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| CONCEITOS DA PSICANALISE O Superego Py ta PRISCILLA RO ike On FY A Pr. oy 3 A a ee CONCEITOS DA PSICANALISE O Superego PRISCILLA ROTH Editor da série Ivan Ward Ideas in Psychoanalysis - The Superego foi publicado no Reino Unico em 2001 por Icon Books Ltd., The Old Dairy, Brook Rd, Thriplow, Cambridge SG8 7RG Copyright do texto © 2001 Priscilla Roth Conceitos da Psicanalise ~ O Superego é uma co-edigao da Ediouro, Segmento-Duetto Editorial Ltda, com a Relume DumarA Editora. Ediouro, Segmento-Duetto Editorial Ltda.: Rua Cunha Gago, 412, 3° andar, Sao Paulo, SP, CEP 05421-001, telefone (11) 3039 3. Relume Dumara Editora: Rua Nova Jerusalém. 345, Bonsucesso, Rio de Ja- neiro, GEP 2104: Copyright da ed! indicagao editorial Alverto Schprejer (Relume Dumara Ecitoral Coordenagao editorial da série brasileira Ana Claudia Ferrari e Ana Luisa Astiz (Duetto Editorial) Tradugao. Sergio Tellaroli Edigao. Carlos Mendes Rosa Revisdo técnica Paulie Schiler Revisao Eiigi Silvaira Cuting etalhe da Canela Sistina) CIP-Brasil. Catalogagdo-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Ru. R754s Roth, Priscilla, © Superego / Priscilla Roth ; tradugo Sergio Tellarali. - Rio de Janeiro : Relume Dumara : Ediouro ; Segmento-Duetto, 2005 (Conceitos da psicanalise ; v.5) Tradugao de: Ideas in psychoanalysis : the superego ISBN 85-7316-431-X 1. Freud, Sigmund, 1856-1939. 2. Klein, Melanie, 1882-1960, 3. Superego. 4. Psicandlise. |. Titulo, Il. Série. 05-2266. CDD 154.22 DU 159,923.2 Todos os direitos reservados. A reprodugao nao-autorizada desta dublicagdo, por Quaiquer meio, seja ela total ou parcial, constitui violegao da Lei n° 5.988, INTRODLCAO Todos tém um superego, mas nem todos o chamam assim. Alguns o chamam de “conscién- cia” ou mesmo “consciéncia pesada”, outros lhe dao o nome de “moral”. Como quer que ele se chame, porém, o fato € que todos temos um su- perego. Ele é reconhecivel sobretudo por aquela voz dentro da nossa cabeca (mas veremos que no se limita a isso) que nao nos deixa fazer coi- sas erradas (ilegais, imorais, grosseiras), mesmo que ninguém fique sabendo. E que, la de dentro, nos pune quando cedemos a alguma tentacao ou fazemos o que nao deveriamos ter feito — ou até, as vezes, sem termos feito nada. O Surencag Pode-se pensar no superego como nossa “consciéncia”, mas a idéia freudiana de superego nao corresponde exatamente a consciéncia, ainda que ambos tenham propriedades e caracteristicas semelhantes. Uma das grandes diferencas entre a idéia de “consciéncia”, antiquissima, e sua ex- tensao psicanalitica chamada “superego” é que o conceito de superego em geral reconhece que é muito pequena a relacdo entre o que uma pessoa pensa conscientemente ser permissivel e aquilo que o superego de fato lhe permite fazer. Ou, in- vertendo a ordem das coisas: as vezes, sentimos grande culpa ou temos a vaga sensacdo de sermos maus sem que saibamos ao certo 0 que fizemos Para nos sentirmos culpados ou maus. No aero- porto, por exemplo, quando indagadas na alfan- dega, as pessoas véem-se muitas vezes angustia- das, € 0 mesmo acontece quando um policial, numa averiguacdo rotineira, pede que encosiem 9 carro, ainda que nem sequer imaginem o que teriam feito de ilegal. InTRODUGEO, Para complicar ainda mais, as vezes 0 supere- go fala de forma bastante direta e franca dentro de nos: “VA trabalhar JA, vocé esta enrolando faz ito tempo!” Ou: “NAO coma outro chocolate”. Ou ainda: “Se vocé deixar a louga suja na mesa, vai precisar lavar tudo quando voltar para casa. E lave a louca antes de sair!” Outras vezes, mais punitivo: “Que ruindade a sua, que falta de educacao tratar a sua irma desse jeito. Vocé é MESMO ruim e mal-educado demais com sua irma”. E pode também ser muito punitivo: “Vocé é absolutamente horrivel, detestavel. Nao merece a amizade nem o amor de ninguém. S6 mietece ser infeliz”. Todas essas sao maneiras que 0 superego usa para nos dar ordens ou nos atacar de dentro de nds mesmos. Por outro lado, muitas vezes € bastante dolo- roso ter uma voz assim dentro de nds, e 0 que fa- zemos € dar um jeito de atribui-la a outra pessoa: “Minha irma me detesta porque sou um pouco indelicado com ela. E supersensivel, tremenda- © Superece: mente fria e sempre me faz sentir mal”. Ou: “Meu chefe vive me acusando de chegar atrasado”. Ou ainda: “Eu sei que essa gente me acha gorda e repugnante quando me vé comendo chocolate”, Com muita frequéncia. o superego nos comanda ou nos proibe de fazer coisas sem que sequer no- temos. S6 o que percebemos €, talvez, que algo inexplicavel esteja se passando dentro de nos: “Nao sei por qué, mas estou sem vontade de ira essa festa”. Ou: “Nao sei... Nunca consigo relaxar enquanto nao termino de fazer toda a licao de casa”. Ou ainda: “Estou superfeliz assim, do jei- tinho que eu sou. Nao tenho grandes ambicées”. Nesses momentos, 0 superego esta invisivel, ou inaudivel — ou, como diriam os psicanalistas, in- consciente. Nao sabermos que ele esta nos influen- ciando, mas, na verdade, esta exercendo um efei- to enorme sobre os nossos sentimentos, desejos e comportamento, Neste livro, explico 0 que os psicanalistas que- rem dizer com “superego” e por que se trata de son um conceito util e importante. Com o propdsi- to de mostrar onde ele se encaixa na teoria psi- tica, exponho, em primeiro lugar, os dois modelos propostos por Freud de como a mente tunciona. Em seguida, discuto a necessidade da existéncia do superego (por que precisamos de ariamos melhor sem ele?). Ivo ainda os seguintes tdpicos, apenas reiacionados aqui: como soa a voz do su- perego € como o sentimos; como é té-lo dentro de nds dizendo o que fazer e 0 que nao fazer e como ele se projeta para fora, de tal modo que criticas e julgamentos parecam vir de outras pessoas; ou 10 Como o yollamos contra os outros, fazen- do que ele os julgue e nos proteja, assim, do seu rigor. E ainda pergunto: “Quais sao os indicios de um superego que atua inconscientemente?” Concluo com uma explana¢ao acerca da ori- gem do superego — os acontecimentos da infancia que legam a cada um de nés uma instancia inte- rior critica e julgadora — e exploro algumas das O Surereao posigdes hoje defendidas por psicanalistas sobre essas Origens. O LUGAR DO SUPEREGO NA TEORIA PSICANALITICA O superego constitui uma parte da segunda e Ultima teoria de Freud sobre o funcionamento da mente. A primeira teoria foi chamada de “mode- lo topografico” e dividia a mente em duas dreas: uma area consciente/pré-consciente, contendo todos os pensamentos € sentimentos que conhe- cemos ou poderiamos conhecer com facilidade; e, subjacente a essa (metaforicamente falando), um inconsciente bem maior, repleto de pulsdes e im- pulsos de que nao podemos ter um conhecimen- to direto. Acreditava-se que essas pulsoes e esses impulsos fossem inatos e instintivos e buscassem satisfacao imediata — na comida, na bebida ou no sexo. Além disso, é freqtiente 0 conflito de tais pulsdes € impulsos com outros comportamen- tos, adquiridos pelo aprendizado e socialmente 10 O Lucan 09 SyPFAFGO Na TeoRA Psitanatinga aceitos, resultando dai o atrito entre estas duas areas da mente: o inconsciente, que demanda sa- tisfacao de seus impulsos, e a porcao consciente, zacional, civilizada, que contém uma instancia critica que proibe a satisfacao daqueles mesmos desejos. Nao temos como observar os desejos in- scientes de forma direta, mas podemos obser- de yue maneira eles forcam a passagem pela ncia critica e se manifestam indiretamente in: a em nosso comportamento: em “lapsos”, piadas, sonhos e, de um modo mais perturbador, em sin- tomas neuroticos. © modelo topografico, em que existe um con- © eMmtre ¢ imconsciente e o consciente (que abrange também os pensamentos e desejos que ainda nao s4o conscientes, mas podem tornar-se conscientes tao logo nossa atengAo se dirija para eles — uma rea a que Freud deu o nome de “pré- consciente”), foi muito wil por chamar a atencao para estimular a exploragdo dessa vasta parte da mente que exerce influéncia profunda sobre o a © SuPeRES comportamento e sobre os pensamentos de cada um, mas em geral passa despercebida. Esse modelo topografico, porém, apresentou problemas de cuas naturezas distintas. Em pri- meiro lugar, partia do principio de que a instan- cia critica — a porgao da mente que decide do que podemos ter consciéncia — era parte da men- te consciente: de que era, portanto, racional e Oposta a exigéncias e desejos instintivos. Freud e seus seguidores, no entanto, logo comecaram a perceber que os pacientes muitas vezes pareciam também ter uma instancia critica inconsciente: nao sabiam que estavam sendo criticados ou punidos de seu proprio interior, mas sofriam de uma ma- neira que indicava ser esse 0 caso. De fato, Freud acreditava que muitos dos pacientes que recor- riam a ele sentiam uma necessidade inconsciente de punicdo. Alguns deles, por exemplo, davam mostra de sentir profundo desconforto quando comecavam a se recuperar dos sintomas dolo- Tosos, Como se se sentissem culpados por estar Em segundo lugar, o modelo topografico par- co pressuposto de que as defesas de uma pes- soa contra a emergéncia de desejos inconscientes eram conscientes. Por definicdo, o que se opunha inconscientes era parte do sistema onsciente. Mas também ai logo se evidenciou que muitas das defesas contra im- pulsos inconscientes eram, na verdade, incons- cientes, € que a area da mente que se podia des- crever como inconsciente continha mais do que meros impulsos biologicos e anseios infantis. Foi grande medida para dar conta desses proble- mas com a teoria que Freud desenvolveu pouco a pouco o segundo e ultimo modelo da mente, a “teoria estrutural”, que continua a considerar a divisdéo consciente/inconsciente, mas nao se limi- taaela! No modelo estrutural, a mente compde-se de trés partes: o id, 0 ego € o superego. No id, Freud 13 z O Surerrsa. situou todos os instintos e pulsdes com que nas- cemos: os impulsos agressivos e sexuais, assim como a pulsao inata de buscar comida, agua, ca- lor e assim por diante. Essas necessidades bio- logicas sao sobretudo inconscientes e nao levam em conta a realidade. Conflitam freqtientemente com as exigéncias que a sociedade nos faz: se fos- semos constituidos apenas de id, teriamos difi- culdade de levar a vida em nosso mundo. A segunda parte da mente, 0 ego, desenvol- ve-se a partir do id nos primeiros dias, semanas ou meses depois do nascimento, a medida que a crianga comeca pouco a pouco a perceber o mundo exterior e adaptar-se a ele — aprendendo, por exemplo, como chamar a atencdo da mae ou lembrar-se de que ao vé-la ela quase sempre tera consolo. Essa porcdo da mente chamada ego ~ cada vez mais racional, organizadora, sintonizada com o mundo — abriga a capacidade para o pen- samento racional, o planejamento e a lembranca. Com frequéncia, porém, o superego interfere no 14 Para Que Seave o Sure Se Ele So Nos Faz Seria Mat? funcionamento do ego. E 0 superego € a terceira parte desse sistema tripartite. Ele brota do ego, forme a crianca vai incorporando as regras nidas pelos pais e pela sociedade, como ve- vemos adiante, e torna-se uma forca poderosa na mente do individuo. O poder do superego advém idade que ele tem de suscitar culpa e os 2 ela relacionados: ele € capaz ce ditar o nosso comportamento e até os nossos pensamentos. Contudo, se, por um lado, o su- perego pode ajudar o individuo a se adaptar as leis e regras basicas da sociedade em que vive, por outro. pode as vezes tornar-se a porcao mais derosa e mesmo a mais destrutiva da sua per- sonalidade. PARA QUE SERVE O SUPEREGO, SE ELE SO NOS FAZ SENTIR MAL? Podemos abordar essa questao fazendo pri- meiro algumas outras perguntas. O que possi- bilita o comportamento civilizado? Por que a 15 » ‘ O Sorerece maior parte das pessoas se adapta as leis? Por que algumas infringem as leis? E por que a maio- ria nao as infringe, mesmo que pareca vantajoso fazé-lo e tenhamos certeza de que nao seremos apanhados? Na tentativa de responder essas perguntas, muitos recorreriam a nogéo de consciéncia, como jd mencionei — ficariamos, digamos, com a consciéncia pesada se infringissemos a lei. O que Freud compreendeu € que a consciéncia nao € apenas um cédigo moral racional: a conscién- cia. disse ele, guarda relacao profunda com o sentimento de culpa. O respeito pelas relacées sociais, pela lei e pela ordem, nao € simples- mente imposto pela sociedade em que vivemos, mas deriva de uma necessidade que comeca a tomar forma na primeira infancia: a necessidade de obedecer a ordem social em que vivernos, de honra-la e manté-la. O fato de muitas pessoas nao corresponderem a essa descricao — os crimi- nosos, por exemplo, ou, de modo bem diferente, 16 Seave o Suecreso, Se Ele So Nos Faz Senna Man? >ucionarios, que desejam modificar a or- — nao invalida a premissa. Pelo con- nano. sugere o que a psicanalise j4 demonstrou meras vezes: que 0 desejo de ordem se desen- volve conjuntamente e em permanente contflito cam outros desejos, mais destrutivos e também criativos. O coniflito é parte da nossa na- - 9 conflito entre o desejo de preservar e manter. por um lado, e o de destruir e romper, por outro; 0 conflito entre o desejo de permane- cer 0 mesmo e o de mudar e crescer; 0 conflito entre os mais preciosos impulsos amorosos € os oder de destruicao. A estrutura men- zal que controla e modera esses conflitos é o que os psicanalistas chamam de superego. O reconhecimento de que a consciéncia tem relagao profunda com o sentimento de culpa foi importante. “Culpa”, nesse contexto, nao se re- fere a culpa perante a lei, como quando se diz que alguém foi “declarado culpado” de um cri- me. Trata-se, antes, de um sentido pessoal de cul- O Surerneso pa, de sentir-se culpado. E, como bem sabemos, sentir-se culpado ndo € 0 mesmo que ser culpa- do aos olhos dos outros. Uma pessoa pode ser considerada culpada de um crime e nao se sentir culpada. Ou pode sentir-se culpada sem que seja, de fato, culpada de coisa alguma. Nesse ultimo caso, o individuo pode nao ier a menor idéia de por que se sente tao culpado, ja que suas razdes para se sentir assim podem estar fora do alcan- ce da mente consciente. Sentir-se culpado é, no minimo, uma sensacao bastante desagradavel. As vezes. € pior do que isso, quando uma voz den- tro de nés nos critica e castiga até nos invadir os pensamentos, de tal forma que um sentimento de culpa parece apoderar-se por completo da nossa vida. Nessas ocasides, somos obrigados a fazer alguma coisa para mitigar esses sentimentos tao dolorosos ou nos livrarmos deles: ou tentamos melhorar as coisas ou comecamos a culpar outra pessoa. No pior dos casos, a culpa, quando extre- mada e desprovida de remorso, é literalmente in- Pras Que Seave o Sureress, Se Bie SO Nos Faz SENTIR Mac? rivel. Pode, entdo, levar uma pessoa a buscar severa para si mesma ou a se voltar com rdinaria ferocidade contra aqueles que acu- Em sua manifestacao mais extremada, a culpa capaz de levar ao suicidio. co no inicio deste segmento. De soas se comportam de maneira izada. n3o infringem a lei e preservam a or- dem social porque se sentiriam culpadas se agis- sem de outra forma. Freud sustentava que a civilizacdo (ou seja, entender, a organizacéo sociocultural) volveu-se 2 foi capaz de se manter porque, na primeira infancia, os seres humanos passam por experiéncias que constituem em cada indi- riduo uma propensao a culpa quando desobede- cem as regras — uma instancia critica, a que ele deu o nome de superego. Abordarei mais adiante como isso ocorre. No momento, importa saber que a crianca pequena interioriza muito cedo as 19 O Surereco proibicées dos pais e se identifica com elas. O superego € como se fosse a voz dos pais dentro dela, ora louvando-a por “bom” comportamen- to, ora — com mais freqtiéncia — repreendendo- a ou até punindo-a com rigor por aquilo que ele, superego, considera mau comportamento. Essa voz da autoridade, que um dia pertenceu aos pais, lorna-se parte do eu, fazendo frente ao restante desse eu (ao “ego”) e impondo-lhe exigéncias. Segundo Freud, é © estabelecimento dessa instancia critica interna no desenvolvimento de cada individuo que torna possivel a civilizacao. A capacidade de conviver em unidades sociais complexas — cidades, metrépoles, nacoes — re- quer que, como individuos, reprimamos muitos dos nossos poderosos impulsos instintivos. Te- mos de nos privar da satisfacdo sexual imedia- ta e da agressividade desenfreada, porque nao fazé-lo poria em risco a estrutura social em que vivemos. Muitas séo as recompensas da vida 20 Que Serve o S Se Gis S: acima de tudo, a vida € mais segu- ociedade civilizada. Todavia, em troca ranca, impOemi-se sérias restricdes as cias humanas inatas. O resultado disso é ma conduta mais moral do que em outras for- primitivas. de ordem social. Contudo, reprimida pela civilizagdo é ca- o eu sab a forma de uma moral. que experimentamos come culpa. A culpa é, portanto, parte da natu- 2 da experiéncia humanas. Esse € 0 proces- gue Freud atribuiu a estrutura mental a que perego. Ele é o guardido necessario da mtenedor da ordem. E é tam- © prego que pagamos pela civilizagdo. Um superego forte é, afirma Freud, 2 mais importante problema no desenvolvimento da civilizagdo [...] 0 preco que pagamos por nosso avan- ¢o na civilizacdo é a perda de felicidade pela intensi- ficagao do sentimento de culpa.’ 2t 2 O Surcreao E importante notar que a ordem social deli- neada por Freud, com a moralidade subjacente a ela, alicerca-se no medo. Embora Freud en- fatize com frequeéncia o fato de os pais serem nao apenas temidos, mas também objeto de amor profundo’, a consciéncia moral resultante do superego que ele descreve fundamenta-se no medo, mais do que no amor. Da mesma forma que a crianga temia a dura reprimenda do pai, 0 adulto teme a severa reprovacdo proveniente do superego. Boa parte das pessoas, no entanto, acredita que, embora muitas vezes sejamos “bons” ape- has porque temos medo — medo do sentimento de culpa —, outras vezes somos “bons” porque fazemos uso de impulsos amorosos, generosos ou afetivos. Além das pulsdes agressivas, os se- res humanos costumam também tender para o comportamento apropriado. E essa tendéncia deriva dos mesmos processos que constituiram O superego punitivo: trata-se, ai também, de 22 Ouve Exventmar © GuPEREGO. ializacdo, bem precoce, das caracte- is dos pais. Analistas posteriores a Freud, 2 crerudo Melanie Klein’, investigaram a fun- =o de que maneira ocorrem essas interioriza- Ses 2 identificagdes, como elas interagem en- sie com os proprios impulsos inconscientes “2 crianga. bem como com suas fantasias em ONDE ENCONTRAR O SUPEREGO Dentro de vocé e inteiramente consciente © lugar mais obvio para se procurar 0 supere- car a estudar como ele funciona é den- mente. Muita gente logo pensara do seu superego como aquela percebida nos pensamentos. Um exemplo: “Se vocé nao se levantar e oferecer o lugar para aquela mu- -Aer, vai se sentir muito mal”. Outro: “Vocé pode embolsar aquela nota de 50 que encontrou no chao da loja, mas vai se sentir mal se fizer isso”. Ou: “Muito bem, vocé embolsou a nota de 50 e 23 O Speen ninguém percebeu, mas, na verdade, deveria se envergonhar: que raio de criatura € vocé?” Ou ainda: “Vocé acaba de dizer uma coisa desagra- davel demais aquela mulher. Como € que péde fazer uma coisa dessas?” Todos esses exemplos exprimem tentacoes e faltas muito comuns, pelas quais a maioria se pune habitualmente por conta propria. Quase todos admitem que o sentimento de culpa € isto: 0 modo como nos punimos por termos feito algo que achamos que nao deviamos ter feito. Nesse nivel. o superego funciona de uma maneira logica e, portanto, facilmente com- preensivel: sabemos em que erramos e sabemos que nos sentimos culpados e por qué. Algumas pessoas, porém, sofrem muito mais com a “consciéncia pesada”, 0 que as vezes pare- ce ilégico, Essas pessoas sentem-se tao mal, tao culpadas ante a possibilidade de agir, ou mesmo de pensar, que ou restringem seriamente o com- portamento ou sofrem de uma culpa invasiva e debilitante demais. 24 LIRAR O SUPERESO =: terapia, uma garotinha disse que sabia ito feio pensar no que havia por baixo 2 preso a cintura de Cristo quando ela ja. Tentava loucamente desviar aquele mento, mas sem resultado. O sentimento ormentava e ela achava que me- explicar o que a seria dizer que go severo e cruel, Ccapaz de 130 apenas pelo que ela fazia, mas tam- pelo que pensava. Do ponto de vista des- ridade interior, os pensamentos s&o tao = quanto as acoes. E claro que, no tinha, a terapia servia para entender ma coisa desse superego: onde ela o adqui- rira e por que era tao punitivo. Nao faz muito tempo, um conhecido politico contou que, quando pequeno, costumava ter de vedir permisséo ao seu professor para ser “ba- zunceiro”. Lembrou-se de que perguntava: “Pos- so fazer bagun¢a agora, senhor?” O que se tem 25 © Surereao ai é a imagem de uma crianca com medo de ser uma crianca comum, com medo de que o seu su- perego a puna com rigor se ela “se soltar”. Esse politico também tinha um superego severo. E bastante doloroso saber de criancas que se pu- nem mentalmente. Ficamos imaginando de onde vem essa voz cruel. Poderiamos pensar que se trata de criangas cujos pais, demasiado rigorosos, devem ter-lhes dito varias vezes que eram mas. Nem sem- pre, porém, € esse 0 caso: a severidade do supere- go da crianca parece nao corresponder de forma alguma ao rigor com que ela foi tratada. E como se 0 superego se constituisse apenas dos aspectos mais inflexiveis dos pais, ignorando os cuidados e o amor deles. (Todo pai ou mae ha de se lembrar das ocasiées em que os filhos s6 parecem recordar os momentos em que um ov outro ficou muito bravo ou gritou com eles, ou ainda os proibiu de ver te- levisao, embora nao tivessem feito nada de errado.) Os psicanalistas consideram essa discrepancia entre a severidade do superego ¢€ 0 tratamento real que 26 One Encontaar O SUPEREGO recebeu na infancia um exemplo bastante cor do processo de constituigéo do supere- => 2 cmanga internaliza os pais, vistos pela lente da dade inconsciente da propria crianca em aa eles. Assim, o superego caracteriza-se por la agressividade: os aspectos agressivos e dos pais ampliados pela agressividade Ga crianca. Dentro de vocé, mas nao muito consciente interessante saber que a maior parte do su- é inconsciente. Isso significa que somos imentos — de que nado nos da- 7 $ Qué !azemos e pensa- nem sequer percebemos pensar. Isso soa estra- nho. talvez até impossivel, mas os psicanalistas vivem encontrando provas de que as pessoas se sentem culpadas sem saber que a culpa provém 22 coisas das quais elas nem se deram conta de ier feito ou pensado 27 O Surereso Vejamos um exemplo disso. Uma mulher de- cidiu consultar um psicanalista porque algo tinha comecado a preocupé-la. Ela era casada com um homem a quem amava muito, mas com quem nao gostava de ter relacdes sexuais. Até onde sabia, nao existia um motivo para esse desprazer. Ainda assim, descobrira que ndo gostava de ter relacdes com ele; alias, até se sentia um pouco deprimida apos o ato sexual. No plano consciente, achava que nao fizera nada de errado e nao se sentia culpada. No entanto, sentia que as coisas nao eram como deveriam ser e que tinha enorme inibicao em ter prazer. Esperava que a psicandlise a ajudasse a resolver o problema. Na andlise, a mulher comecou pouco a pouco a formar um quadro de algumas das for¢as pre- sentes na sua situacdo. Quando bem pequena, amava muito a mae, mas, a partir do nascimento da irma mais nova, voltara-se contra a mae e se tornara “a garotinha do papai”. Lembrava-se de ter sido terrivel com a mae por muitos anos, mas superou essa fase e teve com ela um relaciona- 28 Once Excowrnan o avel. Depois, na adolescéncia, 0 pai oc7gu 2 2 mae nunca mais se casou — ficou vi- resto da vida. No processo de andlise, ute tomou consciéncia gradual dos sen- s confusos e turbulentos que nutria em 298 pais: o amor pela mae, seguido do 9. da inveja e do citime; o desejo de melhor do que ela, de agradar ao que a mae o fazia; 0 odio a mae pelo ce ela nao ter conseguido de algum modo pai vivo; a admiracao pela coragem sturada a uma espécie de sentimento ‘do a maturidade sexual 2 ndo tinha parceiro; Ga qué inconsciente, decor- te do amor real pela mae, por ter, como disse invertido os papéis: agora s6 eu tenho um marido”. Essa culpa inconsciente pelo sentimen- to também inconsciente de vitéria sobre a mae a media de exercer uma sexualidade plena com © marido, até que tanto culpa como sentimento 29 O Superceg de vitoria foram desvelados e compreendidos no processo de anilise. Como ocorreu nesse caso, sentimentos depressi- vos brandos ou graves costumam ser sinal de cul- pa inconsciente. A propria depressdo pode assumir diversas formas: letargia, cansaco, sonoléncia, sen- timento vago de infelicidade, auséncia de prazer ou de entusiasmo. Em outras palavras, se o supe- rego pode atacar fazendo-nos sentir culpados, pode também atacar de formas muito mais sub-repticias, fazendo-nos sentir deprimidos ou simplesmente “inferiores”. E capaz de drenar todo o prazer, dei- xando-nos com a sensacao de que a vida nado tem sentido. Mesmo que nao nos sintamos culpados no plano consciente, talvez sejamos punidos por algo de que temos uma culpa inconsciente. De que podemos sentir culpa no plano do in- consciente? Vejamos um pequeno exemplo disso, tomado de outra paciente em andlise. Uma jovem recorreu a andlise porque sentia dificuldade de manter relacionamentos sérios e de ter prazer no 30 . gue, embora achasse estimulante e in- . desempenhava com entusiasmo cada or. A historia dela continha uma terrivel familiar: a irma mais nova sofrera um te quando ambas eram adolescentes e na- férias. Em decorréncia disso, a irma ora de uma invalidez permanente. A 4 consciente de que se sentia tris- da e até oprimida pela deficiéncia da 2. Mesmo nao tendo responsabilidade pelo ontecera. Mas nao se deu conta de quanto tpada até que um sonho a fez recordar ando era bem pequena, 2. Lexcbrou-se de es- com o pai e o irmao elho, enquanto a mae dava de comer a irma or —na época, bebé — e a punha para dormir. = .embrou-se do desgosto de nao haver comida ciente para ela propria e de que odiava a irma. “oum acesso de raiva, comecou a chorar e a recla- até que a mandaram sair da mesa. 31 A julgar pela descricao daquilo de que se lem- brava, havia, na verdade, comida mais que sufi- ciente na mesa. Ficou claro, entao, que ela sentia falta mesmo da mae. A imagem do bebé sendo amamentado pela mae a enchera de sentimentos de dor e de privacao, bem como de citme e odio do bebé que recebia tudo que ela propria queria. O acidente tragico sofrido pela irma pareceu a realizacao dos desejos — muito comuns ~ de vingan- ca da paciente. A paciente era incapaz de associar a lembranca da hostilidade para coma irma pequena, quando crianca, e a tristeza por sua deficiéncia, por- que, se o fizesse, sentiria uma culpa intoleravel. Contudo, ela nao fez as correlacdes. A culpa permaneceu inconsciente, e a paciente se punia pela agressividade infantil negando-se qualquer alegria ou satisfacdo na vida. Visto por esse prisma, um episédio na vida de Charles Dickens, famoso romancista do século XIX, talvez seja um exemplo de culpa nao ad- mitida. Em 1858, Dickens deixou a mulher, Ca- 32 2. de forma subita e cruel, apdés 30 anos Ge 2. Os amigos e a familia ficaram cho- perplexos com o que Thes pareceu um tamento frio e repentino, sem explicacao. io, ele literalmente erigiu uma parede no cuarto do casal, a fim de separar sua parte da . vendo que a medida nao fora sufi- irar a mulher da frente dele, Dickens tu que ela deixasse a casa. Com um dio im- avel, tentou tirar-lhe as criancas. Na residén- do casal, ficaram o escritor e os filhos, menos tor, € mais a irmé da ex-mulher, Georgina, r dele. Logo apos a separacao, Dickens por Catherine e “um sentimen- nea” por qualquer um que ele e estar “do lado dela”. Sentia-se cheio de s: 2 plenamente justificado em seus atos. Estava convencido de que tinha razao e insistia em quz 2s amigos, perplexos, concordassem com ele. Por algum tempo, o escritor sentiu-se aliv com as mudangas que fizera em sua vida. = ° O Surereao a pouco, porém, seu comportamento tornou-se fonte de preocupacao dos amigos e também dos seus médicos. Dickens deu inicio a um “turbi- Ihao” de atividades, com longas excursdes pelas Ihas Britanicas, nas quais se apresentava em te- atros, fazendo representacdes das suas obras. A escolha das obras variou com o passar das sema- nas, mas um capitulo foi sempre mantido: lia em todas as apresentagdes “A Morte de Nancy”, do romance Oliver Twist. Nessa passagem, Bill Sikes, criminoso abominavel, assassina com perversi- dade sua boa, inocente e amavel companheira, Nancy. Dickens representava ambas as persona- gens — a mulher inocente, atacada com brutalida- de, e o agressor feroz. Conforme as semanas e os meses se passaram, as apresentacdes adquiriram um carater cada vez mais frenético. Dickens con- tou a amigos que tinha dificuldade em separar-se do texto e que, depois de cada ensaio, ele cami- nhava pelas ruas com “a vaga sensacao de estar sendo ‘procurado””: 34 Poe cads o outona ¢ a inverno [...] na Inglaterra, nia Es- anda, ele continuou “assassinando Nanex" : regularidade que se tornou um vicio” uz muito doente. Amigos contaram que ele velhecido e esgotado, com rugas profun- sagas do vosto e em torno dos olhos; [havia] can- em seu olhar e um ar geral de fadiga e depressdio.* Kaplan, recente bidgrafo do romancista, ] vepresentava Sikes assassinando ncy, criava no palco a ilusdo de que ele era Sikes, de sis sua vontade e seu coracdo estavam empenhadaos naquele crime. E estavam. Matando-a repetidas vezes cle se expressava com violéncia deslocada contra = mulheres terriveis da sua vida: a mde e a es Ao assassinar Nancy, cometia um crime ¢ O Sursrteg [...] que lhe era possivel apenas na ficcdo. Sua identi- Jficacao com Sikes era tao poderosa que nem mesmo a morte de Sikes era capaz de libertd-lo da prisdo emo- cional dessa identificacao. Depois das apresentacoes, prossegue Kaplan: Um criminoso desprezivel ainda vagava dentro dele. Terminada a leitura, quando ele saia do teatro, era quase como se esperasse ser preso na rua. Espiava por sobre os ombros para ver quem 0 seguia.® Ao lermos essa descricao aflitiva, perturbado- ra, € dificil evitar a conclusdo de que havia na Tepresentacao daquela cena ficcional muito mais do que a historia de Bill Sikes e Nancy. Somos quase forcados a achar que toda noite se ence- nava no palco outro assassinato; que, incapaz de enfrentar a culpa e a vergonha pelo tratamento dispensado a esposa, Dickens tinha de encené- lo e reencena-lo compulsivamente. Sou levada a 36 © Rican fa7RemO 69 Surereag INTEND portanto, que o que perseguia o escritor zle deixava o teatro era o seu superego. IR EXTREMO PEREGO INTERNO Uma teas mais importantes a examinar como > superego trabalha é a de superego de al- Quem é saudavel tem um Tego gue, em geral, o ajuda a se sentir bem mesmo, culpando-o apenas quando se tar mal. Um superego saudavel € como o= pai Ou uma mae compreensivos mas firmes: regras, mas sabe ser tolerante em even- transgressdes; pode-se argumentar com ele =. assim, aplacd-lo. Se me comporto mal, mas nhego que me comportei mal e procuro re- a ar o que fiz, em geral meu superego me dara algum crédito por isso e me perdoara. A repata- -40 — a tentativa de corrigir o erro — é correlat: nogSo religiosa e espiritual de redencao. Im © Sureneoo sempre 0 reconhecimento da culpa e o desejo de reparar o erro. Um individuo Perseguido por um superego de um rigor excessivo pode ser retratado como inconscientemente vergado sob uma montanha instavel de culpa. Reconhecer sua magnitude ou tentar reduzir o seu peso terrivel é atriscar-se a uma arrasadora avalanche de vergonha. Pessoas assim desafortunadas, incapazes de qualquer ini- ciativa que dé inicio ao processo de reparacao, es- tao fadadas a reprovacao e ao ataque incessantes de dentro delas mesmas. Quem tem um superego tao cruel geralmente precisa se livrar dele de um modo ou de outro, porque se nao o fzer corre um grande risco de causar mal a si proprio ou aos outros. Nos casos extremos, os relacionamentos sofrem prejuizos e uma depressdo aguda causa dificuldades no tra- balho. Nos casos mais graves, o suicidio ou mes- MO © assassinato parecem ser o tnico meio de calar a impiedosa ofensiva interna. 38 EM OL TRA PESSOA As vezes, quando o superego é violento demais a culpa é insuportavel —, projelamos o 2 para fora, em outra pessoa. Isso signi- Fi 1¢ deslocamos a voz critica para o outro e que a critica parte dele. A pessoa que ue nos critica talvez nao esteja fazen- 2 espécie alguma. Um olhar diferente, mentario de passagem ou um telefonema spondido parecem as vezes indicios de re- 3a ou censura. Pode dar uma sensac¢Ao ter- que alguém nos persegue ou criti- i © dalorosa quanto odiarmos a nos ituagao que nao da trégua. Em $ pessoas podem se tornar bas- te parandicas a fim de se defender da propria pa inconsciente. Vejamos este exemplo: Helene Deutsch esc 2 sobre uma paciente que nao consegut : Ges de andlise por alg 5 Suapeso de mostrar-se agradecida pela compreensao da analista, a paciente tornou-se bastante agressi- va. Pés-se a vasculhar os dois anos anteriores de andlise, “lembrando-se” de descuidos da analis- ta, de momentos em que a analista a teria enten- dido mal ou destratado. A dra. Deutsch descre- ve isso como uma torrente de recordagdes envolvendo incidentes menores ocorridos na andlise, os quais ela distorcia conforme lhe convinha. [...] Sustentava, por exem- plo, que a andlise e o futuro dela mesma haviam sido arruinados por um telefonema que abreviara uma das sessées em poucos minutos [e insistia em afirmar que] eu fizera aquilo por ter profunda antipatia por ela. Ao jogar a culpa em mim, ela pode se livrar da culpa e, portanto, também da depresséo.° Esse exemplo mostra uma das maneiras de se esquivar de sentimentos de culpa, acusando ou- tros de perseguicao e critica. Desse modo, 0 ou- 40 © Surereco Prouetapo em QuTas PESSOA >> 2 identificado como perseguidor, e ele € quem se sentir culpado. 4 im de escapar da culpa inconsciente ¢ insu- el. algumas pessoas tentam provocar a cen- -2 de outros. Freud escreveu sobre aqueles que erizou de “criminosos em consequéncia entimento de culpa”, pessoas ameacadas mm sentimento de maldade que nao podem der nem suportar — gente cujos sentimen- de culpa sao tao poderosos que so podem ser -ados pela pratica efetiva de uma maldade."° 1 duas razées para isso. Em primeiro lu- uma maldade faz o sentimento de ional: o crime, por pior que seja. itaado no mundo real, sendo. wo o, “administravel”. Em segundo lugar. cio que se segue a ma aco € capaz de aliviat porariamente parte do sentimento de c Isso acontece porque a punicao de uma au ie externa pode ser menos devastadora ¢¢ punicdo imposta por um superego mu O Surereao, O SUPEREGO DENTRO DE NOS, MAS DIRIGIDO A OUTRA PESSOA Este € um modo comum de lidar com um su- perego rigoroso: em vez de permitir que ele nos persiga, nds o voltamos contra outras pessoas e as perseguimos. James Thurber escreveu certa vez uma historia sobre um pai cujo filho tinha medo de outras criancas. O pai obriga o filho a enfrentar os valentoes, insiste que o menino lute contra eles. O garotinho tenta fazer o que o pai quer, mas, diante dos valentoes, sente muito medo e foge. A reacao do pai € gritar com o filho, intimida-lo exatamente como fizeram as outras crian¢as: “Seu chorao medroso! Seu covardezi- nho inutil!” Podemos entender essa historia como a da luta perdida do pai contra o proprio superego intimi- dador. E de imaginar que esse pai tenha passado por alguma situacdéo em que se viu denegrido e diminuido por um lado bastante cruel e assusta- dor dele mesmo, que o acusa de covarde, de nao 42 O Concerro Paranacinoe & Supacesa servir para nada, de inutil, de nao passar de um cebé digno de pena. Essa voz pode ter vindo do seu pai, mas agora se encontra dentro dele, sem- cre o ameacando com criticas ferrenhas e des- prezo. O que ele faz com essa situacdo terrivel? Livra-se da voz voltada contra si e a redireciona cara o filho. O filho torna-se, entao, o objeto de prezo, deixando-o livre da critica. Todos nés conhecemos pessoas assim, que Darecem mandonas, censoras ou autoritarias. -onseguem que nos sintamos diminuidos, de- adas ou estupidos. Da proxima vez que rt com uma pessoa dessas, lembre-se “= S52 muito provavelmente ela estara transfe- as maus sentimentos dela mes- livrar-se deles. 2) CONCEITO PSICANALITICO DE SUPEREGO Como se forma o superego de Como adcuirimos a nogao . O Sureresa ser civilizado? Por que obedecemos 4 lei, tratamos os outros com correcdo ou respeitamos os direi- tos alheios? Paramos no sinal vermelho no meio da noite, quando, se tivéssemos seguido adiante, ninguém ficaria sabendo. Nao tocamos no que é dos outros, mesmo que nao sejamos apanhados se roubarmos alguma coisa. Consideramos justo que os menos afortunados recebam ajuda e pro- tecéo dos mais afortunados na sociedade. Nem sempre é assim, claro, mas, de modo geral, € 0 que ocorre. Cada um de nés carrega um policial moralizante, balizador e inibidor. Mas como isso acontece? Como € que um bebé completamente egoista se transforma em um adulto civilizado? Como adquirimos um superego? A resposta simples dada por Freud é que deve- mos a consciéncia a experiéncia com a autorida- de, 0 juizo, as criticas e as punicoes dos pais, em especial, acreditava Freud, do pai. Os juizos (ou, na verdade, todo um modo de pensar o certo e o errado) provenientes dos pais e aceitos quando 44 O Conceio Psicamaimioa 0€ SurEREGO 2-3mos pequenos demais para questiond-los sao issimilados durante a infancia e se estabelecem -2mo uma autoridade dentro de nds — 0 nosso Fiperego. Desse modo, os pais, suas opinides e quali- zades — e, mais tarde, as opinides e as qualida- Ees das pessoas que sdo proximas ou admeira- cos — tornam-se uma parte de nds mesmes. + pelas pessoas importantes com quem =-s -zntificamos ao longo da vida, sobretudo nes zrmeiros anos de vida. O superego € 0 ex ~\> vrimordial de como essas identifi profundamente a personalidace: remciar uma pessoa com um super 2 muito rigoroso de outra mais des -ndulgente consigo mesma. Nao = yulgamento de valor: uma perso necessariamente melhor do qual pode ter pontos forte sao personalidades diferen O Surersao Apresento a seguir a base teorica do conceito psicanalitico de superego. Claro, sera necessario recorrer a conceitos e idéias de alguma complexi- dade e as vezes dificeis de entender. INTROJECAO E IDENTIFICACAO: COMO O SUPEREGO SE FORMA Demorou muito tempo para a psicandlise en- tender como se desenvolve o superego de cada um, mas comecou pelas tentativas de Freud e de outro pioneiro da psicanalise, Karl Abraham, de entender e tratar pacientes que sofriam do que entao se chamava melancolia (estado que hoje denominamos depressdo). Eles notaram que os pacientes que sofrem de “melancolia” criticam- se sem cessar — acusam-se de nao valer nada, de maldade, de indelicadeza, de nao se importa- rem com ninguém além deles mesmos, de uma incapacidade de fazer bem o que quer que seja, de decepcionar os entes queridos (pais, amigos, conjuges) e assim por diante. Essa autocritica, 46 InTRQVERSO € thenMAcAgso: Como o SuPEREGO se Forma chegando por vezes ao ddio, é a caracteristica distintiva primdria da depressio. Abraham no- cou que as pessoas muito deprimidas se pareciam Dastante com quem estava de luto, mas nao fica- va claro quem ou o que elas haviam perdido ou mnorrera. Além disso, parecia uma espécie de luto cora de controle: longo e excessivo, bem como 4parentemente injustificado,"! Essa teoria - a de gue a depressao equivaleria a um luto descontro- -ado — manteve-se como teoria psicanalitica ba- sa da depressdo. Seu aprimoramento nos anos seguintes levou a compreensao nao apenas da de- ssio como doenca, mas também do conceito isténcia de um superego dentro de cada um, como da relac&o das fungées desse superego os disturbios depressivos. aham explorou a comparacdo entre a tris- tuto e a depressao a fim de explicar a ul- a. Aflrmou que, embora tanto o lute como 2 depressdo sejam a resposta a uma p Gepress4o existiria também uma he O Surerean consciente. Em outras palavras, a diferenca entre a depressao e 0 processo normal do luto é que na primeira existe também muita raiva. Abraham sugeriu ainda ser mais provayel um individuo ir além do luto (normal) e entrar em depressao (anormal) quando sua reacao a perda de alguém que ama se apresentar fortemente carregada de raiva ou mesmo de odio. Foi uma descoberta bri- Thante, baseada em uma observacao clinica agu- cada: o deprimido nao esta apenas infeliz, mas também furioso. Em 1916, Freud deu continuidade ao estu- do da depressao e o ampliou em grande medida num importante ensaio tedrico que estabeleceu o modelo para a compreensao dos processos da “introjecao” e da “identificacao”, abrindo cami- nho, assim, para o entendimento da formacao do superego. Nesse texto. “Luto e Melancolia”, bo Freud acolhe sem restricSes & ~ ce Abraham. Enfatiza também 2 re! uto e depres- s4o e considera os dois uma 2 a perda — por 48 9. Ibavnricagaax Come o Surcreno ss Fo morte, decep¢ao ou traicéo — de um objeto ama- do (ou seja, uma pessoa, coisa ou instituigao que tenha sido objeto de sentimentos intensos).'* E Freud concorda com Abraham quanto a exis- téncia de hostilidade no deprimido. Faz, porém, outra importante distincdo: se o luto sempre se refere a um objeto percebido conscientemente e perdido de fato, a melancolia, embora possa ter um objeto semelhante, é sentida com mais fre- qliéncia em relagao a uma perda que so se pode localizar no inconsciente. Freud detalhou as caracteristicas compartilha- das pelos que lamentam a morte ou o distancia- mento de alguém e pelas pessoas em depressao profunda evidente, nas quais, contudo, nao exis- te indicio ébvio de perda. Tais caracteristicas co- muns sao conhecidas de todos e compreendem um desalento doloroso, uma falta de interesse pelo mundo exterior, uma reducdo das ativida- des e perda da capacidade de afeto pelas pessoas ao redor. Mas, além disso tudo, diz Freud, os de- © Supeneso primidos exibem certos tracos que os enlutados nao apresentam: uma enorme perda da auto-es- tima, auto-acusacaéo e mesmo uma necessidade ilusoria de punicao. Freud elaborou uma teoria para explicar todas essas caracteristicas clinicas. (Esses sentimentos, é claro, sao sentidos em cer- tos momentos por muitos dos que atravessam um periodo de luto. Quando, porem, tornam-se intrataveis e se prolongam por muito tempo, os psicanalistas e outros profissionais acreditam que o processo do Luto foi agravado pela depressao.) O que Freud disse foi que, tanto no luto como na depressao, verifica-se a perda — real ou fan- tasiosa — de um objeto amado. No luto normal, segue-se um processo bastante lento e penoso, em que todo o interesse € toda a energia até en- tao canalizados para aquele objeto sao vagatosa e dolorosamente retirados dele. num processo de separacdo. Trata-se sempre de um processo i armar qual- bastante penoso, com quer um que ja tenha p ente querido. 50 InmRoegag & lagmricagan: Game 0 Sureneco se Fora Contudo, no luto puro e simples, esse proces- so penoso e infeliz segue um curso progressivo: aos poucos, o interesse, oS pensamentos e os sentimentos afastam-se e separam-se da pessoa perdida; o afastamento ocorre pouco a pouco, até que, ao final, o enlutado fica livre para pros- seguir a sua vida — para amar outra pessoa ou adquirir novos interesses. Na depressao ocorre uma diferenga. Para que a perda da pessoa amada resulte em depressao. o relacionamento com esse ente querido precisa ter sido, em esséncia, um relacionamento narci- sista — isto €, o objeto amado er fato como pertenc Gu a0 Gi te ou extensao do seu eu. A empobrecimento é exper:mentad “Eu (sem a pessoa amada) nao sou r me conforta, nada em mim tem valor”. & 2 o enlutado comum o mundo perdeu o in para o deprimido também o eu perdeu a dade de sentir qualquer interesse. Samuel O Surcraso Coleridge descreve essa experiéncia com grande beleza em seu poema Dejection: An Ode [Desalen- to: Uma Ode]: E no entanto contemplo — com que olhar vazio! E aquelas nuvens finas ld em cima, em flocos e fai- xas, Que emprestam seu movimento as estrelas: Aquelas estrelas que deslizam por tras delas ou em meio a elas, Ora reluzentes, ora ofuscadas, mas sempre vistveis; Além, a lua crescente, tao fixa como se crescesse Em seu lago azul sem nuvens ou estrelas; Vejo tudo isso com tamanha limpidez, Vejo, nao sinto, como tudo é belo! Falta-me vivacidade; E como poderia ela ajudar-me A livrar o meu peito do peso sufocante? Esfor¢o vao seria, Ainda que eu para sempre contemplasse 52 * Esta € uma traducao literal para melhor compreens#2 So ==5 IeROUEGAG E lbenmiFicagdc: Come © Surereso A luz verde a demorar-se no oeste; Ndo posso esperar arrancar de formas exteriores A paixao e a vida que brotam de dentro.*'° Na depressao, ademais, nao se trata apenas de um eu que se torna incapaz de sentir inte- resse pelo mundo ou amor por quem quer que seja, como Coleridge descreve: na verdade. esse eu torna-se objeto de édio, critica e aviltamento desmedidos. Em tal estado, as pessoas se sen- tem como se nao possuissem valor algum, ainda que, paradoxalmente, se verifique também uma aura de importancia e engrandecimento nas queixas que fazem de si mesmas. Dizem, por exemplo: “Sou a pessoa mais inutil do mundo”. Ou: “Claro que ninguém gosta de mim. Que seria amigo de alguém tao repulsivo?” Ou ainda: “E obvio que eu nunca consegui me mante> num emprego. Acho que sou preguicoso e auto poema original de Coleridge na nota 13. (N. do T.) O SupeReGo demais”. E assim por diante. O que Freud notou em todas essas queixas que o deprimido faz de si mesmo € que, na realidade, elas parecer di- zer respeito ou dirigir-se ao objeto perdido — ou, pelo menos, aquela parte do eu agora identifi- cada com esse objeto. “A sombra do objeto caiu sobre 0 ego”, disse Freud para descrever 0 que parece acontecer.™ Isso tudo pode parecer complicado e difi- cil de entender. Vale lembrar, porém, que uma diferenca entre os enlutados e os deprimidos é que estes ultimos sentem mais raiva dos entes amados que perderam. Mas nao se trata de uma raiva comum, resquicio de um ressentimento doméstico cotidiano ou de alguma decepcao. Se alguém acredita, literalmente, que a pessoa amada de fato Ihe pertence e, portanto, nao tem vida independente, a morte dessa pessoa pode The parecer um ato terrivel de traicto — uma traicao de tudo aquilo qué tornava yalioso o relacionamento com ela. Tudo esta perdido, in- 54 iE IDENTIFK : Gono o Suesneao clusive 0 passado. Embaracosa e indesejavel, 4 raiva é negada porque é€ impossivel admiti-la. quanto mais exprimi-la num momento em que o luto e a tristeza sao as Unicas emocées acei! veis. Em vez disso, 0 objeto perdido é intraje tado: é absorvido pelo eu, identificado com e transformado em parte dele.” Depo preendido, atacado e criticado (p morrido, decepcionado) por outra nao identificada com o objeto. Assim. 2 uma parte do eu como se fosse 0 objeto. C que aparenta ser uma parte do eu atacando outr3. como se tivesse irrompido uma acirrada guerra civil emocional, é, na verdade, algo bem dife- rente. Ha, de fato, uma guerra em curso, mas ela nao pode ser reconhecida, porque é travada entre o eu e um objeto que é amado de forma ambivalente. Admitir a guerra implicaria abrir mao do objeto amado, concedendo-lhe, poz as- sim dizer, sua liberdade. A sensacao de perda que isso acarretaria é insuportavel: © Surensco Dessa forma, a perda de objeto se transformou em perda do ego, e o conflita entre o ego e a pessoa ama- da, numa ciséo entre a atividade critica do ego € 0 ego alterado pela identificacao.** E qual € 0 proposito disso? O propésito é refu- tar sentimentos reais pela perda do outro: desse modo, o objeto nao esta perdido, nao é alvo de luto nem se abre mao dele — na verdade, instala- se dentro do eu e ali permanece, para ser tortura- do, punido e controlado. Um exemplo nos ajudara. Em seu primeiro ano de andlise, um paciente meu encarou com total tranquilidade a chegada das férias de verao. Ficou contente por nado ter de fazer a viagem de carro durante seis semanas e pela oportunidade de dedicar mais tempo a si e sua familia. Com certeza, nado se importava com a minha ausén- cia. Terminadas as fé ele voltou para a pri- meira sesso num és . cheio de an- oO siedade. Tinha certeza & cerderia o cargo, InTROuEgaO & IDET c= L > = porque tirara férias mais longas @ Ao solicitar as férias, sentira-sz © estava fazendo; durante as férias rera-Ihe que aquilo era uma ir de, que era negligéncia afastar-s por tanto tempo e era muito pro sua auséncia, tudo desse errado. ~ ter sido estupido a ponto de plane)= longas?” — perguntou. Era o que sem que decisoes importantes de das na sua auséncia e ele z lcipar. De novo, perguntou. sido tao esttipido, ficando longe por tanto tem- po? Naquela manha, logo em seguida a se de analise, retornaria ao escritorio pela pri vez depois das férias e nao tinha idéia de come encarar os colegas. O SurrHeco Claro que esse paciente estava cheio de senti- mentos de autoperseguicao. Um lado bastante cri- tico dele repreendia e punia o outro, porque esse, entre outras coisas, era estupido, irresponsdvel e folgado (tirando férias mais longas). No entanto, a medida que debatemos a situac4o e mais fatos vieram 4 tona (como, por exemplo, que ele havia tirado apenas dois dias a mais de férias do que o costume € que combinara essas férias com diver- sas pessoas no trabalho, antes de sair), tornou-se evidente na sessdo que toda aquela critica a que ele se submetia com tanto tormento era dirigida muito mais a analista. Algwém havia sido irres~ ponsavel e negligente. Alguém deveria perder o emprego. Alguém tinha deixado pessoas em apu- ros, sem a ajuda que elas necessitavam nas férias de verao. Alguém estava sendo condescendente demais e se divertia enquanto outros tinham de se virar sem ajuda alguma. Como vemos, 0 paciente s2 “curara” de toda e qualquer ameaca de perda >= cevendéncia du- 58 InTRQUEGaG £ IbexmmcagAG: Come rante as férias. No plano consciente. ¢b importou com o fato de que eu me aus me tratou muito bem. Ou seja, nao sentiu t ma perda consciente. E, a fim de proteger = dois da sua raiva de mim, nao exerceu essa t comigo: ao contrario, uma parte dele identifi se comigo, mas com um “eu” que ele achavs ir responsavel, negligente e egoista. Por fim, pds-se a punir essa parte dele identificada comigo com uma crueldade sem escrtipulos. O que espero ter mostrado com esse exemplo é a internalizacdo de um conflito que na verda- de é de um relacionamento — em vez de ser um conflito entre mim e ele, € vivenciado como ux. conflito entre ele (que critica) e ele (que € criti- cado). Ao formular essa teoria da internalizac3o ¢ identificacao de figuras externas, Freud criou um modelo de internalizagdéo das figuras paren que se transformam no superego. A teor-& Cita da coo em certas pessoas, a perda nao é sentida oc perda, mas como mudanga no eu. As O Supereeo: objeto perdido sao internalizados e identificados com: “Nao perdi vocé; tornei-me vocé”. Vejamos outro exemplo, importante porque parte desse processo ocorre numa crianga peque- na. Uma jovem familia viajava de trem — pai, mae e dois meninos, de 4 e 2 anos de idade. A mae havia levado lapis e papel para distrair as criangas, mas a viagem era longa e os meninos comecaram a se cansar e se aborrecer com o confinamento. Thomas, o mais velho, primeiro se pds a andar pelo corredor do vagao e depois a correr; passados alguns minutos, 0 pai, um pouco irritado, segu- rou-o pelos bragos e disse: “Isto aqui nao é um parquinho, Thomas”. Parecendo sujeitar-se, 0 me- nino tornou a sé sentar. Minutos depois, 0 cacula, James, levantou-se de repente, ficou em pé no as- sento para olhar pela janela e, em seguida, subiu na mesa entre uma e outra fileira de assentos. “Isto aqui nao é um parquinho. James! Isto aqui nao € um parquinho!” — gritou Thomas. transformando- se agora na severa voz da autoridade. 60 hor & fbewnincacko: Gono 0 Surereso se Raat Essa parece ser uma histéria bem comum, nao muito complicada, e poderiamos perguntar se ela nao é apenas sobre um menino que aprende= com 0 pai o que € um comportamento aceitave:. Se, contudo, formos um pouco além na reflexao. veremos que Thomas nao esta apenas dizendo a James o que o pai lhe dissera. Em certa medi- da, Thomas transformou-se no pai. Ele n (ainda que tivesse idade suficiente para € mulagao mais complicada): “Papai disse que isto aqui nado é um parquinho”. De certo modo. 2: gritar com o irmao travesso, ele esta sendo o pai. Tem-se ai uma “identificac4o” — nesse caso, uma identificagao com um aspecto autoritario parti- cular do pai. Os psicanalistas poderiam também chamar isso de “introjegéo”. O menino assimilou o pai dentro de si e uma parte dele identificou-se com 0 pai. Thomas, € claro, tem apenas 4 anos. Imagina- mos (€ esperamos) que ele continue por mais al- guns anos correndo pelos corredores de um trem on O Swereco e fazendo coisas que levarao o pai a repreendé- lo. Mas, pouco a pouco. o pai. a medida que lhe disser 0 que é € o que nao é permitido, sera cada vez mais introjetado, e a voz que diz “isto aqui nado é um parquinho” partira de dentro do proprio Thomas e sera dirigida aquela outra sua parte cujo impulso é comportar-se mal. Seu superego estara constituido. Essa, como afirmei antes, € a resposta sim- ples. A crianca introjeta a voz dos pais, que se torna sua autoridade interna, seu superego. O processo, porém, € muito mais complicado do que isso, uma vez que a imagem que a crian- ca faz dos pais, das suas ordens e proibicées, ¢ profundamente afetada pelos sentimentos dela propria. Uma crian¢a ciumenta e irada costu- ma achar os pais também irados e bravos. Por sentir-se horrorosa dentro de si mesma, ela vé o mundo todo —e sobretude ais — como igual- mente horrorosos. Ela projeta seus sentimentos mtiindo-se tao mal ruins nos pais, imagina 62 em relacdo a ela quanto ¢.2 propria se sente em 2 pel fou a mae que ela relacao a eles. Ass introjeta sao intro come

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