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Exegese e alegoria: a concepeiio de mundo isidoriana através do texto biblico ‘SERGIO ALBERTO FELDMAN Universidade Federal do Espirito Santo tum dos tltimos Padres da Igeeja. Conhecedor da cultura clssica, utilizou-a para difundir e fortalecer a erst. Seu plano pedagégico era amplo ¢ objetivava aproximar os fitis da verdade cristi, no intuito de propiciar a compreensio dos seus segredos, utilizando-se de uma diditica simples ¢ compreensivel, Isso se fundamentava no fato de quc 0 contexto era de ‘empobrecimento cultural: poucos sabiam ler e poucos conseguiam entender 0 complexo saber clissco eas reflexses teoldgicas efinadas de alguns dos Padres da Igreja. Virias obras servem como importantes referéncias para entendermos [= br Sevttita (C, 560-636), bispo visigodo, autor de vasta obra, foi 4 concepgio de mundo isidoriana, A nosso ver, entre todas as suas obras, 08, dois pilares seriam as Etimologias e as Sentengas. Neste trabalho, pretendemos buscar o entendimento da visio de mundo isidoriana através do estudo © da anilise de seu fundamento, que sio as Sagradas Escrturas A anilise da obra de Isidoro deve sempre ter em vista que a “razio de set” de toda a sua obra era educare formar clérigose leigos, manter o conhecimento da Antigiidade, sendo vivo, pelo menos conservando esse mesmo saber, parcialmente, como um instrumental para a sabedoriactsts, para poder preparar © mundo para o final da sexta era eo retorno de Cristo. Portanto, o saber mais importante e primordial seria o conhecimento das Sagradas Escrituras, sua compreensio ¢ sua propagagio através da catequese, ¢ do constante estudo e pritica de seus valores e prineipios 134 USIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO = Department de Hiss Isidoro conhece amplamente a maioria dos autores clissicos de renome: acos, mas de maneira restita, O saber clissico 6 servira se fosse tilizado ‘como instrumental para construir uma sociedade eristi e ajudar na sua evolugio € expansio. As letras cléssicas seriam apenas o invélucro, a embalagem para o saber cristo. Toda a obra de Isidoro ¢ a obra de um pastor, de um “monge” e de um bispo: preparando.o mundo parao ino de Deus, que se aproximava, O mundo por Deus ¢, portanto, para entendé-lo e nele agir de acordo com a vontade diva, dever-e-ia compreender a palavra de Deus contida nas Sagradas cera regi Bscrituras. ‘A questio chave é que havia dois pretendentes & heranga espiritual das Excrituras: os judeus os cristos. Isso sem falar nos hereges, ou seja, ourras vertentes interpretativas inseridas na cristandade, mas dssidentes que negavam coraa liturgia, ora.ateologia, mas geralmentea partir de pressupostos baseados na leitura dos textos sagrados. Os judeus considerados pelo texto biblico, como descendentes de Abraio, que foi aquele que sclou um pacto ou concerto com Deus, entendiam que eram os herdeiros da Revelagio Divina e portanto beneficidrios do Pacto com Deus. A Igreja refutava esta posigo, pois isso invalidava sua hegemonia esua condigio de detentora da Verdade eda explicagao da palavra Divina contida nas Escrituras. O novo pacto criado a partir de Jesus e de seus apéstolos tentou dialogar com a sinagoge, no seo da qual nasceu e cresceu sa “primeira infincia’. Nao houve acordo, e os seguidores de Cristo eriaram uma nova religigo e se outorgaram a heranga biblica, pacto ea verdade, Uma leitura A cxcgese ou “leitura’judaica era vista como inadcquada, distoreida e imprépria. Os textos dos apéstolos passama ser considerados candnicos ¢ sagrados ¢ surgem os Evangelhos, as Epistolas © cdemais textos que passam a compor o denominado Novo Testamento', Una exegese crista surge a partir dos primeios padres da Igreja e entende © NT como a continuidade do AT. Nesse processo de evolusio da exegese se desenvolve uma técnica ou método de leitura denominado leitura alegérica do texto sagrado. Os grandes exegetas que iniciaram a técnica da leituraalegérica foram Clemente ¢ Origenes. Ambos viveram e pregaram em Alexandria, Sio dois tedlogos cristios considerados pilares da alegorizagio como método diferenciada do texto sagrado era necess hhetmenéutico. Seu contato com o Helenismo e com o Judafsmo foi intenso e 0 confronto ideolégico exigiu esforgos interpretativos, para provar a superioridade da nova fé diante desses tradicionais adversirios. Tanto os pensadores helenistas quanto os sibios judeus realizavam um método de leitura DIMENSOES «rol 17-2005 135 de textos tradicionais através de leiturasaleg6ricas. Os seguidores do helenismo para poder conciliar os mitos ¢ a religiio grega com a refinada filosofia; os judeus para realizar a exegese da Tord (Pentateuco), interpreté-lae adequié-la a rnovas realidades. Sio os precursores da leituraalegéricacrist. Surge uma escola interpretativa em Alexandria que faz uso da alegoria e do simbolismo do texto. Os exegetas cristios passaram a utilizar-se de rypo ou de tipos. O que seria um tipo? Tipo seria um fato ou personagem do AT que se considera como simbolo de algum fato ou personagem do NT. Dessa maneita, intimeros dos exegetas antigos e medievais entenderam as Escrituras através de uma leitura simbdlica, em que trechos do AT serviam para provar trechos do NT. Um agudo anacronismo de tempo e espago, uma criativae ideolégica criagio de figuras e uma l6gica muito especifica desse periodo. Isidoro também fez. uso da alegorizagio como método hermenéutico. Conhecia a obra de Padres da Igreja oriental, taiscomo Clemente e seu discipulo Origenes (escola de Alexandria), de Gregorio de Nissae Joao Criséstomo (Escola de Antioquia), entre outros. Entre as fontes da exegese isidoriana, oriundas da Pars Ocidental da Cristandade, algumas se destacam: Ticénio, Hildtio, Ambrésio, Agostinho e Gregorio. Como o Hispalense conceituava uma alegoria? Em alguns trechos de suas obras, Isdoro define ou conceitua 0 que seria uma alegoria. Nas Eximologias, obra de referéncia, define a alegoria como sendo “la expresién de um concepto Aistint: se dice una cosa, pero es preciso entender ot” (Isidoro, Allegoriae, L. 1, 37:22). Adiante, ao comparar alegoria com enigma, aclara dizendo que a forga da alegoria & dobrada, “bajo la expresion real de una cosa indica ademas Siguradamente otra..." (Isidoro, Allegoriae, L. 1, 37:26). Teata-se de um instrumental para entender a palavra divina contida nas Eserituras; buscar sentido oculto das palavras e seus significados misticos, e entender o Mundo e tudo que nele existe através da palavra revelada de seu Criador. Dentro da vasta obra de Isidoro, algumas se propéem a analisar 0 texto biblico e outraso utilizam como suporte para desenvolver concepgbesteoldgicas. No primeiro grupo, destacam-se: “Prosemia’, "De ortu et obitw patrum’, ‘Allegoriae’, © a maior delas, “Quaestiones in Vetus teseamentum’. Sua obra Allegoriae ajuda a compreender as Escrivuras por meio de breves relatos de personagens do AT e do NT. Neste breve artigo pretendemos tentar entender alguns de seus valores e sua concepcao de mundo, através de algumas de suas alegorias. Na Allegoriae, convergem tradigies exegéticas do mundo greco- romano, judaico e cristao (Fontaine, 1988:315) 136 LUNIVERSIDADE FEDERAL B@ ESPIRITO SADTO -Depaamene de Mie A obra foi claborada de maneira simples, através de versiculos breves que falam dos personagens do AT e do NT. Esse estilo de escrta se expla, pois 0 objetivo de Isidoro mesclava alguns t6picos: a) oferecer mensagens simples, claras, mesmo utilizando-se de alegorias e simbolismo; b) utilizar essa obra para educaro clero regular e secular; ¢) oferecer ao mesmo clero um arsenal de exemplos de ficil uilizagio, que pudessem ser utilizados na pregagio aos idis ou na tentativa de catequese de inftis, em especifico os udeus. Em suma: uma obra diditica. Para poder analisé-los dentro da nossa proposta de reflexio, faremos uma divisio temitica especifica que objetiva compreender os elementos do pensamento isdoriano, interessantes nossa pesquisa, presentes na exegese das Allegoriae. (© personagem e o tema central da obra ¢ Jesus Crist, Isso nao surpreende, mas € interessante salientar a diversidade de figuras associadas a Jesuse a maneica ‘com que os personagens sio utilizados para desenvolver typos que simbolizam Jesus. Alguns exemplos: 1) A traigao e a morte de Jesus por “seus irmios” judeus é associada a: Abel morto por seu irmao Caim (Isidoro, Allegoriae, 5-6, €99 A-100 A)?, simbolizando os judeus que mataram seu itmio Jesus; José vendido por seus itmos 20s perseguidores(Isidoro, Allegoriae, 45, €-107 A) Sansio simboliza Cristo, traido pela Sinagoga (Dalila), que o crucificou no Calvirio(Isidoro, Allegoriae, 80-81, . 110-11 AY Jeremias, que representou, em suas palavtas, estos ¢, nos seus sofrimentos, a morte € a Paixdo de Cristo (lsidoro, Allegoriac, 108, c. 114 C)5; Jonas que descansou no ventre da baleia, tal como Cristo descansou na terra tes dias e ressuscitou (Isidoro, Allegorae, 115, ¢. 115 A)", 2) A associagio de personagens que simbolizam Cristo e se “casam’ com a Igreja: Jacob (simbolizando a Cristo) que foi perseguido por Esai (povo judeu)(Isidoro, Allegoriae, 25-26, c. 105 A)’. O mesmo Jacob teve

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