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Y. DEMOCRACIA, (© principio da igualdade politica Democracia, para os gregos, era 0 governo de muitos. ‘Assim a definiram tanto Herédoto quanto AristGteles tanto a histéria quanto a filosofia. O eritério cen- tral a reter & ese: o principio de igualdade politica, o clomento propriamente politico da cidadania de base ‘gualtiria (gualitéria, bem entendido, 20 nivel dos Thomens lives, que, no entanto, representavam a maio- ria da populagio na Atenas clissica). Fora desse exst- ‘helo da liberdade politica no havia, para o espirito Ihelénico, regime democrético. Democracia queria di- ‘er necessariamente govern pelo povo, néo simples: ‘mente para o PovO, ou em seu nome. Os vérios tiranos ‘que as cidades grogas conheceram lideraram regimes ‘com freqaacia populares e até populistas— mas nem Dor iso nenhum espirito grego jamais os considerou ‘democriticos. ‘Democritico é antes de tudo o regime onde hi par- ticipagdo igualitésia em decisdes vitais para uma dada sociedade. Com isso nio se quer desprezar nenhuma das precondigdes da democracia: as liberdades de pa- lavra e de associagdo, os mecanismos insttucionsis de ‘antral do goveno ede sucesso, ete; mas 0 impor- ‘ante, para haver democracia, € que elas funcionem a servigo de wma finalidade precipua, 0 exercicio da ‘iqualdade politica, Embora central, esse aspecto foi bastante obscure- ‘ido pelo pensamento péslissico. Com eleito, a teo- ‘dite moderna da democracia, desde Schumpeter, insiste em reduzir a democracia ‘a um “método” (de formar gover), sm tpi nem mgir sre ds ses Essa subestimapio da igualdade politica ¢ frequen: ‘te-no pensamento “liberal” (no sentido americano, so- cializante do termo). A pretexto de que a igualdade ppolitca depende, em larga medida, de autras dimen- 00s da igvaldads, 0 “liberal” (ex.: Macpherson) enfa- tiza a democracia social em grande parte as custas dos seus atributos propriamente. politicos. © resultado & ‘uma concepgo de democracia minimalista: um de- moetatsmo reduzido a um t1ago (a base social) e, a sim, privado da sua riqucza vivencil, da sua varie- fgada referéncia a liberdades e direitos, cujo foco é, Sempre, o exercicio da participagdo igualitiia em pro- ‘estos decisGrios. Desse modo, subestimando 0 cle- ‘mento politico da democracia, o liberal acaba atertis fsando em més companhias. Para ser preciso, na com- ppanhia dos que suprimem a democracia em seu pro- prio nome, nessas “democracias populares”, que no io nem democraticas, nem populares, ‘Contudo, nio basta claifcar conceitualmente a po- sigio democratica. Sem o suporte de um determinado comportamento politico, a democracia, ainda que cor retamente definida, nio é sendo uma nobre, mas abs- ‘rata Fiegao juridica. Demoeracia nfo € s6 conceito; 6, principalments, uma conduta, Verdade sublinhada ‘no oflebre paradoxo de Popper: ao refletr sobre a de- Popper, refugiado do nazismo, frisow que ‘os regimes democriticos so capazes de se suicidar (Como o fez a Alemanha de Weimar). Quer dizer, a emocracia-conceito pode até ser vtima da falta de - vero dos sdbios, da casta filosética, ao império da Tei, que jé prefigura a moderna preocupagio liberal ccom a nocessidade de limitar © poder. Democracia ¢ liberalismo CObediente ao principio da igualdade politica, a demo- fracia implica a universalizagdo da cidadania. A cida- ania, por sua vez, pressupte, obviamente, a liberda- de, coisa que os gropos jd reconheciam, de modo té- a0 reservar a qualidade de cidado ao homem livre, Se nos fembrarmos da diferenga, resordada no capitulo anterior, entre liberdade politi c liberdade ‘ou sefa, entre a liberdade como autonomia e patticipagio © a Tiberdade como nio-impedimento ou Ficeidade, compreenderemos intitivamente que a Iherdade cidadi supe o exercicio da liberdade civil. Seo gesto de partcipasio individual no autogoverno ‘da sociedad néo for uma simples caricatura, teré de refletir a liberdade de expresso e de ago do indivi- 4400; [ogo, a Hiberdade politica, conguanto distinta da civil, dela forgosamente se alimenta, demoerético ne- ral. Se a liberda- ‘de politica repousa na liberdade civil (embora esa, ‘seu turno, provise da outra para manterse), entio nto ‘basta fazce com que a base sccial do poder se alargue, ‘universalizando a cidadania — & necessério, igualmen- te, garantir que © poder, mesmo legitimo em sua ori- fem social, nao se tome iegitimo pelo eventual a frig de sett uso, pela eventual invasio das liberdades civis. Logo, € preciso moderar o podetio do. poder. (Ora, isso €'a propria esséncia do liberalismo. "Na rai da posiglo liberal se encontra sempre uma dose inta de deseonfianga ante o poder © sua inerente propensio a violéncia, Por isso, o primeiro principio liberal 60 consttucionalismo, isto é,o reconbecimento dda constante.necessidade de limitar o fenGmeno do poder, O mando liberal é uma ordem ntomocrdtica — lima soeiedade coloeada sob 0 império da lei, onde todo poder possa ser experimentado como autoridade fe no como violencia ors se © liberalismo clissico compreendeu a con- tento a necessidade do controle do poder, no se pode fafirmar que tenha amadurecido a inteligencia de outro fspecto-chave do processo domocritico: a legitimagio fe domesticagdo do confito politicosocial. ‘fetivamente, a democracia se define também pelo reconhecimento coletivo da irreduiblidade do conjl- to social, ¢ da necessidade, por isso mesmo, de Institue ‘ionaliziclo. O liberalismo elissio nfo chegou a apre- fundar a consciénea disso, porque adotava ua visfo ingenuamente contratual do fenomeno das divisdes de classes, visdo essa baseada numa harmonia social ima- gindria; € 0 marxismo tampouco a accitou, porque en- fara 05 conflitos sociais como antagonismos insolé- ‘eis, ora da confrontagio violenta. O liberalismo clis- ico encarava a ordem social inter como consenso; 0 ‘maraismo negava todo consenso & ordem social. Ne- ‘hum dos dois soube ver o consenso como uma esfera specifica, relaiva e formal da vida coletiva na socie- ‘dade de classe, una, a vezes unida, porém jamais ‘uniform. ‘Todo sistema politico pressupde, evidentemente, um determinado tipo de "cultura politica” — mas isso 119 ‘io signifiea quo dovamos contemplar a democracs como algo vagamente “cultural”, em vez de entendé- la do fngulo concreto das rolagdes de poder. Os que tendem a exagerar o papel do consenso na is cestumam incidir na nebulosidade de uma visio cul- turalista, pouco atenta a realidade do jogo do poder. Eo grande inconveniente das concepgOes consensus- Tistas de democracia 6 que, de uma ou outra maneira, clas fetichizam o cansenso, Nada impede que haja cou fensos realmente democtiticos. A famosa “‘vontade ‘geral” de Rousseau, tantas veres injustamente acusa- ‘da de toaltéria, mas de fato obtida por meio de livre Geliberagio em assembléias marcadas pela igualdade de seus membros, é o mas iustre exemplo tebrieo dis- 9, ainda perfeitamente estimulante para a imagina- ‘0 politica, Porém nesse caso 0 consenso é, nilid mente, um resultado, Ora, as definigdes consensualis- tas de democracia postulam, explicita ou tactamente, tum consenso (eobre valores, sobre posigdes de classe) ‘como ponto de partida, e no como resultado. Democracia hist6ria [No capitulo precedente, relembramos, com a ajuda de Bartingion Moors, as condigdes histéricas das mo- ‘deenizagdesliberais,processos sociopoliticos que ali ‘cetyaram a implantacSo de insitigGes livres em cujo feo, mais tarde, nasccu se firmou a democracia lic hheral moderna. Desta vez, cumpre examinar rapida- ‘mente 0 condicionamento histrico da propria demo- ‘A primeira observagio @ fazer versa, evidentemen- sobre a ostensiva diferenca entre 2 democracia cléssica e a modema. A primeira era democracia di- rea, operada num espago social muito circunserito, ‘Atenas era metrépole de um império maritimo, mas seu teritério nfo ultrapassava 0 do grio-ducado do Luxemburgo. [4 se notou que, nessa érea citadina lilputiana, 2 égora, paleo da democracia, mais pare- cia um campus universitirio — algo muito diverso do Yasto Smbito politico dos estados. democritcos con- {emporineos. A democracia direta da cidade-estado fra um ito’ de grupo primrio: transcorria em con- tatos face a face, 8 semelhanga do eonvivio dos habi- tantes do mesmo bairro ou da mesma aldeia, onde todos se conhecem e partilham dos mesmos costumes. ‘Além diso, a tnica verdadsira democracia anti ga — 4 pills steniemse, onde © regime demoeritico Prosperou_ por quase dois séculos, até que a Grécia ‘e suieidou politicamente na guerra do Peloponcso — foi_uma instituigdo altamente peculiar. De: modo ge- nético, o universo da sociedade tradicional, durante milénios a gniea formacio social humana, no prati cou 9 governo do povo, Certas mindsculas sociedades tradicionas, como as tribos ainda na era paleolitica, Aesconhecem a centralizacdo do poder. Outras, como ‘vias sociedades ruraisafricanas, onde a terra & abun dante em relagdo & baixa produtividade da técnica ‘agricole, © as relagGes entre os homens no so de- {erminadas pelo controle do solo, conhecem © gover- no central, mas no uma estrutura de classes Poderiamos chamar essas sociedades sem estado ou sem classes de hipocriticas, no, & claro, porque te- ‘nham algo a ver com o patrono da medicine, mas sim- plesmente porgue elas apresentam uma taxa bem me- rnor de expresséo politica do poder social do que as senhotias, einos © repiblieas antigos, medievais ou m2 ‘modemos, Todavia, nenhuma dessas sociedades sem ‘estado ou sem classes desenvolvcu os postulados igus- Titérios individualistas da democracia grega. A "hi- pocracia” nfo é a democracia; nem a tribo nem o cli So demos. (© coniraste entre a democracia antiga e a moderna rio poderia ser maior, De um lado, governo pelo povo fe sem estado, De outro, sistema representativo © um fstado ultradesenvolvido, O primeiro trago das demo- fracias modernas é, com efeit, a majestosa presenca {do esiado, Exccutivo, parlamento ¢ judicrio, buroora- ‘ia, policia © forgas armadas sio tio indispensiveis ‘0 regime democritico dos nossos dias quanto © sulré- fio universal, 08 dircitos humanos, os partidos poit- fos € @ live imprensa. Por iso, aiguns observadores, fanimados de anstios libertérios, acham que © peso fesse areabougo institucional equivale a uma quase ‘completa negasio do principio democritico, no sen- tido grego de igualdade politica ativa. A desmedida ‘eonoentragio de poder no estado moderno thes parece fr antilee do governo pelo povo. O idioma democr fico, verdadeiro “esperanto moral do sistema dos est dos nacionais”, no passaria de oca retsriea, encobin- do uma tealidade essencialmente nfo democratic ‘Seja como for, no hé divida de que democracia, no tatilo ateniense, 6 algo que prima pela auséneia em rosso tipo de sociedade Certs liberais do século passado confiavam em que fa imprensa e as comunicagSes modernas eriasem uma fgora em ampla escala, um foro nacional de partici- jpasio popular deciséria, Mas na época das méltiplas Durocracias tentaculares © da economia planificada case tipo de miragem liberal faz sort. O Leviats de- rmocritico pede nosso volo, mas ndo nos dé nem um ma pouco de sensagdo de ser governado por ns, men bros inermes de um “ pablico fantasma”. Por conseguinte, nlo hi como deixar de reconhecer, centre nés modernos, a ausincia de democracia em seu sentido literal e eldsieo, de governo estritamente pelo ‘Povo, participagio livre igualitéria na condugso dos negocios publios. ‘Mas isto no impede que, de outro ponto de vista, ‘© panorama da democrocia moderna recupere autenti- ‘idade, Este ponto de vista € 0 da lberdade de oports- nidade, gue tanto caracterizamos, um capitulo atrés, ‘como a forma eminentemente moderna de ser live. Pois 0 fato € que as liberdades individuais e privadas icaram e se estenderam com a ex- de trabalho ¢ da mobilidade social Trois fendmenos nitidamente modernos, posteriores ‘0 caso da sociedade tradicional, com sua economia subdesenvolvida e suas rigidas hicrarguias. Ore, 2 precondigio goral desse novo dinamismo na economia € dessa maior plasticidade na estrutura so- fal — a progressiva liertacio das massas da pend ta e da oprestio — ocorreu, nos sistemas politicos liberals ou semiliberais, quase’sempre gragas a movie ‘mentes politicosociais de inspiragao democritica, ito ‘da base social da. iber- pelo menos a0 nivel do ‘volo e da representagio poliieopartidéria. Tais mo- ‘vimentos, primeiro predominanternente burgueses e em Sequida obreitos, constituram a forga moti, na trans: formagao das oligarquias liberais em repablicas libe- ral-democritieas. ‘Assim, se € certo que nossas modernas repdblicas liberais nao sto democriticas no sentido estrito da pa- 2, mio é menos verdade que sun histéria fot e sin ‘da 6 snimada por movimentos democréticos cuja rea Tidade ou eficdcia no se pode negar. Tampouco fica fem diivida o eardter iberal dessas nossas quase-demo- ‘racias, Se a democracia liberal como produto histéri- ‘co é, no claro concsito de John Plamenatz, um com plexo conjunto de direitos, obrigagces e oportunida- es, profundamente ligado’& laborioss sociedade in- ‘dustrial instrufda, afta a uma grande variedade de ‘ocupages e estlos de vida, entio a esséncia da de- Tocrocia contemporinca consiste na combinasio, nem Sempre harménict, do ideal clisico da liberdade ci: adi com 0 principio moderno da liberdade it dual, pléstica'e multiforme, que engloba a. primeira fe Ihe confere, em nossa época, sua plena significagio humana. Em conseqiiincia, o debate, agucado pela rosessio, sobre a prioridade desses pélos: desenvolvimento © bbemestar, fe situa em grande parte no interior desta cofientagao democritica, A prova é que, no cotejo com ‘a sociedades hierérquico-tradicionss, ou jé modernas ‘mas oligérquicas, esse debate aparece logo como uma simples divergéncia metodolégica, nunca como autén tice discrepancia quanto 90s fins da ordem social. Nesse sentido, a retGrica democritica nfo € spenas tum palido esperanto — é a lingua viva das socieds- des em que, como vimos, a desigualdade persiste, ‘mas ha muito deixou de ser legitimével Industrilizagdo e politica Ja vimos que existe uma ampla afinidade cletiva centre a idéia democrética, na sua moderna forma re- ‘resentativa, baseada no sufrégio universal, e 08 movi- m4 mentos populares, revindicatrios de dieitos poli on civiss Mas por outro Tado, esses mesmos mov ‘mentos foram e continuam sendo produto da estate ra social formada pela indusrializagzo e sua compa: theira, a urbanizagSo, E quanto basta para asegurat © interese de estender nossa breve andise hisérica 80 terreno das rlagses entre democraia liberal e revolie ‘industrial © historia ewondmico Alexandre Gerschenkron pode ser conserado 0 pioniro dos extudos sobre as Conseqincias sociais dos diversos modos e épocas de Industraizagéo. Gerschenkron mostrou que o pases que se industalizaram na sepunda metade do séeulo XIX, ou a partir dela, como a Aleman, o Tapio e 4 Rissa, tveram sua india erientada predominan- temente para a fabricapio de bens de presi © eo receram uma implantaso industial que — a0 con- {rari do que sucdera com a primeira revolugo ine dustrial nacional, a inglesa — nao fot espontinea, © Sim organizada por grandes bancos ou pela protegio do estado, mediante subsidios¢tarifas aduanras. No plano social, esse tipo de industalizagio se revelou bastante “explosivo", causando notivel abo na es tratura social e na cultura dessas sociedades, Os dn ‘0s paises que se indusralizaram ou comesaram ‘dstrializarse na mesma época sem experimentar esse tipo conuisivo de mesderninagso econbmica 850 ape: nas exceges que confirmam a rega, pis se tata dos Estados Unidos, “socidade de fronera” como tal Jargamentc imune 4s tenses sociis curopsias, © da Iulia, cujaindustalizago ini se concentrou na produsio de bens de consumo, fupindo assim 20 par Arig teutomnipSnico supraitado, Bs (© “modelo italiano” se repetiu na industrializagio incipientetentada por alguns paises ibéricos desde © fim do século passido, Como a Ita, ssas nagées, a comegor pela Espanha, concentraramse na produgio {de bens de consumo e néo sofreram, em sua industia- ian” convulsivo trazido pela instalagao da pesada, Entretanto, © importante, em nosso contexto, € verficar quais as implicagSes politicas de todas esias diferensas 'O proprio Gerechenkron, embora sem focalizar ex- plicitamente o plano pollico, sugeria fuma correlagao. entre industria pesa (fo de efeitos socials convulsivos, e autortarismo — fstlos de governos capazes de mobilizar capital ¢ re- primir saldrios por meio de préticas bastante afasto {las dos rits liberals, definitivamente legitimados pela Europa ocidental na'segunda metade do século XIX. ‘conhecido cientista politico americano Albert Hirschman tragou um sigaificativo contraste entre, 0 siteo das elites industsis dos in- anos", Alemanha © Ja- italiana ibérica, A as nunca foram “but- fusias conquistadoras”. Politicamente, atvaram qua fe sempre no rastro das oligarquias rurais. A causa dessa humildade politica ¢ social dos estratos indus triais do mundo ibrico residia na circunstincia de que a indéstria leve ndo requeria uma mobilizagio do es ado —exatamente 0 sspecto salientado por Gerschen- kkron na industrilizagio de tipo alemao ot japonés 'E verdade que a industrializasao inglesa, inaugure- da nas duas ditimas déeadas do século XVII, tam- bbém se concentrou na produelo de consumo (essen mente téxtis), € no entanto foi conduzida por uma 126 bbarguesia conguistadara. Mas no caso inglés, no ten- do sido necessério mobilizar o estado para a acum lagio de capital (pois até a indistria pesada, que apa- reoeu mais tarde, pode benefciarse do capital priva- {do acumulado pela exportacio de téxteis), ainda assim foi preciso conquistélo para pér fim & hegemonia dos interesses agricolas..Acélebre revogagio das “corn laws” marcou o triunfo do, livre-cambismo in- dustrial sobre 0 protecionismo tarfério imposto pelos fgrandes aricultores, em prejuizo da dindmica expor- tadora da jovem indéstria inglese. Dessa forma, a ex- ‘cepcionalidade do caso inglés se explica pelo préprio fato da Inglaterra ter sido.a primeira nagdo industrial. ‘Voltando as sociedadesibéricas © a seu modelo itse liane de industralizasio preliminar, o que se nota é ‘que-a auséncia de clites industrials agressivas resultou na falta de partidos polticos realmente competitivos e nna adogio de sistemas elientelisticos, tipiicados pelo “transformismo” italiano ou © “turno” espanhol_ de cerca de 1900, Esse clientelismo, produto do amélgo- ma de interesses burgucses e latifundidrios, represe ‘va por sua vez um liberlismo de fachada, por dei ‘Glo menos conducente A democratizacao do que 0s 1e- rais da Europa ocidental © ‘Quando, hi cerca de cem anos, vérios paises do no- roeste © do centro da Europa deixaram de ser expor- tadores agrcolas, nages americans se tornaram 0s ex- pportadores mais compettivos de mercadorias bisieas, ‘como os eeresis. Em compensasio, porém, 0 préprio sutto do comércio de trigo levou um pais como a AT- em sua estrutura socal, @ posigio grdrias, Os interesses do campo impuseram por longo tempo a adogio de priticas livre-cambistas, ‘que deixaram sem protego @ nascente indistria de bens de consumo. ‘A partir dos anos da Primeira Grande Guerra, a ine dustrilizago do mundo ibrico entrou em sua fase Pouco pouco, quase todos os principals paises envolvidos adotaram regimes po fripopulisis, Como nota um especialsta da anélise omparativa, das industrilizagdes nacionais, James Kurth, 0 poptlismo significava melhores salérios para ‘as massas e, portanto, maior procura dos bens de con- fimo em que se concentrava, nesse periodo, a produ- ‘ho industrial desses patses. ‘Em seguida & Segunda Guerra Mundial, Espant Brasil ¢ Argentina passaram a montar indstias ‘bem de capital, Mas, 0 contrio das siderirgicas eu- ropéias criadas no séeulo passado ou na Belle Epoque, 1 indGstria pesada ibérica néo contou com os “met ‘aos naturais” tepresentados pelas ferrovias ©, pelos teanhoes e couragados. Em vez disso, a indéstria do ago fem expansio foi estimulads pelo mercado automobi- ico. Em conseqasneia, a industralizagio bascade cm bens de capital se superpts & indéstria orientads para a produgio de bens de consumo durdveis. ‘Basa superposiglo tornou a industrializagio resem te de América Latina particularmente convulsiva. Os pafsesindusrializantes como a Espanha, o Brasil ov 0 México, nfo dominando o mercado internacional de um produto industrial especifico, vém conhecendo sérias Uificuldades de balango de pagamentos, desde que en- fetaram a passagem da fase da indGstria leve & fase da produgdo de bens de capital. Ao mesmo tempo, esses Industralizadores tardios vém tendo que construir um sistema industrial muito mais diversificado que © elis- sieo, j& que inclu, 28 (evistica da primeira revolugdo industrial (sderurgia ‘omplexas e carlssimas usinas modernas no campo da industria quimics, eletrcidade, estaleiros navais, ete. ‘ caréncia de capital ¢ © vulto dos déficits no balan 0 de pagamentos, causando abruptas desvalorizagies © aguda inflagfo, contribuem naturalmente para exa- erbar 0 earfter convulsivo dessas industralizagoes, tomandoas pouco compativeis com as precéias sin- tesespolitcasTiberal-populistas dos fempos em qve 0 ‘modelo industrial desses paises se pautaya pela “subs: de importagdes” polo predominio da produ- ‘Go de bens de consumo nfo durdveis. “Todavia,o essencal saber se a Enfase na produgdo de bens de constimo durdveis constitu wma Hipica eco- némiea conducente ou 10 20 iberalismo — ou & ti ‘eralizago — no plano politico. Historicamente, a resposta tem sido positiva, A era do automével eoincidiu sempre com a ampliagio das ‘bases sovinis da democracia, robustecendo as classes médias ¢ aumentando o nivel de vida das massas. Ve- jirse 0 que significou o tempo do Ford nos Fstados Unidos. Aquela épeca, em 1910 ou 20, os trabalhado- res americanos ainda nfo possuiam os sindicatos po- ‘deroeoe de hoje, nem os saléros elevados e estéveis ‘que eles conguistaram © preservaram. Mas @ pros peridade da indistria do automével j6 permitia remu- perar os asslariados de modo a que adquirssem regu Tarmente.produtos alimenticios © téxtes, euja venda ‘ouxe enormes Tucros A média empresa urbana © Tu ral Com a renda dessa indistras, a elasse média em rescimento pode comprar os automéveis e os demai tens de consumo durdveis de que o mercado america- ro foi precursor, ainda bem antes da gitima guerr ry Os efeitos seriam andlogos na Europa ocidental e ‘no Japio do pés-guerra. No quarto de séeulo que pre- cedeu 0 conilito de 1914-18, um tergo da. poupanga ial se dirigiu para os Estados Unidos. No quartel iniciado no segundo pésguerra, sob a égide do Plano ‘Marshall, vulosissimos investimentos americanos 10- ‘maram © rumo oposto: reanimaram a indistia euro- pia, introduzindo no Velho Mundo a producio em ‘massa de bens de consumo duriveis (auioméveis, ele- twodoméstcos). Esse fluxo continuo de capital dispen- sou a indistria curopsia de procur ppanga por meio de arrochos salarais; mas, 20 mesmo tempo, 0 custo da miodeobra ainda era'na Europa substanciatmente mais barato do que nos Estados Uni- tos, e isso conferiu excepcional compettividade ao at tomével europew (e japonts) no mercado internacio- al. O estabelecimento de uma sociedade de consumo ‘na Europa ocidental e no Japio teve um grande cfei- {o sociopolitico: atenuou consideravelmente 0 poten- ial de radicalismo das massas nos paises cepitaistas em cujo terrtério se travava a guerra. Simultanca- mente, © “aburguesamento” do operariado nas demo- ‘racias liberas foi favorecido pelo excmplo negative dda conjungie, no mundo comunista, de um nivel de Vida notoriamente mais baixo com um regime poll 0 altamente represtvo. © desenvolvimento industrial expanbol © braile- + dos ltimos vintee cinco anos tem abedecido igual: ‘mente a0 modelo “automebilistico” — mas, até aqui, tem beneficiado principalmente a classe média, Ate o advento da atual recessio, 0 modelo mostrou notivel ‘apacidade de geragio de empregos, mas menor efi ‘ica no que respeita & extensdo de uma sociedade de consumo além das classes de renda alta e médio-alta, 10 Eniretanto, alguns observadores autorizados julgam ‘que o dinamismo deste modelo industriel poder ser felorgado pela afirmagio de um tipo de crescimento acionado pela exportagio — exstamente como no 640 da indisra outomobilisica europea. A indatin de tos de paises como o Brasil e Espana pode muito bom vir a ser, como a italiana © @japonesa nos anos sestenta, a menos custosa € mals ataente para @ pro: tare inlerscioual, As nvuleciotaisenvolvides ie Produgso.sotomobilistica tém evident interste cm bier uma situogSo trféria favordvel 8 importacio, pelos mereadosricos do Nort, dos autos por elas pro: Auzidos no exterior, o que podera criarcondigoes para Ssstntar a exportagdo dos principals “nies”, novos Delos indctcalzndoe cone © Espanta © o Beal Sigifcativamente, ambos esses paises estdo cond- indo process de abertira politica, Nev Espana, Serta mega do igo tm CE, ‘que por sua yer asinala tm imperativo do desenvol mento econdmico espanhol. No Brasil os anos de re ‘cesofo se caracterizaram, enire oulras coisa, pel in temsficapao' de programas de politica social © pelos tatoryon no selido de protege ce grupos de tenda mais baba da inflago eda alta do custo de vida. Nesse ‘ontexto, um crescimento industrial eventualmente ‘igorado'e orientado pars. exporarao & visto como fator, a médio ¢ longo prazo, de esabilizagao das ins tituiges iberais. Hi ras indicagdes de que a instr swtomotora curopéia ¢ japonesa esta penctrando no sou cielo de Saturasio, para empregar os termes da fesclogi. ite dustrial detenvolvida por Raymond Vernon, Nese aso, Brasil ¢ Espanha'— os dois primeiros pases a ‘moniar Uma grand inddstria awtomobilistca sob um 1st regime politico autoritério — seriam os herdeiros na- turais dos “saturados”, assim como estes o foram, vin- te anos ards, dos Estados Unidos. Mas a expansio de- CGsiva —- sobretudo a nivel dos seus efeitos plobais na ‘economia nacional — dessa indstra lider poderé, con- forme acabamos de ver, respaldar tendéncias politico- sovias de indole liberal-democrética. O ingresso esses pafbes entre os grandes exportadores de autos deveré fro bens de consumo durdveis, “desbloqueando” as- fim finalmente, um mercado interno e uma sociedade de consumo a agora ainda circunscritos a uma mi- ‘novia signifieativa porém insuficiente da populaslo. ‘Nesse “cendrio”, 0 progresso da distribuigdo de ren da ¢ um subproduto da presperidade econdmica, num ‘Sistema aberto & interdependéncia face a fontes exte- fas de capital c coméreio, A alternativa: distibutivis- iho prioritéio em regime de desenvolvimento “aut6no- tno constitu tm caminho certo para a_inefiiéncia ronda, 0 atraso teenclGgico e © autortarismo Por Tico s6 que, desta vez, com sinal trocedo. "Nada, neseas consideragdes sabre as relapies histé- ricas enire modos de industralizaio e evolugdo poll- tiea, deve ser interpretado de maneira unilateralmente etzrminista, © que se tentou indicar fo tio somente ‘gue 0 processo eeonémico ora em curso nos grandes Pals mais recentemente indusrializados néo 6, em Hi mesmo, infenso i democracia liberal. Evidentemen- te, isso no significa que outros fatores nfo sejam Fqualmente determinantes na democratizagdo dessas hnagdes, nem que o seu modclo industrial no seja com- pativel como ja o provou no passado préximo — om surtos de autortarismo, Mas assim como pude- 12 ‘mos sugetir, no capitulo HIT, com apoio na. compa ‘Go bistGriea, que a crescenteinterdependncia dos co Fitatismos nacionais contemporineos nao leva ne Punramente quet 00 colapso do sistema, quer 10 fprofundamento de relagdes assimétricas entre a8 1 vas economias industiais nos centros mais antigos de Tepid tocnologia, fot possvelindiear que a evolu ‘Gao econdmica mais provavel das dress de eapitatismo Fhdusrial mais jovem ndo parece conter em seu bojo perspectivas ominosas para a sorte da democrac Por outro lado, conforme vimos, as modalidades de industralizacio podem ser mais ou menos convuls {Cdiaruptivas,impondo assim maiores ou renores ten- oes a0 meio. ambiente social. A forma predominante ‘Ue industrializagdo” no mundo ibérico de mossos dis ‘Ecertamente propensa dvariante convulsiva, e por isso Inesmo 0 proceso politic liberalizador e democrati- ‘zador de alguns desses pases, inclusive o noseo, cons: titui uma perigose navezagSo sobre répidos. Esquema- ieamonte eri licto dizer que o pasado ¢ 0s restos ‘nutoritiios desses pases fornecem wma sTustragdo par- Hoularmente vivida de uma verdade sociolgica: 0 de ‘que, embora ndo hija um 56 exemplo de democracia Gapas de subsistir sem uma base econdmica identifi ‘ada com a vigéneia do mercado, tudo se passa como Seo mercado fosse uma condigio necessdria, mas no © suficiente, de democracia (A titulo de repistro puramente hist6rico, valeria a pena lembrar que @ economia elissica, teorizadora do Tmereado, era ideologicamente alheia ou at antiiti- ‘ce ao principio democritico. Os fsioeratas, ardentes ‘defensores do mereado livre, eram também adeptos do ‘despotism esclarecido, Adam Smith, o pai da esco- la econémica ingesa, considerava os politicos animals 1 “astutos € insidiosos”; David Ricardo, seu maior su- ‘cessor entre 0s eldsscos, era Tiberal, mas bem pouco ‘emocrata, Em tudo isso, nio se sente nenhum afeto pela natureza da democracia representaiva, Curiost- mente, coube aos grandes economisias neoeldssicos,j6 to fim do século, celebrar as mipcias entre teoria €co- Inomica e visio demoeritica — © que € especialmente ensivel nos excritos do maior deles, o francés Léon ‘Walras, que ensinou em Lausanne a partir de 1870.) Refutando uma rejutagdo: democracia liberal e erticasocialsta ‘Voltemos agora a nosso tema precedente — liberda- Jena fim de ajizar uma ertica muito influente 20 Snceito liberal de demoeracia: a etitica socalista, ou melhor, do socialismo de tipo revolucionério. Norberto Bobbio submetcu a eriica-padrao do s0- ciafismo radical 8 iberal-democracia a uma aguda dis- Soest Idgica. Ele mostrou que essa critica toma ge- falmente a forma de trés argumentos ou poses. ‘Numa primeira posigo, alegase que a inslituigdes liberals simplesmente caducaram, estando superada sua funcio histérica, Em conseqineia, ficaria auto- aado 0 destespeito dos regimes socialists pelas Tiber- ‘dades tradicionais. Do ponto de vista légico, nota Bob- fsse argumesto fembra a mulher que, surpreen= fpelo marido em flagrante de adulério, repicasse ‘Que trafa por amor e, portanto, aga em nome de um ator mais alto que os deveres matrimonials. A estri- {ura lca € clara: o argumento consiste em passar do plano dos fatos (supressto das lberdades sob o regime ocialista) a dos valores (a histGria ests do Tado do so- cialismo). 1 sustentase que os regimes ‘eonceito mais amplo © mo- ‘emo de Tibcedade. Por esse ertéio, a liberdade dos arpucses tora sido substiuida pela de todos, o que, aia uma fase mais evoluida na {Uo homem, Nesse tipo de argumento, 1 ag valor — ficwse no terreno dos “dando. urna interpretaco divers ‘Socialismo revolucionétio supri- reas iberdades; apenas, procura-se mostrar que esas Tiberdades suprimidas so “inferiores” perante a evo~ Igo histries. ‘Finalmente, numa tereeira posiclo, concede-se — a0 ‘ontririo do” que. sucedia na. primeira posiglo’ — (Que'a Iiberdade-€ um valor. Entretanto, argumenta-se (due a construsio autoritéria do socialismo, como ins frumento nevessitio da abolicio da Tula de classes, ‘comstitur um camino mais seguro para a realizagio rm caro tanto 30s liberals quanto berdade humana. Aqui, nfo hé di- vergncia nem quanto aos fatos, nem quanto aos valox Tes nro que muda, conforme se passa da perspectiva ita, € apenas a maneira de julgar @e- ago entre meios ¢ fins. ‘Na primeira posigao, observa Bobbio, o comunista ‘diz go iberal (Como a adiltera ao marido): “no the econhego o diteito Je me condenar, porque o que voo$ Jalen bom para mim nfo presta”, Na segunda pest i, 6 como se 0 com esse: “est cert, 0 que Gree iberal, acha etrado (a supressio das Tiberda- Ue), eu também julgo wm mal; 86 que, a0 contrétio do que voo! pensa, eu nfo o estou praticando; milo e& {ou suprimindo a liberdade, apenas substituo uma Te bbetdade Himitoda (a burguesa) por outra melhor”. En- 135 pociglo, 0 comunista dix. a0 liberal ‘Af supressio da liberdade — ‘eu também condeno, © sei que © pratique; mas tenha ppeciencia — 26 0 fiz para seu priprio bem”. Tsso, quanto 2 estrutura 1égiea da critica socafista fa demosracia liberal. Passemos agora 20 exame das premissas da prépria critica ‘A premissa subjacente 8 primeira posigdo da crit- ca socialista € a idéia de que o principio liberal do controle do poder se reduz @ um instrumento de classe. ese dia € falaciosa, porque, mesmo que historica- mente tivesse sido este 0 caso, de hé muito deixou de sé, As liberdades civis © politicas reivindicadas ma Polénia, pelo. Solidariedade implicam ostensivamente ‘um modelo liberal de estrutura da autoridade, conten- {do virios mecanismos decisivos de controle do poder. ‘Aeaso isso Taz dos operérios poloneses um banda de rostélgicos da dominagio de classe da burguesia? Subjacente & segunda posicSo, encontrase a idsia de que as garantias individuais do estado Miberal no feriam mais funeo numa sqcfedade sem classes, por- {que nesta 0s individuos ndo se achariam expostos 90s ‘Abus0s e opressGes praticados pela minoria dominante. Coneretamente, essa bela tooria toma a forma de um esprezo pela liberdade-seguranca. A pretexto de que. tno paraiso socalsta,bastaia a liberdade cidadi, a lic berdade como participasio individual na. autonomin da sociedade. ‘Ora, acontece que, como ji tivemos ocasifo de fri- sar, a Tiberdadesegurenca, @ Hiberdade de expres fe liberdade como Ticeidade so condigdes necessérias ls liberdade de perticipacio nos negéeios pablicos. Essa verdade & de resto reconhecida desde # teoria politica elésica — filha da prépria cultura que dea primazia a liberdade politica sobre a civil, em sua hie- Targuia de valores, Aristtoles, por exemplo, no pen- fava que 0 cidadfo, a0 envolverse na atividade poli- tica, atividade universal pautada pelo bem comum, se Givoreiasse pura e simplesmente de sua condigao de individvo mergulhado em atividades pessoas, orienta- ddas pelos bens particularistas de sua predilego. O ci- ‘dado da polis era, por natureza, ao mesmo tempo o> Vernante ¢ governado. Logo, sua atividade enguanto overnante difcilmente poderia ser completamente flheia ts atividades em relogio as quais ele era go ilo. jma democracia sem opiniio piblica é uma eon tradigdo em termos.” Essa adverténcia de Kelsen apon- ta nitidamente para a inseparabilidade de liberdade po- Tica e liberdades do homem, por oposigio 90, cida: dio. Tanto assim que, na prétiea, onde no hé Tie berdades civis, tampouco as hé polticas. As cleigbes non regimes socialistas #i0 sabiamente um ritual, va- tio. E que, nesses regimes, a liberdade politica deixou de ser irrigada pela vida eonereta das Iiberdades de fa- far, de agir e de fazer. O cidadio socialista no. € bem um eidadio, Nao passa de um sédito — 0 sito da ieoria moderna, E por que? Porque, antes. mesmo ide ser ou no livre enguanto cidadio, le deixou de Ser livre como homem. Como “burgués”, conforme Se dizia na lingua do sEculo XVIII, no diseurso do contrato social Estado e sociedade civil Resta a premissa da tercera posiglo da critica social ta democracia liberal: aguela em que se acita que © regime socalista suprime liberdades, mas se preten- | “7 ‘de que 0 socialism revolucionsrio & um método mais ‘efetivo de construgio da liberdade. ‘Tal premissa, por tua vez, se subdivide em di Primciro,alegase que 0 “estado proletério” nfo se ‘ocupa de libetdade, porque o problema da liberdade ‘nao concere ao estado, que ¢, por definigio, ério de opresso de classe, Na fase de “construcio do socia- lismo”, o protetariado tem, segundo a doutrina revolu- cionétia, © direito de oprimir a burguesia; na ulte- Flor fase comunista, 0 estado simplesmente’ desspare- ‘ord, jumtamente com a dominagdo de classe. Em segundo lugar, argumenta-se que o estado prote trio nao 6 liberal — mas € a nica via de constrw- fo da genuina liberdade. [Em ambos os casos, contrapde-se radicalmente 0 es tado liberdade, Ora, € justamente essa. conceppa0 pejorativa do esiado que se afigura muito proble- ‘tica, [Na fonte dessa visto negativa do estado encontrase 4 filosofia marssta, Bobbio revelou magistralmente as afinidades entre a nogio marxista de estado e @ con- ‘epg de Hobbes. Para o autor do Leviaid (1650), alterativa era dramética: ow baveria estado, ow veri liberdade, porque esta conduzia a violencia anr- quica © & desiruigdo da autoridade soberana. Pois bem, nota Bobbio, 0 mesmo se dé com o marx Para este também, onde hd estado, nfo pode reinar a liberdade. Nas palavras de Lénin? “enquanto houver estado, nfo hi liberdade; quando reinar a liberdade, nig haverd mais estado.” A diferenca & que Hobbes, efrontandose com a anarquia da guerra civil, valor ‘ava 0 estado contra a liberdade, ao passo que o mar- xismo — em teoria, bem entendido — valorizava a Derdade contra o estado, Mas a estrutura l6gica € de 18 fato a mesma — ¢, no caso marxista, pressupe uma ‘concepeao altamente negetiva do estado enquanto foco, seo Fonte, de poder socal. ‘Varios estudiosos atuais julgam que essa estado- Jfobia marsista, sobre consttuir 0 elemento anarquista ‘doutrina de Marx, representa uma extremizagio rlha ojeriza liberal ante estado. De fsto, na tra- ‘glo liberal, de Constant « Spencer, a saudével repo sa pelo endeusamento conservador do estado redun- ‘ava muitas veres na mitologia inversa: a demoliza- ‘¢80 do estado, ‘Os liberais oitocentstas se esmeravam em contras- tar a sociedade com o estado, e em proclamar, peran- te este, a independéncia da “cociedade civil”. Ao passo {que flésofos conservadores (emibora nfo reacionéris) Gomo Hegel insistigm em colocar o estado além ¢ aci- fa do uriverso utltéio ¢ particularsta da sociedade tivil, os pensndores Hberais sempre tomavam © parti- do desta contra aquele. ‘Com isso, porém, 0 liberaismo clissico deixow de perceber a verdadeira natureza da relagio his6rica en- {re estado ¢ sociedade: pois essa relacio no foi bem de aniagonismo ¢ sim de simbiose; no foi uma sim- ples oposigo, se mo tabs wma profunda impli (eo muta. 'Na historia concreta dos tempos modernos, a rela- ‘gio estado-sociedade civil no obedece a uma simples Tigica de divisio de trabalho (como na imagem Iibe- ralburguesa do estado “guardanoturno”). Nao obe- dece, porque na verdade hi'uma tendéncia irresistivel ‘pexpinsio do poder social, do poder de regulamen- tagao da sociedal pelo estado que a exprime. Por con- Seguinte, 0 decisivo é, como bem viu Tocqueville, a forma que toma essa expansio do poder social: beng 9 nna segundo o modelo descentalizado de autogoverno focal (a “democracia a. América”); ou virtualmente espétca, segundo o modclo centralisa do estado eu fopeu, Nos dois casos, porém, nfo se vé como con ‘eber 0 processo em termes de uma supsta indepen- ‘ncia da sociedade civil. Esta € mais livre, ou menos livre —- mas sempre mediada pelo estado enquanto avo emissor de dreito ¢ instituidor de mecanismos de- ciadrios. ‘Dai a diferenga entre o universo normative medieval fe tradicional, caracterizado por uma pluralidade de enltos de aitoridade, e 0 estado soberano modemo, ‘Gue resume num centro tino, por mais que se diferen- ie ou ramifique, todo @ poder legtimo dentro de eada Sociedade nacional, No estado-nacio, o poder do esta- {do € delegivel s ovtrasinstancias 20 Soberania, nunca, Nessas condigSes, a “sociedade civ pode servir de metéfora do estado diferenciado © pel eamente controlado; mas até mesmo a sua autonomia info. passa de uma dédiva do estado liberal-lemacrét- fo, O estado s liberalizu, porém sua autoridade no sui nem um pouco. Hoje em dia, ncoliberalismo — em muita coisa, ‘um renaseimento.anacrOnico do liberalismo,clissico a quer ressuscitar esta err6nea contraposiglo do es- {ado h sociedade. Nos neoliberalismes.sofisticados, tomo 0 de Hayek, a estadofobia se cinge a0 plano eco- fnémico, mas reconhece o valor do estado como orde- rramento juridico, 14 no ncoliberalismo vulgar, o an tema recai sobre toda e qualquer forma de presenga do estado. ‘A valia do estado enquanto ordem juridiea dispensa comentirios. Sob o seu palo & que vige e prospera o Império da lei, A ordem & um bem social, dos mais ‘da norma universal (e a do poder nela baseado), @ fordade do "rule of the law” enguanto excluséo sis- temética da arbitrariedade e da prepoténc "Assim, nfo admira que o estado enquanto guardio do impétio da lei floresca ou fenesa em perfeita con Jango com o vigor da liberdade, Os socialistas liber {fros, belas almes romiinicas, gostam de increpar © ‘Mtoritarismo do “socialismo real” apodando este ¢l- fimo de "socalismo de estado”. Mas 0, pretenso so- Uulfsmo de estado na realidade 0 império do parti- sero. partido-stado, se quiserem, mas certamente 2%, Go setado no seu sentido eminentemente também Jardico, realizado, ainda que fmperfeltamente, nos de- Mocracias ocidentas, Diante da menor injungdo do partido, que pode © estado leninsta? Nada. Parador Petmente, o estado forte & o mais fraco que hé — [bauele cujos dirgentes slo 08 primeiros & Jo. Os dissidentes podem invocar mil vezes a constitule ‘Gor enguent o estado for apenas um instrumento do frrtigo ideocrico, nenlum estado os protegeré. A Targa do estado como estado de dicito — eis uma di eertgo fundamental do fendmeno estatal em OES texperiéncia histérien. TNo entanto, © neoliberatismo, na cena ideokégies contemporinea, nio & 0 nico responsivel feigdo da estadofobia. Digamos que o 6, & dirsita, A Caquerda, porém, a vetha estadofobia marxista retor- Taina apoteose “pramsciana” da sociedade civil. Com desmovalizagio do modelo leninista entre os marxis- ‘hos ocidentas, o pluralista Gramsci foi entronizado m como twsrico natural dos eurocomunismos. Estes no to necessariamente, como se sabe, europens, © sim “ocidentais", merecendo esse nome’ onde quer que a retriea dos’ PCs abandone 0 dogma da ditadura do proletariado © aceite o convivio (e mio s6 a coexist ) com os partidos © instituigdes “bur (© gramscisnismo goza de particular prestigio entre ‘os maraizantes, que sio lego, na América Latina, O endmeno parece estar preso evolupio da esquerda radical no continente. Vinte ou quinze anos ards, o ‘maraismo latino-americano valorizaya muito chama- da tese nacional-burguesa. Transferindo a idsia da lta de clases do plano interno para o internacional, pur hase em surdina o socialismo e destacava-se 0 com- bate antimperiaista, ao mesmo tempo em que se re00- rhecia um papel nacionalista Ieptimo as burguesi ‘auléctonese se secitava © nacionalismo burgués como fetapa necesséria na marcha para a revoluclo soctalis- ta, Entretanto, o desenvolvimento da sociologia da de- ‘pendéneia acabou por avacalhar a imagem da burgue- ‘ia nacional, No Tugar da tese nacional-burgucsa, re ‘agora a tose nacional-popular. Acontece que a tese na- Clonalista era essencialmente estatista (bismarckiana, ‘conforme dizia, nos anes cinglenta, seu mais brllhan- te defensor néo morxista, Hélio Jaguaribe). Nio admi- rm, portanto, que a tese navional-popular, reagindo contra as ilusdes nacional-burgucsas, redemonize 0 es- ‘ado com a ajuda da redescoberta providencial de Gramsci (© liberal moderno mio tem por que embarcar na ‘0 estado. E claro que ele nao seria um Hiberal se tieasse o culto do estado. Mas sua conscigncia hist6- we ria deve ensinarthe a recusar juntamente ambas as falicias: a estadolatra a estadotoba, Bobbio resumit muito bem 0 problema ao advert que o estado libe- ral ngo deve ser nem um mero guarda de trnsito, como preferem os neoliberais, nem um general, como preten- Alem of dirigistas “A outrance”. O guarda de trnsito se Timiaria a tenlar provenir acidentes e trombadas no {tifico volumoso do desenvol¥imento econdmico € $0- cial contemporaine, a que 0 estado — e 0 estado de- Imocriteo, por definigio — ndo pode ser indiferente, ‘O general tentariaordenar todas as agOes da sociedade f partir de decisdes tomadas exclusivamente por ele. [No primeito caso, a sociedade engoitia o estado;, no segundo, o estado deglutiria a sociedade. Ora, na ligdo ‘da historia, a relagio profunda entre os dois no é de ‘contradigao antagonica, © sim de implicagio mitua, ‘Vivemos cada vez mais, nos dias que cortem, © pro- blema do que Hans Bahrdt chamow, aparentemente sem maicr malicia, de feudalism industrial. Quanto mais, porém, ao sabor dos egoismos da recessio, esse Fendtaeno s& amplia, maior seré o amero de ctiplo- ios arrancades por grupos sociais aguerridos, fm detrimento de uma genuina dinmica demoertica. ‘Alguns, como J. T. Winkler (The Coming Corpo- rats), ja profelizam o enrijecimento da democracia Tiberal em €stados neocorporatives: & 0 horizonte do fascismo com face humana. .. Diante dessas tendéncias agressivamente particula- ristas, como defender a liberdade © a democracia, se- ho recorrendo ao excudo da universalidade do estado? E jé que mencionamos a importincia do estado no processo. socioecontmico dos paises em desenvolvi- ‘mento, vale a pena indicar como podem ser excrucian- {es os problemas acarretados pela debilidade do esta Ms do. Nesse ponto, 6 forgoso trazer rapidamente & bail itvagao da India, « mals populosa poténcia tropical planeta. "A India contemporinea € uma sociedade entregue ‘2 uma transigo brutal para a. civilizagio industrial Iodemna, O pais jf possui o 122 parque industrial do ‘mundo, ¢ exibe invejéveis taxas de crescimento: 8%, fem 1981. Ao mesmo tempo, contudo, experimenta pro- ‘blomas colossis: subemprego de massa, superpopu- lagio, uma reforma agritia fracassada e um nivel de violencia simplesmente assustador. No subcontinente hhindu, osorrem, por ano, cerca de 500 motins muni- ‘ais; 2 milhdes de mulheres pertencentes 28 casts in- Feviores so violadas anualmente; 10 mil jovens espo- ‘ts, queimadas vivas pslo marido ou seus parentes por insuficiencia de dote: a violéncia nas prises conhece jgualmente indices anuais altissimos, © a criminalidade sé fortemente representada dentro da propria policia. Esse coeficiente de erueldade, deplorado em primei- 10 lugar pelos melhores espirtos da propria {ndia, e- fete a funesta superposigio de uma estrutura social tradicional earacterizada pela mais implacavel desi- ‘Bualdade is aspiragces,frustragdes © revolts seradas pela modemizagio social e econdmics. Num pais que rantém 100 milhdes de pessoas rigorosamente segre- igadas por serem paris, acumulamse, desde a indepen- ‘encia, novas distincias sociais. A “revolugio verde” nna agricultura do Penjab enriqueceu muitos campone- fs, mas, de modo geral, um dos trasos da face mo- ddetna da sociedade hinds € justamente 0 egoismo dos novos ticos e o crescents ineonformismo de camadas pobres até ontem resignadas « um jugo imemorial. ‘A consttuigio de 1950, que nominalmente rege © pais egreso do Raj britinico, estipula « democraci, © we estado leigo ¢ a aboliglo do sistema de castas. Mas a rma da desigualdade ancestral com as tensOes disrup> tivas azides pela modernizagio tem exacerbado 26 formas de opressio e preconecito, dividindo profunda- mente a sociedade hindu contra si mesma. Gandhi mor- fev repetindo que a india precisava dotarse de uma ‘yerdadcira regio”. O que o profeta da {India mo- ‘derma queria dizer 6 que, apesar da opuléncia de sua tradigdo de espiituaidade, a cultura hindu nfo pos- fafa uma religiao no sentido etimolégico da palavra, isto ¢, como forga socialmente coesiva. Por isso é que Gandhi pregou 0 “ahimsa”, a néo-violénci, © “ahime fa" cra um attibulo cléssico da casta dos braimaness ft grandeza de Gandhi estava em querer “democratizi- To", tomando-o permedvel a todas as castas © classes, “Atualmente, porém, o soaho de Gandhi depende so- bretudo da eapacidade de afirmagdo do estado hindu. No momento, infelizmente, hd quem diga que, na fn dia, o estado reina mas nio governa. Para a eemagi- dora maioria da popalagao — as massas rurais — as elites governantes so apenas mais um dos numerosos ‘grupos de conguistadores que sucessivamente subjuga- arta vasta peninsula, no todo ou em parte. Na India, f estado, como foco de Iealdade coletiva e alavanca ‘de mobilizagao social, permanece em estado de proje- 0 pais ainda nio desenvolveu instituigdes capazes ide superar o universe restrito — e cada vez mais res- trio — da casta e da aldeia. ‘Comparados com essa terrivel caréncia de estado, os males estatais do espaco social sul-americano io mo- Iéstias bem menos graves. A. principal delas jd esti ‘bem diagnosticada: tratase da feigio patrimonial do ‘noms tipo de estado, Max Weber conesituou © patri- tmonialismo como uma estrutura de autoridade carac- 1s {erizada pela indistingdo entre as esferas pblicas € Dropriedade privada e, em sitima andlise, pela confu- jo entre politica e economia. Do fngulo socioligico, 0 ‘riado pstrimonial se singulariza pela ocorréncia sis- femitien de formas de spropriagio particular da mé- festalal. £0 tema dos “donos do poder”, eas aizes hist6ricas entre nds foram analisadas por Ray: Tmundo Faoro. O estado oligirquico da nossa Repébli- a Vetha, como 0 estado autortério que ora nos esfor- ‘twos para superar constitem casos de neopairimo- Siatime, Simon Schwartzman vem procurando mes: {rar que o ultrpassamento do caréter neopatsimonial Jevedado brasileiro depende do resultado final da di- simica de uma polaridade: 0 dualismo entre poder Paral © economia regional (prineipalmente paulsta) tno Brasil do fim do sé=ulo, ‘Mas 0 proprio Schwartzman reconhose que a evo- tugto mais radia, ou seja, a perspectiva de uma des- Deirimonilizagao do estado, absolutamente nfo passa, vammonirdrio do que pretendem alguns fandticos 1eo- Iiberais, pelo desmantelamento ou pela omissio da au- toridade esta, pois aquele desmantelamento, ow essa ‘Guisefo, equivaleria ao triunfo de interesses demasia- Go eatreitos, num pafs condenado a incorporar sas ee as aos padrocs de conforto e cultura inorentes 20 Drogresso industrial mais avangado. "A modemizagio e demoeratizagio Jo sil requerem, isso sim, que sejam educados, na agio {de governo, dois “complexos” histricos recorrentes fom pufses de fraca implantago das institugSes libe- fais. O primeito desses complexos 6 o que o grande Tiberal russo Herzen, no meio do século passado, ba- tizou de “petrograndismo”: 0 vezo de confiar 30 esta- {do 0 monopslio das modernizagées, conduzidas, por M6 jaso mesmo, de mancira essencialmente desp6tica. © fepundo complexo, poderfamos apelid-lo, sem sair de ‘nossa cultura, de “emboabismo” — pois ele designa a fendéncia a usurpar, em prol de “dons do poder” 08 fratos da inicativa econdmica nascida da sociedade civil, ou a manter pela forga do estado patrimonial priviégios de ordem material ou social contrérios ao Fnteresse eoletivo, O estado, n0 Brasil, nfo deve se omi- tir, nem precisa se demitir — basta que no seja um ‘ciado comandado por petrograndistas e ocupado por novos emboabas. Perigos, paixdes ¢ prémios da democracia 14 tivemos a oportunidade de evocar 0 paradoxo da emocracia, apontado por Popper: a democracia. é tum regime politico capaz de suicidarse por meios de- rmocraticos, como sueedeu na Alemanha de Weimar. ‘Maso paradoxo de Popper merece uma séria. quali ficagio. Na Repablica de Weimar, nfo foi bem a de- imocracia que se matou, A legalidade democrtica sem ‘vida se suicidou; porém, quando o fer, foi porque hhavia entrado em conflito com a legitimidade demo- criti, O que a ligho do 1933 nos ensina € que, eonfor- ime vimos, a democracia no é s6 um processo decisé- rio ou um método de escolha do governo — & também tuma conduta, a conduta que as elites autririas civis fe mlitaes da Replica de Weimar no souberam ter, que, naturalmente, as elites nazistas democraticamen te elitas tiveram menos ainda. ‘Mais nitido, no entanto, que o paradoxo de Popper ¢ outro paradoxo da democracia, identificado por (Gellner, Be fato, a democracia é o regime natural das wr bis ¢ draméticas que cial ¢ econémica, squele orn -gociacat icionalizada; Sin eget in vi mele ane pare do Dro COME mene cha Tune Se inal probemaca, « oHemdic 6 ncn St Benet mand em deseo nen deme ter modes au 0 gem parc, ano da mregmenao sham diego oe ad, ds ie de ote cra nus nes ge HO. Soaram, no essence, seu ingreso na pena modes” hidade? Hiterdade eonhece uma versio liberal € wine S ualdede, por sua ver, ume versio reroendron e outta iqualtéria, no sentido de nive- Tador ‘O ave aconteceu, na histéria da mentalidade o<\- dental foi que, pot velta de 1950 ou 60, predoming seal Jariante liberal da liberdade © a verséo merito- Taiticn a igualdade. Mas de 1é para c4, ¢ 20 saber do gauckisme’”ecladido em 1968, tendem a prevaleee TeRho Mbertiria da liberdade ¢ # variant igualitiria 4 igualdade. Infelizmente, se essa segunda configuragio ideal sien viesse a triunfar em definitvo, & possivel que 0 Bictitado pusesse em risco os prOprios valiosos ieais {Que a inspiram: a lberdade e a iualdade, Pols o hor, sere natural a que tende o libertarismo “a outrance” FDitnarquia,¢ esta costuma levar a reagées despots Saaitequisitos operacionais do igualitarismo nivelador Sadun a-um controle global, um centralismo, de Conseqféncias, ainda que nfo de intengoes, ineseapa- ‘yelmenteliberticidas. ‘Nada nesse diggnéstico ofende o principio central ‘existe participagdo’¢ partcipago. Entre os ‘aulcals contemporineos, muitos se dio’ a um Touvor {ndiseriminado do &nimo participatério, alegando que Tal era exatamente a meonsagem da teoria clssiea da democracia, Em geral, porém, esquece-se de mencio- ‘har que or eldssicos do. pensaimento democréico pre- Chitwan formas regulares e institucionais de part Spagao, sem nada em comum com essas sbitas mobi- TiaagBer disruptivas de minorias essanhadas, que 0s r2- thoes exallam como arma de “politizagio” ¢ “cons CGentizagio” das massa, sem se dar conta do quanto hf de manipulatério e antidemocrético nesse tipo de altitude. "Entre os melhores argumentos arroliveis em favor dda democracia, bem poderia figurar aquela pérola da Poltica de Aristtcles: o juiz do jantar nfo é cazi- ‘nheiro... Quer dizer, ao nivel da experiéncia comm ‘Tos homens —- e de todos os homens, dos homens €o- nuns —- no hi teenoeracia, no hi sapiéncia spec Tizada, que eonhega melhor que nds mesmos 0 que NOS feta, 0 sapatero certamente conhece sapatos melhor we do que née — mas nem por isso sabe mais do que nos fa respeito de nossos caos. AV estd uma das mais pro- fica, mas também das mais sidas, razes que mili- ‘tam em prol da superioridade da democracia como ser- vigo liberdade humana, Entretanto, ao lado dessa face prossica, a democra- cia nao deixa de apresentar também um rosto postico. ‘io conheso melhor retrato da “poesia” democrtica ‘que as seguintes palavres: (esta constituigdo € mancira de vida) € cho ‘mada democracia porque & administrada para ‘muitos e nfo para poucos. Nela a Tei assegura 2 ‘mesma justiga para todos em suas disputes pri wvadas, mas © requisito de exceléncia também & reconbecido (...) Ao mesmo tempo em que ‘os asim inconstrangidos em nosso convivio pri- ‘vado, um espitito de revertncia permeia nossos ‘tos piblicos; Feamos impedidos de eausar dano ‘por respeito 8 autoridade eas leis (...) Nossos ei ‘adios comuns, embora ocupados com seus ne f6cios, sto bons juizes dos assuntos pblicos. So- mos 05 dnicos a considerar um homem que nfo fe inteessa pelas questées piblicas nfo um per sonagem inofensivo, ¢ sim intl. Sfio frases da eSlebre “oragio fincbre” que Tuet- ides ps na boca de Pércles em sua Guerra do Pelo- poneso (Il, 35-40) — frases com freqbéneiacitadas ‘como cetne da ideologia democritica na Atenas clés- ( que essas palavras deixam claro & que a prosa da participacdo regular na conduits nos negécios piblicos nnio exclui,e sim favorece, a busca individual de pa- ‘des de exceléncia nas viris formes do agir © do far ‘er, Dito de outro modo: a democraca, solugio 6tima 150 (ox, como dia Churchill, pir, & exeesao de todas Stra) do pale do let anda Sone Scr tambo eine plc ms propio blero 4s caver, Resto a Leonardo Brat, chancel da Floren renuscntht, quando escreve qi bn F public, a exclnca indidual €fongto a exec in dow outros. Democracia 6 0 nome do revime ie revonhece esa verdade a um x6 tempo dic € soil: fica. Modo egaranta da liherade, la pode sr igual Ionic o seu por allo que @aproxina do ieal A nore via bamana,

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