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II NOCOES SOBRE O MODO DE PRODUCAO CAPITALISTA 1.0 Trabalho Humano e a Geragao do Excedente \ Q trabalho _foi_sempre, em _todas_as épocas_da histéria_da humanidade, a atividade_através_da_ qual sio_obtidos os bens _ne- cessérios & sobrevivéncia do homem. Para o homem primitivo, que viveu hé 40.000 Anos atrds, esse trabalho consistia na caca, na pesca e na coleta de frutos, atividades através das quais obtinha seu sustento. Para melhor realiz4-las, 0 homem passou_a_ produzir instrumentos, a principio muito rudimentares. Através de sucessi- vos avangos, como a construgao de barcos ¢ a pratica de domes- ticar animais, para utilizar sua forga ou para alimentar-se com sua carne, o homem foi modificando suas condigdes de trabalho e am- pliando seu controle sobre a natureza. Calcu!a-se que o homem abandonou a vida errante ¢ exclu- sivamente predatéria ha uns 10.000 anos, iniciando a pratica da agricultura, Essa evolugiio Jevou também & organizagio de_comu-_ nidades tribais, que garantiam as condigdes objetivas de vida atra- 7 vignauncuuy vu vés da distribuigao de tarefas entre seus membros ¢ de uma me- Ihor utilizagdo da terra. Nas condigGes adversas daquela época, a Preocupagdo com a sobrevivéncia imediata presidia todas as ati. vidades do homem, pois 0 fruto do trabalho era apenas o nec: tio para “garanti-la, Desta forma, embora existindo uma certa di visio de tarefas — baseada principalmente nas diferengas de sexo e idade — 0 trabalho de todos os membros era indispensdvel para assegurar a sobrevivéncia coletiva. Essa situacdo foi sendo modificada muito lentamente, através do desenvolvimento de instrumentos e técnicas que tornaram o trabalho do homem mais produtivo. Com o passar dos tempos, ¢ isso foi um processo que demorou milhares de anos, foram sendo desenvolvidas novas técnicas para cultivar a terra e o homem pas- sou, entéo, a exercer um controle relativo sobre a producio de seus alimentos, obtendo, com seu trabalho, mais do que o neces- sdrio para a sobrevivéncia imediata. A capacidade-de_produzig bens em quantidades superiores_& necessidade imediata constitui_um_marco importante _na_histéria da humanidade e devemos examinar melhor o seu significado. Imaginemos uma comunidade em que os homens saem, pela manha, para cagar. Gragas aos instrumentos de caga de que dispdem, obtém eles, em pouco tempo, o alimento necessdrio para si e sua familia, Podem, entéo aproveitar o restante da luz do dia e tra- balhar em outras atividades. Podem produzir mais armas, mais armadilhas, que irao proporcionar, ‘no dia seguinte, uma quanti- dade ainda maior de alimentos. Ou podem dedicar-se a preparar semear a terra, com o que obterdo mais alimentos na época da colheita. O dia de trabalho nio se limita, entdo, & produgao dos bens necessdrios ao sustento imediato. O tempo dedicado ao tra- balho pode mesmo ser dividido em duas Partes: uma, ocupada_ pelo: trabalho_necessdrio, que garante_a sobrevivéncia; outra, des- tinada a proporcionar fartura _maipr no futuro. Nesse sentido, a atividade desenvolvida na segunda parte do dia pode ser denomi- 8 vignauncuuy cor nada trabalho excedente: que excede as necessidades imediatas. O produto desse trabalho excedente, isto é, além ¢ acima do ne- cessério & sobrevivéncia e reprodugdo do homem. Q_progresso_da_humanidade esté_intimamente ligado_ao_tra- balho excedente, pois através da sua aplicagdo na produgao de instrumentos de trabalho, o homem pode dispor, em um dado mo- mento, de uma quantidade maior de bens do que dispunha no passado. Isso_significa que a ampliagdo da capacidade de produ- zir_bens — capacidade produtiva — depende do volume e do uso do trabalho excedente. O crescimento do produto excedente acima das necessidades de subsisténcia é também condigao necessdria para a existéncia de maior diferenciagdo_entre as atividades dos membros de uma co- munidade, pois permite ampliar a divisdo de tarefas € certos indi- viduos podem, entdo, libertar-se da necessidade de produzir sua propria alimentagiio. Alguns passam a se dedicar exclusivamente as tarefas destinadas a garantir a seguranga da comunidade; ou- tros se dedicam As atividades religiosas; outros, as atividades inte- lectuais. O trabalho excedente daqueles que se ocupam_ da. produ- G40 dos elementos essenciais & vida humana garante a sobrevivén- cia de todos e fornece apoio & manutengao das outras atividades. Originalmente, a produgio dos bens era comunal e o produto , do trabalho era repartido entre os membros da comunidade. A medida que se desenvolveu a capacidade produtiva, surgiu_a_pro- priedade privada da terra, ” provavelmente porque o controle da produgéo pelas unidades familiares permitia melhor organizagio A propriedade_privada_da_terra estabeleceu_a_base para_o _surgimento da sociedade de « classes e criou_as_condigdes para que uma classe_se_apropriasse do trabalho excedente de outra_ classe, Vejamos melhor esse ponto. QO processo de produgio dos bens necessdrios a vida humana implica no exercicio da atividade 9 vignauncuuy vl de trabalhar ¢ na utilizagio dos meios de produgdo, que sio os instrumentos ¢ objetos de trabalho. Alguns objetos de trabalho sio fornecidos espontancamente: pela natureza, tais como madeiras ¢ minérios, Outros sio resultantes do trabalho humano anterior, como 0 fio de algodio para a fabricagio do tecido, o ferro para a fabricagio de méquinas, etc. Os instrumentos de trabalho, por sua yez, sio também o resultado de trabalho anterior. Através da atividade produtiva so obtidos os bens de consumo — alimentos, roupas, cc. — ¢ os prdprios meios de produgao. Esse processo através do qual o trabalho humano, com o auxilio de instrumentos, atua sobre um objeto, transformando-o para obter um produto, esté representado de forma esquematica, na Figura II.1, abaixo. Figura 11.1 PROCESSO PRODUTIVO trabalho objetos de trabalho Produso de bens de consumo meios de produg Na verdade, considerando a origem dos instrumentos e obje- tos de trabalho, a Figura II.1 pode ser reduzida 4 Figura 11.2, pois as fontes de produgio se reduzem a trabalho e a prépria nature- za. “Antes de tudo, o trabalho ¢ um processo entre 0 homem ¢ a Natureza, um processo em que o homem, por sua prépria agio, media, regula. controla seu metabolismo com a Natureza.”* 1 Marx, K. O Capital. Sio Paulo, Abril Cultural, 1983, v. 1, p. 149. 10 vignmauncauuy vor Figura 11.2 PROCESSO PRODUTIVO trabalho natureza en Produgio de bens de consumo © meios de produsio Se os _meios de producto, inclusive as terras, so propricdade de apenas um grupo de pessoas, o restante da comunidade nao ter4 outra alternativa seniio submeter-se A classe dos proprietirios para garantir sua prépria subsisténcia. Essa submissio significa que os trabalhadores diretos deixam de ser os donos do produto de seu trabalho, devendo compartilhd-lo com os proprietérios dos meios de produgao. Contudo, & somente a existéncia do excedente que possibilita s_diferentes_formas_de_expropriacio de parte do trabalho. Para - ilustrar esse fato, consideremos a escravidio: possuir um escravo 86 é vantajoso se ele produz o necessdrio para a sua sobrevivéncia ¢ ainda um excedente, que seré apropriado pelo seu dono. S6 assim o proprietario do escravo nao precisard trabalhar para obter os bens indispensdveis 4 sua vida. Se, para continuar vivo ¢ tra- balhando, o escravo tivesse que consumir tudo 0 que produzisse, qual o interesse de seu dono em possui-lo? O escravo, o servo no regime feudal, o trabalhador assalaria- do, trabalham para obter os bens necessérios ao seu sustento ¢ de sua familia, E_o produto _de_scu_trabalho_que excede_o trabalho necessério é apropriado_por_outras_classes, cujos_membros_nio_ sio trabalhadores dirctos. O trabalho excedente 6, entio, utilizado para alimentar o senhor do escravo, o lorde feudal ¢ 0 proprietario capitalista. vignauncuuy vl Da mesma forma, a existéncia de excedente cria as condigdes materiais para _a espccializagdo de um grupo de pessoas _nas_fun- gGes_atribuidas ao Estado. Através da apropriagdo de parcela do excedente, sob a forma de tributos, os governantes e seus auxilia- res se libertam da necessidade de prover a propria subsisténcia ¢ podem dedicar-se as tarefas da administragio e da seguranca — externa e interna — da comunidade. A_manutengio_da_ordem interna, por sua vez, garante a manutengéo da forma especifica ‘de apropriagao do excedente: o Estado, numa sociedade escravista, por exemplo, assegura a propriedade do escravo, defendendo o direito do seu dono de manté-lo como tal. Parte do excedente &, pois, usado para sustentar reis e governantes em geral. O desenvolvimento da capacidade produtiva da humanidade leyou milhares de anos até garantir a producdo regular de um excedente, A obtengao de um produto excedente acima das quan- tidades ¢ espécies_necessdrias, para prover o consumo essencial (alimentacao, vestudrio, habitagao, etc.) ea substituigdo dos meios de produgdo_gastos (ferramentais, instrumentos, etc.), marcou a hist6ria da humanidade. (E, no decorrer da histdria, o produto de “trabalho excedente deixou de pertencer ao trabalhador, sendo apro- priado por diversas classes, _-——~ - ‘As formas de organizacio social — as classes que constituem uma sociedade — tém, na sua origem, a apropriagao do produto do trabalho excedente. Assim, a sociedade escravista, a feudal, a capitalista, apresentam uma organiza¢ao social especifica e uma forma especifica de apropriagéo do trabalho excedente. A histéria da_humanidade é, pois, a histéria de como os homens se organizaram para produzir os bens materais e de como o resultado da produgo € apropriado pelas diferentes classes que compdem a sociedade, Isso nos mostra que os fatos relacionados com a atividade econdmica siio especificos de certos perfodos da hist6ria. Sao fendmenos que ocorrem sob uma organizagio social especifica ¢ para compreendé-los & necessario levar isso em con sideragao, 12 vignauncuuy vor Por essa razio, nao se pode estudar economia desvinculada da hist6ria. Se 0 nosso_objetivo € examinar os problemas econd- micos do mundo em que vivemos, precisamos estar atentos para © fato de que esses problemas ocorrem sob 0 dominio do capita- lismo, Torna-se necessdrio, portanto, conhecer melhor o capitalis- mo, suas caracteristicas ¢ dindmica interna. 2. CCaracteristicas do Modo de Produgao Capitalista* - Q capitalismo cara rizase pela propriedade privads dos meios de) produgao para a produgao de mercadoriaiytom a utilizacto do trabalho assalariado;“predominantemente, e sob o dominio e controle do capitals Vamos examinar, a seguir, os elementos definidores dessa conceituagao. No capitalismo, os bens sio_produzidos para serem vendidos no_mercado_e nao_para_serem _consumidos_pelo_produtor_direto. O objetivo € a produgao de mercadorias, isto é, de bens que se destinam a serem vendidos. Para a pessoa que organiza a produ- ¢4o, no caso o capitalista, o importante nao € a utilizagao social ou a necessidade do bem que esté sendo produzido; importa ape- nas que, através da venda no mercado, aquele bem produzido lhe proporcione lucro.. Os produtores diretos também nao estado apli- cando a sua capacidade de trabalho para produzir bens de que necessitam ou que iréo consumir. ‘A produc&o de mercadorias, no capitalismo, € realizada atra- vés da utilizacdo de trabalho assalariado. O capitalismo pressupée, portanto, a existéncia de trabalhadores assalariados, de trabalha- dores que se dispdem a trabalhar para outra pessoa em troca de um saldrio, A atividade do trabalhador nao tem como remunera¢ao 2 © coneeito de modo de produsio bastante controverso ¢ yem sendo objeto de prolongado debate. Em razio do cariter introdutério deste texto, ezo 0 discutiremos mais profundamente, limitando-nos & conceituasio do modo de produsio capitalista “puro”. 13 vignauncauuy vr o resultado da produgio, mas sim, um salério. Para que alguém se prontifique a trabalhar para outra pessoa, é necessério, natu- ralmente, que nao tenha outra forma de garantir a prépria subsis- téncia, senfio através da venda de sua forga de trabalho. Isso sig- nifica a existéncia de trabalhadores “livres”, que nao fazem parte dos meios de produgio, como os escravos, nem possuem scus pré- prios meios de produgii No capitalismo, o trabalhador 6, pois, “livre” para trabalhar ¢ escolher seu patriio, Nio existe coergiio legal, isto é, nao existe uma lei que o obrigue a trabalhar. A coergio é econdmica: como nao possui os meios de produgo, ao trabalhador resta apenas a alternativa de vender sua forga de trabalho para garantir a propria subsisténcia e a de sua familia. A forga de trabalho se torna uma mercadoria, transacionada no mercado, como todas as demais mer- cadorias, Portanto, o trabalhador vende “livremente” sua forga de tra- balho. Contudo, o que recebe como pagamento, o seu saldtio, nao corresponde & totalidade do que o seu trabalho produziu. Uma parte do produto é apropriada pelo proprietdrio dos meios de produgfo e ird constituir o lucro. Uma vez que o salario garanta a subsisténcia do trabalhador, ele estaré sendo remunerado apenas pelo “trabalho necessdrio”, conceito que j4 examinamos e sobre © qual ainda yoltaremos. O “trabalho excedente”, ou simplesmente “excedente”, ficaré com o proprietério capitalista. Para esclarecer melhor essa questao, vamos dar um exemplo bastante simplificado, de um empreendimento destinado a produ- io de feijao. O proprietdrio das terras contrata um trabalhador por um saldrio anual correspondente a 60 kg de feijao. Ao iniciar © processo produtivo, o proprietério dispde de 10 kg de feijao, que serio utilizados como semente. O trabalhador prepara o ter- reno, semcia e cuida da lavoura até a colheita, quando sio obtidos 130 kg de feijao. Descontando-se os 10 kg existentes inicialmente, que foram usados como sementes, vemos que o trabalho desen- yolvido produziu 120 kg. Uma vez pago o saldrio combinado 14 vignauncuuy vor (60 kg), restardio outros 60 kg, que iro constituir o excedente, a ser apropriado pelo proprietario das terras.? Vimos que o trabalhador nao participa sozinho do processo de produ¢do, mas € auxiliado pelos meios de produgao. No capitalismno, os ees de producdo pertencem aos capitalistas ¢ constituem o capital. Nao € a natureza dos mei lug4o_que_os_transforma em capital tomam-se_capital_quando sao_utilizados_para_organizar ¢ centrolar_o processo produtivo, possibilitando_a apropriago do trabalho excedente do assalariado. O capital pode assumir a forma de dinheiro (capital mo- netdrio), destinado a aquisic¢do de instrumentos de trabalho, matérias- primas, da propria forga de trabalho, ou pode estar sob a forma de mer- cadorias (capital-mercadoria). Capital é, pois, uma quantidade de dinhei- | | ro ou de mercadorias que é utilizada em um modo especifico de produ- | ¢4o para a obtengo e apropriagdo do trabalho excedente. 4 No capitalismo, como vimos, a produgao nfo é organizada com 0 objetivo de atender as necessidades nem do trabalhador nem do capitalista. Os proprietdrios do capital organizam a producao, com a finalidade de produzir bens que, em lugar de se destinarem ao consumo direto dos produtores, devem ser vendidos no mer- cado. A motivagio da producio é o lucro, para ser convertido em capital adicional, que sera utilizado para ampliar a produgao. O desejo de aumentar o lucro leva o capitalista a procurar ampliar © capitalista quer um lucro que lhe permita controlar mais trabalhadores ¢ obter, cionar um lucro maior. a produgao, ou seja, adquirir mais mdquinas, assim, uma produgiio maior que ird propor A ambigao_do lucro € apoiada_ pela necessidade_de enfrentar_os concorrentes e dominar_o mercado, Essa motivacao impulsiona o € capitalismo gerando um processo de crescente acumulacdo de ca- iar a produgio sc torna essen- pital e ampliagao da producio. Ampli ——— 3 Por simplificagao, de instrumentos de trabalho. deixamos de considerar, no exemplo dado, a utlizac¢ao 15 vignauncuuy vu cial para o capitalista, ou ele seré engolido pelos concorrentes. Isso leva o capitalista a transformar o lucro em capital suplemen- tar, sob a forma de novas méquinas, matérias-primas ¢ forga de trabalho adicionais. Na perseguigio do lucro, o capitalista nfo procura apenas au- mentar a capacidade de produgio de sua fabrica. Ele_busca_tam- bém_obter_uma_produgdo maior pela atividade desenyolvida_em, um dia de trabalho. Para atingir esse objetivo, pode_tentar_au- mentar o numero de horas que o operdrio dedica ao trabalho. Pode, ainda, estimular o desenvolvimento_das | técnicas e métodos | de ; tra- batho, de modo que o trabalhador produza mais durante 0 mesmo niimero_ de horas de trabalho, Essa € a histéria do processo tec- nolégico sem precedentes atingido pelo modo capitalista de pro- dugio, que nfo encontra paralelo em nenhum modo de produgo anterior. As caracterfsticas mencionadas acima nao sao universais, isto é, nfo esto presentes em todos os dmeios) de produgao. Em seu conjunto, sao préprias do modo capitalista de produgao. Para sa- lientar a especificidade do capitalismo, é interessante contrastar alguns de seus tragos definidores com os de formas anteriores de produgao. Nos sistemas que precederam ao capitalismo, a produgao vi- saya & obtengio de bens que atendiam as necessidades dos seus responsdveis, muito embora parte dessa producao pudesse vir a ser trocada no mercado. Mesmo na Roma Antiga, onde o comércio era bastante difundido, a produgiio continuou sendo predominantemen- te de bens que se destinavam a ser usados pelos proprietdrios dos escravos. Também no sistema feudal, a produgio se destinava a atender ao consumo, ainda que o excedente fosse comercializado. Na fase de transigdo, com a decadéncia do feudalismo e surgimen- to do capitalismo, surge a produgio para o mercado, como a que se Organizava nas colénias. Com o dom{nio do capitalismo, passa a_predominar_a_produgio_com_o objetivo especifico de vender para obter lucro, 16 vignauncuuy vr Justamente porque néo produziam para o mercado, as unida- j| des produtivas pré-capitalistas no dependiam do aumento da pro- dugio para garantir sua manutengiio ¢ enfrentar os concorrentes. Nao havia, portanto, a_necessidade_imperiosa_de_investito exce: dente _para_ampliar_a_produgiio. Assim, embora em determinadas | | formagées sociais anteriores ao capitalismo o desenvolvimento das forgas produtivas permitisse a obtengio de um excedente conside- rdvel, em nenhuma delas a aplicagio do excedente para aumentar a produgo assumiu a intensidade que tem no capitalismo. Nos modos de produgiio que antecederam ao capitalismo, a produgao nfo se baseava no trabalho assalariado, embora esse pu- desse ser utilizado eventualmente. Na Grécia e Roma Antiga pre- dominava a escravidao, os meios de produgio pertenciam a classe dos proprietérios, que cram donos também dos escravos. Os pro- Prietérios se apropriavam de todo o produto do trabalho, tanto do trabalho excedente como do trabalho necessrio. Os bens essenciais & sobrevivéncia do trabalhador direto, no caso 0 escravo, cram con- cedidos a ele da mesma forma que o proprictdrio cuidava da ma- nutengio dos instrumentos de trabalho e alimentaya os animais empregados na produgio. Em alguns casos, a sobrevivéncia do es- cravo era providenciada por ele mesmo, pela aplicagio do seu trabalho em uma porgio de terra destinada a esse fim. Isso, porém, nao descaracteriza a relagio proprietério-propriedade (escravo), pois os animais também tiravam o proprio sustento das terras de seu proprietério, No feudalismo, a explorago do produtor direto se verificava através da coergio politico-legal. No sistema de servidio, o servo detinha a posse — embora nao necessariamente a propriedade — dos meios de produgdo necessérios para obter sua subsisténcia. A extragio do excedente era compulséria: 0 excedente produzido pela familia camponesa era apropriado pelo senhor feudal, por forga legal, através da aplicagdo direta do trabalho do servo nas terras senhoriais, ou era transferido através do pagamento de renda, em espécie ou em moeda. 17 vignauncauuy cor A Destinagio do Excedente Vimos que o excedente ocupa um lugar de destaque na his- t6ria da humanidade, Voltemos, agora, a seu conceito, para exa- minar melhor 0 papel que desempenha na economia capitalista. Denominamos de excedente a parte da produgdo que excede a0 que foi_gasto no processo_produtivo.‘ Assim, no exemplo ante- rior, de um estabelecimento agricola produtor de feijao, foram empregados 10 kg de sementes ¢ 1 trabalhador para obter 130 kg como produto final. Fizemos a suposig&o de que o trabalhador necessitava de 60 kg para a sua manutengio; essa parcela do pro- duto, mais o que havia sido utilizado como semente (10 kg) com- punham o total gasto, ou consumido, no processo produtivo. O restante_da_produgiio, isto 60 kg de feijdo, constituiam 0 exce- dente que era apropriado pelo capitalista. Para a economia como um todo, o excedente — no caso, ex- cedente social — pode ser visualizado conforme a Figura IL.3, abaixo, Figura 11.3 PRODUGAO E EXCEDENTE Producto necesséria Para a manu- tengio dos trabalhadores Meios de produgio consumidos no proceso produtivo * Mesmo consciente'das dificuldades relacionadas & definisiio do que cons- titui excedente, considcramos esse conceito fundamental Para o entendimento dos problemas relativos a distribuigio ¢ acumulagiio, Vale ressaltar que, 18 vignmauncuuy vl A produgao de excedente nao é uma caracteristica especifica do capitalismo, Sua existéncia e magnitude dependem da efic’ cia da atividade produtiva que, por sua vez, ¢ determinada pela habilidade e destreza_dos trabalhadores, bem como pela dispo- nibilidade e eficiéncia dos instrumentos de trabalho. Assim, numa determinada formacio social, num determinado estgio de desen- volvimento, 0 tamanho do excedente social que pode ser obtido em um periodo de tempo considerado esta condicionado nao ape- nas pela intensidade do trabalho desenvolvido naquele periodo como também pele trabalho desenvolvido em periodos anteriores, para produzir instrumentos de trabalho. _ Da mesma forma que a magnitude do excedente. pode ser di- ferente entre formagées sociais distintas, também a destinagao do excedente pode assumir formas diversas, Vimos, anteriormente, que, nos modos de produg&o escravista, feudal e capitalista, as classes proprietérias dos meios de produgio se apropriam do exce- dente ¢ essa apropriagio se dé de forma especifica em cada um. O excedente sera usado entio, para_atender_aos_interesses da- queles que dele se apropriam_.. Suponhamos uma formagio econémica constituida de peque- nos produtores, donos de seus préprios meios de produgio, onde existe um certo grau de divisio do trabalho. Cada produtor se especializa na produgao de certas mercadorias, que serio vendidas no mercado para permtiir’a aquisiggo de outros produtos. Como © produtor € dono dos meios de producdo, o resultado da ativi- dade produtiva Ihe pertence e cabe a ele decidir sobre o niimero de horas que precisa trabalhar ¢ qual a tecnologia que deve em- pregar. Se a produgio semanal de 6 pares de calcados € suficiente para que o sapateiro obtenha, através da venda no mercado, a de acordo com a conceituagio que estamos usando, “o que excede as ne- essidades de reprodugdo do sistema”, a utilizagio de métodos ineficientes hha produgdo pode aumentar as necessidades de reprodusio ¢ reduzir 0 exce- dente. Isto significa que haveria a possibilidade de aumentar 0 excedente, Gliminendo-se o desperdicio, mas enquanto os métodos ineficientes forem utilizados, tal néo ocorrerd. 19 viynauncaus cON reposigiio do material gasto ¢ a aquisigao dos bens necessdrios & sua subsisténcia ¢ de sua familia, ele pode decidir limitar a pro- dugio a essa quantidade. Isso Ihe permitird continuar produzindo Os 6 pares de calgados semana apés semana, utilizando o restante do tempo disponfvel para atividades de lazer. Nenhum excedente estar sendo produzido, pois o sapateiro tera feito opgao pelo lazer, Outra possibilidade seria 0 sapateiro produzir 10 pares de calcados, Nesse caso, o resultado da venda de 4 pares adicionais — produgio excedente — poderia ter diferentes empregos: pode- ria permitir a aquisigo de maior quantidade de bens de consumo, permitindo maior conforto para o sapateiro e sua familia; ou po- deria permitir a aquisicZo de instrumentos de trabalho melhores, © que significaria.a possibilidade de maior producdo no futuro, através do mesmo‘ntimero de horas de trabalho. Esse exemplo serve para ilustrar o papel do excedente em uma economia. Ele pode ser usado para ampliar 0 consumo e para aumentar a capacidade de produgio. E o emprego produtivo do excedente que permite a expansdo da producio, isto é, da quanti- dade de produtos que uma economia” pode” gerar em_um determi- nado perfodo, O excedente representa, assim, a possibilidade de ampliagao da riqueza a de um pais. No feudalismo, o excedente apropriado pelo senhor feudal cra destinado principalmente a sustentar um consumo luxuoso e supérfluo: castelos suntuosos, uma enorme criadagem, jdias, obras de arte, etc.® : Sob 0 dominio do capitalismo, o excedente apropriado pelos proprietérios dos meios de produgio, tem uma destinagio dife- rente, A ccncorréncia entre as empresas ¢ a disputa pelo mercado 5 A respeito da produgio de excedente pelo pequeno produtor, cf, Kautsky, K. A questdo agréria, Sio Paulo, Nova Cultura, 1986, * Sobre a destina;do do excedente no feudalismo, cf. R. Brenner, The origins of capitalism development: a critique of Neo-Smithian n9 104, July/August 1977. 20 vignmauncuuy vl exigom que o empresdrlo se preocupe com a expansio da sua em- Presa, So essa no cresce, podord see engolida pelas concorrentes, quo se tortam mals poderosas, Portanto, uma parte do excedente aproprlado pelo eapltalista dove ser apticada na aquisigio de novos instrumentos de trabalho, que inio permitir um aumento da pro- dugdo, Assim, © excedente sustenta 0 consumo do capitalista. — consumo de bens necessirios ¢ hens supérfluos — ¢ 0 crescimento da empresa, A transformagiio de parte do excedente em meios de produgio além da quantidade consumida no proceso produtivo permite que a produgio capitalista cresga progressivamente, Chamamos de investimento A aplicagio do excedente em no- yos meios de produgio, O investimento significa uma ampliagao da capacidade produtiva, isto é, um’ aumento do estoque de méqui- nas, instrumentos de trabalho, instalagdes, etc. £, pois, através dos investimentos que uma economia se expande, podendo atingir nfiveis mais clevados de produto global. Para resumir, podemos destacar os seguintes pontos: 1. © estgio de desenvolvimento de uma formagiio econdmica determina a sua capacidade de produgiio de excedente. 2. A forma como a produgio & organizada, isto é, as relagées sociais de produgio, determina a forma de apropriagio ¢ uti- lizagio do excedente, 3. O crescimento de uma economia, seja qual for a sua forma de organizagiio, exige que uma parte do excedente seja trans- formada em inversées produtivas. 4. No capitalismo, como 0 excedente assume preponderantemen- te a forma de lucros apropriados pelos proprictérios dos meios de produgiio, o potencial de crescimento passa a depender do volume de lucros ¢ da destinagio que Ihe ¢ dada. 5. Se & verdade que, no capitalismo, existe uma relagio entre © lucro ¢ o crescimento, isto se deve A especificidade da forma de apropriagio do excedente. A relagio genérica se verifica 21 vignauncuuy vor entre excedente e crescimento. O poder de decisio sobre a destinagao do excedente, da qual depende a possibilidade de crescimento, pode pertencer ao produtor direto, ao Estado, ou a uma classe especifica, dependendo da forma de orga- nizagdo social. 22 vignancauy von LEITURAS ADICIONAIS Embora o conccito de excedente esteja presente nas obras dos autores clfssicos, como A. Smith, D. Ricardo, e em K. Marx, é bastante dificil sele- cionar Ieituras especfficas sobre esse tema, que permeia obras complexas ¢ extensas. © capftulo V de K. Marx, O Capital, trata especificamente da geragio do excedente no processo de trabalho e sua apropriagio como mais-valia. Uma leitura bastante ilustrativa das questées aqui tratadas, € P, A. Baran, A economia politica do desenvolvimento, Rio de Janeiro, Zahar, 1972, principalmente os capftulos 2 ¢ 3. Quanto a caracterizagio do capitalismo, uma leitura acess{vel & 0 capi- tulo 1 de E. K. Hunt, Histéria do pensamento econdmico, Rio de Janeiro, Campus, 1982. 23 vignauncuuy vor

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