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Capitulo 6 TRATAMENTOS TERMICOS E TERMOQUIMICOS DOS ACOS 6.1 Introdugao A possibilidade de promover transformagGes de fase no estado s6lido nos agos permitiu o desenvolvimento de processos denominados tratamentos térmicos, que si0 conjuntos de operagdes controladas de aquecimento e resfriamento visando a modificagio da microestrutura dos agos e, consequentemente, das propriedades dela dependentes, que apresentam grande aplicagao tecnol6gica. A etapa inicial do tratamento térmico é 0 aquecimento © em geral visa a obtengio de uma estrutura austenitica, Para se obter uma estrutura composta somente de austenita 0 ago deve ser aquecido a uma temperatura acima do limite superior (A3) da zona critica (faixa de temperatura entre Ay © A), no caso dos hipo ¢ hipereutetdides, e acima de 723° C nos eutetdides. Elementos de liga adicionados aos gos alteram as temperaturas de transformagao. O ago deve ser mantido na temperatura de austenitizagao o tempo suficiente para que todas as fases originalmente existentes transformem-se em austenita. A austenita apresenta uma estrutura cibica de face centrada e permite a dissolugo de todo 0 carbono. A velocidade de aquecimento deve ser controlada para evitar mudangas bruscas de temperatura que podem, dependendo da forma ¢ dimensdes da pega, provocar trincas e empenamentos. Deve ser evitada, também, a manuteng4o da pega na temperatura de austenitizagio durante um tempo excessivo j& que pode haver crescimento dos grios de austenita e oxidagio (formagao de camada de oxido) e descarbonetacao (perda de carbono para 0 meio) na superficie da e¢a, que so inconvenientes do ponto de vista de aplicagio, Para evitar a oxidagio e a descarbonetagao muitas vezes é necesséria a utilizagdo de atmosferas controladas no foro durante 0 aquecimento. Tais atmosferas podem ser constituidas de gases inertes (que no reagem com os agos) em substituigZo ao ar evitando, portanto, a oxidagio, gases ricos em carbono (que diminuem a possibilidade de perda de carbono por difusio) ou mesmo imergir a pega em dleo impedindo assim seu contato com o ar 68 A clapa de resfriamento é importante j4 que € 0 controle da velocidade de resfriamento que vai permitir a obtencio da microestrutura e das propriedades descjadas. Os principais meios em que a pega pode ser resfriada so os seguintes: (1) ambiente do forno (2) ar em repouso (3) fluxo de ar (ar forcado) (4) dleo (5) 6leo em agitagao (©) agua (7) agua em agitagao sendo que a velocidade de resfriamento aumenta de (1) para (7). A resisténcia mecanica € a dureza sdo tanto mais altas quanto mais répido o resfriamento. No caso de tratamentos isotérmicos (realizados a temperaturas constantes) a pega pode ser mantida em banhos de sais ou metais fundidos mantidos a temperaturas constantes. 6.2 Tratamentos térmicos usuais Os tratamentos térmicos mais usuais aplicados nos agos podem ser classificados em: - Recozimento - Normalizagéo - Témpera ¢ revenido - Coalescimento ~ Austémpera - Martémpera. Cada um desses tratamentos baseia-se em uma seqiiéncia de operagdes ¢ leva a ‘uma determinada estrutura conferindo as pecas propriedades especificas. A seguir serao descritos esses tratamentos ¢ as suas aplicagies. 6.2.1 Recozimento © recozimento consiste em aquecer a pega em um forno a uma temperatura acima do limite superior da zona critica (A3), manter o tempo suficiente para que toda a estrutura (ransforme-se em austenita e resfriar lentamente (por exemplo desligando o foo e mantendo a pega no interior durante o resfriamento do mesmo). Na figura 6.1 & apresentada de forma esquemética a curva de resfriamento caracteristica do recozimento, 64 A estrutura final obtida € composta de perlita grossa no caso do aco eutetside, de perlita grossa e ferrita priméria no caso dos agos hipoeutetoides ¢ de perlita grossa e cementita priméria no caso dos agos hipereutetoides. Curva de resfriamento ‘Temperatura tempo Figura 6.1 Tratamento térmico de recozimento, 0 objetivo do recozimento € a eliminagdo de efeitos de tratamentos anteriores Jevando 0 ago a uma estrutura semelhante a que seria obtida em transformagdes em equilibrio, Para uma dada composicao a estrutura tipica do recozimento € a que apresenta maior ductilidade. 6.2.2 Normalizagio A normalizagao consiste em aquecer a pea em um forno a uma temperatura acima do limite superior da zona critica (A3), manter o tempo suficiente para que toda a estrutura transforme-se em austenita e resfriar ao ar (mais rapidamente que no caso do recozimento). Na figura 6.2 € apresentada de forma esquemética a curva de resfriamento caracteristica da normalizagao. A estrutura final obtida é composta de perlita fina no caso do ago eutetside, de perlita fina e ferrita priméria no caso dos acos hipoeutetoides ¢ de perlita fina cementita primaria no caso dos agos hipereutetoides. Como o tempo de resfriamento é mais rpido a quantidade de fase priméria formada é menor que no caso do recozimento 65 havendo, portanto, um afastamento maior das condigdes de equilibrio. Estas estruturas tendem a apresentar uma resisténcia mecanica maior que no caso do recozimento. © principal objetivo da normalizagéo é a obtengéo de uma estrutura mais uniforme ¢ refinada em pegas que tenham sido produzidas por fundigao, laminagao ¢ forjamento, que apresentam em geral uma estrutura irregular. Mas a normalizagao pode ser usada também para obter uma estrutura uniforme e refinada em pecas que Vao sofrer outro tratamento térmico posterior, como a témpera, por exemplo. Curva de resfriamento ‘Temperatura tempo Figura 6.2 Tratamento térmico de normalizagao. 6.2.3 Témpera e revenido A témpera consiste em aquecer a pega em um forno a uma temperatura acima do limite superior da zona critica (A), manter o tempo suficiente para que toda a estrutura transforme-se em austenita ¢ resfriar muito rapidamente (em dgua ou dleo, por exemplo), Na figura 6.3 € apresentada de forma esquemética a curva de resfriamento caracteristica da tempera Nesse caso ha um afastamento total das condigdes de equilibrio a estrutura final € composta de martensita que, como j4 foi visto, é uma fase metaestével, altamente deformada e que apresenta resisténcia mecinica e dureza altas. 66 O objetivo da témpera é, entdo, o aumento da resisténcia mecanica e da dureza dos agos. ‘Temperatura Curva de resfriamento ‘tempo Figura 6.3 Tratamento térmico de témpera. Como a velocidade de resfriamento necesséria para se obter uma estrutura totalmente martensitica é alta, é possivel que, dependendo das dimensées da pega, a superficie apresente uma estrutura martensitica, regides mais com maior profundidade apresentem uma mistura de martensita e perlita ¢ 0 nticleo apresente estrutura perlitica. Assim é conveniente, para cada composigao de ago, determinar qual a profundidade em que se obtém uma estrutura preponderantemente martensitica, 0 que € feito através de um ensaio denominado Ensaio Jominy. Esse ensaio consiste em resfriar com um jato de gua uma das extremidades de um corpo de prova padronizado com segao transversal cilindrica que apresenta inicialmente uma estrutura austenitica, Apés o ensaio é medida a dureza ao longo da segao longitudinal da pega, a partir da superficie refrigerada, Fm geral define-se como profundidade de endurecimento na tempera a profundidade para a qual se obtém 50% de martensita (determinada através dos valores de dureza). Na figura 6.4 & apresentado de forma esquemética 0 ensaio Jominy ¢ na figura 6.5 a variagdo da dureza a partir da superficie refrigerada Uma variagdo da témpera é a témpera superficial em que somente a superficie da pega é aquecida até a temperatura de austenitizagao (sendo o micleo mantido com a estrutura original) ¢, portanto, durante o resfriamento s6 se forma martensita na superficie. Para tanto € necessario aquecer localizadamente a superficie da pega, o que pode ser feito através de bobinas de indugao (a pega € colocada no interior de uma bobina de indugo onde € gerado um campo eletromagnético que induz correntes parasitas na superficie da pega aquecendo-a por efeito Joule) ou mesmo através de 67 aquecimento direto por uma chama (mais simples mas com menor possibilidade de controle da profundidade cementada, 100mm 25mm, MI) Figura 6.4 - Ensaio Jominy Através da témpera superficial so obtidas pegas com a superficie apresentando alta dureza e portanto alta resisténcia ao desgaste, mas mantendo 0 mticleo dutil e portanto com capacidade de absorgo de choque mecénicos. Como a dureza da martensita € muito alta, tornando o ago frégil, ¢ a sua obtengio, devido ao resfriamento brusco leva & formagio de tensdes internas, apés a témpera e em geral realizado um tratamento denominado revenido cujo objetivo é climinar essas tenses ¢ corrigir a excessiva dureza. O revenido consiste em aquecer a pega temperada a uma temperatura abaixo do limite inferior da zona critica (A) € manté-la por um certo tempo. Como a martensita é ‘uma fase metaestvel supersaturada de carbono, o aquecimento aumenta a possibilidade de difuso de carbono para fora da estrutura provocando a decomposigao parcial da martensita em ferrita deformada (com teor de carbono acima do limite) e agregados finos de carbonetos (Fe3C). Quanto maior a temperatura de revenido maior a decomposigao da martensita e, portanto menor a dureza final, assim pode-se programar a dureza desejada através de uma escotha conveniente da temperatura de tratamento. E importante salientar, no entanto, que nao hé formagao de perlita a partir da martensita, a perlita s6 se forma a partir da transformagao eutetéide da austenita. Dependendo da temperatura de tratamento a estrutura obtida pode receber as seguintes denominagdes: ~ Martensita preta (150°C-230°C) = Troostita (230°C-400°C) 6 - Sorbita (400°C-650°C) - Esferoidita (650°C-700°C) Dureza > Distincia da superficie refrigerada. —p Figura 6.5 — Perfil de dureza no corpo de prova do ensaio Jominy 6.2.4 Coalescimento O coalescimento é um tratamento um pouco diferente dos anteriores em que nio A propriamente uma austenitizagao do ago. O tratamento é aplicado em acos hipereutetoides e consiste em aquecer e resfriar alternadamente durante algum tempo a pega um pouco acima € um pouco abaixo do limite inferior da zona critica O coalescimento faz com que a cementita do aco hipereutetside se concentre em formas aproximadamente esféricas, provocando um aumento na ductilidade dos agos com alto teor de carbono em relagao as estruturas norm: © objetivo do tratamento é, através do aumento da ductilidade, facilitar a usinagem ¢ a deformagio a frio de agos com alto teor de carbono. 6.2.5 Austémpera A austémpera j4 é um tratamento isotérmico que tem como objetivo obter uma estrutura bainitica uniforme e portanto resisténcia mecanica e dureza altas. Consiste em aquecer 0 ago a uma temperatura acima do limite superior da zona critica ¢ manter até a completa austenitizagao, resftiar posteriormente até uma temperatura em que haja Co formagio de bainita sem "cortar" o cotovelo da curva e manter a essa temperatura até a completa transformago da austenita em bainita. ‘Temperatura Curva de tratamento Lm, - My tempo Figura 6.6 Tratamento térmico de austémpera. Na figura 6.6 € mostrada de forma esquemitica a curva de transformagio caracteristica da austémpera. 6.2.5 Martémpera A martémpera consiste em aquecer o ago a uma temperatura acima do limite superior da zona critica ¢ manter até a completa austenitizagao, resfriar posteriormente até uma temperatura pouco acima da temperatura de inicio da formagio de martensita (Mj), manter até que toda a pega atinja essa temperatura e resfriar rapidamente até a temperatura ambiente para que a austenita transforme-se em martensit A estrutura final € composta de martensita mais homogénea e com menos tensdes internas, uma vez que a temperatura da peca tomna-se homogénea, ainda com a estrutura austenitica, a uma temperatura pouco acima de Mj (que no é muito alta), permitindo um resfriamento menos dréstico para provocar a transformagao da austenita em martensita, 0 objetivo da martémpera é também aumentar a resistencia e a dureza do ago 79 6.3 Tratamentos termoquimicos Além dos tratamentos térmicos usuais podem ser aplicados com objetivos especificos tratamentos denominados de tratamentos termoquimicos. Esses tratamentos consistem em promover uma modificagao parcial e localizada da composigao quimica na superficie da peca, a altas temperaturas, visando um aumento da dureza superficial da pega, mantendo o niicleo ditt Os principais tratamento termoquimicos podem ser clasificados em: = cementagao ~ nitetagao ~ carbonitretagio ‘Temperatura Curva de tempo Figura 6.7 Tratamento térmico de martémpera 6.3.1 Cementagao A cementagao consiste em introduzir carbono, por difusio, na superficie da pega, para aumentar o teor local temperar posteriormente para obter uma alta dureza superficial ¢ portanto maior resisténcia ao desgaste. Para tanto a pega deve ser aquecida a uma temperatura acima do limite superior da zona critica para se obter uma estrutura austenitica c expo-la, a essa temperatura, ao contato com substancias capazes de liberar carbono (agente carbonetante). Mantém-se durante um tempo suficiente para atingir 0 teor de carbono desejado na profundidade requerida © tempera-se posteriormente. A témpera pode ser realizada resfriando-se rapidamente a pega apés a cementagio ou 1 pode-se normalizé-la, através de um resfriamento ao ar, para refinar a estrutura, € temperé-la posteriormente. O tratamento € normalmente aplicado em agos hipoeutetoides e a estrutura final serd constituida de martensita na superficie e de perlita e ferrita priméria no ntcleo. Como o proceso depende de movimentos de atomos de carbono por difusdo na superficie da pega sua eficiéncia depende basicamente de trés fatores: + Teor inicial de carbono na pega: quanto menor 0 teor inicial de carbono no ago, maior a velocidade de difusdo pois maior & 0 gradiente de concentragdo entre 0 meio que libera carbono e a pega. + Temperatura: quanto maior a temperatura maior 0 coeficiente de difusto ¢ portanto mais rapido 0 processo. + Agente carbonetante: quanto maior a eficiéncia com que 0 agente carbonetante libertar carbono mais répido 0 proceso As condigdes para a cementagao dependem da composigdo do ago ¢ do teor de carbono e da profundidade de enriquecimento desejados, mas de um modo geral pode- se dizer que as temperaturas de tratamento variam em tomo de 900 a 950°C, a profundidade enriquecida em torno de 1 mm e 0 teor de carbono deve atingir algo em tomo de 1%. ‘Um agente carbonetante que pode ser utilizado € 0 monéxido de carbono (CO) & nesse caso a reagao fundamental da cementago pode ser representada como: 2CO+3 Fee Fe3C + CO2 No caso de se usar o metano (CH4) a reagao é representada como: CHg +3 Fe @ FegC +2 Hp 0 CO} € o Hy sto gases e como as reagdes so reversiveis, devem ser eliminados para evitar que haja a reagdo em sentido contrério descarbonetando novamente a superficie da pega ‘A cementago pode ser realizada utilizando agentes carbonetantes sélidos, liquidos ou gasosos, ‘Um exemplo agente carbonetante sélido é 0 carvao. Nesse caso a pega pode ser envolvida por carbono em um recipiente adequado que € entio colocado no forno para realizar a cementago. As reagdes caracterfsticas podem ser representadas como C (earvao) + 09 (ar) > COZ n CO. + C (carvao) > 2 CO 2CO+6 Fee 2FexC + 02 E um processo simples ¢ barato mas de dificil controle nao permitindo resultados precisos. Como agentes carbonetantes liquidos podem ser utilizados por exemplo 0 cianeto de sédio ¢ 0 cianeto de bério. Nesse caso a reagio pode ser representada como: Ba(CN)2 + 3 Fe © FegC + BaCN2 Esse processo € répido permite um bom controle mas é perigoso devido & toxidade dos produtos quimicos utilizados. Como agentes carbonetantes gasosos podem ser utilizados 0 CO, 0 CHy, 0 CH entre outros. Nesse caso um fluxo do gés passa continuamente sobre a superficie da pega no forno & temperatura adequada permitindo a cementagio. © agente gasoso permite um controle mais rigoroso do processo e a obtengao de resultados mais precisos, sendo bastante empregado industrialmente. 6.3.2 Nitretagao A nittetagao consiste em introduzir nitrogénio na superficie da pega. A pega € colocada em contato com o nitrogénio a temperaturas mais baixas que as necessérias para a cementagio (em toro de 500°C) que forma nitretos de alta resisténcia com elementos de liga que além de aumentar a resisténcia ao desgaste aumentam também a resisténcia A corrosio. O processo tem, no entanto alguns incovenientes em relacio A cementagéo, Os tempos de tratamento sio longos (50 a 70 horas), a profundidade afetada € baixa (em torno de 0,8 mm), provoca alteragdes dimensionais devido & formagio dos nitretos ¢ s6 é aplicdvel a agos com elementos de ligas que formem os aitretos. 6.3.3 Cianetacio A cianetagdo consiste na introdugdo de carbono nitrogénio na superficie da pega através da exposigdo da mesma & ago de cianetos a altas temperaturas (em tomo de 750 a 850°C) Utilizando-se o cianeto de s6dio (NaCN) as reagdes podem ser representadas como: B 2NaCN +02 > 2 NaCNO 4 NaCNO ~ NayCO3 +2 NaCN +CO+2N Como a temperatura é alta o monéxido de carbono (CO) permite a cementagio da pega e o nitrogénio (N) forma nitretos. A pega pode entio ser temperada apés a cianetagio. A profundidade enriquecida é menor que a obtida na cementagdo mas a dureza é maior, ™

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