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‘Os exoravos ndo era agentes histvicosindependentes, sezes também se depanteam com limitacdes impostas pelos tose peas patura ds escraos. A equagio do po- defini ta frm, Aslimisacbes eas oportunidades que tal e unificador desces textos ii Escravos, roceiros e rebeldes 305.567 $399¢ 2001 ext FACeITOS rebeldes Sene EDUSC studo de um dos temas mais cruciais dda historia do pats, este livro aborda, de rmaneira original, como os escravos estrutu: savam sua propria vida © 0 papel decisive que tiveram na construgio ¢ funeionamen- to do sistema escravocrata, © autor mapeia especialmente as limitagdes © oportunidades de uma populacio incapaz. de construir seu pré- prio destino, € que consegue apenas (e esporadicamente) limitar a ago de seus senhores, vivendo numa equacio dese- quilibrada que a prejudica enormemen. te. E esse mapeamento € perpassado pelas relagdes nada simples que havia entre escravos, senhores ¢ outras cama- brasileira Ao mesmo tempo, escudado no pressuposto ético de que a Histéria deve servir para se entender e explicar 0 pre- sente, 0 autor situa na atualidade o sin- gular fendmeno estudado, em que a fun. cao da cidadania vem sendo cada vez. mais debatida e justificada roce1ros re beldes nso Stuart B. Schwartz S s Ss Fscravos. roceliros ,e€ rebeldes Tradugio de Jussara Simbes Ee EDUSC ora Universitat de Segre Corio s3999e schwart, Stuart B scravos, oceitos rebeldes/ Stuart B. Schwartz trad, Jussara Sim@es. - - Bauru, SP : EDUSC, 2001 306 p. iL? 21 em. -- (Colegio Historia, ISBN 85-7460-125-x Inclutbiblografia e indice onoméstico, Tradugio de: Slaves, peasants, and rebels 1, scraviddo ~ Brasil. 2. Camponeses - Revoltas Brasil. 3, Trabalhadores da agroindistria agueareira Brasil, Titulo I. Série. DD. 301.45196081 e-mail do autor: stuart schwartz@y. ISBN 0-252-06549-2 (orignal) Titulo Original: Slaves, Peasants, and Rebels: Reconsidering Brazilian Slavery (©1992 by the Board of Trustees of the University of llinois Press Reprinted by arrangement with the University of Illinois Press Copyright © de tradugdo: 2001 EDUSC EDITORA DA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAGAO. Rua Irma Arminda, 10-50 (CEP 17011-160 - Bauru - SP Fone (14) 3235-7111 ~ Fax (14) 3235-7219 ‘e-mail: edusc@eduse.com.br SUMARIO 7 AGRADECIMENTOS 9 Apresentacao 13. PRERACIO 19 ABREVIATURAS Captruto 1 21 Ahistoriografia recente da escravidao brasileira Captruto 2 89 Trabalho e cultura: Vida nos engenhos ¢ vida dos escravos Captruto 3 123 Roceiros e escravi Alimentando o Brasil nos fins do periodo colonial Captruto 4 1 Alforria na Bahia, 1684-1745 1 Captruto 219 Repensando Palmares: Resisténcia escrava na Colénia Captruto 6 263 Abrindo a roda da familia: Compadio ¢ escravidao em Curitiba'e na Bahia Captruvo 7 293 Reconsideragoes 299 INDICE oNomAstico, AGRADECIMENTOS A meméria de Peter Eisenberg, historiador do Brasil, ‘Andrés “Tony” Ramos Mattei, historiador de Porto Rico, Susan Schneider, historiadora de Portugal, amigos € colegas cujo espirito vive nas historias que escreveram. APRESENTACGAO (© Brasil € estranho. Flagela-se a rodo falando mal de si proprio e, no entanto, fecha-se em copas quando alguém © leva a sério, E impiedoso com os herdis a ponto de nao possui-los, mas ai de quem ousar pér curas © macs em questio, Algumas de suas configuragdes chegam mesmo 4 atentar contra qualquer lei da quimica social. Por exemplo, ‘embora saibamos que a nossa piramide social revela uma das mais infquas distribuigdes de renda do planeta e que, sob a ética racial, ela se assemelha a. um gradiente cujos tons lentamente transitam do mais escuro da base a0 mais claro do topo, poucos se dao conta do prodigio que cla desvela: mesclamo-nos em profundidade aos que excluimos e, desde sempre, excluimos aqueles com quem nos confundimos. fato & que miscigenagao e exclusio social tém con- vivido razoavelmente bem entre nés, e Stuart Schwartz sabe disso. como poucos. Mas sabe igualmente que a tentativa de entender semelhante paradoxo deve levar em conta aspec- tos centrais de nossa etapa escravista, para 0 que Bscravos, Roceiros e Rebeldes contribui de diversos modos. 0 capitulo 1 toma o centendrio da aboligio como ponto de partida para um balango da historiografia da escravidao ao longo dos iiltimos quarenta anos. Observe-se a fineza metodoldgica em questo: aproveita-se 0 que a efeméride enseja de substantivo (discussdes, publicacdes, movimentos sociais) para, a partir da, rastrear tendéncias ¢ perspectivas. Ressalto apenas duas dentre as intimeras indi- ‘cages de Schwartz. A primeira refere-se a centralidade de Gilberto Freyre. Reitera-se que a obra-mestra de Freyre tornou-se um marco no pensamento académico e - dado pouco lembrado ~ popular, sem esquecer que Casa Grande e Senzala também tornou-se presa de previsivel captura: transformou-se no melhor e mais bem elaborado objeto de investimento, por parte das elites brasileiras, de como a sociedade deveria se pensar, se querer ¢ se dizer. Deveriamos ser, ou acreditar que éramos, uma democracia racial de idflicas rafzes. ‘Tampouco escapa a Stuart Schwartz o fato de que, nas iiltimas décadas, a disseminacao de cursos de pés-graduacao tem_ profissionalizado nossos historiadores e escancarado arquivos em diversas regides do pais (movimento no qual 0 prdprio Schwartz se destaca, formando nos Estados Unidos alguns de nossos melhores profissionais). Os resultados so evidentes para a histéria da escravidao: estudos modernos, campos de pesquisa e enfoques mais refinados ~ renovacao, enfim, afiancada em particular pela aplicacio de técnicas de demografia hist6rica, um dos setores que mais tm con- tribuido para o conhecimento de nosso passado eseravista O segundo capitulo equivale a uma espécie de tomada de posigdo. Reconhecendo o enorme incremento da pesquisa sobre o escravismo, Schwartz detecta um certo fracionamen- to de perspectiva que tende a elidir 0 que, para ele, € 0 cerne do sistema: o trabalho. Nao se trata de postular a volta ao viés economicista predominante nos anos 70. Ao contrario, o que se sustenta & que uma hist6ria total da escravidao jamais deve perder de vista o status servil dos homens e mulheres escravi- zados. © importante aqui ~ independentemente do jufzo de cada um ~ € 0 esforco no sentido de identificar claramente as diferencas entre escravismo e escravidao, a fim de reafirmar 0 ‘que nao € tao Sbvio para alguns: a impossibilidade de pensar © primeiro sem a segunda. Outro capitulo trata das relagdes entre a economia camponesa ¢ a escravidao. Questiona-se mais uma vez a tradicional visio segundo a qual a economia colonial se resumiria as unidades voltadas para a exportacao, com a atrofia dos setores mercantilizados ligados ao abastecimento. Schwartz demonstra a importancia do cultivo de alimentos por parte de grandes e pequenos plantadores ~ sobretudo desses tiltimos, intimamente vinculados a propria expansao das relagdes servis na virada do Setecentos para o século XIX. Eis um trabalho verdadeiramente importante na linha do que tenho chamado de “comprometimento hist6rico” da sociedade brasileira com o regime servi 10 A resistencia escrava, os padrdes de alforria predomi- nantes na Bahia nos séculos XVII e XVII, € alguns aspectos do compadrio entre os escravos em duas regides brasileiras, ais sdo 0s temas dos tiltimos capitulos. O primeiro deve lembrar a alguns estudiosos que transformar tudo em rebeldia é 0 caminho mais curto para tirar da resistencia escrava a condigéo de legitimo objeto de investigagao. Uma chave de leitura valida para o segundo trabalho: durante a escravidao, a alta freqiiéncia de alforrias contribuiu para que houvesse grande participacao de “homens de cor” entre os livres. € algumas vezes 0 ex-escravo se tornava dono de outros homens. Por certo, a esperanga de ascender significava para negros e mestigos a ocasio de reproduvzir, em uma eventual posicdo de superioridade, o status quo. Logo, a possibilidade de transitar pelos diversos estratos tornava a todos sécios da continua reproduc do meting pot racial; pelo mesmo moti- vo, todos se comprometiam com a reiteragao da escravidao. No limite, como ja observou José Murilo de Carvalho, 0 que estava em jogo era, mais do que a miscigenagéo racial, a constituigao de mestigos politicos. 0 estudo sobre os padres de compadrio no Parana ¢ nna Bahia finaliza o livro e, a0 remeter a familia escrava, me € particularmente caro. Ele reafirma a idéia de que, na escravidao, as aliangas nao se davam ao acaso, nao se verifi- cavam ao descompasso de regras culturalmente aceitas. Até ‘mesmo Esteban Montejo, que passou quase toda a sua vida ‘oculto nas matas cubanas por nao aceitar viver em servidao, conhecia estas regras: “Os préprios velhos nao queriam. que ‘0s jovenzinhos conhecessem mulher. Eles diziam que s6 aos vinte € cinco anos é que os homens tinham experiéncia’. Disse-o mais Esteban: “Para ter uma, a gente tinha que ter vinte € cinco anos ou agarré-la no campo”. Ser parente - spiritual ou nao ~ era, pois, dos aspectos mais importantes € complexos da sociedade escravista, e Stuart Schwartz. 0 demonstra com sua habitual competéncia Manolo Florentino (UFRJ) PREFACIO Peco licenga para ser perfeitamente claro logo de ini- cio. Este € um volume de textos elaborados e escritos em Epocas diversas durante as duas tiltimas décadas, durante as quais grande parte da minha vida académica esteve dedica- da ao estudo da escravidao no Brasil. Os académicos quase sempre preferem republicar textos antigos conforme foram originalmente escritos, porque representam determinado momento na situagao do campo de estudo € no pensamento do autor. Alids, é sempre mais fécil deixar como esta; contu: do, nao escolhi esse caminho. Pelo contrario, procurei re- considerar intimeros temas que se tornaram fundamentais ao estudo da escravidao brasileira, reformulando ou am- pliando os artigos antigos, ou mesmo escrevendo novos tex- tos sobre os assuntos que analisei no pasado. Embora sejam textos que tratam de temas desiguais, todos salientam o pa- pel dos escravos na formagao de sua prépria vida, bem como nna construgao € na operacao do sistema escravocrata. Os es- cravos nao eram agentes hist6ricos independentes capazes de construir 0 proprio destino, mas os senhores as vezes também se deparavam com limitagGes impostas pelos atos € pelas posturas dos escravos, A equacao do poder ¢ das opor- tunidades era, é claro, desigual, mas tanto senhores quanto escravos tentavam constantemente redefinir tal formula. As limitagdes e as oportunidades que os restringiam foram 0 tema central da minha pesquisa. E a relacio complexa e di- namica entre escravos, senhores e outros grupos na socieda- de escravocrata é o tema central ¢ unificador desses textos, Meu interesse pela escravidao brasileira estava, natu ralmente, vinculado a minha prépria experiéncia. A luta pela cidadania ¢ o interesse pelas relacdes raciais nos Estados Unidos levaram muitas pessoas da minha geracdo académii ca a se voltarem para a histéria da escravidao € dos povos afro-americanos como modo de entender e explicar 0 pre- sente. Nos Estados Unidos, no Brasil, na América Hispanica, 3 avo rc ade as Antilhas € na Europa, a década de 1960 marcou um pe- rfodo dé renovado interesse na escravidao e nas relagdes ra- «ais. Para os norte-americanos especializados em hist6ria do Brasil como eu, 0 estudo da escravidao oferecia atragio du pla. A vivéncia afro-americana era obviamente essencial para se compreender a histéria do Brasil e, além disso, os contrastes e os paralelos entre a escravidao €.as relagbes ra-

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