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PEQUENOS PSICOPATAS Sumario Capa Pequenos Psicopatas Oimpulsivo Opredador Qindiferente QO sadico Oassassino serial Otorturador Opedofilo O perverso SEU AMIGO PSICOPATA* Meu filho psicopata* Posicao 2 0% Digitalizado com CamScanner PEQUENOS PSICOPATAS* Sim, maldade pura existe. Ela é pior do que vocé imagina. E comeca ja na infancia. Por Eduardo Szklarz e Bruno Garattoni *reportagem de capa da Super em junho de 2012 “Para mim, isso era coisa de filme". Do outro lado da linha, com a voz embargada, Jussara* conta como percebeu coisas estranhas no comportamento do filho quando ele tinha apenas 6 anos. Emborao diagnéstico de psicopatia sé possa ser feito formalmente aos 18 anos, é possivel captar sinais bem antes disso. As criangas psico- patas mentem muito, sao manipuladoras, impulsivas e extremamente egocéntricas. Também s4o cruéis. Podem queimar um cachorro ou estripar um gato. Sufocar um irm4o com um travesseiro sem sentir culpa ou remorso. Tentar queimar ou explodir coisas. Mais tarde, na adolescéncia, podem praticar varios tipos de crime, de simples roubos a atos de violéncia sexual e homi- cidios com requintes macabros. Tudo sem que haja um motivo ou fator causador, a nao ser o puro instinto. E tudo sem que os pais possam fazer muita coisa - pois estudos Posigao 8 0% Digitalizado com CamScanner sugerem que a psicopatia pode ser causada por problemas estruturais no cérebro, e nao pode ser anulada por uma boa educacio. E como se os psicopatas ja nascessem senten- ciados a serem maus; suas familias, a convi- ver com isso. *nomes ficticios Oimpulsivo Desde pequeno, Gustavo batia nos pais e em outras criancas. Era algo tao grave e tao constante que o levou a ser internado aos 13 anos num hospital psiquiatrico, onde ele ficou por um ano e meio. O tratamento nao surtiu efeito. Sua mae, Natalia, se sentia culpada e humilhada pelas outras pessoas. "Diziam que eu permitia os abusos dele, que bastaria dar uns tapinhas", afirma. "Mini- mizavam a situacao, falavam que Gustavo tinha apenas uma adolescéncia conflitu- osa." O garoto roubou dinheiro da familia, destruiu a casa 3 vezes, cortou a orelha do pai e golpeou as costelas da mae, que foi parar no hospital por isso. "As vezes, eu acordava no meio da noite e ele estava nos observando dormir. Percebi que nos ma- taria a qualquer momento", conta Natalia. "Enfrentei todas essas situagées, esperei o que estipula a lei (protegé-lo até os 21 anos) e dei por terminado esse calvario. Nao 0 vejo mais." Natalia tomou a decisaéo em 1993, 1 min restantes no capitulo 2% apés fazer terapia e decidir que o filho era irrecuperavel. O casal acabou expulsando o garoto de casa - por puro medo de ser assassinado. "Muitas maes continuam car- regando essa situacao nos ombros. Outras morrem nas m§os de seus filhos", afirma. Gustavo é a minoria da minoria. Ha crian- cas que sao agressivas e perversas como ele era na infancia - mas nao necessaria- mente se tornarao adultos problematicos. Elas batem nos irm4os e tiram objetos dos pais, por exemplo, mas tudo passa apos uma etapa de ajuste. "Nao podemos jamais concluir que criangas com disturbios de comportamento serdo psicopatas no fu- turo. Por isso, nao se dé o diagnéstico de psicopatia antes dos 18 anos", diz o psiqui- atra forense Guido Palomba. Mas algumas criangas que apresentam esses disttrbios vao, sim, se tornar adultos psicopatas, por mais acompanhamento e tratamento que recebam. E o caso de Gustavo: ele nasceue vai morrer assim. Hoje, aos 40 anos, busca contato com os parentes - mas sé para pre- judica-los. Roubou objetos dos pais na unica vez que o deixaram entrar em casa. "Conti- nuo em terapia porque a dor de perdé-lo foi dilacerante. Senti culpa e saudade, mas sei que para ele eu nao valho nada’, diz Natalia. O predador 1 min restantes no capitulo 8% igitalizado com CamScanner Os pais de Gordon suspeitaram cedo de seu carater amoral. "Desde que ele mamava no peito, eu percebi que nao estabelecia um vinculo afetivo. Mas ele era agradavel com as outras pessoas, tao charmoso e atraente, nao me preocupei muito", diz Barbara, a mie. "Aos 7 anos, vi que algo realmente estava mal: eu tinha de manté-lo longe dos dois irmaos mais novos para evitar que os agredisse. E o peguei abusando sexual- mente da gata do vizinho", diz ela. Aos 12, Gordon foi acusado de abuso sexual contra uma mulher. Passou alguns anos detido por essa e outras 7 agdes do mesmo tipo. Sempre negou a culpa. "Nés demos educagio, carinho, viagens, iméveis - e ele arruinou tudo", conta a mae. "Ele tinha sempre um motivo para pedir dinheiro emprestado, que nunca devolvia. Nos extor- quiu US$ 200 mil", afirma ela. Hoje, aos 24 anos, Gordon é pai de um me- nino de 4. "Meu maior temor é que ele facga mala meu neto, que vive com a mae a 3 200 km da cidade onde eu e meu filho vivemos", diz Barbara, que teme até revelar a cidade onde mora. Hoje, Gordon tenta se abrigar na casa de desconhecidos, que conhece em. pontos de venda de drogas. "Predadores sao predadores, mesmo que sejam nossos filhos. Nao importa o que vocé fizer, eles vao sempre desrespeitar, ameacar, desprezar e odiar vocé, Negar esse fato sé causa mais dor", diz Barbara. 1 min restantes no capitulo 10% Digitalizado com CamScanner Ao contrario dela, a maioria das mies nao consegue enxergar que o filho é um psico- pata. Mas o transtorno de personalidade comeca a dar sinais desde bem cedo, por volta dos 6 anos - em casos extremos, até antes. "A professora do jardim de infancia nota que a crianca nao obedece a ordens, comete atos muito agressivos e age de forma independente do grupo", explica o psiquiatra Hugo Marietan, da Universidade de Buenos Aires, que estuda psicopatas ha 20 anos. "Isso acontece porque o psicopata éuma unidade « em si mesmo. Enquanto as outras pessoas se apoiam em redes afetivas, seja de parentes seja de amigos, ele nao ne- cessita de ninguém. Gordon nunca teve um amigo verdadeiro. Eisso faz todo o sentido: os psicopatas nao entendem a amizade. Para eles, nao passa de um sinal de fraqueza. Oindiferente Em 1986, o americano Jeffrey Bailey Jr, de 9 anos, foi deixado sozinho com o amigui- nho Ricky Brown, de 3. Jeffrey sabia que omeninotinha medo de agua e nao sabia nadar. Mesmo assim, levou-o para a piscina e oempurrou la dentro. Ricky se debateu por varios minutos, gritando por socorro. "Em vez de estender o brago, Jeffrey puxou uma cadeira para assistir 4 morte do me- nino. Depois foi para casa", diz a psicdloga 1 min restantes no capitulo 13% igitalizado com CamScanner forense Katherine Ramsland, da Univer- sidade DeSales, nos EUA. Ao se encontrar com um vizinho, Jeffrey perguntou "o que era a gosma branca" que sai do nariz de uma pessoa que se afoga. A policia encontrou o corpo de Ricky as 18h40, cerca de 8 horas apés o afogamento. "Foi um acidente", men- tiu Jeffrey. "Ao ser interrogado, o garoto se mostrou indiferente a morte do amigo. Ele estava mais preocupado em ser o centro das atencées do que em sentir qualquer tipo de remorso pelas coisas que havia feito", conta Ramsland. Ahistoria ajuda a entender a mente psicopata. E comum que criangas (normais) tenham dificuldade de lidar com emocées. Podem ser impulsivas, narcisistas ou agressivas, bater nos irmAos por cittme ou egoismo. "Mas quando uma crianga co- mete atos assim por sadismo, e sem sentir remorso ou culpa, pode-se suspeitar de psi- copatia", diz o psicdlogo forense americano Carl Gacono. "Outro elemento é a falta de empatia, a incapacidade de se colocar no lugar do outro.” Segundo Gacono, esses 4 sinais - sadismo, falta de remorso, falta de culpa e auséncia de empatia - podem ser detectados entre 6 e 9 anos, quando a perso- nalidade esta se formando. Osuicida 1 min restantes no capitulo 16% Digitalizado com CamScanner Aos 6 anos, Bruno nao demonstrava emo- cdes nem vinculo afetivo. Sé apatia. Depois o garoto se tornou agitado e manipulador. Amie, Jussara, 0 levou a varios médicos no ABC paulista. Todos disseram que era ape- nas ansiedade. E Bruno foi ficando cada vez pior - tentou suicidio 3 vezes. Depois dos 18, finalmente recebeu um diagnéstico con- creto: transtorno de personalidade. "Eles [os médicos] disseram que meu filho nao pode viver em sociedade. Foi duro escutar isso." Mae de 4 filhas mais novas, Jussara diz que o melhor para Bruno seria permanecer internado. "O problema é que as clinicas nao oaceitam. Além dos laudos médicos, ja pre- cisei de varias liminares para que o inter- nassem'", afirma. Entre um hospital e outro, Bruno se envolveu romanticamente com duas enfermeiras, uma das quais 0 ajudoua fugir. "Ele nunca fez mal aos outros porque a familia agiu desde cedo para conté-lo, com remédios e internacées", diz a mae. Hoje com 24 anos, o rapaz esta desapare- cido ha um més. "Provavelmente virou um andarilho", acredita Jussara, que teme ser responsabilizada por atos violentos do filho contra outras pessoas. "E se amanha acon- tecer alguma coisa na rua, como os casos monstruosos que vemos na TV, a culpa vai ser de quem?" Oincendiario 1 min restantes no capitulo 16% André tinha 3 anos quando comecou a fazer terapia. Segundo Claudia, a mae, era muito arteiro. "Ele queimava os brinque- dos e depois apagava com agua e terra. Aos 4, queimou um armario inteiro que ficava fora da casa. Uma vez colocou fogo debaixo do carro usando papel e fésforo, e por sorte nao houve uma explosao. Eu e meu marido demos uma bronca, como qualquer pai faria", diz Claudia. Os especia- listas disseram que o menino era hiperativo com déficit de atencdo. Ele era simpaticoe conversador, mas mentia demais, e com ex- trema convic¢ao. Aos 15 anos, André entrou numa fase mais agressiva. "Ele nos xingava e dizia que ia nos matar. Que explodiria uma bomba em casa. Tentava montar artefatos com fios e adubo do jardim. Eu dormia trancada no quarto com meu marido e 0 outro filho", diz amie. "Uma vez, ele pegou uma faca e veio andando em nossa direcéo completamente surtado. Foi necessaria a intervengao da policia, que é despreparada para lidar com pessoas nesse estado." Ja adulto, André foi diagnosticado com. transtorno antissocial - equivalente, no caso dele, a psicopatia. "Ele tem atitudes inesperadas. Age como uma pessoa normal e tem inteligéncia admiravel. O problema é quando explode", diz Claudia. Segundo ela, o pior de ter um filho problematico éa incerteza constante. "Uns dias sao melho- 1 min restantes no capitulo 22% Digitalizado com CamScanner res, outros piores, e vocé nunca sabe 0 que vira". "Nao esté escrito na testa que eles sao psicopatas. Passarao pela vida sem que as outras pessoas saibam. Nés, como pais, sd queriamos que fossem pessoas capazes de conviver em sociedade, trabalhar, criare manter suas familias. Principalmente, que fossem felizes." Hoje, aos 33, André trabalha como técnico em computacao e ainda mora com os pais. "Ele tem ficado mais tranquilo com o tempo. Rezo para que continue assim", diz Claudia. Osadico Roberto Aparecido Alves Cardoso sofreu anoxia (falta de oxigénio) durante o parto. Dezesseis anos mais tarde, arquitetou o assassinato do casal de namorados Liana Friedenbach, de 16, e Felipe Caffé, de 19. Ro- berto Cardoso é o Champinha, autor de um dos crimes mais famosos do Brasil recente. Qual a ligacdo entre as duas coisas? Ele é considerado um pseudopsicopata, ou seja, uma pessoa que se comporta como psico- pata devido a um dano fisico sofrido pelo cérebro - no caso, a anoxia. Champinha estuprou Liana por 5 dias e de- pois a matou a facadas. Felipe recebeu um tiro na cabeca. Os comparsas de Champinha foram condenados a 177 anos de prisdo. Como era menor, ele foi para a Fundagao Casa e em 2007 foi internado na Unidade 1 min restantes no capitulo 22% igitalizado com CamScanner Experimental de Satide (UES), em Sao Paulo, onde esta até hoje. No ano passado declarou, por meio de seu advogado, que nao vé "sentido" em ficar preso e gostaria de estudar para ser veterinario. Sua rotina na UES se resume a comer, dormir e assistir aos jogos do Corinthians. Pessoas como ele poderiam um dia ser rein- tegradas a sociedade? Talvez nao. A maioria dos especialistas acredita que a psicopatia tenha um componente genético. Segundo essa teoria, uma boa educacao nao seria capaz de impedir que a crianga se tornasse ma. No maximo atenuar o transtorno. Em vez de assassino, o individuo poderia virar um executivo inescrupuloso ou um politico corrupto, por exemplo. Oassassino serial O pequeno Steven cresceu cercado pela vio- léncia. "Meu marido me batia e eu revidava", contou a mae, Cathy, aojornal britanico The Guardian. "Steve era um dos meus 7 filhos. Ele era o meu queridinho. E ainda é. Apenas se meteu em problemas." Aos 11 anos, ome- nino comecou a roubar e foi levado a um lar para menores infratores, onde ficou até os 18. A mae diz que ele sofreu abusos 14 (tanto que a instituigao acabou sendo fechada). A partir dai, Steven viveu entrandoe saindo da prisdo: foram 38 condenacées por rou- bos e posse de drogas. Até que em 1993, 1 min restantes no capitulo 25% igitalizado com CamScanner aos 23 anos, finalmente saiu do limite: es- trangulou e queimou Thomas Kelly, de 18, num terreno abandonado de Suderland, na Inglaterra. No ano seguinte, fez o mesmo com David Hanson e Gavid Grieff, ambos de 15. Foi condenado a prisdo perpétua em 1996. Segundo o promotor, Steven matou os meninos para que parassem de dizer que ele era gay. Diante da mie, no entanto, Ste- ven nunca confessou o crime. "Sei que ele nao vai sair da prisao enquanto eu estiver viva. Mas eu ainda o amo. Nunca poderia ir contra ele porque é meu filho." Otorturador O americano Jason Massey tinha 9 anos quando matou o primeiro gato. Gostou. Nos anos seguintes, dissecou dezenas de outros, que pegava perto de casa. Psicopatas como ele tém uma curiosidade morbida por ani- mais domésticos. Espetam os olhos de tar- tarugas, estripam passaros para saber o que ha dentro, botam fogo num cio sé para vé- lo correr. E nao se horrorizam com isso. Na verdade, desfrutam do sofrimento alheio - e nao se importam em carregar a imagem de sAdico. Jason tinha essa fama. Um exemplo: "Na adolescéncia, supostamente matouo cachorro de uma garota que nao quis ser sua namorada", diz a psicéloga forense Katherine Ramsland. 1 min restantes no capitulo 31% igitalizado com CamScanner Em seu diario, Jason registrou fantasias de estupros e canibalismo com mulheres. Seu idolo era Ted Bundy, famoso psicopata americano que seduzia jovens para depois estupra-las. Bundy matou pelo menos 30 mulheres antes de ser executado na cadeira elétrica, em 1989. Jason queria superar essa marca. Em julho de 1993, aos 20 anos de idade, foi apresentado por um amigoa Christina - de apenas 13 anos. Confessou ao amigo que gostaria de mata-la. Roubou uma arma calibre 22 e comprou municao, facas e algemas. Poucos dias depois, Jason convenceu Chris- tina a passear com ele de carro no meio da noite pelo interior do Texas. Christina levou junto o amigo Brian, de 14. Foi o ultimo pas- seio deles. "Brian levou dois tiros. Christina foi desmembrada. Sua cabeca e suas maos desapareceram", conta Ramsland. A garota levou dezenas de facadas. Teve as visceras removidas e os mamilos cortados. Jason foi julgado pelos crimes e condenado a morte por injecao letal, em 2001. Aciéncia ainda tenta explicar o que esta por tras de condutas tao extremas. E algumas pistas tém surgido. O médico forense Guido Palomba examinou varios individuos com disturbios de comportamento. E observou uma caracteristica peculiar nos cérebros de pessoas sAdicas. "A constituigéo anatémica era igual ado cérebro de um epiléptico, 1 min restantes no capitulo 33% Digitalizado com CamScanner Palomba. Isso sugere que comportamentos radicalmente violentos podem ter raiz neu- roldgica - e genética. O pedofilo Rafael foi adotado aos 3 anos. Marcia, a mie adotiva, o encontrou num abrigo para menores. "Antes disso, ele passou por situa- Ges de violéncia e privagao de comida’, diz. Conforme foi crescendo, comecou a fazer coisas ruins. Roubou celulares de amigos e abusou sexualmente da irma mais nova. "Nao chegou a violenta-la, mas abusou dela por muitos anos", diz Marcia. "S6 descobri- mos quando ele saiu de casa, aos 18 anos, apos assediar uma vizinha." Rafael foi di- agnosticado com personalidade antissocial agravada por pedofilia. Hoje, aos 25, é paide um menino de dois anos, que moracoma mie. "Nossa maior preocupagio é que ele se aproxime da crianga”, diz Marcia. "E dificil para as pessoas entenderem a situacao por- que ele parece muito bonzinho, cativa todo mundo." Rafael mora num apartamento alugado pela familia. Operverso Aos 9 anos, o paulista Bernardo enforcou a empregada de sua casa usando uma gravata que pertencia ao pai. Ele passou a gravata em torno do pescogo da mulher, fez um lago 1 min restantes no capitulo 33% Digitalizado com CamScanner num cano e puxou. Bernardo nao chegou asuspender sua vitima. Ela desmaioue acabou se enforcando com 0 préprio peso. Um ato de crueldade inimaginavel - e que se encaixava na personalidade psicopata do garoto. "O menino apresentava um disttrbio de comportamento violentissimo. Esfregava fezes na parede ou as atirava nas pessoas. Também tinha perversées sexuais com criangas do mesmo sexo", revela, sob ano- nimato, o médico que o atendeu. "O garoto nao era vitima de pedofilos maiores de idade. Ele é que tomava ainiciativa das aces sexuais. Pegava pedagos de madeira para empalar outras criancas, por exemplo." O caso da empregada foi abafado pela fami- lia, endo houve punicdo para Bernardo. Assim como ele, os psicopatas tem uma gama de sentimentos reduzida. Nao sentem ternura, amor, solidariedade ou tristeza. "Vivem num péndulo entre duas emogées basicas: o entusiasmo (para buscar os objetivos) e a ira (quando se frustram por nao realiza-los)", diz o psiquiatra Hugo Ma- rietan. "Mas estudam os sentimentos das outras pessoas com 0 objetivo de manipula- las". O choro do psicopata nao é espontaneo, e sim puro teatro para conseguir alguma coisa. Ele despreza os colegas ao vé-los rindo ou chorando. Um outro jeito de ver a vida. ae 1 min restantes no capitulo 42% SEU AMIGO PSICOPATA* Cinco milhées de brasileiros séo incapazes de sentir emocées. Eles podem até matar sem culpa e estéo incégnitos ao seu lado. Agora, a ciéncia comeca a desvendd-los Por Leandro Narloch e Alexandre Versig- nassi *reportagem de capa da Super em julho de 2006 Tinha alguma coisa errada com 0 Gui- lIherme. Desde quando era pequeno, 4 anos de idade, a mae, Norma, achava que ele nao era uma crianga normal. O guri nao tinha apego a nada, era frio, nado obedecia a nin- guém. O problema ficou claro aos 9 anos. Guilherme, nome ficticio de um rapaz do Guaruja, litoral de Sao Paulo, que hoje tem 28 anos, roubava os colegas da escola, os vizinhos e dinheiro em casa. Também pas- sou a expressar uma enorme capacidade de fazer os outros acreditar no que inventava. Aos 18, o garoto conseguiu enganar uma construtora e comprar um apartamento fiado. “Quando um primo da mesma idade morreu de repente, ele sé disse ‘que pena’ e continuou o que estava fazendo”, conta amie. Tinha alguma coisa errada como Guilherme. 9 mins restantes no capitulo 39% Digitalizado com CamScanner Em busca de uma solucdo, Norma passou 15 anos rodando com o filho entre psi- cdlogos, psiquiatras, pediatras e até ben- zedeiros. Para todos, ele nao passava de um garoto normal, com vontades e birras comuns. “Diziam que era mimo demais, que nao soubemos impor limites.” Uma pista para o problema do filho sd apareceu em 2004. A mae leu uma entrevista sobre psicopatia e resolveu procurar psiquiatras especializados no assunto, Entao descobriu que o filho sofre da mesma doenga de alguns assassinos em série e também de certos politicos, lideres religiosos e executi- vos. “Apenas confirmei o que ja sabia sobre ele”, diz Norma. “Ddi saber que meu filho é um psicopata, mas pelo menos agora eu en- tendo que problema ele tem.” Guilherme nao é um assassino comoo Maniaco do Parque ou 0 Chico Picadinho. Mas todos eles sofrem do mesmo pro- blema: uma total auséncia de compaixdo, serem pegos, além de inteligéncia acima da média e habilidade para manipular quem esta em volta. A gente costuma chamar pes- soas assim de monstros, génios malignos ou coisa que o valha. Mas para a Organizacao Mundial da Satide (OMS), eles tm uma do- enca, ou melhor, deficiéncia. O nome mais conhecido é épsicopatia, mas também se _ usam os termos sociopatia e transtorno de personalidade anti-social. 8 mins restantes no capitulo 45% igitalizado com CamScanner Com um nome ou outro, nao se trata de raridade. Entre os psiquiatras, ha consenso quanto a estimativas surpreendentes sobre a psicopatia. “De 1% a 3% da populacdo tem esse transtorno. Entre os presos, esse indice chega a 20%”, afirma a psiquiatra forense Hilda Morana, do Instituto de Medicina Social e de Criminologia do Estado de Sao Paulo (Imesc). Isso significa que uma pes- soa em cada 30 poderia ser diagnosticada como psicopata. E que haveria até 5 mi- lhGes de pessoas assim sé no Brasil. Dessas, poucas seriam violentas. A maioria nao comete crimes, mas deixa as pessoas com quem convive desapontadas. “Eles andam pela sociedade como predadores sociais, rachando familias, se aproveitando de pes- soas vulneraveis e deixando carteiras vazias por onde passam”, disse 4 SUPER 0 psicdlogo canadense Robert Hare, professor da Uni- versidade da Columbia Britanica e um dos maiores especialistas no assunto. Os psicopatas que nao sao assassinos estao em escritérios por ai, muitas vezes ganhando uma promogao atras da outra en- quanto puxam o tapete de colegas. Também da para encontra-los de baciada entre politi- cos que desviam dinheiro de merenda para suas contas bancarias, entre médicos que deixam. pacientes morrer por descaso, entre “amigos” que pegam dinheiro emprestado e nunca devolvem... Lendo esta reportagem, 8 mins restantes no capitulo 45% igitalizado com CamScanner nao se surpreenda se vocé achar que co- nhece algum. Certamente vocé ja conheceu. ae O psicdlogo Robert Hare tinha acabado de sair da faculdade, na década de 1960, quando arranjou um emprego no presidio de Vancouver. Funcio: atender os presos com problemas e montar diagnésticos de sanidade para pedidos de condicional. La conheceu 0 simpatico Ray, um dos presos. Era um sujeito legal, contava histérias en- volventes e tinha um sorriso que deixava qualquer um confortavel. Como 0 sujeito parecia aplicado e dedicado a ter uma vida correta depois da prisdo, o doutor resolveu ajuda-lo em pedidos de transferéncia para trabalhos melhores na cadeia, tipo a cozi- nha ea oficina mecanica. Os dois ficaram amigos. Mas Ray nao era o que parecia. Hare descobriu que o homem usava a cozinha para produzir alcool e vender aos colegas. Os funciondrios do presidio também alerta- ram 0 psicdlogo dizendo que ele nao tinha sido o primeiro a ser ludibriado pelo “gente boa” Ray. E que a falta de escrtipulos do preso nao tinha limites. Pouco depois, Hare sentiu isso na pele: teve os freios de seu carro sabotados pelo “amigo” presidiario. Ray nao era unico ali. Boa parte de seus colegas no presidio de Vancouver era for- mada por sujeitos alegres, comunicativos 8 mins restantes no capitulo 48% Digitalizado com CamScanner e cheios de amigos que também eram ego- céntricos, sem remorso e nado mudavam de atitude nem depois de semanas na solitaria. Nas prateleiras sobre doencas mentais, havia varias descrigdes parecidas. O francés Philip Pinel, um dos pais da psiquiatria, escreveu no século 18 sobre pessoas que sofriam uma “loucura sem delirio”. Mas 0 primeiro estudo para valer sobre psicopatia s6 viriaem 1941, com o livro The Mask of Sanity (“A Mascara da Sanidade”, sem traducdo para o portugués), do psiquiatra americano Hervey Cleckley. Ele dedica a obra a um problema “conhecido, mas igno- rado” e cita casos de pacientes com charme acima da média, capacidade de convencer qualquer um e auséncia de remorso. Com base nesses estudos, Robert Hare passou 30 anos reunindo caracteristicas comuns de pessoas assim, até montar sua escala Hare, o método para reconhecer psicopatas mais usado hoje. Trata-se de um questionario com perguntas sobre a vida do sujeito, feito para investigar se ele tem tragos de psicopatia. Seja como for, nao é facil identificar um. Psicopatas nao tém crises como doentes mentais: 0 transtorno é constante ao longo da vida. Outras fung6es cerebrais, como a capa- cidade de raciocinio, nao sao afetadas. Algumas caracteristicas, no entanto, sao evidentes. 6 mins restantes no capitulo 57% igitalizado com CamScanner mesmos. Sao capazes de dizer “Ja saltei de para-quedas” e, logo depois, “Nunca andei de aviao”, sem achar que existe uma grande contradicao ai. Espertos, nao se contentam so em dizer que sao neurocirurgies, por exemplo, sem nunca ter completado 0 co- legial: usam e abusam de termos técnicos das profissdes que fingem ter. Se 0 sujeito finge ser advogado, manda ver nos “data venias” da vida. Se diz que estudou filosofia, vai encher o vocabulario de express6es tipo “dialética kantiana” sem fazer idéia do que isso significa. Sim, eles sao profissionais da lorota. “Depois que descobri as mentiras que ele me contou, passei um tempo me per- guntando como tinha sido tao burra para acreditar naquilo”, diz a professora carioca Ana*. Ha 9 anos, ela conheceu um cara incrivel. Ele dizia que, com apenas 27 anos, era diretor de uma grande companhiae que, por causa disso, viajava sempre para os EUA e para a Europa. Atencioso e encantador, Claudio era o genro que toda sogra queria ter. “Em 5 meses, a gente estava quase(ca- sando. Entao a mae dele revelou que era tudo mentira, que 0 filho era doente, enga- 6 mins restantes no capitulo 57% igitalizado com CamScanner nava as pessoas desde crianca e passava por um tratamento psiquiatrico.” Ana largou Claudio e foi tocar a vida. Mas nem sempre quem passa pelas maos de um psicopata “pacifico” tem tempo para reor- ganizar as coisas. Que o digam as pessoas que cruzaram o caminho de Alessandro Marques Goncalves. Formado em direito, ele resolveu fingir que era médico. Elevou esse delirio as uiltimas conseqiiéncias: forjou documentos e conseguiu trabalho em 3 grandes hospitais paulistas. Enganou pacientes, chefes e até a mulher, que espera um filho dele e nao fazia idéia da fraude. Desmascarado em fevereiro de 2006, Ales- sandro aleijou pelo menos 23 pessoas e é suspeito da morte de 3. “Ele usa termos técnicos e fala com todaa naturalidade. Realmente parece um mé- dico”, diz o delegado André Ricardo Hauy, de Lins, que o interrogou. “Também acha que nao esta fazendo nada de errado e diz, friamente, que queria fazer o bem aos pa- cientes.” Quando foi preso, Alessandro nao escondeu a cabeca como os presos geral- mente fazem: deixou-se filmar 4 vontade. “O diagnéstico de transtorno anti-social depende de um exame detalhado, mas da para perceber caracteristicas de um psicopata nesse falso médico. E que, além de mentir, ele mostra auséncia de culpa”, afirma o psiquiatra Antonio de Padua Sera- fim, do Hospital das Clinicas de Sao Paulo. 5 mins restantes no capitulo 63% Digitalizado com CamScanner Eesse é um atributo-chave da mente de um. psicopata: cabeca fresca. Nada deixa esses individuos com peso na consciéncia. Fazer coisas erradas, todo mundo faz. Mas o que diferencia o psicopata do “todo mundo” é que um erro no vai fazer com que ele sofra. Sempre vai ter uma desculpa: “Um cara que matou 41 garotos no Maranhao, Francisco das Chagas, disse que as vitimas queriam morrer”, conta Antonio Serafim. Justamente por achar que nao fazem nada de errado, eles repetem seus erros. “Psicopa- tas reincidem 3 vezes mais que criminosos comuns”, afirma Hilda Morana, que tradu- ziu e adaptou a escala Hare para o Brasil. “Tem mais: eles acham que sao imunes a punig6es.” E isso vale em qualquer situacao. Até na hora de jogar baralho. Foi o que mostrou o psicélogo americano Joe Newman num experimento em 1987. No laboratério, havia 4 montes de cartas. Sem que os jogadores soubessem, um deles estava cheio de cartas premiadas. Ou seja: quem escolhesse aquele monte ganhava mais dinheiro e continuava no jogo. Aos poucos, porém, a quantidade de cartas boas rareava, até que, em vez de dar vantagem, escolher aquele monte passava a dar pre- juizo. Pessoas comuns que participaram da pesquisa logo perceberam a mudanca e deixaram de apostar nele. Psicopatas, porém, seguiram tentando obter a recom- pensa anterior. “Pessoas comuns mudam de 5 mins restantes no capitulo 63% estratégia quando nao obtém recompensa”, afirma o neurocientista James Blair, autor do livro The Psychopath - Emotion and the Brain (“O Psicopata - Emocao e 0 Cérebro”, sem edicdo brasileira). “Mas criancas e adul- tos com tendéncias psicopaticas continuam aacdo mesmo sendo repetidamente puni- dos com a perda de pontos.” Psicopatas nao aprendem com punic¢ées. Nao adianta dar palmadas neles. Além disso, psicopata que se preze se or- gulha de suas mancadas. Esse sujeito pode ser o marido que trai a mulher e se gaba para os amigos. Ou coisa pior. Veja o caso do promotor de eventos Michael Alig. Querido por todos, ele difundiu a cultura clubber em Nova York, organizando festas itinerantes. Eem 1996 ele matou um amigo em casa. Quando o corpo come¢ou a feder, retalhou- 0 e jogou os pedacos no rio Hudson. Dias depois, em um programa de TV, Alig sim- plesmente descreveu o assassinato, todo pimpao. Os jornalistas acharam que era sé uma brincadeira besta, claro. Dias depois, a policia achou o corpo do amigo de Alig no rio. Ele foi condenado a 20 anos de prisao-— sem perder a pose. Isso é lugar-comum entre os psicopatas. O préprio psiquiatra Anténio Serafim esta acostumado com relatos grandiosos de carnificinas: “Quando vocé pergunta sobre a destreza com que cometeram os crimes, 5 mins restantes no capitulo 66% Digitalizado com CamScanner eles contam detalhes dos assassinatos, cheios de orgulho.” ae Se vocé estivesse indo comprar cerveja perto de casa e se desse conta que esqueceu acarteira, o que faria? Em vez de voltar para buscar dinheiro, um psicopata da Califérnia preferiu catar um pedago de pau, bater num homem e levar 0 dinheiro dele. Também tem o caso de uma mulher que deixou a filha de 5 anos ser estuprada pelo namorado. Perguntada por que deixou aquilo acontecer, ela disse: “Eu nao queria mais transar, entdo deixei que ele fosse com aminha filha.” Eis mais um trago psicopatico. “Eles tratam rma 0 psiquia- tra Sérgio Paulo Rigonatti, do Instituto de Psiquiatria do HC. Isso acontece porque eles simplesmente nao assimilam emog6es. Para entender isso melhor, vamos dar um. passeio pelo inferno. Corpos decapitados, criancas esqualidas com moscas nos olhos, torturas com ele- trochoque, gemidos desesperados. Sé6 de imaginar cenas assim, a reacdo de pessoas comuns é ter alteracées fisioldgicas como acelerar as batidas do coragao, intensificar a atividade cerebral e enrijecer os musculos. Em 2001, o psiquiatra Anténio Serafim colocou presos de Sao Paulo para assistir 4 mins restantes no capitulo 72% Digitalizado com CamScanner acenas assim. Cada um ouvia, por um fone, sons desagradaveis, como gritos de desespero. “Os criminosos comuns tive- ram reac6es fisicas de medo’, diz ele. “J4 os identificados como psicopatas nao apre- sentaram sequer variacao de batimento cardiaco.” Mais: uma série de estudos do Instituto de Neurociéncia Cognitiva, nos EVA, mostrou que psicopatas tém dificuldade em nomear expressées de tristeza, medo e reprovacgao em imagens de rostos humanos. “Outros 3 estudos ligaram psicopatia com a falta de nojo e problemas em reconhecer qualquer tipo de emogao na voz das pessoas”, afirma Blair. E simples: assim como dalténicos nao con- seguem ver cores, , psicopatas sao incapazes de enxergar emogoes. Nao as enxergam nem as sentem, pelo menos nao do mesmo jeito que os outros fazem. Em vez disso, eles s6 teriam o que os psiquiatras chamam de proto-emoc6es — sensacées de prazer, eufo- ria e dor menos intensas que o normal. “Isso impede os psicopatas de se colocar no lugar dos outros”, diz Hilda Morana. Um dos pacientes entrevistados por Hare confirma: “Quando assaltei um banco, notei que uma caixa comegou a tremer e a outra vomitou em cima do dinheiro, mas nao con- sigo entender por qué”, disse. “Na verdade, nao entendo o que as pessoas querem dizer com a palavra ‘medo’”. 4 mins restantes no capitulo 72% No livro No Ventre da Besta - Cartas da Prisdo, o escritor americano Jack Abbott descreve com honestidade o que acontece na sua cabeca de psicopata: “Existem emo- gdes que eu sd conheco de nome. Posso ima- ginar que as tenho, mas na verdade nunca as senti”. E como se eles entendessem a letra de uma cangao, mas nado a musica. Esse jeito asséptico de ver o mundo faz com que um. psicopata consiga mentir sem ficar nervoso, sacanear Os outros sem sentir culpae,em casos extremos, retalhar um corpo como. mesmo sangue-frio de quem separa as asi- nhas do peito de um frango assado. Ok, o problema central dos psicopatas é que eles nao conseguem sentir emog6es. Mas por que isso acontece? “A crenca de que tudo é causado por familias instaveis ou condicées sociais pobres nos faz fingir que o problema no existe”, afirma Hare. Para a neurologia, a coisa é mais objetiva: os “circuitos” do cérebro de um psicopata sao fisicamente diferentes dos de uma pessoa normal. Uma descoberta importante foi feita pelo neuropsiquiatra Ricardo de Oli- veira-Souza e pelo neurologista Jorge Moll Neto, pesquisador do Instituto Nacional de Disttirbios Neuroldgicos dos EUA. Em 2000, os dois identificaram, com imagens 3 mins restantes no capitulo 75% de ressonancia magnética, as partes do cérebro ativadas quando as pessoas fazem julgamentos morais. Os participantes da pesquisa tiveram o cérebro mapeado enquanto decidiam se eram certas ou er- radas frases como “podemos ignorar a lei quando necessario” ou “todos tém o direito de viver”, além de outras sem julgamento moral, como “pedras sao feitas de agua”. A maioria dos voluntarios ativou uma area bem na testa, chamada Brodmann 10, ao responder as perguntas. E ai ver o pulo-do-gato: a dupla repetiu o estudo em 2005 com pessoas identifica- das como psicopatas, e descobriu que elas ativam menos essa parte do cérebro. Daia incompeténcia que os sujeitos com trans- torno anti-social tém para sentir o que é certo eo que é errado. Agora, resta saber se essas deficiéncias vém escritas no DNA ou se surgem depois do nascimento. Hoje, se sabe que boa parte da estrutura cerebral se forma durante a vida, sobretudo na infancia. Mas cientistas buscam uma causa genética porque a psicopatia parece surgir independentemente do contexto ou da educacio. “Nascem tantos psicopatas na Suécia ou na Finlandia quanto no Brasil”, afirma Hilda Morana. “Os pais costumam se perguntar onde foi que erraram.” A impressao é que psicopatas nasceram como problema. “Eles também surgem em fami- lias equilibradas, sAo irmaos de pessoas nor- 3 mins restantes no capitulo 78% igitalizado com CamScanner mais e deixam seus pais perplexos”, afirma Oliveira-Souza. James Blair vai pela mesma linha: “Estudos com pessoas da mesma famila, g&meos e filhos adotados indicam que o comporta- mento dos psicopatas e as disfuncdes emo- cionais s4o coisas hereditarias”, afirma. Mesmo quem defende uma origem 100% genética para a psicopatia nao descartaa importancia do ambiente. A criacgdo, nessa histéria, seria fundamental para determi- nar que tipo de psicopata um camarada com tendéncia vai ser. “Fatores sociais e praticas familiares influenciam no modo como o problema sera expresso no comportamento”, afirma Rigonatti. Por exemplo: psicopatasque cres- ceram sofrendo ou presenciando agressGes teriam uma chance bem maior de usar sua “habilidade” psicopatica para matar pessoas. Um bom exemplo desse tipo é o americano Charles Manson. Filho de uma prostituta al- codlatra e dono de uma mente pra la de soci- opata, transformou um punhado de hippies da California em um grupo paramilitar fa- natico nos anos 70. Manson foi responsavel pela carnificina na casa do cineasta Roman Polanski. Entre os 5 mortos, estava a atriz Sharon Tate, mulher do diretor e gravida 3 mins restantes no capitulo 78% igitalizado com CamScanner de 8 meses. Detalhe: ele nem sequer parti- cipou da agdo. S6 usou sua capacidade de lideranca para convencer um punhado de seguidores a realizar o massacre. Ja os que vém de familias equilibradas e viveram uma infancia sem grandes dra- mas teriam uma probabilidade maior de se transformar naqueles que mentem, trapaceiam, roubam, mas nao matam. Mais de 70% dos psicopatasdiagnosticados sao desse grupo, mas nao ha motivo para alivio. Psicopatasinfiltrados na politica, em igrejas ouem grandes empresas podem fazer estra- gos ainda piores. Exemplos nao faltam. O politico absurda- mente corrupto que é adorado por eleitores, cativa jornalistas durante entrevistas, nao entra em contradigao nem parece sentir culpa por ter recheado suas contas ban- cdrias com dinheiro publico é um. O lider religioso que enriquece a custa de doacées dos fiéis é outro. E por ai vai. “Eles costumam se dar bem em ambientes pouco estruturados e com pessoas vulne- raveis. Agem como cartomantes, pais de santo, lideres messianicos”, afirma Oliveira- Souza. Psicopatas nao tao fanaticos, mas com a mesma falta de escriipulos, também. esto em grandes empresas, sugando di- nheiro e tornando a vida dos colegas um inferno. Ahabilidade para mentir despudorada- mente sem levantar suspeitas faz com 2 mins restantes no capitulo 81% igitalizado com CamScanner que eles se déem bem ja nas entrevistas de emprego. O charme que eles simulam ajuda a conquistar a confianga dos chefes e a pres- sionar para que colegas que atrapalham sua ascensao profissional acabem demitidos. N§o raro, costumam ocupar os cargos hie- rarquicos mais altos. O psicdlogo ocupacional Paul Babiak cita oexemplo de Dave, um executivo de uma empresa americana de tecnologia. Logo na primeira semana, o chefe notou que ele gastava mais tempo criando picuinhas entre os funcionarios do que trabalhando e plagiava relatérios sem medo de ser pego. Quando o chefe recomendou sua demissao, Dave foi reclamar aos chefes do seu chefe. Com sua labia, conseguiu ficar dois anos na empresa, sendo promovido duas vezes, até causar um rombo na firma e sua mascara cair. “Certamente ha maispsicopatas no mundo dos negocios que na populagéo em geral”, diz o psiquiatra Hare, que escreveu com Babiak 0 livro Snakes in Suits- When Psychopaths Go to Work (“Cobras de Terno- Quando Psicopatas vao Trabalhar”, inédito no Brasil). Para ele, sociopatas corporativos so responsaveis por escandalos como o da Enron, em 2002, quando a empresa ameri- cana mentiu sobre seus lucros para bombar precos de acées. “O poder e o controle sobre os outros tornam grandes empresas atraen- tes para os psicopatas”, diz. 1 min restantes no capitulo 87% igitalizado com CamScanner ae Seja nas empresas, nas ruas, ou numa casi- nha de sapé, nossos amigos com transtorno anti-social sao tecnicamente incapazes de frear seus impulsos sacanas. Mas, para os psiquiatras, essa limitacao nao significa que eles nao devam ser responsabilizados pelo que fazem. “Psicopatas tém plena consciéncia de que seus atos nao sao corre- tos”, afirma Hare. “Apenas nao dao muita importancia para isso.” Se cometem crimes, entao, devem ir para a cadeia como os ou- tros criminosos. S6 que até depois de presos psicopatas causam mais dores de cabeca que a média dos criminosos. Na cadeia, tendem ase transformar em lideres e agir no comando de rebelides, por exemplo. “Mas nunca apa- recem. Eles sabem como manter suas fichas limpas e acabam saindo da prisdo mais cedo”, diz Anténio de Padua Serafim. Por conta disso, a psiquiatra forense Hilda Morana foi a Brasilia em 2004 tentar convencer deputados a criar prisdes es- peciais para psicopatas. Conseguiu fazer aidéia virar um projeto de lei, que nao foi aprovado. Nas prisées brasileiras, nao ha procedimento de diagndstico de psicopatia para os presos que pedem reducao da pena. “Paises que aplicam o diagndstico tém a reincidéncia dos criminosos diminuidaem dois tercos, j4 que mantém maispsicopatas 1 min restantes no capitulo 90% longe das ruas”, diz ela. Tampouco ha procedimentos para evitar que psicopatas entrem na policia - uma instituigao teori- camente tao atraente para eles quanto as grandes empresas. Também n4o ha tes- tes de psicopatia na hora de julgar se um preso pode partir para um regime semi- aberto. Nas escolas, professores nao estao preparados para reconhecer jovens com o transtorno. “Mesmo dentro da psiquiatria existe pouca gente interessada no assunto, ja que os psicopatas nao se reconhecem como tal e dificilmente vao mudar de comporta- mento durante a vida”, diz o psiquiatra Joao Augusto Figueir6é, de Sao Paulo. Também nao existem tratamentos comprovados nem remédios que facam efeito. Outro problema: quando levados a consultorios, os psicopatasacabam ficando piores. Eles adquirem o vocabulario dos especialistas e se munem de desculpas para justificar seu comportamento quando for necessario. Di- ante da falta de perspectiva de cura, quem convive compsicopatas no dia-a-dia opta por vigid-los o maximo possivel. E 0 que faz adona-de-casa Norma, do Guaruja, com o filho Guilherme. “Enquanto eu e 0 pai dele estivermos vivos, podemos tomar conta”, diz. “Mas... e depois?” Meu filho psicopata* 1 min restantes no capitulo 93% Digitalizado com CamScanner *Depoimento de Norma, 50 anos, dona-de- casa do Guaruja (SP), mae de Guilherme, 28, diagnosticado como psicopata. “Ele mentia muito. Armava um teatro para nos transformar em culpados. Nao tinha apego nem responsabilidade. Nao evitava falar coisas que deixassem os outros mago- ados, Nunca pensou que, se fizesse alguma coisa ruim, os pais ficariam bravos. Na escola, ele nao obedecia a ordens. Se nao queria fazer a licdo, nao tinha ninguém que oconvencesse. A inteligéncia dele até era acima da média, mas um més ele tirava 10 em tudo e no outro tirava 0. Dos 3 aos 25 anos, ele rodou comigo por psicélogos. Foi uma busca insana. Comegamos a tratar pensando que era hiperatividade, ele tomou antidepressivos e outros remédios. Nada deu certo. Pessoas como o meu filho conse- guem manipular psicdlogos com facilidade. Eos pais se tornam os grandes culpados. Quando descobri 0 problema, com uma psiquiatra, foi uma luz para mim. Hoje sei que pessoas como ele inventam um mundo na cabeca. E um sofrimento para os pais que convivem com criangas ou com adultos assim. Hoje, temos que vigia-lo e carrega-lo pela mao para tudo que é canto. Sendo, ele rouba coisas ou arma historias. Fica 3 meses em cada emprego e para, diz que nao esta bom. O problema nunca é com ele, sempre os outros é que esto errados. Eu ainda 1 min restantes no livro 96% 21:28 torco para que tenha um remédio, porque viver assim é muito ruim. Se esta tudo bem agora, vocé nao sabe qual vai ser a reacao daquia 5 minutos. E como uma bomba reld- gio, uma panela de pressao que vai explodir. Nunca da pra saber exatamente o que ele pensa nem para acreditar em alguma coisa que ele promete. As vezes penso que deve- riam criar uma sociedade paralela sé para sociopatas, mas uns matariam os outros, com certeza. Para nao correr orisco de botar no mundo outra pessoa dessas, conven- cemos nosso filho a fazer vasectomia. Déi muito dizer que seu filho é um psicopata, mas fazer o qué? Matar vocé nao pode. Tem que ir convivendo na esperanga de que um dia a medicina dé conta de casos assim.”

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