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UI ORIGENS DO CAPITALISMO > ii — 1¢° Surgimento e Evolugéo do Capitalismo na Europa Ocidental O surgimento do capitalismo estd intimamente relacionado ao processo de dissolugo do modo feudal de produgao, na Inglaterra e outros paises da Europa Ocidental.1 Ja mencionamos que, no feudalismo, a apropriacio_do_excedente_se_verificava através de coergiio_extra-econémica: por imposigao legal, o servo era obrigado a trabalhar determinado ntimero de dias nas terras do senhor feu- dal. Com o desenvolvimento das trocas ¢ do mercado, a renda sob a forma de trabalho foi, em_algumas regides, sendo transformada no_pagamento de renda sob a forma de produtos ou mesmo de moeda, Paralelamente A organizacao feudal da agricultura, desenvol yeu-se_a_producgio_artesanal,organizada numa hierarquia de_guil-_ 1 Segundo alguns autores, a desintegragiio do f:udalismo jé se evidenciavit a partir do século XI. 25 vignauncuuy vl da, As_guildas, ou_corporages, controlavam_e_limitayam_as ati- vidades artesanais, A pequena produgio camponesa ¢ o ‘sistema das guildas, contudo, cram formas de organizagio que davam ao produtor direto um certo grau de controle sobre a produgio, 0 que criava obstéculos ao aumento da parcela apropriada pelo nao-produtor, além de nao criaremestimulos a inyersio do excedente na produ- go, & cooperagio e & divisio do trabalho na unidade produti- va. A guilds limitava a quantidade de meios de produgdo ¢ o_mtimero de homens sob o controle do mestre artesio. Na agricultura, 0 excedente apropriado pelo senhor feudal era utilizado principalmente para reforgar.o seu poder, que garantia sua posi¢do como classe dominante, sendo empregado em gastos militares, além de financiar o crescente consumo de bens de luxo. Na auséncia_de inversdes_produtivas, a alternativa do senhor \ feudal para_aumentar_o excedente extraido_do servo era a inten- sificagdo_da exploragfo. Assim, 0 conflito entre servos e senhores, presente em todo o perfodo feudal, se aguca 4 medida que aumen- ta a ambigao_do_senhor,. 7 “~~ \Na Inglaterra, bergo-do capitalismo, os senhores feudais foram paulatinamente perdendo o controle sobre os servos, que adquiri- ram, gradualmente, liberdade de movimento e o direito de comprar ou arrendar terras. A emancipagio do servo, a sua “libertagio” da [“ierra € dos meios de produgdo permitiu o aparecimento do traba- \ lhador “livre”, que iria constituir 0 assalariado! Permitiu, também, © aparecimento de camponeses-arrendatérios, ou mesmo proprieté- rios, que adquiriram o controle sobre a producao. ‘A progressiva desintegragio do dominio senhorial sobre o servo, bem como do dominio da guilda sobre a produgio artesanal, prepararam o caminho para o capitalismo, que viria substituir o feudalismo como modo de produgio dominante na Inglaterra a partir do século XVI. Alguns autores atribuem ao desenvolvimento do comércio o papel de dissolvedor das relagdes feudais. Tal opiniao é contesta- ‘da por outros autores, que se apdiam no seguinte argumento: 0 26 oo rrg tunic CON crescimento do comércio, ao tornar acessivel uma diversidade maior - de bens, poderia intensificar a ambigao dos senhores feudais por um excedente crescente; isto levaria a maiores PressGes sobre os servos, mas nao seria, por si s6, suficiente para provocar a desintegragao das relagdes feudais © sua substituigao pelas relagdes capitalistas de produgdo. Na verdade, onde os senhores feudais estavam em Posi¢ao de controlar a mobilidade dos servos e 0 acesso a terra, © crescimento do comércio somente induziu a um fortalecimento , das relagdes feudais, como ocorreu na Poldnia. Para esses autores, a explicagio da dissolugéo do feudalismo deve ser buscada nas contradi¢Ses internas do sistema, contradigdes essas que se reve- lam como conflito entre as classes. Acima de tudo,.o aumento das trocas_e do comércio favoreceu o aparecimento do capitalismo_ao permitir_a_acumulagio de riqueza_em_dinheiro. Esse aspecto é importante e vamos examiné-lo mais detidamente. Como vimos, o capitalismo pressupde a atividade produtiva controlada pelo capital’ realizada pelo trabalho assalariado. Ora, isso significa que o surgimento do capitalismo supée, de um lado, que os \meios de produgio_se_transformem em capital;e, de outro 4 lado, que {uma grande parte da populagio se transforme em traba- 9 ; producao feudal na_origem_da_colonizagio—do~Brasil._O exame_das_relagdes de Produ¢ao nos mostra que essas_nio se fundamentavam na oposigio senhor feudal/servo, caracteristica do feudalismo europeu. A pro- dugio na colénia apoiava-se principalmente no trabalho escravo, como ocorria em varias outras regides do Novo Mundo e em outras colénias de Portugal, como Acores ¢ Madeira. A “reinvengio” da escravidio nas economias coloniais é um fendmeno que tem sido objeto de estudo de varios autores. E importante destacar que essa escravidido nao se confunde com a escravidio predominante na Antigiiidade. No periodo aqui consi- derado, o sistema escravista ressurgiu como forma de viabilizar 4 produgio nas colénias, uma produgio que tinha como objetivo proporcionar ganhos para as metrdpoles, Deveria ser, portanto, uma produgao mercantil, de produtos agricolas ou metais precio- sos, para ser comercializada na Europa. 30 vignmuncuuy vr Esse sistema escravista deve, pois, ser analisado dentro do context histérico em que surgiu. Na Europa Ocidental, as rela- Ges feudais de produgio ja se apresentavam enfraquecidas, embora o trabalho assalariado nio fosse ainda a forma dominante de produgao, Por outro lado, nao havia, no Brasil, um sistema feudal que Proporcionasse a mio-de-obra servil necessdria. E, co- mo assinalam varios autores> a existéncia de grandes extensdes de terras_desocupadas, potencialmente disponiveis para uma pro- dugo de subsisténcia, tornaria muito elevado o custo do trabalho _assalariado: tendo a alternativa de obter a prépria subsisténcit apropriando-se de todo o resultado do seu trabalho, somente sald- rios muito altos fariam o produtor direto submeter-se ¢ perder o controle da produgao, possibilitando a expropriagdo do excedente. Dessa forma, impunha-se um tipo de trabalho compulsério, que nao permitisse escolha ao produtor direto. O cardter compulsério do trabalho escravo prestava-se aos objetivos pretendidos, ou seja, obter uma produco em que o ex- cedente fosse expropriado pelos colonizadores. A forma como se efetuou essa expropriagio foi, principalmente, através do comércio, pois os produtos da Colénia eram adquiridos a pregos baixos comercializados na Europa a precos elevados. Garantindo esse sistema, havia 0 monopélio, ou exclusivo comercial, que impedia que a concorréncia entre os compradores elevasse os pregos. A atividade econdmica que se estabeleceu no Brasil colonial se insere, assim, no processo de transicao do feudalismo para o ‘capitalismo e, sob 0 dominio do capital mercantil, proporcionou a geragfio de um excedente que iria contribuir para a formagao do capital necessdrio ao pleno florescimento do modo de produgao capitalista na Europa. Acrescente-se, ainda, que o comércio de 3 Cf. Novais, F. A. Estrutura e dindmica do antigo sistema colonial (séculos XVL-XVIII), Cadernos CEBRAP n- 17, Sio Paulo, CEBRAP. Furtado, C. Formagao econémica do Brasil. Sao Paulo, Nacional, 1968, aii vignauncuuy vor escravos que se estabeleceu a partir da escraviddo nas colénias constituiu outra fonte de acumulagao de capital. _Embora_muitos autores classifiquem_o sistema colonial que se estabeleceu_no Brasil como capitalista, nossa interpretacao é que © seu cardter mercantil nao é suficiente para caracterizar_uma produgio capitalista. Dentro do contexto hist6rico em que ocorreu, parece-nos mais apropriado considerar que, no seu inicio, a colo- nizagdo brasileira foi uma colonizagao baseada em relagGes escra- vistas de produgdo e submetida ao modo de produgio feudal, ainda que este j4 estivesse em desintegragao em alguns paises da Europa. Essa interpretagéo baseia-se nos seguintes argumentos: 1. A produgiio de mercadorias que aqui se estabeleceu e o papel ~ desempenhado pelo capital mercantil nao sao, como ja desta- camos, suficientes para caracterizar o modo de produ¢éo capitalista. Na_Europa, a_produgao_mercantil foi anterior a destruigao_do_feudalismo_e pleno florescimento do capita- lismo.4 2. © capital_dos_mercadores_mantinha-se_pri.aordialmente nas atividades_comerciais, Diferentemente do que ocorre no capi- talismo, o capital nao controlava a produgo. “Nas sociedades pré-capitalistas, 0 capital aparece fora da esfera da produgio e dificilmente penetra nessa esfera. Ele se alimenta como parasita do excedente do produto social produzido e origi- nalmente apropriado por uma classe nio-capitalista”.5 & nesse Processo de transferéncia do excedente, apropriado pela clas- * “Do mesmo modo que o capital comercial, encontraremos, a0 longo de nossa pesquisa, o capital a juros como forma derivada ¢, a0 mesmo tempo, veremos por que ambos aparecem historicamente antes da moderna forma basica do capitalismo.” Marx, K. Op. cit., p. 137 (grifos nossos). 5 Mandel, E, Introduction, In: Marx, K. Capital. Londres, Penguin Books, 1976. p. 32. v. 1. 32 viygnauncuuy vr se dominante escravista ¢ transferido Pata os mercadores, que © monopélio comercial se torna fundamental. 3. Exatamente porque o capital nao controlava a produgio, nao se_verifica, no perfodo_considerado, o estimulo a introdugdo de _inovagdes tecnolégicas como. ocorre no capitalismo.* 4. Finalmente, como destacamos acima, o excedente acumulado através do comércio com as colénias insere-se no process de acumulagao primitiva. Ora, essa acumulacio primitiva, “ao invés de resultado histérico, é fundamento histérico da produgao especificamente capitalista”.” E importante ressaltar que, ac negar o cardter capitalista do processo de colonizagao do Brasil, no perfodo inicial, nao esta- mos afirmando a existéncia de relacdes feudais. Nosso objetivo é destacar que as relagGes escravistas estavam, inicialmente, subme- tidas a uma légica feudal.* . Todavia, 4 medida que o modo de produgdo capitalista se torna dominante na Europa, a colonizagao se submete & légica de funcionamento e acumulacao capitalistas, embora ainda mantendo | as relagdes escravistas. Nao € nosso objetivo desenvolyer um estudo aprofundado do processo de colonizagio no Brasil. Por esta razio, no nos preocuparemos com a forma como as capitanias foram revertendo para o patriménio real, através da compra ou por abandono dos respectivos donos, no processo de ocupagdo das terras e de outros aspectos da histéria do Brasil colonial. O que nos interessa, no momento, € apresentar o cendrio para abordar o aparecimento de relagSes capitalistas de produgio no Brasil. Nesse cenario, a es- 6 Veja-se, a respeito, Brenner, R. Op. cit. 7 Marx, K. O Capital, Sio Paulo, Abril Cultural, 1984. t. 2, v. 1, p. 195. + Para uma interpretagdo mais geral da escravidio colonial, veja-se Banaji, I. Modes of Production in a Materialist Conception of History. Capital and Class, Londres, n. 3, 1977. 33 viynancaudcON cravidio permancceu como forma predominante de organizagao da produgiio durante o ciclo do agticar, até a primeira fase da econo- mia cafecira, j4 agora submetida ao capitalismo que se tornara © modo dominante de produgao na Europa Ocidental. Contudo, a medida que o capitalismo prossegue o curso de seu desenvolvimento, surgem as contradigdes entre as _estruturas vigentes no Velho e no Novo Mundo. Assim, as restrigdes estabe- lecidas ao comércio_na colénia — o exclusivo comercial — se transformam em entrave para o capital inglés e sua fome por maiores mercados_¢ essas restriges so finalmente_abolidas. —Da mesma forma, a escravidéo passou a constituir uma limi- taco do mercado consumidor para as mercadorias geradas pela producao capitalista e inicia-se, na segunda metade do século XIX, © processo de sua extingdo. O primeiro passo nesse sentido foi a proibicfo do tréfico, que reduziu a disponibilidade de escravos para as lavouras, Outras formas de sujeigio do trabalho passaram a ser utilizadas, como o regime de colonato, em que os colonos eram principalmente imigrantes europeus, recebiam um salério ¢ dispunham também de, terras para a produgio de culturas de subsisténcia, A parcerid eo arrendament6 foram outras formas de organizagéo da producao, em diferentes regides do Pais. O fim da escravido veio reforgar esses arranjos, que garantiam a exis- téncia de trabalhadores livres com salérios baixos, uma vez que sua subsisténcia era, em grande parte, providenciada por eles pré- prios, . Nesse processo de substituigéo da mao-de-obra escrava pela mio-de-obra livre, a legislagao limitando o acesso a terra desem- penhou um papel essencial: ao estabelecer a compra como tnica forma legitima de adquirir terras publicas, e na medida em que a invasdo dessas terras recebia severas punigdes, forgou o colono a permanecer ligado a grande lavoura.? % Cf. Mueller, C. C. A estrutura agrdria e 0 modelo de desenvolvimento brasileiro. UnB, Dept.” de Economia, 1983. Mimeogr. 34 vignmauncauuy vor A substituigio da mio-de-obra escrava pela mao-de-obra livre nao representou, de imediato, uma mudanga no papel desempe- nhado pela economia brasileira no cendrio mundial. O- Brasil continuou como uma economia primdrio-exportadora: a atividade econémica era principalmente extrativa ¢ agricola ¢ a produgio destinava-se ao mercado externo, Por outro lado, os habitantes da colénia dependiam, quase que completamente, de importagdes para obter os bens que consumiam. A partir do final do século XIX comegaram a surgir, no Brasil, as primeiras indtstrias, dedicadas principalmente & produ- ao téxtil e alimenticia. Durante a primeira metade do século XX, as crises no comér- cio exterior, provocadas pelas duas grandes guerras ¢ a depressio de 1929, levaram a uma ruptura desse modelo. A queda no valor das nossas exportagées ¢ as restrigdes as importagdes estimularam a produgao interna dos bens de consumo. Iniciou-se, entdo, 0 pro- cesso de industrializagao brasileira, crescendo a importancia da atividade produtiva voltada para o mercado interno. A produgo industrial concentrava-se naqueles produtos anteriormente impor- tados, basicamente bens de consumo, caracterizando a chamada industrializago via substituigio de importacdes”. Esse processo de substituigo0 de importago continuou avan- gando nos anos que se seguiram & Segunda Guerra Mundial, esti- mulado por varias medidas de politica econdmica, adotadas pelo governo brasileiro. No perfodo 1956-1961, ocorreu uma aceleragio da indus- trializagio, ampliando-se a produgio industrial, que passou a incluir maior variedade de bens durdveis de consumo (automéveis ¢ eletrodomésticos em geral) ¢ alguns bens de produgao (industria mecanica, matérias-primas, etc.). Verificou-se, concomitantemente, © aumento da participagio do Governo ¢ de empresas estrangeiras nos investimentos. . Entre 1962 ¢ 1967, a economia brasileira atravessou um periodo de crise, reduzindo-se as taxas anuais de crescimento. 35 vignauncuuy vr Ocorreram, também, apés 1964, profundas alteragées na condugio da politica econdmica. A partir de 1968, a economia brasileira comega a recuperar scu dinamismo. Inicia-se, entdo, 0 chamado “Milagre Brasileiro”, quando as taxas de crescimento da economia atingem niveis muito altos, Apesar da manutengiio do ritmo elevado de crescimento até 1974, o fim do “Milagre” ja se prenunciava a partir de 1973. De 14 para cd, as taxas de crescimento se reduziram até que, em 1981, consubstancia-se uma nova crise, de proporgdes mais séria do que a de vinte anos atrds, Ao tragar esse esbogo da evolugdo da economia brasileira, nosso objetivo € apresentar um quadro geral e, por essa razdo, ndo nos preocupamos em discutir detalhadamente as questdes apre- sentadas, Um estudo mais aprofundado.poderd ser feito através da leitura de diferentes autores. Particularmente no que se refere ao processo de industrializagao brasileira, nossa literatura é bastante rica e os leitores podero recorrer a varios “classicos”. No momento, o que nos interessa é ressaltar a importancia de uma visio histérica para entender a economia brasileira, suas especificidades e problemas, que a distinguem de outras economias capitalistas. Sua origem é diferente: nao nasceu, como na Europa, “ da destruigo do feudalismo local, e suas bases no se assentaram nos destrogos das relagdes feudais de produgio. O capitalismo || brasileiro surgiu de fora para dentro, fruto da insergdo do Brasil Colénia na economia mundial, e encontrou aqui condigdes dife- rentes daquelas existentes nos pafses onde nasceu. Seu desenvolvi- mento se deu quando jé se verificava, em outros pafses, a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista ¢ o desenvolvimento tecnolégico assumira proporces avancadas. Seu percurso foi, pois, diferente e, como resultado, temos hoje um capitalismo diferente, que convive com relagdes_pré-capi- talistas de produgdo, na agricultura, no setor de servicos e mesmo em algumas indtistrias artesanais. E um “capitalismo subdesenvol- 36 viygnauncuuy vor vido”, em que, apesar da dindimica de acumulagio capitalista pre- dominante na vida econdmica do pais, subsistem contradigses © | problemas especificos. A constatagio dessas diferengas & funda. | mental para compreender a evolugio da economia brasileira ¢ seus problemas atuais. Apéndice A A CONCEPCAO MATERIALISTA DA HISTORIA De acordo com a concepgao materialista da histéria, desen- volvida por Marx ¢ Engels, a_eyolucdo da humanidade deve ser explicada através da forma como é organizada a produgio material em cada sociedade e da expansio da capacidade produtiva. Embo- ta nao discutindo as dificuldades apontadas por diferentes autores na sua aplicagao, parece-nos importante apresentar os fundamentos dessa teoria, pois ela nos fornece elementos essenciais para a com- preensio do curso’e da natureza do processo histérico. Para apreender o significado do materialismo histérico, vamos inicialmente examinar os conceitos de “forgas produtivas” ¢ “rela- gdes de produgéo”. Como vimos, a existéncia do homem é garan- tida pelo trabalho executado com 0 auxilio dos meios de produgio. Ao conjunto formado pela (forga_de trabalho humano, que inclui a pericia, o conhecimento técnico e a experiéncia,!° e os meios de A respeito da incluso do conhecimento cientifico ¢ téenico como parte da forca de trabalho, veja-se Shaw, W. R. Teoria marxista da Histéria, Rio de Janeiro, Zahar, 1979, cap. 1. 38 vignauncauuy vor \ produgiio, chamamos de forgas produtivas de uma sociedade, ou forgas materiais de produgao, O processo de produgio implica ainda que os homens estabe- lecam certas relagdes entre sie os meios de produgio. Essas relages de produgdo incluem a maneira concreta pela qual. os homens trabalham e também_as relagdes_dentro das quais eles regulam 0 acesso as forcas produtivas e,.em conseqiiéncia, 9 aces- $0208 produtos obtidos, So relagdes sociais, uma vez que envol- vem pessoas, ¢ se expressam na forma como os bens sio produzidos e distribuidos entre os membros da comunidade. Compreendem as relagdes de trabalho e também as relagdes de propriedade. As sim, por exemplo, as relagdes escravistas de producao permitem e controlam a expropriagéio do tfabalho excedente do escravo pelo seu proprietério, Sao, pois, relagdes-que-estruturam a produgio e a-distribuigao, pela sociedade, dos produtos do trabalho. No capitalismo, as relag6es de produgio sio de outro tipo. O capitalista, proprietdrio dos meios de produgao, estabelece relagdes com o trabalhador, contratando-o para trabalhar em troca de um salario; o resultado da produgdo,pertence ao capitalista. No pro- cesso produtivo, o trabalhador nao estd isolado; ele trabalha ao lado de outros trabalhadores ¢, conforme a maior ou menor divisdo de tarefas, a sua atividade esta articulada a atividade dos demais trabalhadores para a obtengao dos bens que esto sendo produzidos. As_relagdes_de_produgio_definem, pois, as classes de uma sociedade, isto ¢, os grupos de pessoas que desempenham um determinado papel na produgiio. A articulagio das classes se orien- ta pela forma como se organiza a produgiio e, ao mesmo tempo, viabiliza a apropriagio do produto excedente pelo grupo que pos- sui os meios de produgio. ~As forgas produtivas ¢ as relagdes sociais de produgio consti- tuem a estrutura econdmica.\Essa estrutura, por sua vez, determina © modo de pensar da sociedade, a consciéncia social, que constitui a superestrutura, Em outras palayras, a base de toda e qualquer 39 vignmauncuuy vor comunidade soclal é a produgio da vida material; © esta deter mina a vida espiritual, Nas palavras de Marx:!! a produgio social da sua vida, os homens contracin detcrminades telagden necessérias ¢ independentes da sua vontade, relagdes de produ que correspondem a uma determinada fase de desenvolviniento day sume forgas produtivas materials, O conjunto dessas relagdes de produgio forma f estrutura ccondmica da sociedade, a base real sobre a qual ae Tevanta a superestrutura juridica ¢ politica ¢ A qual correspondem determinaday for- mas de consciéncia social, O modo de produgio da vida material condi: clona 0 processo da vida social, politica © espiritual em geral, Nao é a consciéncia do homem que determina o seu ser, mas, pelo contririo, 0 seu ser social é que determina a sua consciéncia.” F preciso destacar que a afirmativa de que as id¢ias silo determinadas pela estrutura ccondmica nio climina a importincia das idéias, pois a superestrutura também repercute sobre a base, isto é, ha uma inter-relagio entre os elementos polit religiosos ¢ a estrutura econdmica. A Figura A.1, abaixo, ilustra © que acabamos de expor. 1, juridicos, Figura At TALI A CONCEPGAO MAI DA HISTORIA Superestrutura Estrutura — Econdmica Relagées de Produgiio Forgas Produtivas Marx, K. Prefacio 4 Contribuigio & critica da econcmia politica. In: Obras escolhidas. Sio Paulo, Alfa-Omega, s.d. v. 1. 40 vignmauncuuy von Vemos, pois, que o materialism histirdon nay so continile com fatalismo econdmico, Nas palayras de Pugels;!* “Segundo a concepydo materiatista da Niswrla, o fate que own atti instincia determina a histiria é a produgde ea wepoatigde da vida wal, Nem Marx nem ett haviamos afirmadoy mais do que boa, So, ony seanilay alguém da voltas a essa proposigdo para fata dizer quo o ator ecandunion € 0 tinico determinante, converter’ aquela teso numa faye val, abstiata, absurda,’ De acordo com a concepgdo materiatista da histirla, ax dite rengas entre as idéias, teorias sociais © instituig politicas, pro valecentes em periodos diferentes da histiria, encontram explica ala vida material da sociedadde em cada gGo_nas_condigSes dive: periodo de desenvolvimento, Por essa razfio, uma determinada formagao sovlal nao dove Wt, Mas da forma come ser estudada a partir do que os homens ( los A viday organizam a produgio dos bens materiais nece: “O primeiro pressuposto de toda a eviseucta humana e, portant, do toda a histeria, @ que os Homens devenr estar ene coudigdes de viver pata “poder ‘fazer historia’, M Wer, & preciso antes de tudo comer, beber, ter_habitagdo, vestinse ¢ algumas coisas mals, O primeity ato histirien 4 portanto, a produgiio dos meios que _permtitant a satistayay destas mevossita des, a produgio da propria vida material," para A organizagiio da produgio iri diferir bastante de sociedad para sociedade, conforme o desenvolvimento das forgas produtivas, Pode estar baseada numa agricultura rudimentar, na produgio artesanal ou num sistema industrial complexo, As relagdes de produgio devem estar em harmonia como nivel histirica das s. E cada forma de organizagdo demandard, por forgas produti 1 Carta de Engels a Joseph Bloch, em 21/09/1890, em Marx, Kyo Fateh, F. Obras escolhidas, Moscou, Edigdes Progresso, (Mp. Sty 8 Marx, K. & Engels B, A ideologia alema, Sao Paulo, Mucitec, 186 p. 39. vignauncauuy vr sua vez, um sistema juridico-institucional que garanta o seu fun- cionamento, um tipo de autoridade que o sustente e uma ideologia que inspire ¢ justifique essa organizagio: “A. produsio de idéias, de representagdes, de consciéncia, esti, de inicio, diretamente entrelagada com a atividade material ¢ com o intercim- bio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, © pensar, 0 intercimbio espiritual dos homens, aparecem aqui como ema- nagéo direta de scu comportamento material. O mesmo ocorre com a pro- dus0 espiritual, tal como aparece na linguagem da politica, das Icis, da moral, da religido, da metafisica etc. de um povo." As forgas produtivas, por sua vez nao constituem elementos estanques, mas estéo constantemente sofrendo modificagdes e desenvolvendo-se, através de transformagdes nos instrumentos de produgao, A medida que as forgas produtivas se desenvolvem, as rela- Ses de produgdo devem mudar para que essas forgas sejam utili- zadas adequadamente na produgdo. Para Marx, o desenvolvimento da humanidade pode ser interpretado como uma sucessio de mudangas-necessdtias 4 expansio de sua capacidade produtiva, isto €, das forcas produtivas. Em resumo, a histéria~€escrita através do proceso de_evolucia da pradugia das condicées mate- riais da existéncia. do homem. Daf, decorre a denominagio “mate- rialismo histérico”, A histéria registra diferentes modos de produgio, cada um deles com o predominio de relagdes de produgdo especificas, com- pativeis com o desenvolvimento das forgas produtivas, com uma dindmica propria de reprodugio e com contradigdes também espe- cificas. Qualquer investigagdo sobre fendmenos ocorridos em cada periodo histérico deve Jevar em consideragio todos esses elemen- fos, ou seja, os acontecimentos nao podem ser isolados de uma % Ib. p. 36. 42 vignauncuuy cor realidade histérica a que pertencem. Da mesma forma, nao se pode cstudar o homem, seu comportamento, sua atividade econdmica, artistica, intelectual, enfim, todas as manifestagdes de sua vida, abstraindo-o da realidade histérica em que atua. “Esta concepgiio da histéria consiste, pois, em expor 0 proceso real de produsio, partindo da produgio material da vida imediata; e em conceber a forma de intercdmbio conectada a este modo de produgio por cle engendrada (ou seja, a sociedade civil em suas diferentes fases) como © fundamento de toda a histéria, apresentando-a em sua aco enquanto Estado ¢ explicando a partir dela 0 conjunto dos diversos produtos tedricos € formas da consciéncia — religido, filosofia, moral, etc, — assim como em seguir seu processo de nascimento a partir desses produtos."!5 Ib, p. 55. vignauncuuy vor LEITURAS ADICIONAIS As questdes relativas ao surgimento ¢ cvolugio do capitalismo siio exa- minadas de modo abrangente em M. Dobb, A evolugao do capitalismo, Rio de Janeiro, Zahar, 1973; M. Beaud, Histéria do capitalismo, Siio Paulo, Drasiliense, 1987. Sobre questées mais especificas, como o papel do comércio na deca déncia do feudalismo ¢ aparecimento do capitalismo, ver P. Sweezy c outros. A transigdo do feudalismo para o capitalismo, Rio de Janeiro, Paz ¢ Terra, 1977, Indicamos particularmente a “Introdugdo" de R. Hilton, que contém uma excelente anélise das diferentes posigdes dos vérios autores. Exposigdes mais resumidas da histéria do capitalismo sio encontradas em E. K, Hunt, Op. cit,, cap. 1; J. G. Gurley, Desafios ao capitalismo, Sio Paulo, Brasiliense, 1976, cap. 2, No que se refere & acumulagio prim tulo XXIV de K, Marx, © Capital. Sobre a escravidio no perfodo colonial, ¢ especificamente no Brasil, ha varios estudos, entre os quais podemos citar E. Williams, Capitalismo ¢ escraviddo, Rio de Janeiro, Ed. Americana, 1975; F. A. Novais, Estrutura ¢ dinimica do antigo sistema colonial (séculos XVI — XVIII), Cadernos CEBRAP n. 17, Sio Paulo, CEBRAP; J. Gorender, O escravismo colonial, So Paulo, Atica, 1980, Sobre a industrializagio ¢ evolugio da economia brasileira, hé vérias obras que ja se tornaram “cléssicas", além de estudos mais recentes. Entre outros, podemos sugerir M. C. Tavares, Da substituicdo de importagées ao |, uma leitura bisica 6 0 capt 44 oO viygnancauscON capitalismo financeiro, Rio de Janeiro, Zahar, 1974; J. M. C. Mello, O ca- pitalismo tardio, Sio Paulo, Brasiliense, 1982; W. Suzigan, Indistria bra- sileira: origem e¢ desenvolvimento, Sio Paulo, Brasiliense, 1986. Os leitores familiarizados com estudos econdmicos, contudo, podem encontrar difi- culdades na Icitura desses livros. Quanto a0 método materialista, a melhor leitura é a obra do préprio Marx. Um estudo basico pode ser feito através de K. Marx, “Preficio & Contribuigfio & Critica da Economia Politica”. In: Obras escolhidas, v. 1, Sio Paulo, Alfa Omega, ¢ K. Marx e F. Engels, A ideologia alemd, Sio Paulo, Hucitec, 1986. vignauncuuy vor

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