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as belas-artes reduzidas a um mesmo principio charles batteux toute do tances alalia maruyama ¢ odo des techs eatin adiano ribeira ico tera Victor knott dpresanio0ros ay marco auréto were WHATS mprensacfat 6 19 23 26 a 3a 37 40 45 48 eee apresentageo pr6logo parte | Donde se estabeloce a natureza das artes pela do génio que as produz cap. 1: dvisao e origem das artes cap.2: 0 g6nio apenas pode produzir as ares pela imitagéo: o que é imitar cap. 0 génio nao deve imitar @ natureza tal como ata & cap. 4 em que estado deve eslar 0 gnio para imitar a bela natureza ‘cap. 5: da maneira como as artes fazem sua imitacso ‘ap.6: em que g elogiéncia ea arquitetura diferem das outas ates, parte II nde se extabelece o principio da imitagio pela netureza e peas es do gosto, °F ai, ous soph ab.2: 0 cdeo do gosto sé pode sera natreze aps: proves trad da propia stra do gosto apa as es do gosto somenle com objeto 9 nitagd0 Ga bela aturera primera el eral do gost: iitr a ble natueza Cap: sepunda lei gerl do gost: que a bela naureza sla bem iitada 68 cap.6: que hd regres particulares para cada obra, e que o gosto 6 as encontra na natureza 70 cap.7: primeira consequéncia: que sé ha um bom gosto em geral, 73 ” 7% que pode haver vris dees em particular cap. segunda consequéncia: sendo as arts imitadoras da natureze, 6 or comparacéo que deveros jugs. duas maneiras de comparar cap.9: terceira consequéncia: sendo 0 gosto da nalureza o mesmo que o das artes, ha apenes um gosto que se aplica a tudo, até mesmo a0s costumes cap.10: quartaetitima consequércia: quanto ¢ importante formar © gosto o mais cedo como deveros formélo 83 86 87 92 4 108 ns nig 12 124 17 132 134 135 138 1a “7 parte Ill ‘onde 0 principio da imitagao € veriicado por sua apicagao 1a olfeentes artes, secdo! a arte podtica restringe-se @ imitagao da bela natureza ccap.1: onde sio refutadas as opinides contrérias 20 principio da imitagio ‘cap.2: as dvis0es da poesia encantram-se na imitacgo ap.3: as gras gerais da poesia das coisas estéo cantias na imitagao Ccap.4: a epopeia fem todas 2s suas regras na imitagao ap.5: sobre a tragédia cap.6: sobre a comédia cap.7: sobre 2 pastoral cap.8: sobre 0 apélogo cap.8: sobre 2 podsia lirica se¢a0 1 sobre a pintura secdo i sobre a misica ea danga cap. 1: deve-se conhecer a natureza da misica da danga pela dos tons e dos gestos ‘cap.2: toda misicae toda danga devem ter uma significacéo, um sentido ‘cap.3: das qualidades que devem ter as expressdas da miisica eas da danca ceap.4s sobre a unio das belas-artes apresentagao CO tratado Les beaws-artsréduits a un méme principe, publicado em 1746 pelo abacle Charles Batiux (1715-1780), professor de retrica € de pocsia grega’e latina no College Royal de Paris, constitu tum importante documento ndo apenas para o desenvolvimento da estética no século xvi, mas também como contibuigio his- ‘rica para 0 projeto ilaminista de totalizagao € unificagio do sa- ber humano. Na proposta de instituir uma lei viniea como base abrangente de todas as regras poéticas, seu esforco intelectual de sfatese se coloca ao lado de outras tendencias da época, aplicadas 40s mais variados dominios do saber, como atestarn 0 empreen- dimento da Encielopécia (Diseoure préliminaire de d'Alembert), de 1751, € 0 Ensaio sobre a origem dos eonhecimentos humanos, de Condillac, publicado também no ano de 1746. Como expocnte da estética clisica francesa, Battews procura icionais ¢ leis simples eapazes de dar conta de estabelecer critérios ra todo 0 universo artistico, Ernst Cassirer considera que nessa épo- cca se buscava um paralelismo entre as attes e as eigneias, pensiclo nos: “A natureza esta submetida a leis umiversais nos seguintes ter invioliveis; devem existir para a‘ espécic ¢ de igual dignidade. E, todas essas leis parciais deve nitagio da arte’ leis da mest com definitivo, harmonizarse e estar subordinadas a um principio nico ¢ simples, a um axiom da imitagdo em geral. Fs essa convie~ 20 fundamental que Batteux exprime pelo simples titulo de sta obra principal, Les beaurcarts réduits & un méme prineipe, a qual Parece proclamar o cumptimento vitorioso de todo o esfonga dos sé- culos xvit e xvitt em materia de método”. Aplicada ao dominio das regras poéticas ¢ das normas articuladoras das artes plisticas, essa atitude metodolégiea fez com que a obra de Batteus fasse também tuma das tltimas formulagdes de poétiea, na esteira da tradigio inaugurada pela Paética de Aristiteles e que se manteve viva como modglo-padrao desde a Antiguidade até meados do século xvi Depois disso comegaram a emergir outias formas de apreciagio do fenémeno artistico, a saber, a critica e a histsria da arte, as estéticas do genio e 0s sistemas estéticos (embora esses somente vingassem dgeadas mais tarde). A importineia de Batteux consiste, assim, em estar situado num momento de transigdo. De um lado, sua abordagem se liga 0 discurso tradicional ¢ a0 grande racionalismo do século xvi, no apelo ao conceito de imitagao da bela natureza [belle nature], na filingao as posticas ¢ na valorizagao dos modelos da rel6rica. De outro lado, porém, ao postular a necessidade de uma unifcagao, a insistir na idéia de um prinefpio tinico, pautado no coneeito de mitagio, quc estaria na base de toda produgdo artistica e poética, Batteus pode ser tido como precursor de novas formas de pensar ‘arte, que gradativamente vaa deslacando 0 foco de atengio de uma objetividade racional pars uma subjetividade intimista, En Set tratado jf se insinua a passagem entre una pottica que esti belece somente regras objetivas de produgio artistica e 0 dominio de uma flosofia da poesia e da arte, que mio se contentard apenas com a fixagdo dessas regras, mas questi ceulativo e interno. Nas trés partes que constituemm seu tralada se expelha a origi- nalidade de seu enfoque, enquanto solidifieag3o de uma ponte entre a tradigio da ret6riea e as formas emergentes de apreciagio nard seu principio espe- do objeto artistico. Na primeira parte trata-se do critério tradicio- nal e por assim dizer objetivo da imitagio da natureza, que regula 0 alo produtivo em todas as arts ¢ permite uma liga intima e uma espécie de fraternidadle. J na segunda parte entra em cena 6 momento “subjetiv",tipieamenle modem, do julgamento das obras de arte, ou sei, do bom gosto e sas regras, Considerande a regras do gosto como consequéncias do principio da imitacko, alinge-s, assim, como diz Batleus, win navo gran de certeza € de evidencia nas ates, de modo que na tereita pate trate de aplicar o prinefpio geral as espécies artsticas particulares. Passa-se da teoria para a pita, : Nesse percufso expositivo podemos perceber também uma : gem do parudigma da initado para oda c tecipagtio da passigem do paradig : : ae tanto marcow a estética de todo o séeulo xvut, Na nova ites! fccoinicga a:kciimpor-olcoletiva , as artes iculagao proposta das re’, Eno lugar dp bindmio, de origem renascent mecdnicas e das “ee Tiberais, articula-se agora a dialética entre artes tite ou uplicadas ¢ artes antOnomas. Aecepeito das idcias de Battews, porém, nem sem tosa, A geragio posterior a 1750 nao deixow de etiticd-lo fort nclo-o abstrato, estéril ¢ inimigo do livre desdabra- atividude, Dois exemplos de oposigaes virulentas 20 2, que sempre foi amis. nen te, consider mento da © sett projeto, Diderot afirma no Tratado sobre o belo, em ¥ “o senhor Abade Batteux lembra todos os prinefpios das belas-artes io da bela natureza; mas ele ndo nos ensina de nenhum Jao jovem Goethe, amos mais modo © que € a bela natureza’ 1 tarde as 3c tefert reeepgae alemal da obra de Batts, dint que «ase tipo de telexio se deslina apenas “ao estudante que procira nlos ¢ a0 frivolo diletante segundo a mocla"s is depoimentos tém de ser localizadlos nas or da hora, embora de alguma maneira ressocn poca como crilérios de julgamento do legac ck cle ussdes € nos a combates clo ainda em nossa : Battcux, quando se esquece que seu pensamento se insere nin rica tradigio de reflexdo artistiea ¢ est comprometido com uns visto de mundo do Antigo Regime, portanto, anterior & revolue 40 burguesa nas artes. Na defesa que faz dos antigos, no inte- rior da “Quercla dos antigos e dos modernos’, a sensibilidade de Batteus esté identificada cam aspiragées herdicas da época urea do reinado de Latiz x1v (1643-1715) e com ressondncias da literatura desse momento: a época clissieca do drama francés, quando brilharam Corneille e Racine, a renovagao da fibula (La Fontaine), da comédia (Moligre) e do estilo do aforismo (La Rochefoueauld) Além disso, tam se deve esquever que, a0 estabelecer lum nexo com a estética cléssiea, a poetica de Batteux recoloca a Franga num lugar de destaque no cendrio da teflexio européia, dominada naquele momento do fim do século xvit e inicio do xvur pela Inglaterra. Retrospectivamente, podemos entdo dizer que, por mais que tenha sido combatido pela nova geracao, 2 qual se apoiaré em parimetros antropolégicas novos, como o da wio da sensibilidade humana e da origem das Iinguas, muitos dos impuisos dessa mesma ger gragas ao seu gesto, mesmo enquanto reagio ¢ oposigio, Seja como for, a perspectiva de Battcux se nos mostra hoje de dificil assimilagio e gera uma sensagio de estranheza, afeitos ‘que estamos d heranga romantica e idealist isto €, desacostuma- dos 20 rigor chissico e & eoncepgao de um mundo hierarquizado, Com efeito, embora escrito numa linguagem simples, Iimpida e clara, o texto de Batleux se afigura de dificil leitura, porque requer familiaridade com o decoro e o registro tradicional da ret6rica. Entretanto, antes de nos entregarmos a julgamentos imediatos sobre essa maneira de pensar, nao seria antes 0 caso de suspendermos nossos preconceitas e procurarmos nos inserir mbito de abrangéncia? ‘Talver, a algo do que um dia jd fomos ou que ainda somos, mestio sem 0 saber, do que faz parte de nosso devir histérico. Talvez possamos perceber que, por exemplo, nem sempre a originalidade livre € genial constituiu 6 padrao de medida para a produgio artistica, 6 puderam se afirmar em seu a possamos pereeber Nesse sentido, a reflexao de Battewx é um convite para uma 10 ¢ tambéni para a frequentagio de um momento de constituigo do nosso mundo mderno, com todos os seus im- passes ¢ contradigoes, ‘marco auto werle professor de estética na departamnenta de filosofia da USD slo a mesmes das passagens originals loca tas for Adio Ri nda cles je sos repr ms Mens ene pnenne tint tes ‘siete bo con er fe sgn nome cas de mT Sete tons doce qu tna vere ime : ets gran cer ote om de tr geo pase elon sgn examen eo qu ecm fas a partir do século XIX" 3 prdlogo Ha quem reclame todos os dias do grande niimero de regras: elas cembaragam tanto o gutor que quer compor quanto 0 amante que quer julgar. Nao tenho de modo alg tarlhes aqui o nsimero, Meu d «queto tornar 6 fardo mais leve ¢ o eaminho mais simples. As re- ‘gras mulliplicaram-se pelas observagoes feitas sobre as obra ‘plifea prinofpios comuns, hi experiéncias e fundam em seguida sobre ela redux a um prinespio. omos muito ricos em observagdes. Trata-se de um fundamen- 1 intengao de aumen- nio é inteiramente diferent ever ser si is, remetendo essas mesmas observagdes a 10s os verdadeiros fisicos, que recolhem um sistema que as to que cresceu dia apés dia desde nascimento das artes até nds. Mas esse fundamento tao rico nos incomoda mais do que nos serve, Lemos, estudamos, queremos saber; tudo escapa, pois hii tum niimero infinito de partes que, ndo estando de modo algum ligadas entre si, formam apenas uma massa informe em lugar de tum corpo regular. "Todas as tegras sio ramos que partem de um mesmo tronco. Se remontissemos & st fonte, encontrariamas um prinefpio bastar: te simples para ser apreendido prontamente e bastante amplo para absorver todas essas pequenas regras de detalhe que conheceros sutficientemente pelo sentimento e euja teoria nto faz sendo inco- moda 0 espirito ser es cc-lo, Esse prine‘pio fisaria de uma s6 vex 0s vetdadeitos génios, € os libertaria de mil escripulos vaos para subineté-os apenas a uma tinica lei soberana que, bem compreen- dida, seria a base, o compéndio ¢ a explicagio de todas as out Ex ficatia muito feliz se esse designio estivesse ao menos esbo- sgado nesta pequena obra, a qual, de inicio, s6 empreendi para e: clarecer minhas préprias idéias. Foi a poesia que a fez nascer. havia estudado os poetas como os estudamos ordinariamente, nas cedigdes em que eles vém acompanhados de notas. Acreditava-me suficientemente instrufdo nessa parte das belas-artes para que pas- sasse logo a outras matérias, Entretanto, antes de mudar de objcto, acreditei dever,colocar em ordem os conhecimentos que eu tinha adquirido, e prestar contasa mim mesmo. Para comegar com uma iéia clara c 0 que € a pocsia? em que ela difere da prosa? Eu acreditava ser a resposta facil, pois é tao fiicil sentir essa diferenga. Mas nao era absolutamente suficiente sentir, eu queria uima definigdo exata Logo reconheci, entio, que quando en havia julgado os autores, 0 que havia me guiado era antes um tipo de instinto e no a razio. Senti os riscos que havia corrido, e os erros nos quis poderia ter caido por nio ter retnido a luz do espfrito com o sentimento. Reprovava-me ainda mais quando imaginava que essa luz. € es- ses principios deveriam encontrar-se em todas as obras nas qua se tenha falado de poética, e que era por distragio que cu nia os tinha notado mil vezes. Retomo sobre meus passos. Abro olivro de Rollin, encontro no artigo sobre poesia um discurso muito sensato sobre suta origem e sobre sua destinaco, a qual deve estar voltada intciramente para o proveito da virtude. L slo citadas belas passa- gens de Homero, & dada a idéia mais justa da sublime poesia dos livros santos, mas 0 que eu pedia era uma definigao, Recorramos aos Daciers.$ aos Bossus, aos d’Aubignacs nla 5 consultemos de novo as reflexdes ¢ as dissertagdes dos escritores célebres. Mas em todo lugar s6 encontramos idéias semelhantes as respostas dos ori- alos: obscuris vera involvens? Fala-se de fogo divino, de ent mo, de arrebatamentos, de delirios venturosos, todas essas grandes palavras que surpreendem 0 ouvido e nada dizem ao espitito. ‘Ap6s tantas buscas imtiteis € no ousando entrar sozinho em uma matéria que, vista de perto, parecia tio obscura, alrevia-mne a abrir Aristételes, do qual cu havia escutado exaltarem a Poctica. [Eu acreditava que ele tinha sido consultado € copiado por todos os imestres da arte, mas vérios nem mesmo o haviam lido, ¢ quase 1 guém tinh tad algo dele, com excegio de alguns comentadores que, tendo constituide em doutrina somente o que era necessirio para esclarecér mais ot1 menos o texto, s6 me deram comegos de idéias; ¢ essas idéias cram t30 sombrias, to encobertas, to obscu- ras que eu quase me desesperava de encontrar em algum lugar a resposta precisa a questio que eu me propusera, € cua solugio me a inicialmenite to ici de resolver. rctanto, ofprinefpio da imitagHo, que o filésofo grego estabe- lece para as belas-artes, me atingira. Eu havia sentido sua justeza para a pintura, que é uma poesia muda. Aproximava-o das idias de Horacio, de Boileau ¢ de alguns outros grandes mestres. Acrese tei-lhe varios tracos extraidos de outros autores sobre essa matéria, ‘Amaxima de Hordeio se achou verificada pelo exame: ut picttra ppotsis® Constatou-se que a poesia era em tudo uma imitagao, assint como a pintura. Eu ia mais longe: tentava aplicar o mesmo prinet pio misica e & arte do gesto, ¢espantou-me a justeza com a qual cle Ihes convinha. Foi isso que produziu esta pequena obra, onde se pressente que a poesia deve oeupara posig20 principal, tanto por causa de sua dignidade, quanto porter sido sta ocasizo. Ela est dividida em tr@s partes. Na primeira, examina-se qual podle sera natureza das artes, quais sfo as suas partes e as suas di ferengas essenciais, e mostri-se pela qualidade mesma do espirito humano que a imilagio da natureza deve ser seu objeto com que clas 36 diferem entre si pelo meio que empregam para execu! a essa imitagao. Os meios da pintura, da misica e da da ates, as sons € os geslos: 0 da poesia &o discurso. De modo que se v@, de um lado, a lig na € una espécie de fraternidade {tue inte todas as artes, todas elas rebentos da natureza propondo- se o mesino fim, regrando-se pelos mesmos prineipios ¢, de outro lo, suas difereneas particulates, © que as separa eas distingue tins das outras, Apos ter estabelecido a natureza das artes pela do s8nio do homem que as produiy, era natural pensar nas provas ‘ie porteriam ser tis do sentinvento,sobretuclo porque o jis tata de todas as belassartes € 0 gosto, e porque a rardo mesina nao ¢stabclece suas regras senso em relagia a cle e para Ihe agradar. Se ocorresse que o gosto estivese de acordo com 0 génio e concortesse a preserever a5 mesmas regras para todas as artes em geral¢ para dlelas em particular, tratarse-ia de um novo grau de cor [o78 ¢ de evidéncia aerescentado as primeiras pros, Pa isso que formou a matéria de uma segonda parte, onde se prova que-o born Bosto nas artes estd absolutamente conforme as idelas estabelecidas 1a primeira parte, e que as regras do gosto sio apenas consequén, cias do principio da imitagdo pois, se as artes sio essencialmente nitadoras da bela natureza, segue-se qtte o gosto da bela naturexa tleve se essenciahente © bom gosto nas ates. Bsa consequénela se desenvolve em varios artigos onde se trata de expor 0 que € o gosto, do que cle depende, como ele se cotrompe ete, Etoclos essen artigos sempre se tornaram prova do prineipio geral da imitagao, ‘que abarea tudo, Essas dias partes contém as provis do racigernig, Aerescentamos a clas uma terccia, que inclu aquelas que sao tiradas do exemplo ¢ da propria conduta dos artistas: € a teoria ve tilled pela prities. © principio geal € aplicado as especies parti cilates, ¢ a maior parte das tegras conhecidas sio remetidas 4 imi, tagao e formam um tipo de cadcia, pela qual o esphrito apreende ao "no tempo as consequéncias¢ principio como um todo perfer. tamente Tigndo e eujas partes se sustentam todas mutwamente, Foi assim que, buscando apenas uina definigio da poesia, esta obra se ormou quase sem designio e por uma progtessio de iddias, denine 48 quais 2 primeira foi o germe de todas as outras, 0 fi parte | onde se estabelece a natureza das artes pela do génio que as produz Reina pouca ordem na maneira de tratar as belas-artes. Julgue- ‘mos pela poesia. Agieditamos dar idéias justas a seu respeito a0 dizermos que ela abarca todas as artes, pois dizem que se trata de um composto de pintura, de mitsica e de eloquéncia, Como a cloquéncia, ela fala, ela prova, ela narra, Como a miisica, ela tem uma marcha regrada, tons, cadéneias, cuja mistura forma um tipo dle concerto, Como a pintura, ela desenia os abjetos; cla esparge funda todas as nuangas da natureza; em: wwra, ela cel; cla emprega a melodia ¢ os acordes; be tornse-la amada, as cor fax. uso das cores ¢ do cla mostra a verdade, ia abarca todas as espécies cle mat brilhante na histé a. Ela se ocupa do nos campos da Flor roja aos c6us para admirar a marcha dos astros, ela mer- guilha nos abismos da terra para examinar os segredos da natuteza, cla penetra alé junto aos mottos para ver as recompensas dos justos os suplicios dos impios — ela compreende todo 0 universo, Se esse mundo nao the basta, ela eria mundos novos, que ela embeleza com moradas encantadas e que povoa de mil habitantes diversos Li, ela ccompie os seres A sia maneira, nada gerando que nao seja perfcto, superando todas as produgdes da natureza, Trata-se de uma espécie ia: cla provoca ilusio nos olhos, na imaginagio, e mesmo 10 esptilo,e consegue até proporeionar aos homens prareres reas can wn engi qm. Poin qu a mr pte ds autores filaram da poesia, ¢falaram quase o mestio das outras ares lenos do mito dau uss entregav, das nos detam deserigdes pomposas em lugar de nos dar tao-smnente urna dlcfinigto precisa, como Ihes fora pedido; ou, se tentatam defini. las para nos, como a natureza & em si mesma muito complicada, tomaram as vezes 0 acidental pelo essencial, ¢ 0 essencial pele tal, As veres até mesmo, levados por um certo inteesse de imitor, aproveitaram-se da obscuridade da materia, e nos deram idgias formadas segundo o modelo de suas préprias obras, . Na res i moraremos, aqui em tefutar as diferentes opinides ic exislem sobye a esséncia das artes c, sobretudo, da poes, C mecaremos por eatabelecer nosso princ om _ ao equal tenha sido bem provadlo, as provas que 0 lerao ¢slabelecid se tor nardo a tefutagko dos outros sentimentos acicl cap.1 divisdo € origem das artes comegarmos aqui pelo elogio das artes em ge- nesmos Nao € necessi ral, Seus beneficigs anumciam-se o bastante por eles todo © universo esta repleto deles. Foram clas que construfram: as cidades, que reuniram os homens dispersos, que os tornaram polidos, os stuavizaram, os tornaram capazes de sociedade. Desti- nada, mas a nos servir, outras a nos encantar, algumas a fazer ambos ao mesmo tempo, elas se tornaram de certo modo para nds uma segunda ordem de elementos, cuja eriagio a natureza havia reservado para nossa indistria* Podemos dividi-las em ts espécies, em rel Algumas tém como objeto as necessidades do homem, © qual a natureza parece abandonar i prépria sorte Ho logo tena do: exposto uo fro, a fome, a mil males, ela quis que os rew © 0s preservativos que Ihe so necessirios fossem o prego de st 20s fins a que elas se propdem. indtistria ¢ de seu trabalho. Eintao nasceram as artes mectnieas Outras tém como objeto o prazer. Estas 86 puderam nascer no seio da alegria e dos sentimentos que produzem a abun dancia ¢ a tranquilidade, Chamam-nas belas-artes por exee Teneia. Tais sao a mtisica, a poesia, a pintura, a escultura ca arte do gesto ou a danga. A terceira espécie contém as artes que tém como objeto a utili- dace ¢ o encanto juntos: tais sao a eloquéneia e a arquitetura, Foi a necessidade que as fez eclodir, ¢ 6 gosto que as aperfeigoou, Flas mantém-se como que entre as outras duas espécies, pattilhando com el lade. As artes da primeira espécic empregam a natureza tal como cla ¢, unicamente para uso. As da terceita a empregam polin- dlo-a, para 0 uso para o encanto. As belasartes no a empregam, ‘mas somente # imitam, cada uma A sua maneira, Isso precisa set explicado, 0 que seré feito no préximo capitulo. Assim, apenas a atureza € 0 objeto de todas as artes. Ela contém todas as nossa necessidades € todos 0s nossos prazeres; ¢ as arles mecinicas ¢ liberais sto feitas apenas para dela extraflos. Falaremos aqui apenas das belas-artes, isto é, daquelas euyio primeito objeto ¢ agradar. Para melhor eonhecé-las, remonternos a casa que as produziu. Foram os homens que fizeram as artes, « foi para cles mesmos que as fizeram. Entediados com o deleite demasiado uniforme dos objetos que, sozinha, a natureza thes ofe- recia, ¢ encontrando-se, aids, em uma sittagio propria para rece ber o prazer, eles recorreram ao seu génio para se proporcionarem luma nova ordem de idéias e de sentimentos, que despertasse sett espitito e reanimasse seu gosto. Mas que podia fazer esse genio limitado em sua feoundidade © em suas visdes, as quais nao po- diam ser conduzidas além da natureza? e tendo, de outro lado, que trabalhar para homens cujas faculdades estavam confinadas nos mess limites? Todos as seus esforgos ted riamente a fazer uma escolha das partes mais belas da natureza ara formar com clas um todo requintado que era mais perfeito do que a propria natureza, sem, contudo, deixar de ser natural. Eis 0 Principio sobre 0 qual se erguia necessariamente o plano funda- mental das artes, ¢ que os grandes artistas seguiram em todos os sécutlos. Donde eu coneluo, Primeiramente, que 0 génio, que é 0 pai das artes, deve imitar tureza. Segundo, que ele nao deve imité-la tal como ela € Wo eneanto eau eco, que o goss, pata o qu artes tas ee 69 ue els, deve se saito quando a natrea ¢hemcscalhida eer imitada pelas artes. Assim, todas as nossas pioias deve : ad es estabelecer a imitagao da bela natureza: 2) pela natureza p vl conduta do génio que as produ; 2} pela do gosto, que € seu tio, Essa 6a matéria das duas primeiras pares. Acreseentaremos do principio as diferen- 4 feita a aplicag ta trea, na qua se fit apleago d princi {es especies de atte, 8 poesia, d pintura, a mifsien © i danga, cap.2 0 génio apenas pode produzir as artes pela imitagao: 0 que é imitar O espirito hun produgées carte que = ‘6 pode ar impropriamente: todas as suas en a marca de umm modelo, Mesmo os monson «ma imaginaedo desregrada desenha en seus deltion, nag podem ser compostos senio de partes tomas ‘ Aénio, por eapricho, faz dessas partes wun conjunto naturais, degradando a nature nao iatureza. Se 0 ‘ontritio &s leis a, cle degmada-se a si natu dg ¢ lase asi mesmo ¢ vira espécie de loucura. Os limites estiio. mareados ¢ assim que os ultrapassamos, perdemo-nos. Fazemvos, antes, um exes « Inno nsmos hero mas do que paz sole ue alla por agar nio deve, portant, em , limites da pri : c ; la propria natureza, Sua fungia consiste na Gin fnagnar o que nope se, mise enero cee ie € dar entra a um obj, mas renee ande let como ee & Os homens de gnio ie mes. {2m descobtem apenas aque que exists anterinmente. Pls 5 wo exiadores por trem observe reejroeamente 6 sh 0 dors po estar em condi de ria. Ox menos objets os inc lam, les entrgansea eles pois thes propor a conhecimentos, ampliando oe ‘onam sempre novos ‘abedal de seu es sua fecundidade, sonio & deaiopeheee ws feeundiade O genio € coma tera que a par ade Ie que nao tenha recebido a semente. Essa comparagao, muito longe le empobrecer os artistas, serve apenas pata fazé-los conhecer a fonte ¢ a extensto de suas verdadeiras riquezas que, por isso, so Imensas. Ja que todos os conheeimentos que 0 espirito pode adqui- fir na natureza tornamese o germe de suas produgdes nas artes, 0 Jénio nao tem outros limites, do lado de seu objeto, senfio daqueles do universo. O génio deve, entio, ter um apoio para se clevar e se sustentar, ¢ esse apoio é a natureza, Ele nao pode eri-la e io deve destruc, cle 96 pode, entio, segui-la € imité-la e, consequente- mente, tudo o que cle produz s6 pode ser imitagio. Imitar & copiar un modelo. Esse terme contéin duas idéias 1) O protétipo fue traz 0s tragos que se quer imitar. 2) A ed que 0s representa, A natureza, isto &, tudo o que existe, ou 0 que nds concebemos facilmente como possivel, eis 0 protétipe ou 6 modelo das artes. E. preciso, como acabamos de dizer, que o in- dustrioso imitador Jenha sempre os olhos pregados nel, que ele a contemple incesfantemente: por qué? Porque cla abrange todos (6s planos das obras requlares ¢ os designios de todos os ornamen tos que podem nos agradar, As artes ndo eriam suas regras: elas sfio independentes de seu capricho e invariavelmente tragadas a cexemplo da natureza Qual é entio a fungio das artes? F. a de transportar os tragos gue estao na natureza € apresenti-los em objetos que nal so na- turais. E assim que o cinzel do escultor mostra um herdi em bloco de mérmore. O pintor, com snas cores, faz sobressair da tel todos o8 abjetos visiveis. O misico, com sons artificiis, Faz bramir a tempestade, embora tudo esteja ealmo; e 0 poeta, enfim, com rverigao € com a harmonia de seus versos, preenche nosso espirito de imagens fingidas e nosso coragao de sentinsentos att ciais frequentemente mais encantadores do que seriam se Fossem \ verdadeiros e naturais. Donde conclio que as artes, naquilo que | € propriamente arte, so apenas imitagdes, semethancas que | sao a natureza, mas que parecem sé-lo; € que, assim, a materia dis |belasartes nto ¢ 0 verdadeto, mas somente o verosini sua consequéncia € bastante importante para ser desenole vida ¢ provada inente pela aplicagdo. O que é a pintura? ddos objetos vistveis. Ela nada tem de real, nada tem de verdadeiro. Tudo nela é aparéncia, e sua perfeigdo 96 de- le de sua verossimilhanga com a realidade. ‘Anvisiea ea danga podein até regrar os tons e 0 gesos do ora: ‘lor na eitedra do eidadao que reata em uma conversa, nas ning ® Por iss0,que as chamamos propriamente de artes Flas podem perder-se também, uma em caprichos, onde os sons se enrecho. cam sem designio, a outra em tremores e silos de fantasia core {udo, nenbuma delas se encontza ainda em seus limites legitimos. Para que seiam o que devem ser, € preciso, portanto, que slave tornem a imitagdo, que elas sejam 0 quadro artificial das Paixdes humanas. E somente entio que as teconhecemios com prazer e que nos dio a espécie © o grau de sentimento que nos satistaz, || Bnfim, a poesia vive apenas de ficgao. O lobo, ela, traz os {rages do homem poderoso ¢ injusto; o cordeiro, os do inocente oprimido, A écloga"® nos oferece poemas pastoris que sio apenas semethangas, imagens. A coméiia faz o quadro de um Harpagio ‘deal que s6 por empréstimo possui os tragos de uma avareza real 1p Attagédia é poesia apenas naguilo que ela finge por imitagdo, Cé- “ar teve tuma desavenga com Pompeu: isso nao é poesia, & historia Mas, que se inventens discursos, motivos,intrgas, tudo segunda (as idias que confetem a historia de ‘eatdter ¢ da fortuna de César ‘Sede Pompeu; eis o que se chama Poesia, pois somente isso é obra S do genio ¢ da ante cpopéia, enfim, ¢ apenas um relato de agdes possiveis, apre- t sentadas com todos os caracteres da existéncia, Juno e Enéias nun « disseram nem fizeram que Virgilio Ihe acibui; mas poe. riam t@-o feito ou dito, isso basta para a poesia, ‘Trata-se de eng tema ilusdo, que tem todos os earacteres da verdade, Assim, todas as ates, em tudo o que tem de verdadeitamente tific, sio apenas coisssimagindrias, sees fngides, copier ¢ imitados segundo os verdadeiros. i por isso que se coloea inces. oa a, que se escuta em todo Hemente a arte em oposigao & natureza, 4 io pr apenae ee gto que natura que precio ita, que ie pera quand represents peat, cr, ge ihras-primas da arte so aquelas que imitam ti 4 tomamos pela natureza mesma - Tes imitaqo para a qual nds todos tomos uma dispotggo Hons pos 0 crema qu nse qu pt o neo hu Pine vies deepest ds ara causam, O espfita se exerce nt nis fontes do prazer que as ares caus: pile eee omparagio do modelo com e quado; su juio a exe empeio nda mais agradsvel, jf que Ihe serve Tr cvcca uma impresia ‘ fo e de sua inteligéncia como testemunh® de sua penetrag: Ta dotena no nova, Eoeontarno la porta parte nasa igs. Aristicles comeca sua poctica com est principio: que a mi- tesa dang 8 poesia ea intra so artes imitalivs Eat que todas a contram, Segundo Platao, para ser po- asregtas de sua poétig se encontam, Se paseo tam basta relatar/ preciso fing erara ago que se lata. Ei Bs Replica, ele colena x posts porque sero exencialments sun Replica, cle condena cen esencalent uma mitag, os objets que la mit pote comrom {umes. Horacio tem o mesmo prineipio em sua arte poetics si fautoris eges aulaca manentis atctati eujusque notanl sunt tbi mores, mobitbugue de matrsdandaset amis Por que observar os casturnes, por que estudé-los? Na intuito de copiielos? respicere exemplar morum vitaeque jubebo doctuan imitatorem, et vivas hine ducere drt naregaeatn rama Re reae omceniens tae 6 to fécil quanto pintar desse modo: mas tei, una fiogao, uma obra de genio, acima das forgas de qualquer espitito mediocre, sudet multi frustsique laboret.s Os pr6prios termos dos quais se serviramn os antigos ao falarem 0: 08 gregos dlizian poiein.® Os latinos traduziam primeito termo por facere; (08 bons autores dizem facere poema, ilo é, forjar, fabricar, eria, Eo segundo, cles 0 deram ora por singere, ora por imitari, que signifiea {unto uma imitagio artificial, tal como aparece nas artes, quanto luna imitagao real e moral, tal como aparece na sociedade. Mas como a significagao dessas palavras foi, na passagem dos tempos, estendida, desviada, restringida, ela dew lugar a male tendidos e obseureceu prineipios que eram elaros por eles mesmos 1s primeiros autores que 0s estabeleceram. Entendeu-se por fie 0 as fabulas que fazem intervir 0 ministério dos deuses, e que os fazer agir em uma agio; porque essa parte da ficgdo é a mais nnobte.” Por imitagdo, entender-sc, nao uma edpia artificial da na- turexa, que consiste precisamente em represent-la, em arsenedd- {a [.-; mas toda espécie de imitagao em geral. De modo que esses termos, ndo tendo mais.a mesma significagao que outsora, deixaram de ser opropriados para earacterizar a poesia, e tornaram a lingua _gem dos antigos ininteligivel para a maior parte dos leitores, De tudo 0 que aeabamos de dizer, resulta que « poesia s6 subsiste or imitacao, O meso ocorre com a pintura, a danga, a musica: nada ¢ real em suas obras, tudo €imaginado, forjado, copiado,artifi cial. Eo que faz seu caniteressencial em contrapesicdo a naturesa, dla poesia provam que eles a consiceravamy ta imita cap 3 0 génio nao deve imitar a natureza tal como ela é O génio e o gosto tém uma ligagao tao intima nas artes que ha ‘casos em que nao se pode uni-os sem gue paregam confundirse, nem separiclos sem {uase Ihes subtrair suas fungdes. E 0 que se rel dizer 0 que deve fazer 0 experimenta aqui, onde nao é poss : gtnio, ao imitar a natureza, sem super 0 gosto que o guia. Fomos obrigados a tocar aqui ao menos levemente nessa matéria, para preparar o que se segues mas reservamos falar sobre isso de modo ‘mais demorado na segunda parte. Arisliteles compara a poesia com a historia: sua diferenga, se- gundo cle, nfo esté na forma nem no estilo, mas no contetide das Cofsas.* Mas como assim? A histéria pinta o fat, «que podria ter sido fato, Uma esté ligada ao verdadero, ela nfo cria nem agdes nem atores. A outta s6 se atém ao verossfiil: cla in- \enta, imagina como quet, ela pinta de meméria, O historiador dt os exemplos tais como sio, frequentemente imperfeitos. O poeta os di tais como deveriam ser. B € por isso que, segundo 0 mesino fili- sofo, a poesia é uma ligSo muito mais instrutiva do que a histéria, Sobre esse principio, é preciso conclu tadoras da quie nfo a copia servilmente; mas que, eseolhenclo 0s abjetos ¢ 0s poesia pinta o as artes sto imi lureza, deve ser uma imitagio sabia e esclarecids a ptesenta-os com toda a perfeigdo da qual slo suscetiveis sma para, uma imitagao onde se vé a natureza, nfo tal como cla é em si mesma, mas tal como cla pode ser, etal como pode ser conecbida pelo espitito. © ave fr Zens quand qui par eka peta Re oqo de guna Blea patel, da qual sa pinta foe a histri? Nao, Be reunin os tags separados de iis belezas ‘existentes. Ele formou em seu espitito uina imagem artificial que resultou de todos esses tragos reunidos, e essa imagem foo pro- tipo oo model de seu quad, ge fixes e poten em sua totalidade, ¢ 36 foi verdadeiro e histérico em suas es tomadas separadamente. seem sues pars , Eis 0 exemplo dado a todos os artistas: eis 0 caminho que eles dever seguir, c essa &a pritiea de todos os grandes mestres sem excego, Quando Mole ui intr a misantopia™ nao cn cn Pris um orginal do qa su pga fs una exata, Ele fez apenas uma histéria, um retrato; ele apenas em parte a temo como lige, Mas ele ecelhe todos os tagon de humor negro que pade notar nos homens: acrescentou a isso tudo ‘que 0 esforgo de seu genio pide Ihe fornecer no mesmo went; € de todos esses tragos aproximados ¢ itmanados ele figure ui cariter nico, que no fia representagto do verdadeiro, mas do sont Sua comédia ndo foi a historia de Alceste, mas a pin. jura de Alceste foi a historia d: ntroy ‘ ia da misantropia tomada em geral! & deve modo le fr alo ato mor doe tein ftom historiador eserupuloso que tivesse contado alguns ct deiros de u isantropo real, aetna ses dois exemplos bastam, por enquuanto, para dar uma idéia ae dstnta do qu se chama bela natura. No se ata do verdadciro que 6, mas do verdadeiro que pode ser, belo verdadet. £0, que € representado como se exists realmente € com todas as psc le pode receber. Is0 no impede que 0 verdadeiro © © Teal possam ser a matéria das artes. I assin corel sam eam assim que as musas se cl quentemente por suas cores a asticia de nossa arte sabe dar Hencia d ilusio do verdadeiro, mas sabemos também, por esse 110 dominio, cantar a verdade sem amdlgama e sem ‘Se uum fato hist6rico se encontrasse de tal modo talhado que WJesse servir como plano para um poema ou para um quadro, pintura, entZo, ¢ a poesia, empreglo-iam tal qual ¢ usariam {ys ditcitos, de outro lado, inventando circunstineias, eontrastes, Miluagdes etc. Quando Le Brun pintou as batalhas de Alexandre, Jjyvia na histéria o fato, 0s atores, 0 local da cena. Entretanto, que {ivengiio! Que poesia em sua obral A disposigio, as atitudes, a ex- pressio dos sentimentos, tudo isso estava reservado para a eriaga0 lo genio.’ O mesfio com 0 combate dos Horicios que, de hist6- tia que era, modificou-se em poema nas maos de Corneille, ¢ © triunfo de Mardoqueu, nas de Racine. A arte constréi entio sobre ‘ fundo da verdade, e deve misturé-la tao habilmente com a ilusio {que ambas formam wyp todo de mesma natureza: atque ita men- titur, sic vers falsa refniseet, primo ne medium, medio ne discrepet imum25 Eo que se pratica ordinariamente nas epopéias, nas tragé- dias, nos quadros hist6ricos. Como o fato ndo est mais nas mos ‘da hist6ria, mas esta se encontra livre no poder do artista ~a quem € permitide tudo ousar para chegar& sua meta —, o artista molda © fato novamente, se ouso dizer, para Ihe atribuir uma nova forma: cle acrescenta algo, subtrai, inverte, Se é um poema (dramatico}, encerra-se a intriga e prepara-se ‘o desenlace etc., pois é suposto que o germe de tudo isso esté na histéria, ¢ que se trata apenas de o fazer eclodit. Se nela no esti a arte entio goza de todos os seus direitos, em toda a sta extensio, cla cria tudo de que tem necessidade. Trata-se de um privilégio que Ihe é conferido, pois ela é obrigada a agradar. 33 cap. em que estado deve estar 0 génio para imitar a bela natureza Os gétrios mais feetndos nem sempre sentem a presenga das ‘musas. Eles experimentam tempos de secura ¢ de esterlidade, Averve de Ronsard,* que havia nascido poeta, repousava durante varios meses. A musa de Milton tinha desigualdades de que sua obra se ressente Para ndo se falar de Esticio,” de Claudiano,38 € de tantos outros, que experimentaram reffluyos de languidex € de fraqueza, 0 grande Homero nao dormitava algumas vezes no meio de todos os seus herdis ¢ de seus deuses? Fé, portanto, ‘momentos felizes para o genio, quando a alma inflamada como Por um fogo divino tepresenta toda a natureza e expande sobre todos os objetos esse espitito de vida que os anima, esses traos tocantes que nos seduzem ou nos arrebatam. Bssa situagao da aluta chama-se entusiasm, termo que todo mundo compreende © bastante, e que quase ninguém define. As idéias que dele nos «lio a maior parte dos autores parecem sair mais da prépria ima- Icio assombrada e castigada por um entusiasmo do que de m espfrito que tenha pensado ou reffetido. Ora se trata de uma visio celeste, uma influéncia divina, um espitito profético, ora € uma embriagner, um éxtase, wm gozo mesclado de agitagio ¢ admiragio na presenga da divindadl. Sera que, com essa linguagem enfética, eles tinham o designio de ‘naltecer as artes, e despojar os profanos dos mistérios das musas? Para nés, que buscamos esclarecer nossas idéias, afastemos toda ‘98a pompa alegérica que nos ofusca. Consideremos 0 entusiasmo como um filésofo considera os grandes, sem nenhum respeito por ess v2 ostentagao que o rodeia, e que 0 escondle. A divindade que inspira os autores excelentes quando eles compdem & semelhante Aquela que anima os herdis nos combates: sua euigue deus fit dira Em alguns, é a audacia, a intrepidez natural animada pela presenca do perigo. Nos outros, é um grande fundo de gé- de um fogo nobre ¢ que se acende as almas privilegiadas apossam-se fortemente da impressao das coisas que concebem, ¢ ntinca deixam de reproduzi-las com um novo cariter de prazer ¢ de forga que elas tes comunicam, Eis #fonte € o prinespio do entusiasmo, Sente-se nitativas da bela jf quais devem scr ses efeitos em relagio 3s artes i nnatureza, Lembremo-nos do exemplo de Zéuxis. A natureza tem em setts tesoutos todos os tragos que as mais belas imitacdes podem ser Ccompostas: slo como esbogos nas pranchetas de um pintor. O artista, que ¢ essencialmente um observador, reconhece-os, tira-os da vul- garidade ¢ os organiza. Disso cle compée um todo do qual concebe ‘uma idéia viva que 0 preenche. Logo seu fogo se acende, 8 vista do objeto; cle se esquece de si mesmo; sua alma passa para as coisas que ele cria. Ora ele é Cina, ora Augusto, ora Fedra, ora ese se trata de La Fontaine, ele 6 0 lobo ¢ 0 cordeir, 0 carvalho ¢ ‘0 canigo.” F nesses arrebatamentos que Homero vé os carros ¢ 0s ceavalos dos deuses, que Virgilio ouve os gritos horriveis de Phlegias nas sombras infernais, ¢ que ambos encontram coisas que nao esto ‘em lugar nenhum e que, entretanto, io verdadeiras: (-.] podta cum tabulas cepitsibi, quaerit quod nusquam est gen- tium, repperit tamen* E pelo mesmo efeito que tal entusiasmo é 1 tores ¢ aos misicos. Eles devem esquecer seu estado, sair de si tessirio aos pi 25 mesmos € colocar-se no meio das coisas que queiram representar. Se querem pintar uma batalha, eles se transportam, assim como 0 poeta, para 6 meio da luta: eles ouvem o tumulto das armas, os gri- tos dos agonizantes, eles véem o furor, a carnificina, 0 sangue, Eles 'mesmos excitam suas imaginagdes, até que se sintam comovidos, anrebatados, assombrados: enti, deus eece deus, que eles cantem, que pintem, & um deus que os inspira: |] bela horrida bela, et tibrimmulto spumanstem sanguine cerno.® Fo que Cicero chama mentis viribus exeitari, divine spiritu affla 1 Kis © Furor poético: eis 0 entusiasmo. Kis o deus que o poeta ‘invoca na epopéia, que inspira o herdi na tragédia, que se transforma cem simples burgués na eomédia, em pastor na égloga, que dé raza e palavra aos animais no apdlogo®. Enfim, o deus que faz 0s verdadei- tos pintores, mijsicos ¢ poctas, Acostumados que estamos a exigir o entusiasmo somente para 0 grande fogo da lira ou da epopéia, surpreendemo-nos talver ao ouvite mos dizer que ele & necessério mesmo para 0 apdlogo. Mas © que é © entusiasmo? Ele s6 contém duas coisas: uma viva tepresentagao do objeto no espitito, e uma emogio do coragiio proporcional a esse obje- to.Logo, assim como hé objetos simples, nobres, sublimes, ha também enntusiasmos que thes correspondem, e que os pintores, os msicos 0s poetas partilham segundo os graus que eles atingiram; e nos quais €necessirio que eles se coloquem todos, sem nenhuuma excegao, para chegarem a seu fim, que € a expressio da natureza em sua beleza E por isso que La Fontaine em suas fibulas e Moligre em suas come. lias io poctas, como também sio grandes poctas Corneille em suas tragédias e Rousseau em suas odes 00p.5 . da maneira como as artes fazem sua imitagao “ AAté aqui tratamos de mostrar que as artes cousistiam na imitagao € que o objeto dessa imitagio era a bela natureza representada 20 , espirito no entusiasmo. Resta apenas expor a maneira como ess nitagio € feita. E, Jesse modo teremos a diferenga particular das artes cujo objeto c6mum € a imitagao da bela natureza. Em relagio as belas-artes, podemos dividir a natureza em duas partes: uma que apreendemos pelos olhos ¢ outta pelo emprego dos ouvides, pois os outros sentidos sao estéreis para as belas-artes A primeira parte ¢ o objeto da pintura que representa sobre um plano tudo o que é visfvel. também 0 da escultura que o repre- senta em relevo e, enfim, o da arte do gesto, que é uma ramificar io das duas outras artes que acabo de nomear, dclas s6diferindo qu porque o tema a0 qual os gestos na danga se vinculam é natural ¢ vivo, ao passo que a tela do pintor ¢ © mitmore do escultor nio 0 Assegunda parte € o objeto da miisica considerada se: como um canto e, em segundo lugar, o da poesia, que emprega a palavra, mas a palavra medida ¢ caleulada em todos os seus tons. ‘Assim, a pintura imita a bela natureza pelas cores, a escullura pelos relevos, a danga pelos movimentos e pelas atitudes do corpo ‘A miisica a imita pelos sons inartieulados e a poesia, enfim, pela palayra medida. Fis es caracteres distintivos das artes prine nto aquilo que abarcan Coloca-se no inicio dos estudos precisamente o que pode desviar as criangas ou desgosté-las: regras abstratas, miximas secas, prinet- pios gerais, metafisica. So esses os jogos da infiineia? As artes tém dduas partes, a especulagao e a pritica; uma pode ir antes da outra, ‘conquianto no as separemos para sempre. Por que nao Ihes damos primciro aquela que est mais ao seu alcance, que ¢a mais confor we com seu carder © com sua idade, aquela que tem mais objetos sensiveis, que dé mais jogo € movimento ao espirito, em uma pala- vra, aquela que promete menos dificuldades e mais sucesso? é 0 sucesso que nutre 0 gosto, € © sucesso € 0 gosto anun- ciam 0 talento, Essa trés coisas nunca se separam, De modo que, se 0 espiito no se compra apés ter tentado um caminho durante certo tempo, & um indicio de que ele nao foi feito para levi-lo & glé- ria, Seria vao empregar a coercao, que nada faria além de dirninwir ainda o gosto ede desfigurar os objetos. Se no queremos tenunciar absolutamente, 0 tinico recurso ¢ apresents-los sob uma outra faces ¢, se ainda assim eles nao agradam, é muito melhor abandoné-los para sempre do que ocasionar pela obstinagio uma sequéncia de sentimentos que poderiam fazer a cura, das virludes que nenhum talento do espirito poderia pager. Podemos tentar una outra via, Os talentos sao t20 variados quanto as necessidades da vida humana. A natureza os proveu, ¢ como mie benfazeja ela munca produz um homem sem doté-lo de alguma qualidade ttil que Ihe sirva de recomendagao junto aos outros ho- mens, F essa qualidade que é preciso reconhecer ¢ cultivar se que- remos ver os cuidados da educagio fratificarem. De outro modo, ‘vamos contra as intengdes ca natureza,cjue constantemente resiste 0 projeto e o faz quase sempre fracassar. Ima perder sua alegria e sua do- parte III yf onde o principio da imitagao é verificado por sua aplicacao nas diferentes artes Ess pate sr vd em is sees, ns eu proves tue os eas poe, da psa So msscne Se does Se restingem a imitagao da bela natureza, 6 y secao | a arte poética restringe-se a imitagao da bela natureza refutadas as opinides contrarias ao principio da imitagao Se as provas que demos até aqui foram consideradas suficientes para fundar o pringipio da imitagfo, é initil nos demorarmos na refutagdo das diferentes opinides dos autores sobre a esséncia da poesia. Se nisso nos determos por tim momento, sera menos para combaté-las como regra do que para dedicarlhes uma curta cexposigo que bastard para suprimir todos os escrépullos que elas poderiam engendrar no espirito do leitor. Alguns pretenderam que a esséncia da poesia é a ficgao. ‘Tra- tase apenas de explicar 0 termo e de concordarmos sobre sua signilicagio. Se por fiegdo eles entendlem a mesma coisa qui fire gir, ou fingere para os latinos, a palavra fiegdo deve significar ape- nas 'ilagaa artificial dos caracteres, dos costumes, das agdcs, dos discursos ete, De tal modo que fingir serd a mesma coisa que representar, ou antes dissimatlar. Essa opinido entra entio naquela que estabelecemos, Se eles restringem a significagao desse termo e, por fiegdo, entendem a medliacao dos deuses que o poeta faz. intervir para evidenciar os impulsos secretos de seu poema, é evidente que a ficgto nao € essencial & poesia, Pois, de outro modo, a trae gédia, a comédia © a maior parte das odes deivariam de ser er vyerdadeiros poemas. O que seria contrério as idéias mais uni- versalmente aceitas. Risin, se por fiegdo se quer significar as figuras que empres- tam vida as coisas inanimadas, e corpos as coisas insensiveis, que as fazer falar ¢ agir,tais como as metaforas e as alegotias, a eco ‘enti nada mais € do que um torneio poético que pode convir até ‘mesmo & prosa. Fa Tinguagem da paixio que despreza a expressio vulgar. Tratase do adomo e nao do corpo da poesia. Outros acreditaram que a poesia consistia na versificagao O,povo, afetado pelo metro dos versos que catacteriza a express sao postica ¢ a separa da prosa, di o nome de poema a tude © que é colocado em verso: histria, Fisica, moral, teologia, todas as cigncias e todas as artes que devem ser o fundo natural ca prosa, tornamse assim temas de pocma, O ouvidlo tocado pelas cadéncias regulates, a imaginagto aquecida por algumas figuras fousadas © que precisavam sef autorizadas pela licenga poética, fs veres mesmo a arte do autor que, nascido poeta, comunicou tuma parte de set fogo as matérias que eram secas ¢ pareciam re- sist 8s gracas, tudo iss0 seduz os espiritos pouco instrufdos da ureza das coisas. Desde que vemos o exterior da poesia, deiemo- nos na casaca, sem nos esforcarmos para ir adiante, Vemios versos dizemos: eis um poema; porque nao é prosa. Esse preconcetto, {tio antigo quanto a poesia mesma. Os primeiros poetnas foram hhinos que cantivamos, ¢ cujo canto associdvamos a danga. Home: 10 € Tito-Livio deram prova disso. Ora, para formar um concer- to dessas t@s expressbes, das palavias, do canto e da danga, er preciso necessariamente que tivessem uma medida comum que as fizesse, todas, cairem juntas, sem o que a harmonia teria sido desconcertada, [ssa medida era 0 colorido, o que afeta primeiro todos os homens. Quando, pelo conteirio, a imitagio, que era © fandamento € como que 0 designio, escapou A maior parte dos olhos que a observavam, sem notita, Tntretanto, esse metro nunea constitu 0 que chamamos u ‘verdadeiro poema: [..] neque esti coneludere versum, dixeris esse satis Se isso bastasse, a poesia seria apenas um jogo de cria um frivolo arranjo de palavras que a menor transposigao faria d saparecer:eripias si fempora certa modosque et quod prius ordine verbum est, posterius facies, praeponens ultima primis. Entao a imiscara € tirada: recanhecemos a prosa toda simples ¢ toda nua, 6 poeta nio existe mais, © mesmo nio ocorre com a verdadeira poesia. Destrimos a ordem, desarranjamos as palavras, ompemos fo metro; cla perde a harmonia, é verdade, mas nio perde sua na- tureza. A poesia das coisas sempre permanece, encontramo-la em seus membros dispersos: imvenias etiam disjecti membra podtae? Isso nao impede de modo algum que se admita que um poema sem versificagio fcja um poem: . J4 dissemos, os metros ¢ a har- ‘monia sio as cores sem as quais 2 poesia é apenas uma estampa. (© quadro representard, se quiserdes, os contornos au a forma e, no ‘iximo, as hizes ¢ as sombras locais, mas ndo veremos 0 coloride perio cla arte A tergiza opinito éaquela que coloc a esséncia da poesia no entusiasmd. Definimo-lo na primeira parte e marcamos sts fungdes, que se estendem igualmente a todas as belas-artes. Ele convém alé mesmo a prosa, ja que a paixio com todos 0s seus graus nao sobe menos 3 tribuna do que nos teatros. Cicero quier que 6 orador seja ardente como tm raio, vweemente como a tempestade, ripido como uma torrente, que ele se precipite, que dertube tudo por sua impetuosidade, Vehemens ut procella, excitatus ut torres, incensus ut fulmen, tonat, fulgurat, et rapidis eloguentiae luctibus ceuricta proruit et proturbat:® o entusiasmo poético nao tem nada de ‘mais arrebataclo ou de mais violento? E. quando Pericles falava com veeméncia, destrufa ¢ desordenava a Grécia, 0 entusiasino reinava ‘em seus discursos com menos poder do que nas odes pindaricas? Mas esse grande fogo nem sempre se sustenta na oragao; sera que se sustenta na poesia? E se fosse preciso que se sustente, quantos verdadleiros poemas deivariam de sé-lo? Cita-se em favor do enti siasmo a famosa passagem de Hordcio: ingenium cui sit, cui mens divinior atque os magna sonaturum, des nomtinis fnsus honorem.? cy Essa passagem nao decide a questo, Nao se trata aqui da na- tureza da poesia, mas das qualidades de um poeta perfeito. Duas coisas Lio diferentes quanto 0 pintor ¢ seu quuadro, Em segundo lugar, supondo que esses versos devam nos fazer ouvir a natureza da poesi se trata, Aristotcles, que fez consistira esséncia da poesia na imi- taco, nao exige menos do que Horacio, 0 génio, o furor divino. Nesse pono, Horacio nao tinha o desfgnio de definir exatamente aa poesia, Fle tomou ma parte sem querer abarcar 0 todo. ‘Trata se de uma dessas definigdes que nfo so nem de todo verdadciras nem de todo falsas, € que empregamos quando queremos ealar aqueles que nao nos dignamos refutar seriamente: era precisa- ie 0 caso em que se encontrava o poeta latino. ‘Aleuns censores'de tum mérito mediocre, que o interesse pes- soal tinha talvez. animado contra suas sitiras, tinham Ihe feito a critica de ser um poeta mordaz. Horacio les responde 3 manei- ra de Socrates, menos para instru-los do que para Ihes mostrar a ignorancia, Eile os detém logo na primeira palavra e quer fazer com que compreendam que eles nfo sabem nem mesmo o que € a poesia. Para isso, cle traga um retrato, que nite convém de mado algum aquilo que tinham chamado poesia mordaz. Para cconfirmar essa idéia e aumentar seu embarago, ele cita a opinitto de alguns que questionaram se a comédia é um justo poema, aguuidam quaesivére.® Isso posto: é claro que Horacio nao pensava absolutamente em definir rigorosamente @ poesia, mas somente fem marcas © que cla tem de maior e de mais ofuscante, ¢ que cconvinha menos as suas sétiras, Mas, & um engano querer medir todas as espécies de poemas sobre essa pretensa definigio. Mas, alguém dird, 0 entusiasmo ¢ o sentimento so uma mesma coisa, 0 fim da poesia € produzir o sentimento, tocar, agradar, Aligs, ser que 0 poeta niio deve, ele mesmo, expetimentar 0 sentimen- to que quer produit nos outros? Que conclusio tirar disso? Que os sentimentos ¢ o entusiasmo so 0 prinefpio ¢ a finalidade da ; serd sua esséncia? Sim, se queremos que a causa e 0 elei- Jes nfo estabelecem necessariamente a opiniio de que poe: to, 0 fim € © meio sejam a mesma coisa, pois se trata aqui de precisto. Consideremos pois esses pontos em relacao a imitagtio, «que € 2 mais provavel exséncia, pois ela contém o entusiasmo, a ficgdo ¢ mesmo a versificaglo, como meios necessirios para imitar perfeitamente o objeto. Eo que vimos até aqui, ¢ 0 que veremos cada vez mais no detalhe que se seguir f 2 cap as divisdes da poesia encontram-se na imitagao Consistindo a verdadcira poesia, essencialmente, na imitagio, € na imitagdo mesma que devem ser encontradas as stias diferentes divisdes. Os homens adquirem 0 conhecimento do que estd fora deles mesmos, pelos olhos ou pelos ouvides, porque véem as coi- sas eles mesmos, ou porque as ouvem contadas pelos outros. Essa dupla maneita de conbecer prodiuz a primeira divisao da poesia ¢ a reparte em dias espécies, uma das quais é dramatica, onde ve- ‘mos as coisas representadas diante de nossos olhos ¢ onde ouvimos ‘os discursos diretos das pessoas que agem, a outra & épica, onde nfo vemos nem ouvimes nada por nés mesmos diretamente, onde tudo nos €.narrado: aut agitur res in scenis, aut acta refertur.* Se, dessas duas espécies, formamos uma ferceira que seja mista isto 6, uma mistura do épico com o dramitico, onde haja espetéculo ¢ relalo, todas as regras dessa terceira espécie estardo contidas nas rogras das dias outtas. Essa divisto, que se funda apenas na ma- neira como a poesia mostra os objetos, é seguida de uma outra, tomada da qualidacle dos objelos mesmos de que trata a poesia Desde a divindade até os tiltimos insetos, tudo 0 que podemos supor da agdo, tudo esti submetido & poesia, porque se submete 2 imilagdo. Assim, do mesmo modo que ha deuses, reis, simples cidadaos, pastores ¢ animais, e a arte se compraz ao imitarthes as aagdes verdadciras on verossimeis; ha também éperas, tragédias, co- médias, pastorais e apdlogos. His a segunda divisio, da qual cada parte pode ainda ser subdividida segundo a diversidade dos obje- tos, embora no mesmo género, ‘Todas essas espécies tém suas regras particulares que examina- remos em detalhe em relagio ao nosso ponto de vista. Mas como hd também as que thes sao comuns, seja pelo fando das coisas, seja pela forma do estilo poético, comegaremos pelas gerais ¢ pro- ‘varemos que todas elas contidas no exemplo da bela natureza, 6 y 9 caps as regras gerals da poesia das coisas estao contidas na imitagao Se a nalureza quis mostrarse aos homens em toda a sua ghéria, quero dizer, com toda sua perfeigao possivel em cada objeto, estas reggas que descobrimos com tanta clficuldade e que seguimos co tanta timidez, frequentemente mesmo com tanto perigo, teria sido imtteis para a formaggo e para o progresso das artes. Osartistas teriam pintado eserupulosamente as superficies que tiveram diante dos olhos, sem serem obrigados a escolher. Somente a imitagio te ria feito toda a obra, e somente a comparagio teria julgado. Mas como ela se divertia misturando seus mais belos tragos ‘com uma infinidade de outros, fora preciso fazer uma escolha. E pata fazé-a, essa escolha, com mais seguranga, que as regras forain inventadas e propostas pele gosto. Hstabelecemos seus prit ipios na segunda parte, Aqui se trata apenas de tirarthes as eon- sequéncias ¢ de aplicé-los a poesia Primeira regra geral da poesia. Uniro itil ao agraddvel. Con efit, se manatee artes eos nos toca sio de sua relagdo conosco, segue-se que as obras que te Ho conogco uma dvpla relagdo, a do deleite e a da utilidade, se ‘fo mais tocantes do que aquelas que tendo apenas uma das dus Esse € 0 preceito de Horicio: omore tulit punetum qui miscuit uti: o Te dulei, lectoremr delectando, pariterque monendo.* finalidade da poesia € agradar, ¢ agradar agitando as paixdes. Mas, para nos dar um prazer perfcito ¢ sélido, ela deveria apenas agitar aquelas que nos € importante manter viva, e no as que slo inimigas da sabedoria, © horror ao erime, em cujo encalgo caminharn a ver gonha, 0 medo e 0 arrependimento, sem contar outros suplicios ‘A compaixao pelos infelizes, que tem quase wma utiidade t tensa quanto a propria humanidade, a admiragao pelos grandes ‘exemplos que deixam no eoragao o aguilhio da virtude, um amor herdico e, por consequéncia, legitimo: eis af, segundo a opin de toda gente, as paixdes que a poesia deve tratar, ela que mio & feita para fomentar a corfupgao nos coragées arruinados, mas para constituir-se nas del ‘em certas situagdes seri sempre um espel is das almas virluosas. A virtude colocada te. Hi, no fundo dos coragdes mais corrompidos, uma vox que fala sempre por ela, € que as pessoas hoyestas ouvem com ainda mais prazer {quando nela encontram unfla prova de sua perfeigito, Também os grandes poctas nunca pretenderam que suas obras, frutos de tanta Vigiliae de tanto trabalho, essem unicarnente destinadas a distrair a leveza de um espirito vio ou para despertar da sonoléncia wm Midas desocupado. Se tal tivesse sido seu fim, eles seriam grandes: homens? Deve-se ter uma idéia bem outra de seus designias. As poesias trigicas ¢ edmicas dos antigos eram exemplos da vinganca terrivel dos deuses ou da justa censura dos homens. Eas faziam os cespectadores compreender que, para evitar uma ¢ outra, era preci- ‘80 nao somente que parecessem bons, mas que o fossem de fato. As poesias de Homero ¢ de Virgilio nao so romances vios, nos quis 0 espitito se perde ao sabor de uma imaginagao louca. Ao contririo, elas devem ser consideradas como grandes eorpos de doutrina, como livros que espelham un >. que contém a hist6ria do estado, 0 espirito do governo, os prinefpios fundamen- tais da moral, os dogmas da religito, tados os deveres da sociedad, ¢ tudo isso revestido do que a expressio ¢ a arte puderam fornecer de maior, de mais rico e de mais tocante a génios quase divinos Ilo te 95 A lliada ¢ a Eneida sto quadros das nagoes grega ¢ romana, tanto quanto 0 avaro de Moliére 0 é da avareza.® Assim como a fabu- Ja dessa comédia € apenas uma tela preparada para receber, com certa ordem, uma quantidade de tragos verdadcitos tomados da sociedade, assim também a célera de Aquiles e a permanéncia de Enéias na Italia devem ser consideradas apenas como a tela de um. grande e magnifico quadro, onde se teve aarte de pintar os cost ines, 08 us0s, as leis, 08 conselhos ete, Eisses esto disfareados ora em alegorias, ora em vatieinios, por vezes expostos abertamente, mas madando alguma circunstincia, como 0 lugar, 0 tempo ou o ator, para tornar a coisa mais picante, e para dat ao leitor © prazer, por um momento, de fazer uma indagagIo e erer que apenas por si mesmo aleangou sua instrugao. Anacreonte,+ que cra sibio na arte de agtadar ¢ que parece nunca ter tido outro fim, nio ignorava o quanto é importante mis- turar o itil a0 agradivel. Outros poetas langam rosas sobre se preceitos para esconder sua duteza. Ele, por um refinamento de delicadeza, colocava ligBes no meio de suas rosas. Ele sabia que ‘as mais belas imagens, quando nada nos ensinam, tém um certo fastio que deixa em seu encalgo o desgosto, que € preciso de algo sélido para Ihes dar essa forga, essa sutileza que penetra ¢, enfim, que, sea sabedotia tem necessidade de se alegrar com um potico de loucuira, a loucura, por sua vez, deve ser temperada com um pouico de sabedoria. Que se leia o Amor picado por uma abelha, Marte atingido por uma flecha do amor, Cupido acorrentado pelas musa, ¢ percebe-se claramente que 0 poeta ndo fez essas imagens para instruir; nelas colocou a instrugdo para agradar. Virgilio & seguramente um poeta maior do que Horécio. Seus quadros sio mais belos e mais ricos. Sua versificago € admirdvel. Entretanto, Jemos muito mais Horacio. A principal raziio € que ele tem 0 méti to de ser hoje para nés mais instrutivo do que Virgilio que, talver, ontrorao fosse mais do que ele para 0s romanos. Nao 6, contudo, que a poesia nao se possa prestar a um ami vel graccjo, As musas sio risonhas e sempre foram amigas da gee ga. Mas, para clas, 0s pequenos poemas so mais entretenimento do que obras. Blas devemn dutros servigos aos homens, euja vide nflo deve ser um divertimento perpétuo. O exemplo da natureza, que elas se propdem como modelo, ensinathes a nada fazer de consideravel sem um desfgnio judicioso ¢ quc tenda a perfeigio daqueles pata quem elas trabalham, Assim como elas imitam a natureza em seus prinefpios, em seus gostos ¢ em seus movimen- tos, devem também imité-la em suas representagées e na finalida- de que ela se propoe. Segunda regra, Que haja uma agdo em um poema, As coisas sem vida podem entrar na poesia, Nao hi diivida, Elas so mesmo tio esseficiais na poesia quanto na natureza, mas devem. ali existir apenas como acessorios, como algo dependente de outtas coisas mais pr6prias para exprimir. Tais so as agdes que, sendo ao mesmo tempo obta do espirito do homem, de sua vontade, de sua liberdade e de suas paises, sio como um quadro surniio da natu- reza humana. If por iso que os grandes pintores nunca deixam de langar nas paisagens mais nuas alguns tragos de humanidade, nem que seja apenas uma tumba antiga ou algumas ruinas de um velho edificio. A grande razo 6 que cles pinta para os homens. ‘Toda agdo € movimento ¢ supée, por consequéncia, um ponto de onde se parte, um outro no qual se pretende chegar, ¢ wm car minho para nele chegar: dois extremos ¢ um meio; trés partes que podem dar ao pocma, segundo seu género, uma justa extensio para exercer suficientemente 0 espirito, sem exercé-lo demasiado. A primeira parte nao supde nada antes dela, mas exige alguma coisa depois; é 0 que Aristételes chama “comego”. A segunda su- poe alguma coisa antes dela, ¢ exige alguma coisa depois; trata-se do meio, A terceira supde alguma coisa antes, e no pede nada de- pois; €o fim: Um designio, alguns obstéculos ¢ 0 sueesso apesir dos obsticulos. Eis as trés partes de uma agio que desperta int resse por si mesma. Fis a razdo de um prélogo ox a exposi um fema, um né ¢ um desenlace. Essa é a medida ordina forcas de nosso espirito ea fonte dos sentimentos agrackives,

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