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15 CAMPO PROFISSIONAL DO PSICOLOGO EM ORGANIZACOES E NO TRABALHO José Carlos Zanelli, Antonio Virgilio Binencourt Bsstos. € Ana Carolina de Aguiar Rodrigues. Ao final deste capitulo, espera-se que o leitor seja capaz de: » Descrever o processo historico de constituiggo da psicologia organizational e do trabalho (POT) como area de camhecimento € como campo de aplicacao » Caracterizar coma se estruturou 0 modelo cléssion de atuagde a produgao de conbecimento na rea 1» Analisar as relages entrees caatextos sociais eas demandas que colocam & POT, tanto na cendtio interna cional como no nacional 1} Descrever 0 campo atual da POT, em termos de suas relagies interdisciplinares, dos seus dominios intra- disciplinares e de suas atividades prafissionais, identificande tensies que caracterizam 0 campo » Discatirtendéncias de mudanca na forma camo a POT esta redefinindo suas tematicas, seus procedimentos de investigarae e suas atridades prohssionais » Descrever as competéncias importantes para o desempenho profissional em POT + Identficac imbitos de andlise implicadasna sua atuacSn eas necesséias interfaces que constréi com outros dominias do conhecimento humana > Diseatit @ possivel Mdentidade do psiedlogo organizational e do trabalbe considerando sua insereao em equipes multiprofissionais valtadas para a formulagio ea implantagdo de polticase praticas de gestéo do trabalho ede pessoas 1} Analisar 0s desatios postes a atuacdo em POT para as psicdlogos neste inicio do século XI Nos cass om ene geaie ee mos como a vida de cada um éafetada pela exis- téncia das ‘organizacdes. Ao examinarmos 6 Go- tidiano das pessoas, em diferentes contexts & cutturas, natamos que todas estia sempre liga- das as organizacées, de diversas naturezas, om todas ax fases da vida. Nos processos de socia- lizagdo fundamentais, é ficil ver como muitos dos nosses vincules de amizade sjo construidos 4 partir de convivios em escolas formais ou em escolas de artes, esportes linguas, etc. n0s com dominios, nas igrejas, nas universidades, nos asi- Jos e nas organizagGes ou empresas em que tra- balhamos. Os servigos que devem ser dispo bilizados & sociedade normalmente dependem de organizagbes que os executem, a exemplo de. hospitais, postos de satide, escolas, agéncias da previdéncia social, Outros produtos e servigos excenciais para nossa vida dependem tambem de empresas privadas ou mistas, como organiza- es agricolas; supermercados; empresas forne- cedoras de energia elétrics, agua, telefone, inter- net; teatros; cinemas; lojas; empresas de Onibus ‘emetré; concessionsrias que administram as ¢s- tradas ¢ cobram pedigio por ewe servigo. Essas organizacbes, por sua vez, sdo reguladas ou rece- 550 + Zanoll, Borges-Andiade & Bastas (O1gs.) bem incentives de outras.organizagiies, como ab agéncias ou as ministériog, entee eles os Ministé- rios da Satie, da Educagio, dos Transportes, do ‘Trabalho ¢ Emprego, do Comércio, do Turismo, da Defess, da Cullura, etc, Hi situagoes em que pessoas se organizam para reivindicar ou execu- tar servigos de utilidade sacial. Exemplos 830 os grupos comunitirios, os sindicatos, as coopera tivas, as organizagées estudantis ou as organiza- es da saciedade civil de interesse publico (nfo governamentais). Sabemos que algumas dessas organiza~ Wes responder ou sio atravessadas por insti~ luiges socials, como educacia, religiao, saui- de, familia (como abordado no Capitulo 2 des te livro}, Alem disso, podemos pensar 0 quanto da nossa qualidade de vida, do nosso bem-es- tar e dos problemas que enfrentamos esta rela- clonado a dinimica que as organizagbes assu- ‘mem na sociedade. Afinal, as arganizagies so (8 modo como as pessoas e OS grupos se estrutu- ‘am para atender as suas proprias necessidades. Seu fancionamento depende do trabalho huma- ‘no, que, por sta vez, tem sido também mais de- pendente das organizagoes, A medida que cres cem a complexidade das tarefas ¢ # necessidade de recursos, que 46 encontramos em nivel orga- nizacional. Este 6 entre outros fatores, motivo que leva trabalho a ser tao central em nossas vi- das: # a partir do trabatho @ da forma como 0 or- ganizamas que conseguimos atender as nossas mecessidades @ as demandas socials. O trabalho possibilita, também, que cada individuo assuma tum papel e uma identidade dentro de um gru- po maior. As pessoas perdem 0 empregoe, mui- las vezes, perdem a possibilidade de trabalhar, Ha algo que afete mais fortemente a vida de um individuo e da sua familia? Tal questionamento, por si justifica a insercdo do psicélogo em orga- nizagoes € no trabalho, Além disso, nas organizagoes, © wraba- tho assume uma nova configura¢ao, a partir da qual emergem diferentes processos e fendme- 10s, individuais ¢ grupais. Tanto as organizagoes quanto o trabalho, senda parte desses fenéme- nos de natureza psicossocial, passam também a ser objeto de esiurdo e de atuagio dos psicé- logos. Em face disso, a psicologia, tradicional- mente, acupou-se em compreender e intervir sobre esses fenomenos processos relativos 20 mundo de trabalho ¢ das organizagies, De for- ma crescentemente explicita, vamos nos dando conta de que nao se pode reprodurit, no cam- po cientifico ¢ profissional, a separacao operada ‘entre a esfera ttabalho eas demais esferas da vi- da possoal. Para compreendermos integralmen- te'o ser humano, precisamos também entender sua insergao no mundo do trabalho e as relacies que sio criadas no interior das organizagBes em que se insere, ‘Esta @ a tareta central ou a misao que ca- racteriza esse amplo espago de agao da psicolo- cia — explorar, analisar, campreender cama inte- agam as miltiplas dimonsGes que earactorizam a vida das pessoas, das grupos © das organizacoes, om um mundo crescentemente complexo, cons- truindo, a partir dal, estratégias & procedimentos que Posssm promover, preservar e rastabelecer a qualidade de vida e 0 bem-estar das pessoas, sem abrir mao da produtividade da qual depende ‘Oatendimento das necessidades dos individuos @ dos grupas sociats. Para caracterizar e discutir a inserio pro= fissional da psicéloga no mundo do trabalho € das organizagoes, este capitulo se estrutura em quatro segmentos principais. © primciro des- creveo desenvolvimento historico da POT como area de conhecimento ¢ como campo de apli io, dando énfase as relagdes entre caracteris- ticas dos contextos socials ¢ demandas que se apresentam, tanto no cenario internacional co= ‘mo no nacional. Essa perspectiva histOrica pro~ cura fortalecer a compreensio de como se estru- turou o modelo chissico de atuagio e produgaa de conhecimento nesse espaca de agao da psica- logia. © segundo segmento apoia-se em uma ré- pida reflexdo das transformagées em curso no mundo do trabalho (algo discutido no Capitu- lo 1) para identificar algamas tendéncias le mu- danga na forma coma a POT esté redefinindo ‘suas tematicas, seus procedimentos de investiga- ‘0 e, especialmente, suas atividades profissio- nais.A terceira parte volta-se paraa descricio do campo atual da POT, ao revelar a amplitude das questies que ocupam pesquisadores ¢ profissio~ nais, os diferentes ambitos de analise implicados 1a Sua atuagio e as necessirias interfaces que ex- s¢ campo eonstr6i com outros dominios do co- ahecimento humano, Reflexdes sobre a identi- dade desse psicdlogo e sobre o futuro da POT, ‘bem como uma sintese encerram o capitulo. } CONSTITUICAG HISTORICA (DO CAMPO DA PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO A POT 6, certamente, um campo, dominio ou subjrea de um yesto © diversificado territéria chamado Psicologia. Da mesma forma que ¢s- se territério maior, os limites e as caracteristi- «as das fendmenos que definem seu escopo, as- sim como as perspectivas de anilise ¢ interven- ‘si, foram construidos historicamente a partir da interscio entre trés prinsipais elementos: 1. O primeiro representa as demandas sociais advindas das organiragbes-c os desafios que cercam o-mundo do trabalho & sua gestdo. 2. Ossegundo abarcao avango do conhecimen- ta cientifico geral, da psicologia como um tado edo campo de POT, em particular, O rerceiro elemento, finalmente, ¢ resulta- do das interages que foram sendo cons- truidas a0 longo do tempo com outros do- minis cientificas e outros campos profis sionais, produzindo tensdes que ajueam a configurar uma identidade propria para os pesquisadorese profissionais voltades para entender, da perspectiva da psicologia, co- mo individuos, grupos ¢ caletivos chama- dos organizagdes se estruturam ¢ atuam. Para entender essa dinfimica, ¢ importan te comegar com um oltiay histérica sabre a area, ‘buscando compreender come semanas saciais foram, 30 lango do tempo. moldanda diterentes formas de estudar ¢ intervir sobre ax problemas hhumnanos nas organizagdes de trabaiho, fora sentra to Brasil, Desenvolvimento da psicalogia ‘organizacional e do trabalho no cenario internacional Nao é tarefa simples definir uma data de inicio de uma disciplina ou de um campo profissio- nal, como: bem assinala Peiré (2011). E sempre possivel encontrar preeursores em épocas an- ‘teriores, mostrando que um campo se constréi de forma progressiva, com a colaboragao, nem sempre intencional, de atores de diferentes con- 551 Peicologia,organizagtes etrabaho na Brasil» textos ¢ momentos. Com a POT, isso nio € di- ferente. Av longo da histéria, vamos encontear -estudiosas preacupados com o mundo do tra- ‘balho € com as pessoas nele inseridas. Ne entan- to, o marco de uma disciplina, mesmo que ar- ‘itrariamente estabelecido, requer um conjun- to de elementos que fazem um nome se associar a desenvolvimentos posteriores que configuram um novo dominio ou uma nova perspectiva so- ‘bre slgum dominio ja conhecido, As engens da POT podem remontar d.criaca0 do Iaboratério pa- ra 0 estudo da fadiga, em Modena, 1899. por Lui- 48) Patrizl. Kraeplin, na Alemanha, © Mosso, na Malia, nos anos de 1990, inwestigaram aspee- tos psicofisiolégicos associadas a fadiga e-a car- gis de trabalho, Laby (Franya) foi um dos pri- meiros a utilizar testes para selegao de trabalha- ores para postas de trabalho decarrentes dos avangos da tecnologia (datilégrafos, motoris- tas de trem, operadores de telefane). Outro pio- neiro foi Walter Dill Scott, que em 1903 publi- cou um livro sobre a psicalogia da publicidade: The Theory of Advertising. No entanto, sett ma ‘00 institwinte mais reconhecido esta no trabalho ‘ue Hugo Mansterberg publicow em 1913, intitu- lato Psychology and Industria! Erficlency. © in- teresse do autor localizava-se em torno daquilo que viria a ser, por um longo periodo, # ativida- de mais caracteristica e dominante da psicologia -aplicada ae trabalho a selesao de pessoal ¢ o uso Hugo Miinsterberg (1863-1916! Pesquisadar alemao, foi docente da Universi- dade de Leipzig, assim como de Harvard (a convite de William James), chegando 3 ser Presidente da American Psychological Asso- ciation (1898). Suas contribuigdes se desta- cam no campo da psicologis aplicada em eral, especiaimente 2 psicologia clinica, forense 9 industrial, Em 1909, publicou um artigo, Psychology and the iMarket, em que indica como a psicologia poderia ser utilizada nna gestfo, nas decisBes vocacionais, na pro- paganda, ‘na desempenho no trabalho © na mativagao do trabalhador. Trabalhou coma consultor © realizou pesquisas em muitas empresas. Em 1908, publica outralivto— On ‘the Witness Stand -, em que analisa como 0s fatores psicolégicos afetam os resultados de tum julgamento, pioneiro do campa da psico- logia forense. 552 + Zanoll, Borges-Andiade & Bastas (O1gs.) de testes psicoldgicos com a finalidade de ma- simizar o ajuste das pessoas aos cargos. © n0- me da obra guarda uma estreita rel proprio nome pelo qual a arca passou a ser re- conhecida: psicologia industrial, motivo que tal- ver justifique sua publicagao coma o marco de inicio da dea Q livro, tomado como marco de nasci- mento da psicologia industrial, estruturava-se em trés partes que bem demonstram as preo- cupagaes centrais de Minsterberg, as quais fo- ram, também, as preocupagdes centrais do no- yo campo: » a melhor homem possivel para o trabalho ‘(tratando da selegao de trabalhadores); 4} omelhor trabalho passivel (discutinde os fa- tores que afetam aeficigneia do trabalhador); ¥ omelhor efeito possivel (analisandos téeni- «cas de venda, publicidade ¢ marketing), Subjacente 4 obra estd um principio ainda hoje caro a area: a necessidade de que 0 traba- Thadores atuem em cargos que se ajustem as suas habiidades emocionais e mentals, para que haja eficiéncia no trabalho, produtividade da empre- sae satisfagio do trabalhador, Miinsterberg, no entanio, vai além, como bem descrevem Schultz € Shultz (2004), Ele desenvolveu pesquisas so- bre varias ocupagdes {capitio de navio, con- dutor de bonde, telefonista e vendedor), cons truindo testes esimulagdes para avaliar conheci- ‘mentos, competéncias ¢ habilidades necessérios para o trabalho em que estavam sendo aplicada. ‘Também surgiu dos seus estudos a recomenda- ‘0 de reorganizar os locas de trabalho de for- maa minimizar as oportunidades de que os tra- balhadores conversascem entre si = coniorme interpretava, fator de diminuigio da eficiéncia do trabalho, Nesse periodo inicial de estruturagio do campo, outro nome, com preocupagies simi- lates, exercet: importante impacto, Frederick Winslow Taylor, engenheiro em sua formagio bisica, desenvolveu © que ele chamou de admi- nistragao cientifica, com 0 objetivo de estabel cer principios para orientar as priticas organi zacionais ¢ aumentar a produtividade. 0 lito de Taylor, The Principles of Scientific Management, ‘que constitul difundida reteréncia desse period, a partir de 1911, € tomada como marco inicial da administragao como campo cientifico & profissio- inal As ideias de Taylor id apresentadasno Capi- tulo I,nao precisa ser aqui retomadas em mais detalhes. Como bem sintetiza Spector (2002), ‘quatro principios de gestao noteiam a proposta taylorista de organizacio do trabalho e da pro- ducao: » cada trabalho deve ser analisado e desezito detalhacamente, para queo modo otimizade de executar as tarefas posss ser especificado; » os trabathadores devern ser contratadas de 2cordo com as caracteristicas relacionadas a0 desempenho do trabalho, cabe ans gerentes «avaliar os funciondrios para identificar quais caracteristicas pessoais sia importantes; ¥ 0 trabalhadores devem ser treinaclos para execitar suas tarelas; ¢ > 0s trabalhadores devem ser recompensados por sua produtividade, para incentivar me- Thor desempenho. A partir de ideias de Taylor, Frank e Lillian Gilbreth (cle, engenheiro; ela, psicdloga) dedi- caram-se a investigar a forma como as tarefas sia executadas pelas pessoas, desenvolvenda e que veio a ser chamado de “estudo de tempos € movimentos’ Esses estudos, cerne de uma pers: pectiva taylorista para maximizar a eficléncia do dcsempenho no trabalho, estiveram na base do campo denominado fatores humanos, voltade para analisar e projetar ambientes de trabalho & tecnolagias que levassem em considerago as ca- racteristicas humanas. ‘J grande proximidage entre as Hdeias « pro- postas do Minsterberg e Taylor ravelam que am- bos estavam imersos em um mesmo conjunte de Breacupages ® nopdes sobre © mundo do traha- tho que guattiam, certamente, asiroita ralagao com a crescent industrializaco que acorreu nos paises dominantes, do cenario ocidental, no fim fo sécuto XIX © inicio do século XX, Nesse perio- do, como fatores em interconexdes, pode-se ob- servar um incremento populacional crescente na maioria dos paises, o que levou progressiva~ mentea uma demanda em ascengie por bens € servigos. ‘A denominada “Segunda Revolugia In- dustrial” caracterizou-se pelo: advento do mo- tora explosio interna, da utilizagao do petréleo e da eletricidade, que resultaram no desenvol- vimento da industria petroquimica, das maqui- nas de automagio rigida, nas novos meios de ‘transporte, de novas téenicas ¢ meias de comuni- cagio (telégrafo, ridio, telefone, cinema). ©: mo- delo taylorista-fordista constituiu a paradigma de sgistdo da produgio nesse period histérico, & interessante assinalar que a psicologia industrial nasceu em um bergo comum com a administragio cientifica, mostrando, desde es- s¢ momento, come os dois campos cientificos e profissionais estéo préximos © construiram tra- jelOrias que, apesar de singulares, apresentam muitas sobreposigGes © nomes que contribut- ram para @ avango de ambos es dominios, Am- bos nasceram, também, como dominios emi- ‘nentemente aplicados, jt que estavam engajados ‘no desenvolvimento de contextos de trabalhos € demadelos de gestio mais efetives, geradores de maior produtividade. Ainda nesse periodo inicial de constit io do campo, uma importante yertente de con- wibuigdo surge nos anos de 1920 ¢ tem clara in- ‘fluéncia na década posterior, Trata-se das clas- sicas investigagoes de Elton Mayo na Western Electric Company, as quais ficaram largamente -conhecidas como os estudos de Hawthorne (um bbairto da cidade de Chicago) ¢ que revelaram a ‘importincia de considerar os fatores sociais im- plicados em uma situagio de trabalho. As cién- sias der comportamento (com base na psicolo- gia, na sociologia ¢ na antrepologia), desde en ‘tao, algaram relevancia no mundo dos negécias. Mayo divulgou The Hurnan Problems of fridus- trial Civilization, em 1933, uma obra que sinte- ‘tizou as descobertas daqueles estudos e que deu impulso 3 era das relagOes humanas. Definidos 05 marcos iniciais de constitui- ‘gio do campo, seu desenvolvimento e sua cons- ‘trugao aa longo da historia estado, neste capitulo, organizados por periodos, ¢ no por nomes ou autores isoladas, Criar ou definir periodos que caracterizam um processo hist6rico e continuo de construgio de um campo cientifico © profis- sional nig ¢ uma acdo simples ¢ esta sempre su- jeita a criticas, pela arbitrariedade que sempre ‘envolve definir 0s anos iniciais ¢ finais de movi- mentos que S30 complexos e diversificados, es- pecialmente quando tomados em uma dimen- sio internacional, Ainda assim, © propésito ditico, sua fungdo de sintese e sua contribuigao para o entendimento do processo de desenvol- ‘vimento da area jstificam sua utilizagao neste 553 Psicologia, organizagtes @ trabalho no Brasil» Para cada periodo, é apresentada uma f- gura estruturada em trés segmentos interli- sgados: » © primeiro indica elementos do contexto macrossocial, politico, econbmico ¢ cultural que colocam desalios e oportunidades para a emergéncia de respostas no campo clentifico ¢ profissional, » Osegunde indica, de forma concreta, agoes € produtos que responderam a esses desatios. } Otereeiro segmenta descreve as abordagens teGricas, os procedimentos.¢ métados que caracterizam, dominantemente, o trabalho do psicdlogo naquele perioda. ‘A Figura 15.1 sintctiza as prineipais ca- racteristicas desse periado inicial de constitui- -gio-do campo, destacando, na étiea de Shimmin -¢ Strein (1998) como se articularam demandas sociais que colocaram desafios para a drea ¢ co- mo ela respondewa tais desatios, ‘Caracteristicas importantes dos contex- tos social, econémico e politico esse primciro periodo foram: o processo de industrializagao (Segunda Revolucio Industrial, com a inven- ‘gan de novas miquinas, demandanda raciona- Jizagao dos processos de trabalho); o-avango das ciéncias naturais e biolégicas, que reestrutura- ram crengas sobre a natureza humana; a pres- 20 por reformas socinis ¢ a lula contra 8 ex- ploragzo do trabalho, que ganha vor na teoria marxista; a Primeira Grande Guerra, que incre- menta a indistria bélica, demandande solugaa de problemas decorrentes da sobrecarga de tea- ‘batho; a grande depressio na década de 1920; € a celosio da Segunda Grande Guerra, Ess con junto dz eventos asta nia base Hos desafios @ das oportunidades que geraram a constituigao inicial da psicologia industrial descrita antoriormen- te como marco inicial do campo, Vale enfatizar, -contudo, que © bindmio avaliag’o psicalégica ¢ ajuste homemiméquina/trabalho. constituiu o grande elementa delinidor desse periodo ini- cial. Consolida-se 0 que € denominado human engineering (o desenho de eqisipamentos para uso humano, ineluinde ermamentos que eram uma demanda dos periodos de guerra), expres- ‘sio clara do paradigma taylorista deadministra- ‘¢io'do trabalho, ‘© segundo periodo, denominade “expan 30 © consolidagao pas-guerra’, vai de 1945 a 554 + Zanell, Borges-hndrade & Bastas (Orgs.) Paicotécnica Tastes psicologicas como ferramenta para a sele¢bo de pessoas Human engineering Racionalizagao > Operacionaizagao dos Processa seletivo permane- ce come atividace central Jb Desenvolvimentas teéricos: aprandizagem, aquisigzo de habilidades, métodes de ensino, treinamento gerencial, motivagio Figura 15.2 Segundo periodo de constituigéo histérica da POT (até a década de 1960). industrial é substitufda pela psicologia organi zacional, que, mesmo mantendo a selegao como uma de suas principais atividades, incorpora a atengio ao funcionamento organizacional com ‘oco principal no comportamento gerencial {li- deranca, participssio, democracia), Duas grandes caracteristicas marcam a POT nesse periodo: 1. o grande destague para as agdes de treina~ ‘mento, especialmente voltadas para os ges- tares ~ 0 training with in industry (TW), que promove estilos menos autoritarios, & difundico em toda « Europa abrangida pe- Jo Plano Marshalls o trabalho realizado pelo Tavistock Institue te of Human Relations, de ande emerge 0 modelo de pesquisa-agio, base para os tra balhos de madanca organizacional, 0s mo- delos de grupos de trabathos semiautono- mos ¢ 0 conceito de sistema sociotécnico. ieaporiante demas anltos meson década de 1950, acompanhando as novas de- ‘mandas, éntre as virias teorias de motivagdo que vinham sendo propastas, genhou destaque ‘@ éstudo de Abraham H, Maslow. Publicado em 1954, sob a titulo de Motivation and Personality, propoc uma hierarquia das necessidades huma- Y Transigso para uma socie- dade pds-industrial e ten- 'sBes no mundo do trabalho } Testes psicaldgicos eritica- os } Desafio de ir alm da ambi ‘to individual de andiise to, resolugdo de contlitos e desenno de trabalho » Crasee 0 debate sobre 555 Peicologia,organizagtes etrabaho na Brasil» has, Poucos anos depois, despontou a rellexaa de Douglas McGregor sobre os pressupostas que ‘0s administradores estabelecem para as pessoas, divulgada em 196i como Teoria X (tradicional) 4 Teoria ¥ (emergente), na obra The Human de of Enterprise. As caracteristicas que relacio- nam sistemicamente os individuos, os grupos e a prépria organizagae, sob o controle de fatores in: ternos @ externas a0 sistema organizacional, pas- saram a ler relevancia na interpretagae do com- portamento humano. ‘0 terceiro periado chega no fim dos anos de 1970 ¢ € definide por Shimmin © Strein (1998) como navas diregaes rearientagio. A sintese das caracteristicas desse periodo est -apresentada na Figura 15.3. ‘0 periade de oure de crescimento © eon solidagae do Estado de Bem-estar Social deu lu- ‘gar, a partir dos anos de 1970, a um periodo de grandes incerteras. A guerra ‘ria faz explodir -conflitos em varias partes do mundo (a exet- plo da Guerra do Vietna). Em termos da econo- mia, apareceram os sinais de transigao para uma Sociedade pés-industrial, com o crescimento do -setor de servigos eo aparecimento de organiza- _gbes sem fins luctativos, © Japio despontava co- smo grande poténcia econdmica depois de ter si- lo arrasado na Segunda Grande Guerra. De li, -surgiw um now modelo de relagies de traba- A interface com outros dominios reveta a falta de intogragBo tesriea Programas de qualidade de vida no trabalho Modeles de gestbo de controle comecam a ser ‘substituldas por modelos de compromisso e enwoiv: mento Figura 15.2 Teroeiro perioda de constituigao histérica da POT (fim da década de 1960 até a década de 1970). 55B Zancli, Borges-Andrade & Bastas (Orgs.) Iho, Surgiu a crise de energia que revela o poder da Organizagao dos Paises Exportadores de Pe- trolea (OPEP). Ampliou-se # competigto com 60s avangos tecnolégicos ¢-a busca de lucros,le- vando a fusdes ¢ envugamentos. Cresceram os conilitos no interior das organizagoes, apesar do nascimento do discurso da qualidade de vi- da no trabalho (QVT}. No campo da psicolagia, cresceram as criticas ao modelo psicometricn de avaliaga0 psicalégiea, A POT se amplia, buscar ‘to entender e lidar com questées que extrapatam 0 nivel individual de andlise. Surgiram experién- cias de humanizagao de traballio ha Escandind- Wia © 0m outros paises, as quait se cancretiza- ‘ram nos programas de GVT. 0 foco das muangas deixou de ser nos pequencs grupos, dando lugar a litervengdes mais abrangentes. Emergiv, com 1s avanges tecnologicos, 0 campo da ergonamia ccopnitiva. Os matielas de gestio passaram a in- corporat, em aposigae 4 nogae de controle, a no- (G40 de envolvimente & compromisso. Cresceu a engl as experiéncias te cogestia e ao torma- to das cooporativas. Por fim, embora nde conste no trabalho original de Shimmin ¢ Strein (1998), podemos pensar em um quarto periodo, corresponden- do 4s mudancas contemporineas que marcam 0 fim do século XX e a primeita década do século XXI. Na Figura 154, esta representada uma sin- tese dos elementos hasicos que caracterizam 0 ‘momento mais atual do campo. As décadas finais do século passada © a inicial deste século foram marcadas pelo apro- fundamento do processo de globalizacao e pe- as mudangas na demografia da forca de traba- ho, crescendo a dependéncia de empregos tem- porarios e de tempo parcial (Jex: Britt, 2008). Os avangos da tecnologia ¢ seus impactas nos pro- cessos de trabalha tornaram-se cada vez mais acelerados, implicando novos formatos organi- acionais e novos modelos de gestion, ‘© contexto social mais amplo.toi marcado por um periado de dominio do neoliberalismo e desmonte do Estado de Bem-estar Social, pro- cesso liderado pelo Reino Unido, mas com refle- xos em varias outras sociedades, mesmo aque~ las que nunca chegaram a ter os mecanismos de protegao ao trabalho, como era o caso do Brasil. Desapareceu o mundo bipolar que emergiu da Segunda Grande Guerra, com o fim de comu- nismo “real” c extingao da URSS, reunificagio da Alemanha ¢ queda dos governos comunistas nos paises da Europa Oriental, © poder do ca- pita, sempre em busca de lucros maiores e mais féceis, tornou voliiteis as econamias nacionais € subordinou-as ao receitudrio do Fundo Mone- tirio Internacional. A primeira década do stcu- lo atual ¢ marcada por uma profunda crise nos paises capitalistas centrais, incluindo os Estados Unidos (em 2008, o que ficou sonhecido como a crise originada pelo “estouro da bolha imobilia- ria ou “erise das sidbprimes", que abalou a merca- Maior ateng? Avangos da globalizagao © de tecnologia de informa- gle Neoliberalismo Crise nos paises capitals: tas centrais Crescimento das BRICS apasentadoris de satide no trabalho Consolidagao de autros topicos d& estudo- estreste, confiito trabalho-familia aul > Concapgees tradicionals (estiles de lideranga, racionalizag3o @ hierar ‘quizagaa) deram lugar a ‘novos concettos (gest3o do conhecimento, stica cempresavial, organizacoes virtuale, tem Figura 15.4 Quarto periodo de constituigao histérica da POT (da década de 1990 até a década de 2010). so financeiro ¢ provoeou uma crise global), cm quise toda a Europa (euja crise ainds se mostra aguda no momento presente, com elevaclos ni- ‘eis de desemprego )..Os paises emergentes (Bra~ sil, Russia, India, China ¢ Africa do Sul - BRICS) ‘rilham um caminbe alternative, nao se subor- dinando a tal politica. Conseguem manter suas ecanomias crescendo, mesmo em ritmo mais Jente, assegurando os niveis de emprego ¢ con- segundo, como no nosso caso, diminuir as de- sigualdades sociais, com politicas mais efetivas de distribuigio de renda e valorizagio do rio-minima, além das politicas compensatorias. [As respostas da POT também aprofian- dam caracteristicas ja presentes no periodo an- terior. © processa de expansio do seu escopo € alargamento dos fendmenos sobre os quais ¢s- tuda e intervém ¢ visivel, tornando-se mais cla- To em segmento posterior, quando serao dis- cutidas as atividades profissionais na area. Fe- ‘menos como a intensificagae do estresse © do assédia moral, ou violencia pstcolagica, tem si- dda (ntes-relacionados & conjuntura internacional por diversos autores (entre eles Ovejara Bernal 2010; 2anoli et al, 2010). Ao-rnesmo temo, en ‘28 9 apelo por um balanes equiliyrade entre dda profissional e familiar, estruturado sob ética, transparéncia ¢ busca de justiga, de direito de ex- pressao @ de desenvolvimento para todos as par- Hiclpantes da comunidade organizacional. Isso justifica uma acentuada inclinagio dos interes- ses de pesquisadores e profissionais pelas ques- toes de satide no trabalho. A perspectiva da drea ‘passou aos eventos em mniltiplas niveis na or- ganizagao, aumentande a atengao a topicos nto ‘tradicionais, tais como estresse, conilito traba- tho-familia e aposentadoria, Concepgées admi- nnistrativas tradicionais, como estilos de lideran- ‘sa, racionalizacao de processas hierarquiraga0 ‘organizacional, deram lugar a novos conceitas, ‘como capital intelectual, gestio do conhecimen- 19, aliangas estratégicas, tice empresarial, orga- nizagdes virtuais, tempo ocieso, entre outros, Atividatles classicas e tradicionais so mantidas, deittra de in laque de atividades mais aniplo, que ‘44 um significade quatitativamente distinta 20 an- ‘igo profissional da psicotécni Examinando essa ripida retrospectiva histories de constituigio do canipo da POT, fi- 4a evidente que ela se desenvolvew buscando dar texpostas a desatias especificos postos pelos dutividade, qualidade, competitividade), com o estan (modalos de gestae de pesseas, politicas ‘te pesscal) e com os trabathadores (em termos de sade, bemn-estar © qualidade de vida) de uma tormia Integrada, como fendmenos articuladas em uma complex rede de multidetermina¢oes reci- fracas, & 0 que define o campo no momento pre sente. Com tal compreensio, alguns importan- tes marcos revelam a institucionalizagdo da POT como um dominio especifico da psicologia que s¢ define em interface com inimeros outros: campos cientificos ¢ profissionais, Sdo alguns marcos importantes dessa trajetoria: em 2001, sob o financiamento inicial do Conselho Federal de Psicologia (CFP), apos debates entre os membros do Grupo de Trabalho em Psicologia Organizacional e do Trabalho (GTPOT), originados principal- "mente em simpésios da Associaga0 Nacional de Pesquisa ¢ Pés:Graduacdo em Psicologia (ANPEPP), o primeito ntimero da Revista Psicologia: organtzagbes ¢ trabalho (POT) — pprimeiro periédico da area no Brasil, alocado na Universidade Federal de Santa Catarina; } tambémno dmbita das realizagbes associadas ao GTPOT, registrou-se formalmente, em Florianépolis no fim doano de 2001, aSocie- dade Brasileira de Psicologia Organizacional edo Trabalho, com a finalidadede agregar os profissionais da area no Pais; izau-seo I Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional e do Trabalho, em Salvador, Bahia, com um expressivo miimero de participantes ¢ trabalhos apre- sentadas, revelando a auturidade de uma 4irea cientifica e profissional que necessitava de canais especificos para expressar ¢ dar ‘visibilidade a sua produce. ‘Certamente, essas iniciativas fortaleceram areflexao sobre 0s conhecimentas produzids sabre identidade do profissional. Tal identidade, contude, nao esté isen- ta de tenses internas entre os subdominios de insergao. da psicologia no mundo do trabalho. Contrariando fareas que buscam segmentar @ campo, separando em mundos isolades os que se dedicam as clissicas atividades da psicolo- gia organizacional daqueles que se ocupam das questécs do trabalho ¢ da satide do trabalhader, ‘a Associagdo Brasileira de Psicologia Organiza- cional e do Trabalho (SBPOT) langou um rele- vante Manifesto, em 29 de novembro de 2009 (Associagiio Brasileira de Psicologia Organiza- cional ¢ do Trabalho, 2009), em que defends de forma cists © fundamantada 2 inperiesa naces- siade de que trabalho © organiza3o nao sejam indidos como mundos separades. Apoiado tos pressupostos de que a psicologia € um campo disperso e de que o respeito a diversidade ¢ fun- damental, o documento destaca, em linhas ge~ raise » a centralidade do trabalho, como atividade humana. social, eaimportincia de organiza -locomo processo, criticando a possibilidade dese pensar trabalho descolado da discus- sio sobre os mados de organtizi-lo; » a importancia das organizagoes como me= canismos socialmente criados para atender is necessidades coletivas, que lambém sac dliversificadas em termos dle cultura, politicas riticas de gestdo, questionando a possi idade de se fazer uma psicologia apenas yoltada para © “trabalho”, sem pensar nas “organizagaes” em que ele ocorre; » as ttansformagdes ocorridas no campo feve- Jam um proceso continuo de alargamento do espage de atuagao de um mimero expres- sivo de psicdlogos no Brasil —tal ampliagso ‘conduziu a uma crescente consciéncia deque trabalho e gestao so fendmenos imbricados © de que decisoes ¢ politicas organizacionais podem ser base de bem-estar ou de adoeci- mento no trabalho; as condigdics de trabalho podem ser de- sumanizadoras ¢ precérias em indmeros segmentas, formas ¢ tipas de organizacbes: industriais, comerciais, escolares, ho: res, sindicais, judiciais, esportivas, legislativas, cooperativas populares ¢ outras, © que est em jogo sto as formas de or ganizar o trabalho ¢ as contingéncias a elas atte ladas. Ao lado de enfrentamentos e tensbes, hi também espagos para o didlogo ¢ a negociagdo, ‘inctementados pelo: surgimento das redes. so- ciais, aqui interpretadas como novos modos de ‘organicar e reivindicar reposicionamentos da eestruttra ¢ dindmica social de poder. Assim, de- ve-se valorizar a complementaridade, © a com- preensao Wo trabalho se dé nfo pela cisao, mas bala andlise de sua interdepenclésicia cain as ri ‘iplos aspeetas do meio, com destaque para os ‘contexts definidos como organizacies. » CAMPO CIENTIFICO E PROFISSIONAL DA PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E 00 TRABALHO ‘De que mancira. um conjunte de priticas, sabe- res € objetos de estudo adquire identidade gra- dativamente, de tal modo que possa ser reco- nhecide como disciplina au campo especifico de atuagio profissional e produgio de conheci~ ‘mento? Para Barros (2011, p.253), [oJ todo campo “disciplinar’ seja qual tle far, é histérico, no sentida de que val surgindo ou comega a ser perechi- do como um novo campo. disciplinar ‘em algum momento, ¢ que depois disso, essa de se atualizar, de se transfor mar, de se sedefinir, de ser percebido de novas maneiras, de se afirmar com no- vas inlentidades, de se reinserir no i bito dos diversos campos de produgio de comhecimento ow de praticas espect- ficas [. Assim, todas as disciplinas experimen tam um processo histérico de construgae. Sur- 561 Peicologia,organizagtes etrabaho na Brasil» gem em momentos distintos da historia € ¥i- ‘venciam processos de transfurmagio que Ihes podem. conierir diferentes configurastes. a0 longo do tempo, considerande as alteracées nos seus abjetos, definigdes, métodos € mesma cobjetivos. Que caracteristicas nos permitem afirmar que a POT constitui um campo disciplinar especi: ‘fica? Quais san seus limites ¢ suas interfaces com outros campos disciplinares 6 com o campo mais .geral da psicologia om que se insere? Que mutian- 985 sdo perceptiveis na forma como sua identida- de vem sendo redefinids contemporaneamente? ‘Para respondermos a essas questises, neste ssegmento, vamos discutir: }asingularidade da POT em termos dos cam- pos intradisciplinares que 4 constitaens; »osniveis em quese organizam os fendmenos que sio alvo da sua pesquisa e imervengo: as interfaces interdisciplinares, cujas oposi- ‘ges ¢ didlogos permitem identificara singu- lavidade da disciplina imersa-em um grande campo interdisciplins » © conjunto de atividades profissionais que definem, ao longo da historia, 0s limites do ‘campo & } as competéncias requeridas do processo de formacio para a atuacio em POT. Psicologia organizacional e do trabalho e seus campos intradisciplinares .O desenvolvimento de qualquer disciplina con- As atividades implicam diferentes niveis de intervencie diante dos problemas or ganizacionais ¢ do trabalho. Uni primeiro nivel, mais superficial, @0 técnica, em que 0 profissional se responsabiliza por intervirem processosa partir deinstrumentas.e procedi- mentosconhecidos e/ou disponiveis (quando faz. avaliagao psicologica para a selecao, quando programa um treinamento, supervi- siona um estagisio, realiza umaenirevista de desligamento, descreve uma rotina, intervém pontualmenteem um confit ers uma equipe detrabalho, por exemplo), Um segundo nivel £0 titico, quando o psicélogo trabalha, com ‘uma equipe veltada para a implantagao de urna estratégia,a partir de diagn dsticos jé rea Jirados (condiuzagoes para melhoriade-clima ‘organizacional ou para © desenvolvimento de competéncias avaliadas como necessarias para determinada equipe, por exempto). © terceiro nivel~ocstratégico— inclui a possibi Jidade de o profissional participar da formu- lagdo das estratégias que incorporam aquelas atividades especificas (quando define as ‘competéncias a serem desenvolvidas em um programa de treinamento, elabora um mode Jo deselegao, propae um modelo de avaliagao de desempenha, planeja estudos ¢ pesquisas ppsicossociais para diagndsticos, se engajaem pprocessos de mudanca organizacional, etc.) ‘No nivelestratégico, as intervengdes vao além do nivel micro, e seus resultados podem t ‘impactos para as pessoas e para a organiza sia a médio ca longo prazos, desenhando nova formas de trabalhar ¢ gerir © trabalho naguiela organizagao. Por fim, 0 quarto nivel indica a possibilidade de intervenciono pla- no da formulagao de politicas globais para a organizagto, que se desdobram em agdes ssstratégicas ¢ técnicas congruentes (¢ 0 que ‘acorre quando o psicologo atua junto as ins- ‘tincias decisérias supetiores da organizagao sstabelecende linhas gerais de agao, efinindo ppoliticas setoriais especificas, sempre otien- tado por uma visto estratégica mais ampla sobre e futuro da organizagio; uma politica de recursos humanos, por exemplo, requer a articulagla de técnicas, procedimentos, “objetivos de diferentesdominios paraque, no seuconjunto, as priticas de gestdo fortalegam objetivos gerais, tais como eficacia, eficiencia, responsabilidade social, ética, etc.). Aatuagio, nesse nivel se da em estigios mais avangados da carreira, quando o psicélogo acumulow ia experiéncia mais ampla ¢,quase sempre, quando exerce o papel de consultor, assessor ‘ow ocupa cargos no poder central, » trabalho de psicdlogo, considerando a diversidade das atividades descritas, dei xou de ocorrer apenas em organizacdes industriais, como nos marcos iniciais do campo. © psicélogo passow a se inserir em organizagdes de servigns, no setor publica, em organizacées nao governamentais, em conperativas, sindicatos, entre autros espa: ‘603. Essa ampliag3o rompe com a nogio de que © psicéloge organizacional ericantra- se apenas em empresas privadas voltadas para a producao de bens de consumo, Um claro cxemplo dessa ampliagao é a presenca de psicdlogos atuando-na area de gestio de pessoas em instituighes hospitalares, e nae como psicélogos hospitalares. A ampliacao dos espagos de atuagdo rompe os limites do ‘que convencionamos chanvar de organizagoes formais. O trabalho juntos desempregados € um exemplo clara, por atingir um segmento ‘que, exatamente, foi expulso de onganizagdes. Isso também.acontece em relagan aatividades com trabalhadores informutis, autonomos ou sem vinculos empregaticiase que podem ser objeto de varias intervengies anteriormente indicadas. Outra forma de tompimento dos limites organizacionais ¢ a tendéncia obser ada deo psicologo trabalhar cada ver mais como auténome (eu dono do seu préprio empreendimento), prestandoservigos a orga- nizagbes diversas. O crescimento do papel de consultores ea diminuigao do percentual de psicdlogos atuando ma drea ¢ com contratos de emprego de 40 horas, conforme indicam 195 dados da pesquisa sobre 0 trabalho de psicologo brasileiro, coordenada por Bastos e Gondim (2010), evidenciam essa tendéncia muito claramente, embora a POT continue a ser uma das dreas da psicologia que mais ‘emprega profissionais em tempo integral. Ao definirmos um conjunto de atividades ¢ discutirmos os contestos ¢ condigaes em. que elas sao deserwolvidas, podemos perder a pers- pectiva de que qualquer campo cientifico ¢ pro- fissional apresentia uma dindmica propria ¢ mo- difica-se com © tempo, Novas atividades. surgem © se consolidam, assim como novas formas de realizar volhas atividases. Quanto a essa dindmi- Supervisto extra-académica Pianejamento, execucio.de | projetos | Desenvelvimento organiza- | clonal Acompanhamento de pessoal | Treinamento Assesearia | Triagem [ Andlise de | ‘Andlise de g ‘cargos e:saldrios | cargos e salérios Pricodiagnstico. | Recrutamentaiselerso Consultoria Dinamica de grupo ‘Supervisdo de estégios aca- Desenvolvimento de grupos! emicos equipes Grientacao para profissionais: Reabilitagae profissional ‘Aconselhamento pstcoldgico Intervengao em organtragtes! Diagnéstice situacional instituigdes Figura 15.11 Evolugdo das atividades dos. psicélogos organizacionais ¢ do trabatho-na Brasil nos ditimos s0.anes, Fonte: Com base em Conse Federal de Pscnoia C1988) ¢ Gund, Bastos ¢ Peimtn (2010) ‘uestdes para reflexao |. O.que justifea a ertica de que o modelo de atuagz0 mais tradicional do psicdlogo organizacional @ do trabalho era “limitado” ¢ tina um forte vigs tecnicista? 2. Que mudanga entre as duas pesquisas sinalira uma amipliago do escopo de trabalho.em POT ¢ a possibrlidade de intervengbes para além do nivel tecnica? 4. @ que justifica que 0 nocleo mais classico de atividades na area ainda permaneca presente de for- ma tao expressiva na pratica dos protissionais? 4, Considerando as atividades que aparecemn na Figura 15.11, o que se pode conciuirsobre os campos intradisciplinares que integram a POT? 5S, Que fatores padem explicar ¢ perfil de atuagao em POT representado na Figura 15,117 58D Zanoli, Borges-andiade & Bastas (O1gs.) Compromisso social ou orientagdes ético-paliticas Ho psicdlogo nas organizagoes de trabalho Bactos, Yamamoto e Rodtigues (2013) identifica tes principais fecos dos discursés utlizades para critiear o compromise social do psicéloge organizacional ¢ do trabalho qua, embora sejam idelas pon twais € assentadas em esteredtipos, peta insisténcia dos discursos, se incorporam & imagem comparti- ihada por uma parcela de profssionais. Uma dessas ideias refere-se ao engajamento do psicdlogo aos interesses dos acionistas/praprieta- ‘ios das organizagtes, Em outras palavras, apoiado no argumente de quo seu objetiva # rnediar & equi- librar 25 aspiragSes de todas as partes — onganizagSes, trabalhadores, investidores -, 0 profissional atua ‘coma adaptadar do polo mais enfraquecido (os trabalhadores) 8 classe dominante (emprosdrios e cor poracbes), ajustando suas percepgdes @ ecessidades a0 que ¢ de interesse do capital, Tal fungao, vo- luntaria ou nao, revela uma aca alienada de um profissional que néo comsegue enxergar a3 relaghes de poder que © cercam e que © submetem a ser instrumento de controle social. atua na redugao de cant tes, ampliando as estratégias de dominio dos gestores « reduzindo a consciéncia critica do trabalhador ‘em pol de transformapdes em sua empresa ou na saciedade. Ainda baseada na premissa de apatia do psictlogo orgenizacional para mudangas esta a avaliagao de que a area é sustentada por um vids tecnicista importado de outros contextos, Ferramentas e instrus mentos uilizados na drea, além de ultrapassados, ndo sao adequades 3 realigade em que-sao aplicados. |sso faz 0 prafissional, ao transpor & impor praticas prontas, sem ume maior preocupagao com a subje- tividade humana, bloquear qualquer possibilidade de resposta dos menos favorecidos, garantindo, mais uma vez, o controle € o poder, Sua atuapao assume, portante, Um carater instrumental, traduzido nas: praticas de gestiio de pessoas, que visem a efetividade organizacion ielhores desempenhos, aumen= 1 de competitnidade, alcance de metas, menores custos e matores lveros. Aqui, predomina uma Nogi- ca dos negécios e da administrago que néo pertence 4 psicalngia e que a contamina, A busca de “pes- as certas para os lugares Cettos”, maima dos processos de recrutammento e seleco, ganha uma nova roupagem € passa a ser simbolo de uma pratica manipuladars dé ajuste do individuo 45 necessidades «das organizacbes. As noctes de vies tecnicist e carder instrumental, juntas, conferem ao psicologo or Banizacional o esterestipe de reprodutar do sistema e agente de extracao ds mais valia. Por fim, como resultados. desses julgamentos, a psicdlage organizacional ¢ do trabalho € condena- ddo.a estar & sevign dos interesses do capital, Anda que outras areas compartihem 2 critica do vies tecnicista, samente ne area de atuagdo, 9 profisstonal, por “wender-se ao capital com suas técnicas manipuladores”, perde qualquer possibllidade de atuar como um transformadar da sociedade. Em ou tras patavas, suas chances de ser legitimade como um profissional comprometide socialmente existi- rao apenas na circunstancia de deixar a onganizacso. De outta maneira, Zanelli (2002) havia identificado trés arientacSes ético-politicas dos psicdlogos, adenender de suas visdes de mundo, em relaga0 ao praprio trabalho nas organizages: |. aqueles que concordam com 3 estrutura de dominagse intema e atuam, implicits ov explicitamen- te, para preservé-la; 2. aqueles que reconhecem as diftculdades da enfrentamento das questes geradas no selo do emba- te de classes e buscam, in face, modos de emancipac3e do trabalhador e methoria da qualidade de 3. aqueles que veer na atuacko em empresas um papel de amortecedor de-contflitos, em prejulzo, ine- vitével, do trabsthador. ‘uestées para reflexio |. Por que ingnuo e cimplicta reduzir trios bs cantlitds de interesee @ divicses de clastes que mar cam @ Sociedade ao conflite capital-trabalho? 2, Que argumentos podem sustentar a premissa de que o campo da POT ndo , na perspectiva do com- promissa social, diferente de nenhuma das outras reas da psicologia em termos de divergéncias.de interesses, panéis socials e alé mesmo nas contradigdes de sua atuagao? (coatinae) Jus 581 Peicologia,organizagtes etrabaho na Brasil» 3. ue sisters © condicdes esta interligados na formagdo de cantextos de trabalho pouca saudéveis pata © canjunto dos trabathaderes em uma oxganizarii? 0 que tais sistemas e condighes tem a ver ‘com 0 conceita ample de sustentabilidade? 4. Aidepender da vis8o de mundo do psicélogo, ha uma alternativa na qual ¢ maior @ possibilidade de participaeso ¢ compartilhamento democratice para conjunto dos trabalhadores? Explique, ‘5. Que faiores podem explicar © Gesenvolvimento psicoldgico de profissionais restos em sua visB0 de mundo a uma orientagdo ético-politica ¢ levé-los a agredir os que adotam visbes alternatives? O que: ‘sso tem a ver com 0 conceito de atitude cientifica? b REFERENCIAS ABBAD, G, Sz MOURAO, L. Competénsias profissio mais. € estratepias de quuaificagae © requalificagio. In -BASTOS, A.V. Bs GONDIM, $.M.G. O teabulho do psi ‘og ro fri. Porto Alegre: Arimed, 2080, p. 380403, ANTUNES, M.A. M.A psirologia mo Brasil: leimara hhistérica sobre sua constifuipio, Sie Paulo: Uninnar £0, EDUC, 1998, ASSOCIACAO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA OR- GANIZACIONAL E DO TRABALHO. Manifeste da Associate Brastletm de Psicologéa Organizacianal e do Truballws psicologia de trabalho © das arganizagdes: ‘no atuamos pela cis. Brasilia: SBPOT, 2009. Dispo- nivel em: -chttpi//nwwabpotorg.brisbpoth/pdf/ma nifesto_psicologia-co-trabalha-e-organizacoes_SB POT pdl>. Acesso em: 28 jan. 2014. BARROS, |. 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