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A “TEORIA DA COMUNICACAO HUMANA” NA ABORDAGEM SISTEMICA DA FAMILIA ‘Maia José Esteves de Vasconcellos Dentse os recursos tedsicos disponiveis para a compreensio do sistema familias, destaca-se a chamada “teoria da comunicagio huma- Quando estudada pela ciéncia tradicional, a comunicagio foi con cebida como transfeséncia de informagio. A transferéncia de informa: Ges entre pessoas ou grupos espacialmente distantes se constituia um problema, Com freqiténcia, alguém quesia comunicar ao outro, com suficiente rapidez, informagées importantes ou instmugées que influen- ciassem ou alterassem o repestésio de comportamentos desse outro. Os secussos tecnolégicos entio desenvolvides com o objetivo de tomar isso possivel foram concebidos como ctiagio de canais de comunicagio que posiam em contato indivichios, grupos, instituigSes, depastamentos de instituig6es, que se encontravam espacialmente afastados. Dai o de- senvolvimento de uma concepcio da comunicagio, geralmente assim esquematizada Eminoe col Receptor Codificayio da mensagemn Mensagem Decodificagio da mensagen Nessa concepgio, as diferengas entre a mensagem emitida ¢ a mensagem secebica sio atuibuidas 4 possivel existéncia de “ruidos”, ou seja, de divessos tipos de interferéncias que podem acontecer em qual- quer ponto dessa cadeia linear Essa concepcio da comunicagio como trans feséncia de informagées foi estendlida as situagdes de comunicagio em getal, até mesmo 4 comunicacio enter neusénios. Na segunda metade do século XX, com o susgimento das teosias sistémicas — Teosia Cibesnética, Teoria Geral dos Sistemas — muda a concepgio dos processos comunicacionais, Uma importante sistematizagio teosica da concepeio sistémica da comunicagio humana, descsitaha quase quatenta anos, mas ainda impses- sionantemente atual, esta contida no livso Pragrstica da commnicario hunrana. Unn estude dos padvies, patalegias e paradacces da interagéo (Whatzlawick, Beavin; Jackson, 1968/1967). Em espanhol, o livro foi publicado com o titulo ‘Teoria da commnicagio humana. 1. Contextualizagio de ‘Teoria da Comunicagio Humana’ Em 1997, Sluzki publicou um astigo de que me utilizo para con- textualizar 0 susgimento desse importante recurso teético para a com- pteensio do sistema familiar, desenvolvido no MRI — Mental Research, Institute - a “teosia da comunicagio humana”. Como, a pattir de 1966, Sluzki integrou a equipe do MRI, conta-nos nesse attigo um pouco da histésia do Instituto, da equips, da elaborasio da teotia © MRI se localiza na cidade de Palo Alto, na costa ceste dos Estados Unidos. Foi fundado pelo psiquiatra Don Jackson, pasa dar continuidade a uma das vertentes da pesquisa que tinha sido coordena- da por Gregory Bateson, no Hospital dos Veteranos, de 1949 a 1962, avertente que se dedicou a estudar 0 papel dos paradoxos na comuni- cagio, Essa vertente da pesquisa estudava a comunicacio nas familias de esquizofiénicos, tendo havido outras vertentes dedicadas a estudar co humos, a comunicacio dos animais, os tipos légicos na comunicacio etc. Quando a verba da pesquisa de Bateson nfo foi renovada, Jackson ¢ sua equipe continuaram a trabalhar no MRI Desde 1936, Bateson ja tinha publicado suas pesquisas na area da Antropologia, mas passou a ser conhecido na tea da Psiquiatsia, quando procusou selacionar os modelos cibeméticos & psicopatologia, publicando 0 liveo Conunicasio: Matrig social da psiquiatria (Rnesch, Bate- son,1951) ¢ 0 attigo “Em ditecio a uma teosia da esquizofrenia” Bate- son; Jackson; Haley, Weakland, 1980/1956) Quando seu grupo de pesquisa se dissolveu, Jackson convidou Bateson a patticipar do MRI, mas ele nfo aceitou. O MRIse apresentava como um centro de terapia familias, e Bateson nio se identificava como tetapeuta de familia: retomou ao Havai para pesquisarno Instituto Oce- Anico a comunicagio interespécies — entre humanos ¢ golfinhos — com © objetivo de avangarno estudo dos tipos légicos na comunicagio. Bateson nfo se integrou ao MRI, mas sua equipe levou consigo as mascas de sua influéncia, Sluzki selata que no MRI havia seunides semanais que eram ponto de enconto obtigatésio dos mais impostan- tes pesquisadores em ciéncias do compostamento, buscando entender como se estabelecia a ponte entre o formalismo das teosias cibemética ¢ sistémica e a pritica sistémico-cibemética Quem quisesse pasticipar tinha que decifrar os esctitos complexos ¢ dispessos de Bateson, s6 mais tarde, em 1972, reunidos em Passos para uma ealogia da mente. O impacto do artigo “Em disecio a uma teotia da esquizofrenia” Bateson; Jackson; Haley, Weakland, 1980/1956), no qual se introduz a nogio de duplo-vinculo nas selagées familiares, foi enor me: propunha, pela psimeica vez, a tradugio, para a clinica, de psincipios até entio conticos apenas no campo das teonias gesais. Segundo Sluzki (1977), em meados da década de 1950, as “estse- las” da equipe do MRI eram: Don Jackson, psiquiatra que tinha sido consultor no projeto de Bateson, fiindador e diretor do Instituto, Vie ‘ginia Satis, assistente social que disigia os programas de treinamento em terapia familiar, Jay Haley, que cuidava especialmente de desenvolver a interface entre a teosia cibemética ¢ a terapia, além de manter sico in- tescimbio com Milton Erickson, Weakland, estudioso de antropclogia, que, além de engenheito quimico, também pasticipou da equipe osiginal de Bateson; Janet Beavin, assistente de pesquisa da equipe. Havia ainda uum pequeno geupo de associados, assistentes ¢ profrssores de tempo parcial. Em 1962, Paul Watzlawick, osiginalmente um analista junguia- no, austsiaco, passou também a fazer paste da equipe do MRI Quando o psiquiatsa argentino Caslos Sluzki chegou ao MRI, em 1966, para um estagio de trés meses — que, de fato, estendeu-se por muito mais tempo — Watzlawick foi designado para recebé-lo, porser 0 inico que falava espanhol. Sluzki teve entio a oportunidade no s6 de pasticipar dos trabalhos com as familias, como de acompanhar a fase final de elaboragio do livso de Watzlawick, Beavin e Jackson ‘Tendo o MRI se tomado um centro de seferéncia, contava com uum grande miimeso de familias, nio 86 para as atividades clinicas, como pata as pesquisas. Uma grande quantidade de dados pata pesquisas foi getada porum modelo de entrevista estruturada, desenvolvido pos Watz- lawick, constituida de perguntas a serem respondidas pelos pais conjun- tamente, ¢, as vezes, também com a patticipasio do filho que motivava a consulta, Hssa entrevista passou a ser usada com todas as familias que procuravam o Instituto, o que gerou um tico banco de dados aque toda a equipe tinha acesso, Assim se desenvolveram pesquisas sobse paces de intesagao, transmissio da irtacionalidade, niveis da comunicacio ete Holey, por exemplo, além das atividades clinicas, pesquisava a co- municagio entse mies e filhos com diferentes sétulos dlagnésticos Jackson também constituiu um gmpo de pesquisa: apenas pela sesposta dos pais & pesgunta “como vocés se conheceram?”, ele esa capaz de indicas, por intuigio, com enorme proposyio de acestos, se aqueles exam pais de adolescentes esquiz ofténicos, psicossomiticos, de- linqientes ou sem diagnéstico. A equipe da pesquisa procusava entio opesacionalizas, ou encontsay, na comunicagio do casal, os indicadores que pudessem ser associados a cada um desses quadsos clinicos Beavin ¢ Sluski também se dedicaram a pesquisar os padsdes de comunicagio denominados de comunicagio simétsica ¢ comunicasio complementas, buscando também suas definig6es operacionais, Esse esfosro de usar a pesspectiva sistémica como lente para a pri- tica clinica trazia para as discusses da equipe sobre uma sesso de tesapia vasiadas questdes selacionadas a diferentes teotias, tais como a teotia dos jogos, a teotia da infomagio, a teotia cibemnética Whtzlawick se propés uma tarefa ambiciosa, a de formular as ar ticulagdes: mostra, por meio de formulagées acessiveis ¢ evidenciadas pela expesiéncia clinica, o que significa, na psitica, ver o mundo em tetmos batesonianos. Assim susgin a Pragmdtica da conunicagéo humana, segundo Sluzki o “bsilhante produto da mente sistematica e sintetizado- sa de Watzlavick” Sluzki, 1997, p. 14) Quando Watzlawick pediu a Bateson que escrevesse 0 psélogo para o livro, este se recusou, dizendo que tentar uma sintese prema tura sesia condenar essas idéias 4 destruisio. Postm os autores dedi- caram-lhe o livre, ¢ a histésia mostrou que eles tinham saz0. O livro ainda continua fundamental pata comegar a explorar 0 campo dos modelos sistémicos de trabalho com familias: oferece-nos um modelo sistémico-cibemético cujos principios tém sido sucessivamente cha- mados de comunicacionais, interacionais, sistémicos. Concordo com Sluzki quando afitma, concluindo seu attigo, que “cada nova leitura de Pragmatics’, oferece novos angulos ¢ gera novas idéias” (Sluzki, 1997, p 14) Por tudo isso, as idéias sobse comunicagio, desenvolvidas por Whtelawick nesse livso, serio 0 fio condutor do texto que se segue’ 2. Comunicagio: Um Tema Central na Abordagem Sistémica Inicialmente, podesiamos nos pesguntar por que a comunicaso é um tema tio presente quando se trata da abordagem sistémica em cigncias do compostamento. Quand tisa 0 foco do indivicuo — ou do elemento componente do sistema — seja um sistema fisico, biclégico ou social — e passa a co- locé#lo nas selagées, pesguntas ocostem naturalmente ao observados, a0 cientista ou a0 profissional sistémico: como se relacionam esses ele- mentos? segundo que regras? quais os padudes de relacio que regem o fancionamento desse sistema? Nos sistemas humanos, as selagdes entre os individuos — os ele- mentos do sistema — tém sido chamadas de comunicacdes. Relacionar. se comunicarse, Focalizar as selagées ¢ intesessarse pelo modo como se comunicam os elementos que constituem o sistema destacado pelo observador. Pesguntar pelas segras de telacio sé se toma possivel quando o cobservador amplia o foco, passando a considerar o contexto, concebido "Per ade isso ub, aes de ee tat apvesenta vesunidament alguna as de Vue sre scemucae ake podethjamasrubritar sista de propane como segras de relacio. Um exemplo evidencia aimpostancia dessa am- pliagio de foco, para podermos ver as telages /comunicacBes. Um filme registra os compostamentos de uma csianca, num quar- to onde ela dispée de visios buinquedos, com os quais brinca muito trangtiilamente durante certo tempo. De tepente, a cslanca se agita, lar ga 0s brinquedbos, entra debaixo de uma mesa, onde fica encolhida ¢ as- sustada, Depois de um tempo ali, ela volta a brincas, mas tudo acontece de novo, passado mais um pouco de tempo. Ao observar esse filme, especialistas em compostamento infantil tendem a propor explicasées que buscam na constituigio da propia csianga — sua estrutura de pessonalidade, seu temperament — indicio de que seus comportamentos estranhos sto provavelmente sintoma de algum transtomo ou dis func, orginico ou psicolégico, asermais bem investigado. Quando se passa outra ver o filme, desta vez com 0 som que foi omitido na psimeita apresentagic, os mesmos especialistas detectam sem dificuldade a telacio entre o compostamento-problema da csianga ¢ 08 gritos de seus pais bsigando no quatto ao lado Intesessante ressaltas, desde j4, que, como veremos aciante, apenas as seqiiéncias de lances (compostamentos dos pais — comportamentos da ceianca) so observaveis ¢ que qualquer explicasio que for proposta pata sua ocortincia nfo passara de uma infecéncia A observagio das intesagdes nos sistemas humanos evidencia a existéncia de rechindincias, padBes que se tepetem, que podem sex r2- conhecidos na sequéncia dos eventos comunicacionais A existéncia dessas rechndincias pesmite a0 observador identi- ficar regras implicitas nos processos comunicacionais. Toda intetagio pode ser definida como uma seqiéncia de lances, governados por se- 12s, como num jogo. Uma pattida de xadzez, por exempl, se constitui uma seqiéncia de interacdes humanas, regidas pelas regras do jogo. Al- guém que no conhega as regras desse jogo poder infesi-las e explicité- las, depois de um pesiodo de observagio das interagdes (“comunicagdes silenciosas”) dos jogadores. Cestamente, podesia também vir a conhe- cé-las pecindo aos jogadores para explicité-las Mesmo em intera;6es nfo tio padronizadas como as do jogo de xadket, a tepetigio das selagdes toma os patticipantes sensiveis is re- dundincias, levando-os a responder de acosdo com segras de intesa- gio implicitas das quais nfo so comumente conscientes. Nesse caso, alguém que observe as pessoas interagindo pode inferir as regeas do “Jogo que estio jogando”, mas nfo adiantasia muito pedirlhes que ex: plicitem suas prdpsias regras de interacio. Somos sexes comunicacionais, vivemos imessos em comunica- es, Alids, segundo Maturana (1997/1988), 0 conversas, ot seja, 0 en- trelagamento do linguajar com o emocionar, é o que nos constitui como humanos Apesar disso, ¢ apesar de sexmos especialmente susceptiveis as incoeréncias — ou seja, as situagdes em que as segtas nfo estio sendo seguidas — parece que conhecemos as regras, sem saber que as conhece- mos. Comunicamo-nos todo o tempo, mas nfo costumamos comunicar sobse a comunicagio, nfo sendo muitas vezes capazes de fazé-lo Ou seja, no utilizamos getalmente nossa capacidade de metacomunicar ‘Metacomunicar exige mudar de posicio, observar a comunicacao con- vemarsobre o que se observa O conhecimento das regras que regem nossas interagdes nos siste- ‘mas de que patticipamos petmite-nos nfo s6 prever os comportamentos de nossos parceitos, como também ter a tranguilidade de saber que esta- mos nos comportando adequadamente naquele contexto. Einteressante observar como as pessoas reagem quando sio co- locadas numa situago nova para elas, em que as tegras no sfo explici- tadas. Experimente montar a seguinte situagio, Havendo um grupo de pessoas na sala pede-se a um pequeno subgrupo = de taés a cinco pessoas — que saia da sala As pessoas que ficam sio instauidas a escolher um compostamento qualquer que tenha probabilidade de sex exibido poruma oumais de uma das pessoas que saisam, quando elas voltarem asala, por exemplo: comegara falar antes dos que ficaram na sala ou entrarna sala sindo, ou entrarna sala com o pé diseito ete. A pessoa que, a0 voltar asala, emitir o compostamento escolhido pelo grupo sera poreste sejeitada, Posém as pessoas que ficaram na sala so insteuidas também a vio explicitar para at pessoas que chegam os motivos pelos quais uma delas esta sendo sejeitada ou excluida As pessoas que foram retisadas da sala so instruidas para, ao voltarem, mantesem-se wnidas apoiando-se mutuamente como um grupo, No final, proponha uma conversario com todo o grupo: como se sentisam na situago, nfo s6 os que saitam, mas também os que ficaram nasala? como se comportam as pestoas quando ha tegsas de interago que desconhecem? © conjunto dos estudos sobse os efeitos da linguagem sobre os comportamentos de seus préptios usudsios — on seja, sobre como a comunicagfo afeta a comunicagio — tem sido chamado de “pragmitica da comunicagio” Costuma-se dizer que a abordagem sistémica da comunicacio exige mudanga conceitual, uma mudanga conceitual que decorse neces- sasiamente de uma mudanga na visdo de mundo. ‘Tradicionalmente, as ciéncias do compostamento seificaram as e- laces, destruindo-as come tais. Por exemplo, as intesagdes em que um lidera ¢ 0 outs acata, as selagdes liderliderado, foram reduzidas a uma catactesistica localizada num dos membsos dessa diade, a capacidade de lideranca, 2 uma quantidade mensusivel da mente humana, a algo (que podesia sex medido por testes) que uns tesiam mais e outros menos, inde- pendente de com quem estejam se telacionando Quando pensamos sistemicamente — ou adotamos uma visio de mundo sistémica—procusamos usar 0 vetbo estar (em ver do verbo se) pata descrever o que observamos: Fulano esté lider (em vez de Fulano é lider). E isso nos leva a perguntar: esta lider na selacko com quem? © que nos ajuda a manter 0 foco na selagio Esteves de Vasconcellos, ‘Ontas dc tab ta se, per tmempla, plas ages formals ene ana que centr te pawns E + cenheciments stn vegas de mage ue permute num user detect erzes animpretate dem tent. Or evaded Sseminten fvcsoam ns gms de rela ene + sale» jee, ew sj, on Sguiendescemenceaades yum ox sibel uizndes pees nolo: dalinguagem. As expectations goons pole conbecimente de [gins permitem ae later cempetr adequadamente na fse om que tu uma pen une ein ‘eepes pon oinedecate a alvr gure eth itinde quandegoguja om ben an fe, 2002, Esteves de Vasconcellos, 2005). © mesmo acontece com os con- ceitos de podes, autonomia ¢ imimeros outros. O poder também deixa de sex algo que alguém tem paraser concebido como “um contexto que pesmite que alguns membsos de um sistema definam ou ponham em aio o que vai sex considerado como seal para todos os membros do sistema” (Aun, 1998b, p. 26), enquanto autonomia seta concebida como “um contexto que permite que as pessoas definam o que é seal pata si ptdptias ¢ que, na condicio de seres humanos sociais, possam agit de acordo com estas definicSes e assumir responsabilidade por essas ages, através de acordos consensuais” (Aun, 1998b, p. 26). Fica assim compseensivel a afitmagio de Bateson (1972, 1986/1979) de que a mente —tradicionalmente vista como catactesisti- cas mentais ou psicolégicas —estamas selagdes. O que implica, por exem- plo, revermos nossas concepsées de sanidade e insanidade, pasando a [pensar os sintomas nfo como atsibutos do individuo, mas como sea 6es aproptiadas a uma intesagio em cusso, como a tinica seacio possivel naquele jogo selacional. Segundo Maturana, quando o observador distingue algo —e pro- move aemergéncia desse algo como tealidade pata si—sempre o distin- _gue em relacio ao fiundo. Um ponto escuro numa parede passa a existit para o observador quando este o distingue do sestante homogtneo da pasede Sesia natural, postanto, termos sempre presentes as relagdes existentes em tudo o que observames. Entretanto a ciéncia tradicio- nal nos treinou para fazer o contrésio: focalizar nosso olhar num dos elementos individuais do sistema, em detrimento do contexto, das 12- lagdes secussivas de que ele patticipa. Dai o esforgo que precisamos hoje fazer pata priotizar o sistema, as selagdes /comunicagées que o constituem. Mhitos fenémenos que patecem inexplicaveis quando se obser: vam isoladamente os elementos tomam-se compreensiveis quando se focaliza a relagio entre eles. O exemplo seguinte, que Watzlawick aptesenta logo no inicio do liveo Pragmatica da comunicagie humana, fala porsi Se um bidlogo observasse isoladamente os sucessives ciclos que se apresentam no tamanho de duas populagées numa detesminada area, uma de saposas e outra de coelhos, vetia que a vatiacio nos tamanhos de ambas as populagées acontece segundo um mesmo padrio: o mi- meto de saposas (ou o de coelhos) aumenta até um cesto limite e entio declina até quase a extingio daquela populagio. Sé quando vistos um em selagdo ao outro, os dois fenémenos se tomam explicaveis: enquan- to as saposas vio se alimentando dos coelhos, o mimero de raposas vai crescendo, enquanto o de coelhos vai diminuindo, Até um ponto em que, mio havendo mais tantos coelhos disponiveis, comesa a diminuir omimero de saposas, podendo entio omimero de coelhos voltar a au- mentar A explicasio dos ciclos nas duas populagdes esta, postanto, na selagio entre coelhos e saposas. Entende-se entio por que Watlawick afisma que a abordagem sistémica — a idéia de selagdo — esta mais proxima da matemitica (que nfo se interessa pela natureza das entidades cujas relagées focaliza) do que da psicologia tradicional (que se intesessa exatamente pela natuse- za das caractesisticas incividuais, mesmo que tenha de esforgarse pasa isolé-las astificialmente) Segundo ele, a matemitica afastou a nogio de grandeza para pas- sara trabalhar com anocio de vasidveis, representadas porletras. O sig- nificado da vatiavel no esta em si propsia, mas nas relag6es que tenha com outta vasiavel: a “fincio” @ sempre uma relacio entre vasiaveis, A matemitica pode, pois, fomecer uma linguagem util para descrever fenémenos da comunicagio humana 3. Premissas Basicas da ‘Teoria da Comunicagio Humana” Como base para suas elaboragées teosicas, Watzlawick identifica algumas propriedades simples da comunicasZo humana, as quais t’m implicagdes fundamentais nas selagdes interpessoais. Apresenta essas ptopsiedades como um conjunto de cinco principios que toma como cinco axiomas da comunicacio, definindo-se axioma como uma premis- sa imediatamente evidente, que se admite como universalmente verda- deisa, sem exigincia de demonstrasio. Além de apresentar cada um dos axiomas ¢ indicar como eles se evidenciam nas interagées humana, 0 autor considera que seus efeitos pragmaticos ficam muito mais evidentes quando ocorrem pesturbas des ou distorgées na comunicagio, as quais podem até mesmo catactesizar ‘uma “comunicacio patolégica”. A seguis, os cinco axiomas destacados por Watzlavick 1° axioma: A impossibilidade de nao-comunicar Uma expesigncia simples pode evidenciar a que se sefere esse axioma, Estando com um grupo de pessoas, vocé pode proporlhes fazer o seguinte Sentados em duplas, um de fiente para o outso, deverdo ficar— durante um minuto, a partic de um sinal —sem se comunicar Contzole 0 tempo ¢, 20 final, proponha wma convessacio com todo 0 grupo, a partir de algumas pesguntas: = como voce se sentiu? = como imagina que seu colega se sentiv? = houve commmicagio entre vocés? ~ se houve, 0 que seu patceizo Ihe commmicow e 0 que vocé pensa ter conmnicado a seu parceiso? = voce se sentiu influenciado pelo compostamento de seu patceito? = vocé acha que infiuenciou o compostamento dele? Nessa situagia, todos vivenciamos a impossibilidade de niio-co- smunicar Na base dessa impossibilidade, podemos identificar a impos- sibilidade de nio-compostar Nao existe um nio-compostamento: quer estejamos muito ativos ou praticamente inestes, quer estejamos falando ou em siléncio, nosso compostamento possui um valor de mensagem. ‘Quaisquer que sejam nossos comportamentos /mensagens, 0 outro nfo pode nic-responder a eles. ‘Todo compostamento é comunicasio: podemos tomar esses dois teamos como sinénimos e tersempre presente a citculasidade (neste caso, abidisecionalidade) do processo comunicacional, evidente na impossibi- lidade de nic-respondes 4 comunicagio/comportamento do outro. Entio, resumindo, temos um axioma — “E impossivel nic-comu- nicag” —com seus dois corolasios: “E impossivel no-influenciay” e “E, impossivel nio-tesponder & comunicagio” Ainda considerando esse axioma, vocé pode montar uma outra expesigncia, propondo aos presentes uma dramatizacio. Coloque duas cadeisas lado a lado e pega a uma pessoa que se sente numa delas ¢ que se imagine mum avifo, quetendo convessar com a pessoa sentada aseulado, Convide outza pessoa —que no queita conversar—pata sentarse a0 lado da primeita. Depois de um tempo de intesagio, jéestando catactesizado como a segunda pessoalida com as tentativas de conminicacio da primeisa, substitua a segunda pessoa Peca a0 novo ocupante do lugar que procure lidar com asituacio de wma forma diferente da que foi adotada por quem o antecedeu. Repita essa substituicio algumas vezes, até que apasecam visias fosmas difesentes de quem nio ques convessaslidas com a insisténcia de quem ques convessat Nessa situagio, havendo duas coisas que 0 passageito que nio quer falax nfo pode fazer—abandonar seu lugar e nio-comunicar— ses- tam-lhe poucas altemativas, a saber 1L- Rejeitar explicitamente comunicarse. Além de nio evitara tela, essa seagio—niosendo conforme as regtas sociais de bom compostamento — geralmente gera um siléncio embaraoso e tenso. E interessante sessaltar que, como veremos adiante, ao dizer explicitamente “nio estou querendo convessar”, a pessoa esté metacomunicando, ou comunicando sobre a comunicacio. A pessoa vitinha pode terlhe pesguntado “o senhor tem costume de viajar de aviio?”, ¢ ela, em vet de responder ao contetido da mensagem, passa a falar da telacio entre ambas, cizendo implicitamente: “nio aprecio que vocé esteja quetendo se telacionar comigo convessando, nio quero, para nés, essa forma de telagio” 2 Aceitar comunicarse. Mesmo a pessoa ficando abostecida consigo mesma, porter sido fraca e estar fazendo algo que néo ques, depois de ter comecada, pode tomarse cada vez mais dificil pacar » ‘Desqualificar comunicar-se. Comunicarse de um modo que invalida sua psépsia comunicagio, tentando dizer alguma coisa sem nada dizes, por meio de frases incompletas, afitmagdes contraditésias, mudangas suibitas de assunto, uso literal de metaforss.. Pessoas que querem evitar 0 compromisso costumam secorrer a esse tagarelar desconexo, ‘uma comunicaso maluca, que pode ser a tinica reagio possivel, num contexto insustentavel de comunicagio, 4. Exsbic uma incapacidade ou sintoma. Reagit fingindo sono, surdez, embsiaguez, ignorincia do idioma do outro ou qualquer outsa incapacidade que tomatia a comunicagio impossivel. Em mensagem mio verbal, a pessoa esta comunicando: “existe algo que me impede, algo mais forte do que eu, fora do meu controle”. O sintoma se aptesenta entio como uma forma nio-verbal de dizer “nio posso” Impottante observar que ¢ assim que Watzlawick apresenta as al- temnativas possiveis para quem nfo quer se comunicas como quatro al- teanativas de um mesmo nivel légico: “3.231 —"Rejeigio’ da Comunica ho (..) 3.232—Aceitacio da Comunicagio (..) 3.233 -Desqualificasio da Comunicacio (..) 3.234 —O Sintoma Como Comunicagio” (Watzla- wick et al, 1968/1967, p. 69-73)’ Apesar de, mais adiante ele apontar que “se a confismagio ¢ sejeigZo do eu do outso fossem igualadas, em légica formal, acs conceitos de verdad ¢ falsidade, respectivamente, entio a desconfitmacio costespondesia ao conceito de indecisic, o qual, como se sabe, ¢ de uma diferente ordem légica” (Watztawick et al, 1968/1967, p. 79), aqui ele coloca as quatro altemativas num mesmo nivel logico. Deixo aqui essa observacio para retoméla e discutir essa questio adiante, quando estivermos abordando o segundo axioma Ja que ¢ impossivel ndo-comunicar e que qualquer comunicagio implica compromisso, alguém que tente evitar o compromisso, tentan- Mowe queéx forma de muneve on sien ginny descr endo coeds demented sama merncntgenn ousea erie nde celacedes um mesme dogs do nio-comunicas, coloca-se numa situagio paradoxal, insustentavel a linguagem usada, por exemplo, pela pessoa diagnosticada como es- quizofsfnica, uma linguagem com vitios significados, revela a situagio paradoxal em que se encontram os patticipantes da intesagio* 2° axioma: Na comunicagio distinguimos os aspectos de contetido erelagio A comunicagio de qualquer contetido entre duas pessoas é sem- pte acompanhada de uma definicio da relagio entre ambas, como se evidenciard na experiéncia seguinte Estando com um grupo de pessoas, faca sucessivamente uma mesma pesgunta a algumas delas, a uma de cada vet. Pesgunte, por exemplo “Fulano, vocé acha que nosso colega Fulano (ou nosso amigo Fulano, ou..) ainda vird hoje para o nosso encontro”” Posém trate de dar uma entonagio acentuadamente diferente 20 fazer a pesgunta para cada uma delas. Em ver da pesgunta, vocé pode fazer uma afismasio, por exemplo: “Voce ¢ desligado demas, esta voando, hein®”, sempre usando diferentes, . entonagdes) Em seguida, converse com todos os presentes sobre o que observaram e vivenciaram. Como uma vasiante dessa vivéncia, pode-se pedit a uma pessoa que, atuando como um cliente, faga uma queixa 20 profissional (dentist, psicdlogo, médico, assistente social, enfermeiso..) que a atende. Cada um dos demais preparara uma sesposta custa —uma frase apenas — que dasia 20 cliente. Revezando-se na posicio do profissional, cada um dasa sua sesposta Em seguida selecione algumas respostas para setem transmitidas com diferentes entonacSes, Fica evidente que, apesar do contetido da mensagem ser sempre mesma, cada entonacio traz implicita uma telagio diferente entre os intedocutores, podendo o emissor da mensagem manifestas, por exem- plo, menosprezo pelo outro, espanto diante da reagio do outro, valosi- zagio da opinio do outro ete Sata outs tnt deste vuune, “A prtsenga € os efates da comuicagis puradoat as integies agua, aberde «pardon eo efeiten gue le deseneaden, quando snondenases interne Neste caso, a entonagdo define a telagio com o intedlocutor e evi- dencia o axioma: em toda comunicagio, podemos distinguir 0 contetido da comunicagio ¢ a telacio entre os pasticipantes. A selacio, 20 definix um contexto, define como a comunicacio/ mensagem deve ser entendida — por exemplo, qual o significado de um presente secebido — ou, em outros termos, define o que fazer com 0 contetido da comunicagio. Na linguagem da informatica, o contetido sio as informacées, ou sejam, os dacos. Mas ¢ sempre necessasia a meta-informacio, ou seja, as instrugdes sobre como se espera que os dados sejam teatados, por exemplo, colocados em ordem alfabética ou lancados numa tabela Esses dois aspectos da comunicacio — contetido e selagio ou in- formacio e meta-informagio — tém recebido ainda outros nomes: da- dos ¢ instrugdes; relato ¢ ordem, comunicagio ¢ metacomunicacio. A telacio entre os inteslocutores influencia a intespeet sagem, como se pode verno seguinte didlogo entre uma mie e sua filha: fo damen- ~ Minha filha, vocé nfo entendeu o que eu disse = Esta me chamando de busea? = Nio, Acho que voeé nfo ouviu bem - Ab! Estémme chamando de susda? - Minha filha, voeé esta fazendo confisio. - Isso mesmo! Esta me chamando de loucal Costuma-se dizes, entio, que a telagio classifica o contetido, Nos textos escsitos, a ambighidade ¢ a dificuldade de intespretagio, muitas ‘vezes pode deverse & auséncia das pistas metacomunicacionais constitu- idas pela relagio, A selagio ¢ metacomunicagio, é de outro nivel légico Como vimes, foi isso 0 que fez aquele personagem do aviio que mio quetia convessar: em vez de responder ao contetido da mensagem — dizendo se tem ou nfo costume de viajar de avido —mudou de nivel « pasando para o nivel meta, falou da telagio entre ambos, definindo que, nesta relagio, no deve haver convessa entre os dois ‘Nem sempre as regras de selagio dos sistemas em que nos vemos insetidos nos permitem metacomunicar Por exemplo, tecentemente, numa CPI — Comissio Patlamentar de Inquétito — o investigado ses- pondeu a uma pesgunta que lhe foi feita pela Comissio, dando uma informario, fazendo uma demtincia. Em seguida, um dos membros da Comissio, em vez de continuar fazendo pesguntas sobre os contetidos sob investigacio, pesguntowlhe: “como podemes confiar nessa infor magio, saber se essa informacio ¢ verdadeisa, se V. Sa jé admitiu que mentiu em outsas ocasiées?” Ao fazer essa pergunta, esse membro da CET estava tentando metacomunicas, ou seja, sait do nivel do contetido pata falar da relagio — de confianga ou nio — entre ambos. Porém, teve desqualificada sua proposta de metacomunicas, quando o investigado Ihe sespondeu: “aqui somos iguais, V. Sa. nio é melhor do que eu”. O investigado apontou que ambos estavam submetidos as regras vigentes — nio explicitadas — de constituisio do sistema politico, as quais, néo possibilitando a metacomunicagio, geram um “jogo sem fim”. Uma ptoposta de compreensio sistémica do que acontece nessa situagio elaborada no attigo “Jogo sem fim’ e politica” * Esteves de Vascon- cellos, 2005¢) Quanto mais saudivel for a selagio, mais ela passa para um plano secundiisio, petmitindo que os patticipantes se centrem no contetido de intesesse em questio. Saudavel aqui se refete a situacio em que as regras de telco — mesmo que implicitas — so tranguilamente aceitas pelos pauticipantes da interacio. Por outro lado, quando a selagio @ conflituosa, ou seja, quando os parceitos esto lutando ainda pasa decidir quem pode fazer o que, quando, qualquer dscordincia quanto a um contetido desencadeia um. episodio de conffito selacional. E 0 caso citado por Watzlawick em que © matido convida para hospedar em casa um amigo do casal e, 20 co- municar o fato a esposa, eles brigam. A buiga, de fato, nfo tem a ver com 0 convite ao amigo: eles concordam quanto ao contetido — ambos acham que © amigo deve ser convidado, A bsiga tem a ver com a falta * Ene mige est indaide nese osu com o Sie: “Compreendende » GSewtade da madangy: jogs sem fw eater de definigio de diteitos de tomar a iniciativa de convidar alguém, sem consultar o outro. Mas a discussio fica gitando em tomo do conwvite ficam tentando resolves, no nivel do contetido, uma discordincia do nivel relacional A medida que se selacionam, além de definite suas regras de re- ago, as pessoas vio oferecendo uma & outsa suas definigdes de sie do ‘outro, ou seja, sua definigo de seu prépsio eu e sua defini¢io do eu do outro: “Falo isso porque penso que sou...” ou “porque penso que vocé 4.7, “Vocd me falaisso porque pensa que sou.” ou “porque pensa que voc é..”. Por exemple, 0 comunicar ao marido sua expectativa de que cle tome uma iniciativa no tocante a uma questio financeisa do casal, a esposa pode estar passando a ele sua definicio de si propria como incompetente para lidar com esse tipo de questo: “vejo-me como in- competente para lidar com dinheito”. Ou, ao assumir sozinha todos os pteparatives de uma viagem da familia, ela esta passando a definicio de si pséptia como competente nesse assunto: “vejo-me como competente para osganizar esta viagem” Assumindo que seceber de nosso intedlocutor uma definigéo de si propsio nfo é fundamentalmente diferente de receber dele qualquer coutra proposta, pode-se montar a expesiéncia seguinte Peca que tis pessoas saiam da sala La fora pega a cada uma delas que escolha uma misica que, 20 voltar & sala, propor que seja cantada por todo o grupo. Essas trés pessoas estario, uma a uma fazendo 2 proposta para o grupo cantar com ela Instrua o gmupo pasa: aceitar a proposta de A — concostlar com ela ¢ cantar, sejeitar a proposta de B, procusando convencé-la de no cantarem; desconsiderar a proposta de C, desconfirmando sua pessoa ignosando inclusive sua presenga No final, proponha uma conversario com todos sobre o que vivenciaram Ficata evidente que A eB se sentisio confirmadas como pessoas, mesmo B, que nio teve sua proposta aceita. For outro lado, C se sen- tied desqualificada ou desconfirmada como pessoa, sentindo-se mal na situagio Note-se que, nesse caso, cada uma das trés pessoas propés a0 grupo a realizacio conjunta de uma atividade. Mas, o mesmo que acon- teceu nessa situacio pode acontecer quando o que é proposta, no de- conser da interasio, ¢ uma autodefinicéo, uma definigio de si prépsio. Foi isso o que vimos nos exemplos acima, em que a esposa propée 20 matido uma definisio de si propia Ao abordar essa tiltima situagio, Watzlawick destaca que existem tuds respostas possiveis por parte do intedlocutos, as quais ele rotula de 1 confismagio; 2. rejeigio; 3. desconfismagio, Entretanto, lembrando que o contetido das mensagens é de um nivel logico ¢ que a telagio é de um outso nivel logico — como ele mes- mo propée —penso que aqui ele incosse numa mistusa de niveis Légicos. Pela forma como ele propsio descteve essas possibilidades, fica clato que podemos: 1. confismar a pessoa de nosso inteslocutor — quando ele nos comunica uma definigio de si proprio, ou uma autodefinicio — quer aceitemos, quer tejeitemos 0 contetido de sua mensagem, ou seja, quer concordemos, quer discordemos da definigio de si ptéptio que ele nos comunica, 2. desconfismar ou desqualificar sua pessoa, como fonte de sua autodefinigio, Acho, entio, que aqui as trés sespostas possiveis no sio de um mesmo nivel légico, como aptesentado no livro: “3.331 — Confisma- go (.) 3.332 — Rejeigdo (.) 3.333 — Desconfismacio” (Watelawick, 1968/1967, p. 77-81). De fato, ha uma mistusa dos dois niveis légicos diferentes, o do contetido das mensagens ¢ o da relagio entre as pessoas que estio se comunicando, Entio, as tr#s respostas possiveis, diante da comunicagfo da definisio de si pornosso intetlocutos, devem ses assim apresentadas L.Confismagio da Pessoa Confirmamos alguém quando Ihe comunicamos, explicita ou implicitamente: “vocé existe”, “reconhego-o na relagio comigo” ‘Nossa estabilidade emocional depende do encontso, da selagio com ‘© outro e da confirmagio que dele tecebemos. A confismario reci- proca é fundamental na constmucio de nossas identidades. A confi magio do outro pode ocorrer quer concosdemos quer discordemos do contetido que ele nos comunica, Assim, ela est presente quando 11 Aceitagio de sua autodefinicio. Quando aceitamos o conceito de eu oua auto-definicio de alguém, também o estamos confirmando como pessoa: “teconhego vocé ¢, além disso, concordo com 0 que dz de si proprio”. 112. Rejeigdo de sua autodefinigio. Mesmo quando sejeitamos 0 conceito de eu ou a autodefinicfo de alguém — como costuma ocoster na terapia — ainda assim o estamos confirmando como pessoa “reconhego-o, mas nfo concordo com o que cle de si psdpsio”, “teconhego vocé, posém vocé esta exrado”, “teconheso vocé, mas nfo concordo com o que vocé esté me comunicando” 2. Desconfitmasio da Pessoa Nesse caso, nega-se a realidade dessa pessoa como fonte da auto- definigio, independemente da adequasio ou nfo da definicio que ela da de si prdpsia, ou seja, do contetido que ela comunicou: “vocé nio existe para mim”, “néo percebo voce”, Ser assim ignorado pode ter sésias conseqiéncias para a sanidade dessa pessoa Voltando agora ao 1° axioma. Considerando a impossibilidade de nfo-comunicas, Watzlavick destacou quatro possibilidades de com- pottamento para aquela pessoa que nio quer convessar ¢, a meu ves, incorreu na mesma mistusa de niveis légicos, ao colocas, numa tinica lista, possibilidades que sio de niveis légicos diferentes Os dois niveis légicos diferentes que ficam mistusados naquela lista de possibilidades so, de novo a confitmagio e a desconfismagio do outro, que, naquele caso, podesiam ser distinguidos assim: 1. Confitmando 0 outro como fonte da mensagem: 1.1 aceita-se sua proposta de comunicacio, 1.2 sejeita-se sua proposta de comunicasio, 1.3 exibe-se uma incapacidade (intoma). 2. Desconfismando 0 outro como fonte da mensagem: 2.1 desqualifica-se a comunicagio Considerando-se suas conseqiiéncias para as interacées humanas, é fundamental a diferenga entre a tejeicio do contetido da mensagem e a desconfismagio da pessoa que é fonte da mensagem, ‘Vimos que as segeas de selagio — comunicadas, por exemplo, por gestos ¢ entonacio — constituem o contexto para a troca de informa: ges ou contetidos. Vamos ver também que segras de selagio podem sex explicitadas por meio de instrus6es. Prepate-se pasa observar o que acontece, montando a expesiéncia seguinte Peepase um texto de oito a dez linhas, com uma mensagem contendo algumas informacSes, com bastante siqueza de detalhes, como um recado aque wna pessoa devesd tiansmitic a outsa, Esse texto sexi lido pata duas pessoas, em duas situagdes diferentes, Pasa inicias a expesiéncia, peca pasa saitem da sala dois grupos de seis pessoas Situagio 1 — Faga entrar na sala a primeita pessoa e diga-lhe o seguinte “Vou passarihe um recado. Vocé deve prestar bastante atencio, para depois transmiti-lo a préxima pessoa que entrarnasala Enquanto estiver ouvindo tecado, vocé nfo deve me perguntar nada, porque nio posso darlhe nenhum esclarecimento. Quando seu colega entrar, vocé deve comecar passando- Ihe essas instrugées, exatamente como as esta secebendo e, em seguida ecadlo que vou Ihe passar Nao se esqueca de avisi-lo de que ele deverd depois transmitir o recado e que no devera fazer nenhuma pesgunta’, Leia entio o testo previamente prepatado, Em seguida, faa entsar wma a uma as outtas cinco pessoas do primeiro grupo e cada uma delas recebera o secadlo da pessoa que a antecedeu para epassilo a pssxima que vier Depois, que a sexta pessoa entrarna sala e seceber o secado, considese encessada a expesiéncia com este grupo e passe para a Situasio 2 Situagio 2- Comece tudo de novo, a pastir da sétima pessoa, amdando um pouguinho 0 que vai dizer a ela “Vou passarlhe um secado. Vocé deve prestar bastante atengfo, para depois transmiti-lo 4 proxima pessoa que entrar na sala Enquanto estiver ouvindo o secado, se quiser, vocé pode pesguntar que Ihe dasei os esclarecimentos de que precisar Quando seu colega entrar vocé deve comecar passando-Ihe essas instrugées, exatamente como as esta secebendo «, em segnida o secado que vou Ihe pasar Nio se esquega de avisi-lo de que ele devera depois transmitic 0 secado ¢ que, enquanto o estiver ouvinds, se quises podera pedir esclatecimentos” Prossiga como no primeizo grupo, fazenclo entrar, uma a uma, as pessoas do segundo grupo Depois de encersada a expesiéncia com o segundo grupo (apés a décima segunda pessoa seceber 0 secado), proponha ma convessacio sobse como se sentizam as pessoas na Situagio 1 e na Situagio 2. Neste caso, as instrugdes sobre como comportarse na situasio — colocadas pela propsia pessoa que transmite o contetido da comuni- cago —definem a telacio entre os inteslocutores. Observe o que acon- tece com o contetido da mensagem, mas focalize especialmente o que acontece de diferente numa e noutra situagio. Como se sente 0 ouvinte quando o contexto (cegras de relacio, ctiadas pelas instrugdes) nfo lhe pesmite falas, perguntar Observe também o que acontece com as in- tesagdes. Observe como se comporta quem transmite ¢ quem secebe a informagio nos dois contextos. Na situasio 2, de comunicacio em ‘duas vias, a intesagio parece mais confusa, portm a selagio entte quem transmite e quem secebe ainformagio ¢ mais igualitésia. Observe como co contexto (as segras de selagio) influencia o compostamento de ambos ¢ como influencia a intespretacio da mensagem. Interessante lembrar que essa ¢ uma expesiéncia que foi ctiada no contexto da psicologia tradicional. Portm nesse contexto a anilise dos se- sultados focaliza as distorgdes susgidas no contetido da mensagem 4 me- ida que ela é sucessivamente transmitida e aqui a estamos propondo pasa evidenciar as questdes da selagio entre os patticipantes na comunicacio 3° axioma: Pontuamos a seqiiéncia de interagées Ressaltando que as intesagées humanas constituem seqiténcias inin- texeuptas, Watzlawick destaca o fato de que os patticipantes tendem a pon- tuat essas seqiténcias, partindo do pressuposto de que elas tfm um comeso ¢ tentando encontrar, no passado, o ponto de partida Por exemplo, quando cas csiangas recorrem aos pais, para sescl- ver uma disputa ents si, costumam queter identificar qual das cuas é a sesponsivel pelo conflito que se instalou, pata entio ser castigada pelo adulto Ela “Ele me empurrou, ¢ eu esbortachei no chio” Ele: “Mas antes ela tinha colocado o pé na minha fiente pata eu tropesat” Ela: “Mas antes ele puxou meu cabelo” Ele: “Mas ela, desde ontem, esta pondo lingua de fora para mim Cada uma dessas ctiangas pontua de um jeito a sequéncia dos eventos e se considera sempre apenas seagindo ou sespondendo a0 ® comportamento do outro; nfo se reconhece originando ou provocando © compostamento do outro. O mesmo acontece quando um aluno insiste em obter a permis- sio da professora pata fazer algo ¢ se estabelece 0 didlogo ‘luo: D. Fulana, desc? Ja posso? Deaxal? Professora: Nao vou deixar porque vocé esta insistente demais, Aluno: Maz estou insistindo exatamente porque a senhora nfo esté deaando Essas discordincias na pontuacio da seqiiéncia de intesagdes es- tio no centro de imtimesas questdes selacionais, apostando cada um dos pasticipantes na verdade de sua pontuagio. O conflito de um casal pode estar gitando em tomo de suas pontuasées discrepantes, ele acusando a esposa de sex autositatia, ¢ ela acusando o masido de ser isresponsavel Conversando com ela, encontraremos uma tealidade /verdade, ¢ con- vemando com ele, encontraremos outra realidade/verdade, Cada um tem uma explicasio diferente para seu psopsio compostamento: Esposa “Tomo todas as iniciativas porque ee esta sempre desligado e no posso confiar que va assumis alguma xesponsabilidade” Masido: “Fico desligado porque ela assume todas as iniciatives, quermandar em tudo ¢ nfo me deiza assumis coisa alguma” Cada um dos patticipantes da interapo estas convicto de que as coisas sio de fato como ele as vé e nfo sexd capaz de ver sua propsia patticipagio no proceso, getando-se um citculo vicioso que 6 podera ser rompido se a préptia comunicagio se tomar objeto da comunicagao, ou seja, se houver meta-comunicagio. E assim também que acontecem as chamadas profecias autocum- ptidas, ou profecias que se cumprem: quando o individuo diz para si ptopsio: “eles nfo gostam de mim”, entio no se aproximara dos outros, estes, percebendo que ele se afzsta, também se manterio distantes ¢ as- sim confismario a expectativa do primeito: “eles nfo gostam mesmo de mim”. Fica claso que ele nfo se pescebe provocando reagdes, mas apenas seagindo acs compostamentos dos outros, ‘A metacomunicagio sera também a tinica saida para impasses selacionais ctiados por pontuagées discrepantes, causadas por eventos foxtuitos. Por exemplo, se alguém manda um convite, que se extravia, ¢ © convidado nem se manifesta, quem convidou ficard ressentido com o convidado ¢ o trataé com faieza quando o encontray, o que causati es- tranheza ao pretenso convidado. Estara também instalado ai um citculo vicioso em que cada um colocasi no outro a causa do esfriamento de suas selagBes, até entio tio amistosas, Vocé pode estar pensando: ¢ isso mesmo, é assim que as comu- nicages costumam acontecer Como observadora das intesagdes hhu- manas, também distingo nossa tendéncia de pontuar a seqtiéncia como ‘uma catactesistica geral nas comunicasées humanas. Entretanto vejo-a como uma implicacio da forma de pensay, da visio de mundo, do paa- digma tradicional da ciéncia E bom lembrar que o conhecimento cientifico exerce grande fascinio e que seus pressupostos se disseminam na sociedade toda Maturana (1997/1988) nos fala do papel que a ciéncia desempenha “na validagio do conhecimento em nossa cultura ocidental e, portan- to, em nossas explicagdes e compreensio dos fenémenos” (p. 256) No attigo “Pensando sistemicamente nossas relagées familiases, a pastir do novo paradigma da ciéncia” (Esteves de Vasconcellos, 2005¢), destaquei exatamente que com a ciéncia tradicional aprendemos no 86 a procusara causa, o ponto de pastida do que observamos: aprendemos a acseditar no determinismo. “(..) apsendemos a pontuar as sequén- cias de interagdes em que nos achamos envolwidos, procurando identi- ficar como aquele problema/dificuldade comegou e tendendo a colocar a causa no ambiente ¢ no outro” (p. 109). Com a ciéncia tradicional, aptendemos a acreditarno detetminismo ambiental e a assumi-lo como pressuposto Postanto a busca da causa, de uma explicagio causal linear para co que esta acontecendo em nossas intesagdes /comunicagées ¢ compse- ensivel como uma implicacio do paradigma tradicional da cigncia Essa tendéncia a pontuar a seqiéncia de interagdes ¢ geral entre as pessoas que mantém uma visio de mundo tradicional. Havendo agora uma mudanca de paradigma na ciéncia, ao ultsa- passar os pressupostos da ciéncia tradicional ¢ assumir o pensamento sistémico, estaremos colocando o foco nas selagdes e vendo o mundo de um jeito diferente Pensando sistemicamente, assumimos que nfo podemos mais pensar que estejamos apenas reagindo ao comportamen- to do outro ou que ele esteja determinando o nosso compostamen- to Nossa crenga antesior no determinismo ambiental ¢ ultrapassada ¢ passamos a acteditar no determinismo estrutural (Maturana e Varela, 1987/1983). Assim as explicagSes causais lineares so substituidas pelo seconhecimento da inevitével recussividade, inerente 0s nossos pro- Acredita, pois, que, com uma ampla disseminacio do pensamen- to sistémico, essa casactesistica de pontuagio das seqiiéncias interacio- nais — que Watelawick identificou como uma caractesistica axiomtica —podera no estar mais tio presente em nossas interaces, tal como ele a descreveu, Reconhego que hoje ela ainda ¢ a forma mais comum de as pessoas se comunicarem — pontuando a sequéncia de interagées — por ser ainda predominante entre nés uma visio de mundo corsespondente a0 paradigma tradicional da ciéncia. Vivendo as intesagdes a pastir de suas premissas tradicionais, ¢ natusal que pontuem assim as seqiiéncias de interagdes em que se encontram envolvidas. Afinal, como destaca Glasemfeld (1995/1991), so ainda muito poucos os que jé tomaram conhecimento da revolucio cientifica que esta em curso. Sio muito poucos entio os que jd podem assumir pata si uma visio de mundo sistémica e nfo mais pontuar a sequéncia de intesagdes a partic do determinismo ambiental. O propsio Watzlawick (1968/1967, p. 87) — ja com uma visio de mundo sistémica — afitma que os conceitos de causa e efeito nfo sio apliciveis, devido 4 citculasidade da intesagio: “observarmos ti- picamente nesses casos de pontuacio discrepante um conflito sobre ‘© que @ causa e o que é efeito quando, de fato, nem um nem outro desses conceitos é aplicével, por causa da cisculasidade da intesacio Posém parece que ele no avancou na andlise dessa situagio. Se o tivesse frito, provavelmente tesia distinguido que essa no parece ser ‘uma catactesistica da comunicacio que se manifestara sempse, qualquer que seja o patadigma dos intesocutores Penso que no caso das chas caractesisticas identificadas pelo psi- meiro ¢ pelo segundo axioma, elas podem ser distinguidas, tanto nas comunicagées de alguém que se mantenha no paradigma tradicional, quanto nas comunicagdes de alguém que jé tenha assumido a visio de mundo sistémica — 0 que, a meu ves, nfo acontece no caso deste tesceiso axioma, Seta que aqui nio sesia necessatio distinguitmos dois niveis légicos pata os axiomas da comunicagio? Tesiamos entiio duas categosias: 1, axiomas que independem da mudanga de paradigma do observador, 2. axiomas que dependem do paradigma (ou tradicional ou sistémico) do observador 4° axioma Os seres humanos se comunicam digital analogicamente A tepsesentacio de um objeto com base na semelhanga entre 0 simbolo utilizado e o objeto tepresentado — por exemplo, a represen- tagto de uma atvore por meio do desenho de uma arvore — tem sido chamada de sepresentacio andloga, enquanto a representacio do mes- mo objeto pormeio de um simbolo atbitsasio, que nfo guarda nenhuma semelhanca com o objeto cepresentado — por exemplo, a representagio da mesma Atvore por meio da palavia ou nome érvore — tem sido cha- mada de reptesentagio digital Entio se dz que os humanos temos duas linguagens, uma, a lin- guagem analogica ou nfo verbal, e outsa, a linguagem digital ou verbal Alguns conhecidos jogos de salio — “Imagem ¢ Acio” ¢ “Desafi- no” —evidenciam claramente essas cas possibilidades de comunicagio © a maior ou menos facilidade que podemos ter em traduzic uma men- sagem de uma para outta linguagem. Se tiver A milo esses jogos, proponha ao grupo sealizar alguns lances. Nao estando disponiveis os jogos, proponha uma bsincadeita de transmitic um secado pot mimica Monte a situaco de modo que fiquem claras as duss tradugdes necessdsias: - por quem faz a mimica, a tradugio do digital (do tecado que Ihe foi dado vesbalmente) para o analégico; - por quem decifia a mimica, a tradugio do analégico para o digital Proponha uma convessacio com o gxupo sobse as facilidades /dificuldades implicadas nas duas situagées Na tradusio do digital para o analégico, ha sempre alguma perda de informagio. A linguagem digital tem uma sintaxe logica, convengdes padsonizadas, o que petmite boa dose de exatidio na transmissio do ‘Vew munter age es cenceites de dl ¢amigics,tl/ceme sender por Vatmsick Porim parece snpovtne rene ques oe gue de fr dseneocetn no orem catia ne gene he ‘let im ne camps dn iberndtens ds wonslepas computcsnae contetido da mensagem. A perda de informasio pode ficar muito evi- dente nessa situagio de se tentar passar o tecado por meio de mimica Na linguagem analégica—que engloba toda a comunicagio nfo-ver- bal: postura, gestos, expresso facial, inflexio da vor —nio se tem como septesentar uma negacfo, por exemplo, desenharum homem nfo plantan- do uma drvore ou comunicar que nfo vai mentis, nem existe equivalen- tes para as expressdes “Se. entio”, “ou .. ou”. Assim, é uma linguagem bastante ambigua e inexata, nio transmite adequadamente o contetido da mensagem. A ambighidade ¢ inerente 4 comunicagio analégica Por outso lado, sendo uma linguagem mais psimitiva ou ascaica— de cuja siquezase valem amplamente os animais, as ctiangas ¢ as pessoas com deficiéncia de linguagem — a linguagem analégica independe do dominio de codigos pelo usuitio, tendo, portanto, maior validade geral sendo ‘mais apropsiada para comunicar sobre as telagées A linguagem digital pesde impoxtincia quando o ponto centsal da comunicagio é a selagio. Quando se trata da selagio, confiamos ¢ dependemos muito da comunicasio analégica, como fica evidente no dislogo de um casal: Ela: Vocé nio me pedin desculpas Ele: Ob, quesidal Ja pedi, sim Ela: Pediu com voz... mat no pedi com a casa A dificuldade ¢ as limitagées da linguagem digital pata falar de as- pectos das relacdes, para expressar digitalmente o que estamos sentindo na selagio com o outso, leva-nos muitas vezes a recorter a metaforas: “sin- to-me como um passato, bem leve, voando bem alto”, “vejo-me como um. anfotinho, sendo peseguido por um gigante”. Porisso, a tradugio dalin- ‘guagem analégica para a linguagem digital — vesbalizar uma comunicario que foi secebica por mimica — deixa margem a intimesas possibilidades, Se, mesmo na linguagem digital, a interpretacio do contetido da mensagem vasia, como vimes, conforme a selagio entue os intedocu- totes, no caso da linguagem analégica, a selagio seta ainda mais de- tetminante. Cada um digitaliza a mensagem analogica — um aceno de cabeca, um presente secebido — conforme sua concepgio da natureza das relagBes. Pasa ilustear esse ponto, vale a pena transcrever o didlogo de um casal (Elkaim, 1990/1989, p 19-20) = Pata quem sio essas floxes? = Mas ... para vocé! = Desde quando voe# me di flores? De que esta querendo se desculpar? = Quesida, me deu vontadel = Vocé mio vai me ganhar com euas palavias doces, © que ha por tris disso? = Agosa amo posso nemte dar presentes? = Se fosse sincero, em ver de me dar sosas,tesiase lembrado de que prefiro lases, Ou simplesmente pedi a seceetasia pasa escolher floses pasa sua anihe? = Nao foi minha seceetasia. Fui eu mesmo quem as escolheu. = Porque vocé mio compsow llases? = Esqueci que voeé gostava de Hlases = Vocé vin? E pretende me dar peazes?! Nao quezo nada com suas flozes! © masido joga o buqué e sai batendo a posta enquanto ela xeplica, gatando: = Viu como eu tinha sxe? Quando é que voc vai pasar de me tostusas? A entrega de um presente ¢, claro, uma mensagem analégica ¢, como tal, podesa tex vasias interpretacées. Dependendo do que pensa quem recebe o presente a sespeito de sua relacio com quem o presen- teia, poder intespretar esse gesto como manifestagio de afeto, como tentativa de subomo, como settibuigio de algum favor. Quando, ao usarum detector de mentisas, colocando eletrodos na palma da mio do sujeito, os investigadotes traduziam 0 suar fiio (po- desiam também considerar o tremes, o gaguejas, o empalideces) como sinal de que 0 acusado se emocionava por ser de fato culpado, faziam- no a pattir da relacdo de desconfianga que mantinham com o séu, sem. considerar que esses mesmos comportamentos podesiam ser exibidos por um inocente pasando pela dificil situago de ter sobse si a suspeita de um crime Como um comentitio final sobre esse axioma, quero ressaltar que, pelas colocagées de Watzlawick sobse a linguagem digital e a analé- ‘gica, parece que na existéncia ou no de um cédigo verbal — constituido de simbolos asbitrasios — estatia a diferenga entre elas. Penso que aqui também costemos o sisco de nos manterna visio tradicional, reificando alinguagem, pensando que suas caractesisticas esto 14, para setem ob- jetivamente identificadas pelo estudioso da comunicagio, esquecendo- nos de que a diferena entre essas chas linguagens nfo se refere a uma sealidade extesios, independente do observador Adotando a concepcio de linguagem de Maturana, “parece que tudo ¢ linguagem (coordenaao de coosdenagio de condutas) ¢ que a diferenca se localiza no dominio de observagées do observador (no caso, de Watzlawick, que faz a distingic) e nfo na natuseza das intesa- Ges entre as pessoas que convessam. Codigo sesia o que o observador ‘vé como as regulatidades na coordenasio de coordenagio de condutas Parece que, quando o observador fala de linguagem digital é pomue ele abstraiu das coordenages um cédigo que ele vé como sendo “obede- cido” pelas pessoas (embora, no dominio de intesagdes entre as pes- soas, elas nio obedecam a cédigo algum, mas apenas ajam como sexes vivos em acoplamento estmutural). Talvez a linguagem analégica seja a comunicago (coordenagio de coordenagio de condutas) na qual o ob- servador nio tenha abstraido um codigo” (Esteves-Vasconcellos, 2006, comunicagio pessoal) 5° axioma Os padrées de interagio sio simétricos ou complementares A otigem dos conceitos de simetsia e complementatidade remonta a Bateson que, em 1936, trabalhando com uma tubo da Nova Guiné, iden- tificou a presenca desses dois tipos de interagio, além de ter se sefesido também a uma intesagio seciproca, (Esteves de Vasconcellos, 1991). Os padkSes interacionais podem ser evidenciados na dtamatizacio seguinte Pega que saiam da sala seis pessoas, que foumasio tsés duplas. Ao veltarem sala, cada dupla sepresentara uma intesagio entre uma dona de casa e sua empsegada doméstica 1 dupla: ambas contando vantagem sobse sua competéncia e desempenho culinasio, pretendendo definic o menu do dia 2 dupla adona de casa dando instmugdee a empregada sobse o menu acer preparado, ¢ atiltima acatando todas as osdens da patroa. 3 dupla a empsegada informando @ dona de casa o menu que decidin preparar ¢ dando-lhe instmugdes — acatadas pela patroa — sobre os ingtedientes que esta devesa providenciar No final, proponha uma convessagio com os demais presentes sobre © que observaram pesgunte quantos diferentes tipos de interagio identificaram, E evidente que, apesar de serem teés as situagSes encenadas, so apenas dois os padsdes de intesacio. No psimeito caso, se a patroa emite uma mensagem (uma pergun- ta ou uma afismagio de sua propsia competéncia) para a empregada ¢ esta responde com um comportamento do mesmo tipo (outsa pesgunta ou outta afitmagio de sua psdpsia competéncia), trata-se de uma inte- sacfo simétiica: 4 medida que interagem, vio definindo seu telaciona- mento como simétsico, um selacionamento entre iguais. Parece que pre- tendem comunicar uma 4 outra: “eu sou tio boa quanto voce”, fazendo esforzo para conseguir a igualdade. Propde-se um selacionamento entre iguais - com a minimizacio das diferensas. A intetagio simétsica tende a ser uma selagio competitiva, podendo instalarse uma disputa pela definigdo das telacdes, independente do contetido da comunicagio. Jaa segunda e a tesceisa encenagées representam um mesmo pa- dio interacional, o padrio complementas, apenas vasiando quem esta nas posig6es 1p ¢ down. As chuas exibem sepestésios diferentes de com- portamento (uma dé uma instrugio, ¢ a outra recebe; uma pergunta, ¢ a outea responce). Se uma define a relagdo, a outra aceita a definigio, ¢ a mensagem que comunicam uma 4 outsa patece ser: “tudo bem, vocé manda agora”. Propde-se um selacionamento entre diferentes — com maximizagio das diferengas — em que se ajustam mutuamente, cada uma se comportando de tal forma que pressupée a conduta da outra, ou seja, encaixando-se as duas definicdes da relagio, Entio, Watzlawick formula assim seu tiltimo axioma: “todas as pesmutas comunicacionais ou sio simétsicas ou sio complementates, se- _gundo se baseiem na igualdade ou na diferenca entre os patticipantes” Himpostante nfo esquecer que s6 quando se considera a resposta do parceito — jamais partindo apenas de um comportamento isclado de ‘um individuo — é que se pode identificar o padeio intesacional: simétsi- co ou complementar (Sluzki, Beavin, 1968) Ressaltando que simetsia e complementatidade nfo so intsin- secamente boas ou més, Watzlavick aponta também que ha “patolo- ‘gias potenciais” nos dois modos de intesar#o. Ambos podem tomarse problemiticos, o que costuma acontecer nas diversas diades dentro da familia (pai-filho, mie-filho, itmao-itm4) especialmente na diade con- jugal (masido-mulhes) No caso da interagio simétsica, pode se desenvolver a escalada simétrica, uma luta sem tréguas pelo podes, podendo cbservarse a re- jeigo do eu do outro. No caso da intesagio complementas, pode estabelecer-se uma complementasidade sigida, a manutengio de cada um dos membros da dade exclusivamente numa posi¢io Nesse caso, mesmo que cada um esteja ajustado, a selagio nfo é considerada saudavel, havendo, gesal- mente, desconfitmagio do eu do outso, Além desses dois tipos de interago, Watzlawick também se sefe- se Alinteracio recipsoca, nome dado por Bateson (1936) a um tipo de interasio que ele identificou entre os grupos que observou na Nova Guiné, no qual se altemam a interasio simétsica e a complementar Essa interacao reciptoca—que também ja foi chamada de interago pa- lela, interacio funcional, interacio sitmica —se identifica como uma classe de intesagio de um nivel légico supesior GEsteves de Vascon- cellos, 1991) E importante sessaltar que, 20 distinguir uma intesagio simétsi- ca ow uma interagio complementag, eu, observados, estou distinguindo uma relacio que se conserva entre cas pessoas, como organizacio do sistema que eu, como observador, as vejo constituir Assim, se distingo entre A e B uma selacio simétsica que se conserva, surge para mim um sistema, que existe enquanto existir essa selagio. Entre os mesmos Ae B, posso distinguir outea relaco, complementas, que engendra outro sistema, enquanto essa telario existir Portm, ao distinguir uma intesa- gio tecipsoca, Watzlawick esta distinguindo um tipo de telag#o — a osci- lacio - entre dois padsSes interacionais, emergindo um sistema de outro nivel légico, em que os componentes ou elementos nio so pessoas, mas sim padsées interacionais. Esses componentes so abstragdes ou sétulos abstratos usados pelo observador pata nomear interag6es ob- sexviveis entre pessoas. Um sistema como esse, constituido de padsdes intesacionais, somente pode existirno dominio de elaboragdes tedsicas do observador, seja Bateson, Watzlawick ou outro, e nfo no dominio de intecagdes entre pessoas que estes observam convessando ¢ se selacio- nando” Esteves-Vasconcellos, 2006, comunicagio pessoal) Segundo Watzlawick (1968/1967), a interagio reciproca constitu: uma “altesnagio flexivel de peemutas simétsicas e complementares; (_.) no 36 @ possivel, mas necessatio acs dois patceitos relacionarem-se simetsicamente em algumas areas ¢ complementarmente em outsas” (p. 103, 96) Aqui me pseocupa essa colocagio de que ambas — a intetagio siméttica e a intera¢o complementar — devem estar presentes nas cha- madas interagdes saudaveis, Paimeito, pode-se pesguntar pelo ctitésio de definigio de inte- ragio saudivel: quem o estabelece? como também, até que ponto um dos dois padsdes interacionais podesia integrar uma interagio saudavel © em que ponto ele comecatia a sex distinguido como dis fincional ou problemético? Segundo, se a selagio complementar pode evoluir para uma situ- aso em que um esta sempre 1p e 0 outro sempse dowm, até que ponto, nessa possivel evolucio, a interacio complementar ainda estasia contsi- buindo para uma relacio saudavel? Texceito, se Watzlavick considera que a intesagio simétuica tende a sex competitiva, estatia distinguindo a competi¢io como algo sempse ptesente — até necessatio —nas selagdes humanas? A meu ves, isso nfo setia consistente com a visio sistémica de que a cooperagio - ¢ nfo a competigio — é inerente a nossa natureza de humanos (Maturana, Re- ‘zepka, 2000/s.d), nem com a espesanga de que a disseminagio dessa nova visio de mundo implique resgatarse no s6 a cooperagio, como selagdes mais amorosas — ou éticas - entre os humanos, entendendo-se como tal as relages em que legitimamos 0 outro na convivéncia 4, Vendo a Familia, a partir do Quadro de Referéncia dos Axiomas da Comunicagio ‘Vocé pode montar uma situagio pata exescitar a identificasio dessas catactesisticas evidenciadas pelos axiomas, nas interacdes de uma familia. Peca a um pequeno grupo, quatro ou cinco pessoas, pasa simular uma familia conversando sobre alguma dificuldade, ou sobse algum psojeto em. que estejam envolvidas no momento. Assim como todos os demais presentes, observe — e segistee suas observagdes — a pattir desse quadso de refeséncia constituide pelos “aeiomas da comunicagio humana” ‘Tesminada a simulagio, proponha uma convessagio sobse © que cada um pontuow nas interaedes que obsesvou. Finalmente, parece importante sessaltar que, segundo Watzlavi- ck, esses axiomas foram identificados a pastic de uma vasta gama de observagées sobse os fenémenos da comunicacio e que seu destaque se deve a sua impostincia pragmética Esta, por sua vez, se desiva da sefecéncia intespessoal (ao-monidica), telacional ou sistémica: “am in dividuo nfo comunica; ele se envolve em comunicagio” Bircwhistell, 1959, apud Watzlawick et al, 1968/1967)

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