parigraos precedentes, Agora ela necessita vir 3 tona, poisa escrita sempre fol uma forma de poder. Nas sociedades hnmanas o escriba e 0 sacerdote eram ppoderosos ou estavam a servigo do poder, da mesma forma que, has sociedades pés:industriais,o monopdlio da informagio através dos meios de comunicagio de massa detempenha umm papel fare damental no que tange A dominagao social Outro dia ouvi de um estudante, durante uma aula, que era Aecessirio dar educacio aos africands. Observei que o voedbulo *educacio” era problemsitico (para nfo falar no termo *africanos*) ‘em sua fala, pots pressupuntia que nés, ocidentais e *civilizados") ossufamos alguma coisa (Yeducagio") que eles, *africanos™ (e “primitivos"?) nao tink, E mais: em seu discurso, “educagio"™ arecia aludir a uma cultura (a ocidental) que esté alicergada na scrita, e que os “afvicanos", necessitando adquirila, pois a desco- nheceriam, nio teriam *educagio” — isto é, cultura, Ou sejat “educagio* passava a ser sindnimno da nassa “educagao” (tomada ‘esta como referéncia ¢ impliciamente entendida como “supe- ior”), Com isso se ignorava por completo as milenares culturas africanas calcadas (niio na escrta mas) na oralidade. Em sfntese, tum enunciado chcio de boas intengdes retomava (ou corria oriseo de retomar), ainda que inconscientemente, toda a i de inmedo clonal" sie ‘Oeplsodio pretendethstrar que alinguagem também hierarqub) fate engenca cm seu bojo mecanismos de poder, na medida em qué lela aricula ¢ cat artculact pebs signticades forjadas no seio de | ls dada cultura, no interior da qua, como ficou do, as ideologas | Ho operando para garantir a dominacio socal As sociedades que ‘Scrita usaram abusaram do‘alfabeto como Forma de as culturas“égrafas" cesta foi uma das maneiras como, por {98 curopeus colonizaram os povos do chamado Terceito Mundo, Segundo Jacques Derrca, exci foireprimida no Ocidente porque havo rico de ela passar paras mos do outro, oprimido peta tania, do alfabeto, © 0 outro, se de posse da excita, poderia deslindar os ‘mecanisinos de sua propria dominagio. Gostaria de tembrar que, quando falamos de literatura, aludi- ‘mos primordialmente a algo escrito (necesstamos acrescentar oo Cinen orl” quando nos efevimos a outa, o mais das vewes menosea HOUSER Sie termes oe ltciora, rho eens oe eatin) Em (iras cultura ccrase compleiicou exiremaner Sir pome de ter sido necessrio cireme istinclasreproduto- ‘Sod seus meantros, como a escola, afi de que se pudesse usar de geracio geragio, ox segrdos da vigincia soda por Ei proplcios PO igor ger qe por de oxen como inguagem, clr enrtciteraturs, mesmo se nos tatarmos (eee tc) ern oer oncoe era {Gita ecescondeanogle de poder Para trabaharo concede anon nportante trem nent este horzone, polo que se me, 20'0equestionar o proceno de canonizagio de obese Fteriis fem tna insinc, colons em seq os mecanios depoder sie abjacentes 1 Um texto itrivo,escreve Jonaro Talens, no € uma presenea, umm espaco vari, ca semantizago estd para ser produz ‘pea pranshitoriamentedetenninada do eto. Boatodeleitura fue faz com que o expo vario se urnsforme em uma obra terra, produzida depois de ter sido transformada em algo dotado de um significado pela apropriagio por um letor. Se “Talens, se poderia desde logo inferir que le "st ic lo estatuto de classe, pelo “gosto”, pelo lugar ocupado pelo Ieitor no tecido social e mum dado Momento histérico. Goi efeito, sabeinos hoje que o sentido nfo se dé em presen- ‘@, sendo antes resultado de um jogo de diferengas na cadeia ‘igificante e di interferéncia do iitérprete neste jogo. Por outro Jado, interpretar implica cm construir a partir de signos fsics, enquadrando o que Ueve ser interpretado num conjunto de refe- éneias ultras Gines), na exata medida cm que iterpretar€ um ato dialogal por exceléncia. Ter Eagleton observa que os sentidas Ihumnanoss40, em uma acepedo profunda, histérieos;interpretar€ ‘uma atividade radicalmente hist6rica, Canon o Orexto pass, assim, a ser entendido como hugarde intersecio de uma complexa tcia de eddigos eulturais, de convengies e de ‘guts textos (cxpliccamente aludidos ou ni), numa espéete de *imosaico de citacdes” (Kristeva). Lemos sempre por ransparénela, poislemos outros textos num texto. O espaco da letura éa cultura, ‘entendida esta como conjunto de texios — contexto — de diversa taturera, como dimensio simbética que superpomos & realidade ‘eque func ‘mediagio nas nossas interagées com o real Depois dos estudos de ult, sabemos também toe cn unaiactagt ign 8 ols feao mundo. Acscrita eo aber, na cultura ocidental, esiveram via de regra d© nvios datas com o poder e funcionaram como forma dde dominagio, Todo saber é produzido a partir de determinadas ‘ondigdes historias ¢ ideologicas que constituem 0 solo do qual fesse sabcr emerge. Toda interpretagio ¢ feita partir de uma dada Posigio social, de classe, institucional, muito difel que um saber exteja desvincilado do poder. Com isso deduzimos que os textos tnio podem ser dssocindos de uma cevtaconfiguragio ideologica, fa proporco em que o que é dito depende de quem fala no texto fede sua inscrigdo sociale histérea. O que equivale aafirmar que nte sobredeterminado por uma 0. tionar um texto Titeritio nio pode se descurar do fato de que, uma dada ircuns. ‘nc ita individosdotados de poder airtbutramo eatito lerfrio Aquele texto (e nio a outros), canontzando-o.-——— ‘tears pec ter so dsr anies aratias (para ampliar um termo eunkado por Jean-Francois Lyotard) que = pelo menos desde os prineipios da era moderna, em fins do Séeulo XIV, quando a arte foi paulatinamente se separando da Feligiio, até o advento dos meios de comunicagio de massa ¢ da Sofisticacio dos aparclhos idcolégicos de Estado, que disseminam, 4 um nivel microfisico, outras formas, bem mals eficazes, de regulam ial ~, se prestou a consolidar a hegemonia das elites letradas. Scnclo uma idcologia, tem ocultado ¢ reforgado a ivisio social, ints oat ey Canon rorduzem efitos¢ moldam formas, de que se tem mais ou menos Fonscncla, que cade relaclonadat muito de perto com a manu tengo ou transformacio dos sistenia de poder existentes. Com ichel de Certea, dria que estes dscursos como ma forga que exerce o poder. " ‘Ofato no preexiie& sua dimensio textual, de linguagem, de discutso; nfo temios acesso a0 mundo “veal” a ndo sera partir das Fepresentagbes construfdas bre o mundo, as qusis, por sua vez, Ho versBessobre os eventos. Todo documento € uma versio, uma inuerpretagio do que “realmente ocorreu”, da histria verdadel- rn”, esta inapreenafvel em termes de origem. A produgho de TepresentagSes € una dimensio da pranis soil tito quanto as aches efettamente realizadas pelos agentes socais Edentro desis [parfimetros que devemos indagar 0 conceito de *cdnon”. m ero do gm.“ epi de de medi ‘entrou para as Higuas romanicas com o sentido de norma” ou SSaP Deramce oe pindrdios da cehtandadc tcdlogn uli re eect eee de m= eaeiada lorem epee toes foe eee pe eeraa a pas eg sate pees en ee ae Gat. O que intern seer nals de que uma deronin, que ‘epnowis declan impllen un pacio de sella (sexciusia) to antim-na pode. iesinculac-da questia do poder: obvt=— Tenfe, 6s que sclecionam (¢ excluei) estdo investidos da auto- [Aare Tema pan enone sto de sua classe, de sua cultura, etc) Convém atentar ainda ee Cet ra eae aco calor SScrmimo pce oso (no en nig) ‘Nasartes em geral dua lkgratura) que nos interessa mais ee Cecilie ta cance peg reece an dee tetamete oheh prectenee om teers oe a ‘dade" Esto fecha reat) ter peseredo para ures tracts, cj valor €indapativel ‘consagrada pelas instincias abonadoras da Lbdlcos, verificamos que corpus canOnico da Titeratura e, via de regra, nso se usa oadjtivo “ocidental", embora jam oriundos do Ocidenie) esté envolto por uma redoma de ahistoricdade, como se houvesse sido estipulado por uma supracomissio de cipul ede alo el (infensa a condicio- zmamentos de orden ideoldgiea ou de classe) qc, por uma especie de mandato divino, hiouvesse tragado os contornos do einon, Bre benetli |" passa exercerautoidade sabre 0 telda-&| ‘de sua obra, o critico esté aranhado na sacra ° % Cinon lao, ancora nos indigo ma isi © encarar a Mitta tialeicament, como tm prea Que dices ds compleans emplacomradigoesye ental entre orto que ssl ae ele seenbarstha o stor Prete; context; trae) Alem dso, € precio acavar nossa propria contingtnck ; é nos prépra coningtncta de ineepretescexplicarnosospressuponten eitastonce ga mos autoridade alli em atnarmos por excmnplonges ote uemscevo xe eno equ ind quctcinaie ics ees 6 letras de uma nuincira ris posse para ae ae 4 imediato como etio mse loud, Daler usados econ ag relojciro achadiano, Misia expectatva ques pomernnaioe tortria que tentoadotar~ por helo da tina “attoridade" de autor este emai Ininka esr sj pore edescontinuidades, de enypeciios de eum cere peers gress ou pelo movimento do exo ea feigned sae visam confer ao que estou escrevento, te Imonelticocunatorflxi, gus desndea sa cont iatiniigiex Em fungo dso, quero ins " Ho, qr iis que se tena em mente a Pecado oreo. caomo does enquanto antoridades ¢ coer a dada historia por ‘Blo exne sem o let leis Giese eabire cog que ete catze um iminde deaf $885 ce contmcigors-O ao deta € unt enomeneae ingénciae que co: dle. texto, como qualquer outro bem ito de troea e ests permeado por alco, extend smeros intneados eso | inom ” culo com os estratagemas do pode da sociedad na gual real, Uetal modo que ocanpolliersio eeu reproduea eswutura de dss O pros detmonngi plese ble dx es: Sex dos gros que form Itsponsict por sua consign fando, ocanon te xe ier lores de chase. { cinon¢ un event historic, vst ser possiel raster asa construgio ea sin dascninagio, Nao €sullenterepenatlo ou Fevistlos lend outros novo textos, n9canbieos ero cane Mizadossubttindo os “maior” pelos menor, ox ecritores dis ecrtoras, casi por diane, Tampouco basta ~ ainda que Frosch exrcmamente nocessirio—dilatar o cAnon ¢nele incor porar utr formagdes dscusias, como a telenovela, o nema, a propaganda, a msica popular, os Hrs didios oa Infants, a Hegle clentifiea, buscando uma walor repre fentatvidade dos discursos curs. O cp & problemdeo, em Sirtse 1 propria exstenca de um cSnon, de um eanonisaeso Tupi arb injsas que compartinentan a socedade $f eamabém fundamental langar mo de outros paradigmas de len lds conte ia anos dap tach, Ou sj cate ogo ua meer dele wa cata fra ques capar de Ever emergi a divas, em particular aqcls i confiern com or sentidon que foram dfundidos pela Ielturs cindrica, rsponsivel em tina sndlise pela consagraco ¢ perenidade dos nonuinentosHterirone viade tegra reforeadora 41 deologia dominant, sibvertendo, dase modo, 2 Merargula embuulda in todo o proceso. i 'Na seqio seguinte me propouho a tecer lgumas consideragSes, ‘ede modo bastante panotinigo, que se meafiguram expt, como pono de partds, para una desconstrigio Go cinon brasileiro, ji teu itlocl par, Sina part, lusttar como sei tn inpeios adotar una ceria panera de erse nos move o intento de porem xequea sedimenta

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