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vi TEORIA GERAL DO ESTADO {que deve nortear os espfritos das pessoas e alimentar as esperangas dos povos. Nossos agradecimentos a todos, pelo prestigio ¢ incentivo, Aos estu- antes, que esta obra sirva como uma das chaves que abriréo as iniimeras porlas que precisam ser abertas ou reabertas no estudo e na busca do objet ‘w maior que é a implantagio de um verdadeiro Estado de Direito e de Justiga, Ao meu irmio José Roberto e a meu pai, prematuramente levados de nosso convivio, saudades. Miguel Alfredo Malufe Neto INDICE SISTEMATICO 1 —ESTADOE DIREITO 1. Teoria monistica — 2. Teoria dualistica — 3, Teoria do paralelismo. Il TEORIA TRIDIMENSIONAL DO ESTADO E DO DIREITO 1. Nogio fundamental Ill — DIVISAO GERAL DO DIREITO 1. Direto Natural ¢ Positivo — 2. Dircito piblico ¢ privado — 3. Po- sigGo da Teoria Geral do Estado no quadro geral do Direito IV —TEORIA GERAL DO ESTADO 1. Conceito — 2. Triplice aspecto — 3, Posigio e relago com outras cigncias — 4. Fontes V—NAGAO E ESTADO 1. Conceito de Nagio — 2, Populagio — 3. Povo — 4, Raga — 5, Homogeneidade do grupo nacional — 6, Coneeito de Estado. VI— ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO 1, Populagio — 2. Teriério — 3. Governo Vil — SOBERANIA, 1. Coneeito — 2. Fonte do poder soberano — 3, Teoria da soberania bsoluta do rei — 4. Teoria da soberania popular — 5. Teoria da sobe- rania nacional —6, Teoria da soberania do Estado —7. Escolas aleraa austriaca — 8. Teoria negativista da soberania — 9. Teoria rea- a 0u institucionalista — 10, Limitagées Vill — SOBERANIA E GLOBALIZAGAO 1. Coneeito—2. Blacos econémicas —3, Blocosintergovernamentais — Mercosul — 4, Outros blocos intergovemamentais — 5. Bloco supranaeionall — Unio Europsia IX — NASCIMENTO E EXTINCAO DOS ESTADOS —1 1. Nascimento — 2. Modo origindtio — 3. Modos secundt 4, Confederagio — 5. Federagdo — 6, Unido pessoal — 7. Unido real 29 39 vin THORIA GERAL DO ESTADO ¥. Divisio nacional — 9, Divisio sueessoral — 10, Mods deriva dos. — 11, Colonizayiio — 12, Concessio dos direitos de soberania — 12, Atwsde governo— 14, Desenvolvimento e declinio — 15. Extingao 16, Conguista — 17. Emigra dhs drstos de soberania N__ NASCIMENTO R EXTINCAO DOS ESTADOS — 11 1. Jusiticagdo —2. Principio das nacionalidades — 3, Teoria das fron- {cis naturais — 4. Teoria do equilfbio internacional — 5. Teoria do livre urhitrio dos povos. XI ORIGEM DOS ESTADOS |. Generalidades — 2. Teoria da origem familiar —3, Teoria patiareal 4. Teoria matsiarcal — 5. Teoria da origem patrimonial — 6 Teoria da Forea XII —JUSTIFICACAO DO ESTADO —T { Justficagdes teolbgico-rligiosas — 2, Teoria do direito divino sobrenatural —3. Teoria do direitodivino providencial XIll_JUSTIFICACAO DO ESTADO — 11 |. "Teoriasracionalistas Gusnaturaismo) —2. Hugo Grotius —3. Kant 4 Hobbes — 5. Spinoza —6. Locke XIV —JUSTIFICAGAO DO ESTADO — IIL |. Teoria do contrato social — 2, Jean Jacques Rousseau XV —JUSTIFICAGAO DO ESTADO — IV. 1. Escola histtiea — 2, Edmundo Burke XVI JUSTIFICACAO DO ESTADO — V 1. Puntefsmo — 2. Escola orginica — 3. Neopanteismo XVI —JUSTIFICACAO DO ESTADO — VL 1. Teoria da supremacia de classes — 2. Gumplowice e Oppenheimer 3. Fundamento doutrinario do Estado bolchevista XVIII — JUSTIFICAGAO DO ESTADO — VIL 1.0 Estado como diferenciagio entre governantes © governados — 2. Teoria de Léon Duguit XIX — EVOLUGAO HISTORICA DO ESTADO — 1. A “lei dos trésestados” de Augusto Comte — 2, Classificagio — 3.0 Estado antigo — 4, 0 Estado de Israel XX. BVOLUGAO HISTORICA DO ESTADO — I 1.0 Bstado grego— 2. “Polis” — 3, Platio — 4. Aristteles 18 Beplsio— 19 Ren XXI-— EVOLUCAO HISTORIA DO ESTADO — Il 1.0 Estado romano — 2. Origem — 3. Conecito de “Civita 4, Poder de "Impetiuny” — 5, Consulado — 6, Magistaturas e pro- 6 or B 9 85 87 ou 93 99 105 INDICE SISTEMATICO, magisaturas— 7 Ditadurs— 8, Colegilidade das magisrarras — 9, Principado XXII — EVOLUGAO HISTORICA DO ESTADO — IV 1.0 Estado medieval ¢ suas caracteristicas — 2. © feudalismo. XXIII — FVOLUGAO HISTORICA DO ESTADO —V 1. 0 Estado medieval e a Tgreja romana — 2. Santo Agostinho, Santo ‘Tomés de Aquino e outros doutrinadores XXIV — EVOLUCAO HISTORICA DO ESTADO — VI 1. Das monarquias medievais is monarquias absolutas — 2. A doutri- nna de Maquiavel XXV — EVOLUCAO HISTORICA DO ESTADO — VII 1.0 absolutismo mondrquico — 2. Escritores da Renascenga — 3. John Locke e a reago antiabsolutista XXVI— EVOLUCAO HISTORICA DO ESTADO — VIII 1. O liberalismo na Inglaterra — 2. América do Norte — 3. Franga 4, Declaragiio dos direitos fundamentais do homem XXVIT — A DECADENCIA DO LIBERALISMO_ 1.0 Estado liberal, seus erros ¢ sua decadéncia — 2. A enciclica “Rerum Novanum” — 3. 0 Estado evolucionista XXVII— REACAO ANTILIBERAL 1.0 socialismo ¢ a revolugio russa — 2. O Estado sovictico — 3. Observagbes — 4, Criagao da CEL XXIX — REACAO ANTILIBERAL E ANTIMARXISTA, 1.0 fascism e sua doutina — 2, Organiza do Estado festa 3.0 sistema corporativo XXX — 0 ESTADO NAZISTA ALEMAO 1. O nazismo — 2, 0 racismo alemao, XXXI— OS ESTADOS NOVOS 1.0 totalitarismo do tipo fascista — 2. Turquia — 3. Polonia — 4. Portugal — 5. Brasil — 6. Argentina ‘XXXII —FORMAS DE ESTADO 1. Classificagdes — 2, Estados perfeitos ¢ imperfeitos — 3. Estados simples e compostos — 4, Uniso pessoal — 5. Unido real — 6, Unio incororaia — 7. Conederagio — 8. Ours formas — 9. Impéio britinico XXXII— ESTADO FEDERAL 1. Estado unitirio — 2, Estado federal — 3. Caracteristicas essenciais, do Estado federal — 4, O federalismo nos EEUU da América do Norte Ix 109 1s 9 123 127 131 143 149 153 157 167 x _TEORIA GERAL, BO ESTADO 5.0 problema da soberania no Estado federal — 6, © federais- ino no Bil —7. Federalism organica — 8, Resumo XXXIV. FORMAS DE GOVERNO 1, Chsfeagiessecundérias — 2. Clssificagao essencial de Aristételes ¥ Momirquia ¢ Repiblica — 4. Subdivisdes —— 5. "Re- ferculun” — 6, Plbiscto — 7. Outros insittos XXXV__ PODER CONSTITUINTE 1, Conecitoe natureea— 2, Poder reformador — 3, Poder Consttin- tc instucional ANXVL 0 PREAMBULO NAS CONSTITUICOES 1. Sua significagio XXXVI — CONSTITUIGAO 1, Conceito — 2. Resto histérico do sistema constitucional — X Conteddo substancial — 4. Divisdo formal das Consitigoes — 5, Cartas dogmsticase outorgadas : XXXVIIL— SUPREMACIA DA CONSTITUIGAO 1, Subornagio dali ordindra as principio consttucionais —2. 0 controle da constitacionaldade das eis e dos atos administativs ¥.Sincopes consttucionais (esta de sitio) — 4. As sincopes consti- tweionais no Brasil XNNIX — DIVISAO DO PODER — 2. A doutrina de Montesquieu — 3. Unidade do poder € de dos 6rgos de sua manifestagio XI. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM 1, Generalidades — 2, Classticagdes — 3. Internacionalizagdo dos di- reitos do homem — 4. Novos dtetos fundamentals — 5. Diritos Sovitis 6, Garanias dos direitos fundamentais X11 — PRINCIPIOS E SISTEMAS FLEITORAIS I. Surgio universal — 2. Voto do analfabeto — 3, Surigio restrito€ censo lo — 4 Sufrégio igualitri e voto de qualidade — 5. Sufrégio ino — 6. oto pablico e volo secreto — 7. Voto como direito ow 8. Eleigao diretae indreta — 9. Sistemas eleitorais 10, Sistema propor sess XL ~ SISTEMA REPRESENTATIVO — I |. Generafidades — 2. Origem e formagao histrica — 3. O sistema ropesentativo na Inglaterra —4, Natireza do mandato— 5. Teoias — 6 Titulardade do mandato no sistema brasileiro — 7. Unicameraidade « bicameralidade — 8, O Senado no Estado federaivo SISTEMA REPRESENTATIVO— Il |. Divisio substancial (sistemas individualista e corporativo) — 2 Divisio formal — 3 Sistema dirtoral. XU 15 183 193 203 27 21 233 m9 INDICE SISTEMATICO. XLIV — SISTEMA REPRESENTATIVO PRESIDENCIALL |. Origem histérica — 2. Critiea — 3. Mecanismo e caracteristicas do presidencialismo — 4. Ministros de Estado — 5. Responsabilidade ¢ “Impeachment” — 6. Durugdo do mandato — 7. Bvolugio do sistema presidencial suas modalidades — $. Comissoesparlamentarcs de inguérito. XLV — SISTEMA REPRESENTATIVO PARLAMENTARISTA 1. Origem histérica — 2. Carster democritico do sistema —3. Meca- nismo do sistema parlamentarista— 4. O Chefe da Nagtio— 5. Execu- tivo colegiado — 6. Responsabilidade politica do Ministério — 7. Pro- ‘cesso da responsabilidade politica — 8. Responsabilidade solidéria — 9, Remodelagio ministerial — 10. Dissolugio do Parlamento — 11 Interdependéncia dos poderes — 12. Parlamentarismo, federa lo e bicameralidade .. XLVI — 0 PARLAMENTARISMO NO BRASIL 1. Resumo histérico — 2, Comentarios — 3. Nova experiéneia no Brasil XLVI — DEMOCRACIA 1. Origem histérica — 2, Conceito — 3, Democracia em sentido for- ‘male substancial... XLVI — DEMOCRACIA E IGUALDADE 1. Resumo histérico — 2. Igualdade em sentido formal e material —3. Desdobramento e conceito social-democritico — 4, Conceito de igualdade econémica XLIX — DEMOCRACIA F LIBERDADE, 1. Divisdes dos direitos de liberdade — 2, Liberdades absolutas ¢ rela tivas — 3. A liberdade nas teorias absolutistas — 4. A liberdade na teoria do contrato social — 5. Coneeito individualista — 6. Coneeito social-democritico — 7. Teoria de Gropalli — 8. Liberdade e autori- dade . se : 1, — DEMOCRACIA E ELITES DIRIGENTES 1. Conceito real de democracia — 2. Expresso qualitativa do corpo clitoral — 3. Sclegio de valores — 4. Conse de ete digentee sua responsabilidade hist6rica LI —DEMOCRACIA LIBERAL E DEMOCRACIA SOCIAL, 1. Aspectos da democracia liberal e sua decadéncia — 2. Fundamentos da democracia social — 3, Intervencionismo estatal — 4. As cor- rentes liberais modernas: neoliberalismo e social-liberalismo Lil — PARTIDOS POLITICOS 1. Conceito e natureza — 2, Sistemas partidérios — 3. Classificagio 4. Origem e evolugio histérica — 5. Os partidos politicos brasleiros, 253 283, 289 295 303 ai 315 32 xi TEORIA GERAL DO ESTADO LIL OESTADO E SEU PROBLEMA FINALISTICO, 1.0 Estado como “meio” destinado & realizagio dos fins da comuni- dade 2, Concepedes individualistas ¢ (otalistas — 3. Teoria dos fins intermedirios LIV OHOMEM BO ESTADO 1.0 homem como unidade social e como pessoa humana — 2, Liber- dade © autoridade — 3. Posigdes extremadas e intermediari . LV INDIVIDUALISMO, COLETIVISMO E GRUPALISMO |. Nogies gerais — 2. Espiritualismo e materialismo — 3. Camposi- «es diversas — 4. Anarquismo— 5. Individuatismo racionalista —6, Liberalismo econémico — 7. Coletivismo e correntes socialistas — $. Socialismo marxista,russismo e sua evolucao LVI — SINDICALISMO E CORPORATIVISMO. |. Concepsio grupalista — 2, Origem hist6rica — 3. Formagio do sindicalismo — 4, Concepgao social-democrstica — 5, ldentidade dos {ermos sindicalismo ¢ corporativismo LVI — ESTADO CORPORATIVO |. Conceito doutrinério de corporativismo — 2. Corporativismo de Es {ado e corporativismo associative — 3. Representacio profissional — 4. Trés solugdes estatais: corporativismo maximo, médio © LVI —SOCIALISMO |. Origens doutrinarias do socialismo utépico ou comunismo —2. Karl Marx e o socialismo cientifico — 3. Socialismo e suas variagbes — 4. Socialismo de Estado, comunismo ¢ anarquismo — 5. Principios Tilos6ficos do marxismo LIX —O ESTADO BA FAMILIA |. A familia como unidade integrante do Estado — 2, Teoria grupalista crista — 3. O primado da familia na sociedade — 4, A familia ¢ Estado brasileiro... : LX O ESTADO EA IGREIA 1. A sociedad: prineipios da unidade e da pluralidade — 2. Naturezae uionomia do poder espiritual — 3. A luta entre o Estado e a Igreja (resumo hist6rico) — 4. O Estado do Vaticano — 5. Relagdes entre a Igreja e 0 Estado — 6, Separagio ¢ harmon. LX1— O ESTADO BRASILEIRO 1. Formagio histérica — 2, Territério — 3. Populagio — 4. Formagao Federativa — 5. Evolugio da forma de governo — 6. Resumo hist6ri- 60 da Replica — 7. A Constituigao de 1988 329 331 335 343 37 353 363 367 3m I ESTADO E DIREITO 1. Teoria monistica. 2. Teoria dualistica. 3. Teo- ria do paralelismo. O Estado & wma organizagio destinada a manter, pela aplicagio do Direito, as condigdes universais de ordem social. E 0 Direito é 0 conjunto das condigdes existenciais da sociedade, que ao Estado cumpre assegurar Para o estudo do fendmeno estatal, tanto quanto para a iniciago na ciéncia jurfdica, o primeiro problema a ser enfrentado € 0 das relag’ Estado e Direito. Representam ambos uma realidade tinica? Sao duas reali- dades distintas ¢ independentes? No programa da ciéncia do Estado, este problema nao pode passar sem um esclarecimento preliminar, E sendo tio importante quanto complexo, daremos aqui pelo menos um resumo das cor- rentes que disputam entre sia primazia no campo doutrinério, Nao compor- {a 0 nosso programa mais do que uma orientagio esquemética, para com- preensfio da matéria em suas linhas gerais, servindo como um roteiro para aiores indagages nos dominios da ciéncia juridica. ss entre Dividem-se as opinides em trés grupos doutrinérios, que sio os se- guintes: 1, TEORIA MONISTICA Também chamada do estatismo juridico, segundo a qual o Estado e 0 Direito confundem-se em uma s6 realidade. Os dois fendmenos sunt unum et idem, na expresso usada por Kelsen, Para os monistas s6 existe o direito estatal, pois nao admitem eles a idéia de qualquer regra juridica fora do Estado, O Estado ¢ a fonte nica do Direito, porque quem di vida a Dircito € 0 Estado através da “forga coativa” de que 86 ele dispde. Regra juridica sem coagao, disse Ihering, tradigao em si, um fogo que nfo queima, uma luz que nao ilumina. Logo, como sé existe o Direito emanado do Estado, ambos se confundem em uma s6 realidade. 2 THORIA GERAL BO ESTADO Forum precursores do monismo juridico Hegel, Hobbes e Jean Bodin, nvolvida por Rudolf von thering ¢ John Austin, alcangou esta teoria a sina miixima expressio com a escola téenico-juridica liderada por Jellinek & cont t escola vienense de Hans Kelsen, 2. ‘TEORIA DUALISTICA Também chamada pluralistica, que sustenta serem o Estado ¢ 0 Ditei- to duas realidades distintas, independentes e ineonfundiveis Para os dualistas © Estado nao € a fonte tinica do Direito nem com este se conlunde, O que provém do Estado ¢ apenas uma categoria especial do Dirvito: o diteito positivo, Mas existem também os prineipios de direito natu- ral. as normas de direito costumeiro e as regras que se firmam na consciéncia coletiva, que tendem a adquirir positividade e que, nos casos omissos, 0 Esta- «lo deve acolher para Ihes dar jurisdicidade, Além do Direito ndo-escrto exis- em o Direito candnico, que independe da forga coativa do poder civil, e 0 Dirvito das associagdes menores, que 0 Estado reconhece e ampara AAfirma esta corrente que 0 Direito ¢ criagdo social, nfo estatal. Ele tral, no seu desenvolvimento, as mutagdes que se operam na vida de cada ovo, sob a influéneia das causas éticas, psiquicas, biolégicas, cientificas, condmicas ete. O Diteito, assim, é wm faro social em continua transforma- Gio, A fungao do Estado € a de positivar 0 Diteito isto é, traduzir em nor- tnas escritas os princfpios que se firmam na consciéncia social © dualismo (ou pluralismo), partindo de Gierke e Gurvitch, ganhou terreno com a doutrina de Léon Duguit, 0 qual condenou formalmente a concepcio monista, admitiu a pluralidade das fontes do Direito positivo & demonstrou que as normas juridicas tém sua origem no corpo social Desdobrou-se o pluralismo nas comentes sindicalistas ¢ corporativistas, . principalmente, no institucionalismo de Hauriou e Renard, culminando, final, com a preponderante e vigorosa doutrina de Santi Romano, que lhe dew um alto teor de precisao cientifica, 3. TEORIA DO PARALELISMO Segundo a qual o Estado ¢ 0 Direito sio realidades distintas, porém necessariamente interdependentes. Esta ferveira corrente, procurando solucionar a antitese monismo— pluralism, adotou a concepedo racional da graduagdo da positividade ju- ESTADO I: DIRETTO, 3 ridica, defendica com raro brithantismo pelo eminente mestre de Filosofia do Diteito na Italia, Giorgio Del Vecchio. Reconhece a teoria do pluralismo a existéncia do direito nao-estatal, sustentando que varios centros de determinagao juridica surgem e se desen- volvem fora do Estado, obedecendo a uma graduagao de positividade. So- bre todos estes centros particulares do ordlenamento juridico, prepondera 0 Estado como centro de irradiacao da positividade. O ordenamento juridico do Estado, afirma Del Vecchio, representa aquele que, dentro de todos os ‘ordenamentos juridicos possiveis, se afirma como o “verdadeiramente po- sitivo", em razio da sua conformidade com a vontade social predominante. ‘A teoria do paralelismo completa a teoria pluralista, ¢ ambas se contra- Jem com vantagem & teoria monista. Efetivamente, Estado ¢ Direito sto duas realidades distintas que se completam na interdependéncia, Como de- ‘monstra 0 Prof. Miguel Reale, a teoria do sabio mestre da Universidade de Roma coloca em termos racionais ¢ objetivos o problema das relagSes entre o Estado e 0 Direito, que se apresenta como um dos pontos de partida para 0 desenvolvimento atual do Culturalismo, como mais adiante se esclarece. “Teoria monistica (do estatismo juridico) Teoria dualistica (ou pluralistica) ‘Teoria do paralelisimo Relagdes entre Estado e Direito Na equago dos termos Bstado—Direito € necessério tet sempre em vista esses ts troncos doutrindtios, dos quais emana toda a ramificagaio de teoriusjustificativas do Estado e do Direito, como exporemos em capitulo especial. I TEORIA TRIDIMENSIONAL DO. ESTADO E DO DIREITO 1. Nocao fundamental. 1. NOCAO FUNDAMENTAL, ‘Como vimos no esquema antecedente, entre as correntes monistas (ou estatistas), num extremo, € as correntes dualisticas (ou pluralisticas), no outro extremo, estabeleceu-se, modernamente, uma corrente eclética (paralelistica) que se situa numa posigo de relativo equilibrio entre os cita- dos extremos. Acesta posigio central, de equilfbrio, prende-se a concepgio institucional do Estado, que atinge a sua maior expresso na concepeio culturalista do Estado € do Direito, desenvolvida com amplitude e invulgar brilhantismo pelo Prof. Miguel Reale O culturalismo, segundo as palavras do excelso mestre, integra-se no historicismo contemporaneo e aplica, no estudo do Estado e do Direito, os principios fundamentais da axiologia, ou seja, da teoria dos valores em funcdo dos graus da evolugao social. Nessa linha de raciocinio se desenvolve a teoria tridimensional do Es- tado e do Direito, que tende a solucionar, pela clareza metodol6gica, todos 08 conflitos doutrindrios radicais. A realidade estatal, como o Direito, é uma sintese, ou integracdo do “ser” e do “dever ser”; é fato e é norma, pois, €0 FATO integrado na NORMA exigida pelo VALOR a realizar. Em resumo, o Estado nao é apenas um sistema geral de normas, como preten es monistas, nem um fendmeno puramente sociolégi- co, como sustentam as correntes pluralisticas. E uma realidade cultural cons: tituida historicamente em virtude da prépria natureza social do homem, que encontra a sua integragdo no ordenamento juridico. Por essa concepeio tridimensional do Estado e do Direito, afasta-se 0 erro do formalismo técnico-juridico ¢ se compreende o verdadeiro valor da lei e da fungao de governo, 6 THORIA GERAL DO ESTADO. on eleito, o Estado, na concepgto tridimensional, no € somente io Fitica do poder pablico, nem simplesmente a realizagao do fi social, como também ndo se explica s6 pela sua fungio de ‘rgaio produtor ¢ mantenedor do ordenamento jurtdico. F a reunidio harmd- nica desses trés momentos ou fatores, enquanto dialeticamente se compoem ‘na unidude concreta do processo histérico-social, Os trés elementos se con- ina e se completam na integracao da realidade estatal, € nenhum deles, nente, é bastante em si para explicé Portanto, FATO, VALOR e NORMA sao os trés elementos (momen- tos cu fatores) integrantes do Estado como realidade sécio-ética-juridica, como eselarece 0 Prof. Miguel Reale: a) 0 FATO de existir uma relacdo permumente do Poder, com wma discriminacio entre governantes € gover- rnaddos: B) um VALOR ou um complexo de valores, em virtude do qual 0 Poder se exerce; c) um complexo de NORMAS que expressa a mediagao do Poder na atualizagao dos valores da convivéncia social. da convi ‘A caracterizag2o apenas como uma realidade de fato leva fatalmente as solugdes monistas, desde o totalismo de Hobbes ao realismo simplista de Duguit. Atentando-se apenas para 0 aspecto axiolégico, descamba-se para ‘ulealismo platOnico e hegeliano, com 0 endeusamento do poder piblico, Vinalmente, a se considerar o Estado somente pelo prisma da sua finalidade ppurvial de criador ¢ ordenador das normas juridicas, incide-se no erro de dlesprezar a realidade fitico-axiolégica, espraiando-se no campo raso do iaterialismo, no tecnicismo jurfdico, no normativismo Kelseniano ¢ nas lemais solugdes de eardter monista. {A teoria tridimensional do Estado e do Direito visa contornar as im- propriedades dessas solugdes parciais. Correlacionando FATO, VALOR ¢ NORMA, esta teoria retne os elementos essenciais que integram a realida- al, em correspondéncia com o triplice aspecto da Teoria Geral do lado: a) 0 aspecto SOCIOLOGICO, quando estuda a organizacdo estatal como fato social; b) 0 aspecto FILOSOFICO (ou AXTOLOGICO), quando estuda 0 Estado como fendmeno politico-cultural; c) 0 aspecto JURIDICO, «quando encara o Estado como érgio central de positivagao do Direit. Sobre a matéria, que é vasta e de relevante interesse para o estudo da Teoria Geral do Estado, voltaremos a discorret oportunamente, com mais pormenores, nos pontos referentes a Justificagdo do Estado, (0 estudo da Teoria Tridimensional do Estado e do Direito é de suma importincia na formagao da cultura juridica, pelo que indicamos as seguin tes obras do Prof, Miguel Reale: Teoria do Direito e do Estado, Fundamen- 10s do Direito ¢ Teoria Tridimensional do Direit. i DIVISAO GERAL DO DIREITO 1. Direito Natural ¢ Positivo. 2. Direito piiblico ¢ privado. 3. Posicdo da Teoria Geral do Estado no quadro geral do Direito. A exposigdo precedente poe em relevo a impossibilidade de se conceituar a unidade estatal com abstra¢io do Direito. Trata-se de duas re- alidades distintas, interdependentes e inseparaveis. Portanto, inicialmente, ‘vamos fixar o quadro geral da divisio do direto, frisando a posigio da Teo- ria Geral do Estado. 1. DIREITO NATURAL E POSITIVO 0 Diteito divide-se primeiramente em NATURAL ¢ POSITIVO, Direito Natural é 0 que emana da propria natureza, independente da ‘vontacle do homem (Cicero). F invaridvel no espago e no tempo, insuscetivel de variagio pelas opinides individuais ou pela vontade do Estado (Arist6teles), Ele reflete a natureza como foi criada. E anterior e superior a0 Estado, portanto conceituado como de origem divina. Direito Positivo € 0 conjunto organico das condi volvimento do individuo e da sociedade, dependent da vontade humana ¢ das garantias dadas pela forga coercitiva do Estado (Pedro Lessa). £ o dite toescrito, consubstanciado em leis, decretos, regulamentos, decisses judicié- rias, tratados internacionais etc., variando no espago no tempo, E obra es- sencialmente humana, e, portanto, precéria, falivel e sujeita a imperfeigées. 2. DIREITO PUBLICO E PRIVADO em PUBLICO e PRIVADO. Esta divisio provém do velho Direito Romano, e, segundo a defi lapidar de Ulpiano — publicum jus est quod ad statum romanae spectat; privatum quod ad singulorum uiilitatem pertinet — 0 diteito piblico € 0 0 Direito Positive divide-s 4 THORIA GERAL. DO ESTADO ue regulit as coisas do Estado; 0 direito privady & @ que diz respeito aos interesses particulares, Nestes termos, Alora pessoa (Fis E sujeito de direito pablico o Estado e de direito priva- ou juridica), Kelsen negou fundamento & tradicional divisdo dicotémica dos roma- thos, doutrinando que todo Direito é piblico, em relagio a sua origem e & condigiio de validez: 0 diteito provém sempre do Estado e nao tem cclicdicia sem a forga coativa do poder estatal. O Direito é uno e indivistvel. ‘A natureza das suas normas € que pode visar mais o bem comum ou as ceessidades particulares, Usta teoria monistica, adotada por Kelsen e Jellinek, nao se harmoniza coma realidade. O Estado nao é, absolutamente, a fonte exclusiva do Direi- {o, embora o seja da lei, isto é, de uma categoria espeeifica do Direito—o dircito estatal, Em verdade, 0 Estado nao cria © Direito; apenas verifica os brinepios que os usos e costumes consagram, para traduzi-los em normas cexcritas e dar-Ihes eficdcia extrinseca mediante sangao coercitiva. O legisla- dor, como observou Celice, € antes uma testemunha que certifica, do que tuin obreiro que faz lel Como bem acentuou Pontes de Miranda, 0 Estado é um meio ‘vel, nfo exclusivo, de revelagao das normas juridicas. Fora do E item outros centros de determinacao juridica, relativamente auténo- ‘mos: as igrejas, as autarquias e entidades paraestatais, os clubes ¢ associa- ‘Goes. OS grupos menores em geral, revestidos de capacidade de autodeter- ‘minagio, os quais, sem prejuizo da predomi ‘como fontes geradoras de normas juridicas ‘A despeito das criticas autorizadas de Kelsen, Duguit, Posada, Aubry © Rau, bem como de muitos outros gigantes do pensamento juridico univer- sal, adivisio do Direito em pablico e privado resistiu aos séculos impondo- se a accitagdo das cigncias, incia do poder estatal, atuam ico que o direito piblica eo dreto privado nao se acham separn- «ks por um abismo, como bem observou Fleiner, mas confundi-los numa 86 realidade importaria em subverter uma tradigao quase milenatia, onsagra- th pelo consenso geral dos povos. Convéim ressaltar, enretanto, essa tendéncia do Estado modemo no sentido ct absorgio do direit privado pelo dieito pablico, passand este superintendr, cada vee mais, maior nGinero de relagdes juridicas. uma conseqincia pica da decadéneia do individuaismo edo crescent pest sie das doutrinas do direito social. Tal tendéncia, porém, nao chegard a DIVISAO GERALDO DIRET consagrar a teoria da unidade ¢ indivisibitidade do Direito sem sacrificio dos mais salutares principios democraticos, Foi langada por Gurvitch, ultimamente, a divisio triplice do Direito, sescentando-se o diveito social como terceiro ramo, Defendem-na Le Fur € Girke, enire outros, e, no Brasil, Cesarino Jinior e Sousa Neto. Contratos coletivos de trabalho, legislagao industrial, federalismo econémico, organi- zagio do trabalho, sistema previdenciério etc. formariam esse terceiro ramo, isto é, 0 chamado “direito social”. Todavia, em que pesem os argumentos dos eminentes mestres, a prépria denominagao & um pleonasmo. Todo qualquer direito, seja publico ou privado, ha de ser necessariamente social. O objetivo do bem comum abrange tanto as relages de ordem péiblica como as de ordem privada. O Direito em geral se socializou, dando nova forma de «equacdo aos termos “liberdade” c “autoridade”, como fim de restabelecer 0 equilfbrio social prejudicado pelo fracasso do individualismo no campo politico. Voltemos, portanto, & classica divisio dicotémica que & de valor {transcendental para ateoria ea prética da ciéncia juridica, As normas juridi- cas se classificam como de direito piiblico ou privado, segundo a predomi- nncia do intetesse social ou particular. Cada um dos dois ramos fundamenta Virios outros, como se vé no quadro seguinte: do Direito se subdivide em ‘Natural r ternacional i \ \ | | | Consttacional \ ) Administrative JPUHCS —) Ynremo | Penal rege lean | | Processual ow Judicdtio ) | Trabalhista { | Financeiro | { internacional | Privado _| rowan Incluimos aqui apenas os ramos principais do direito pablico interno que formam disciplinas auténomas no curriculo das Faculdades de Direit. to THORIA C Outros ramos, como direito tributério, direito municipal, direito militar, 1 aetondiutico, diteito penitencidrio, direito maritimo, direito escolar , miais recentemente, diteito previdenciério, direito do consumidor, di- reitu do banedrio etc., tendem a adquirir autonomia com a crescente evo- ugaw do Uistado moderno, 3. POSICAO DA TEORIA GERAL DO ESTADO NO QUADRO GERAL DO DIREITO © Dircito Constitucional — ramo principal do direito piblico interno ‘compreende uma parte geral e outra especial A Teoria Geral do Estado & a parte geral do Direito Constitucional, a stil estrutura te6rica, Nao se limita a estudar a organizagao especffica de um dcterminado Estado, de modo conereto, mas abrange os princfpios comuns «© essenciais que tegem a formagio e a onganizagao de todos os Estados e Nagdes, nas suas trés dimensdes: sociolégica, axiolégica ou politica, e normativa ou juridica, Como acentuou Pedro Calmon, a Teoria Geral do ‘tadlo € exatamente a mais sociolégica, a mais hist6rica, a mais varisvel «las esferas reservadas & compreensao do fendmeno da ordem coletiva. Niio é uma disciplina separada, mas integrante, do Direito Constitucio- il. Dai‘ a tendéncia atual de unificagdo das duas eétedras tradicionais, do ccsino juridico, sob a denominacao tinica de Direito Constitucional, com lesdobramento em dois anos no curriculo das Faculdades de Direito: o pri- icity, com predomindneia da parte geral, e 0 segundo, referente ao direito iniblico interno, estendendo-se, naturalmente, ao Direito Constitucional Comparado. IV TEORIA GERAL DO ESTADO 1. Conceito. 2. Triplice aspecto. 3. Posigdo e relacdo com outras ciéncias. 4, Fontes. 1. CONCEITO A Teoria Geral do Estado corresponde & parte geral do Direito Consti- tucional. Nao é uma ramificagdo, mas o préprio tronco deste ramo eminente do direito piblico, dentifica-se esta disciplina com o que se poderia denominar Ciéncia do Estado ou Doutrina do Estado, e, como tal, & tio antiga quanto o proprio Estado, Atestam essa antigidade as obras Repuiblica © As Leis, de Plato; Politica, de Arist6teles; e De republica e De legibus, de Cicero. A matéria politica, sem d6vida, € predominante na Teoria Geral do Estado, decorrendo deste fato as denominagdes de ciéncia politica, scienca politica, science politique e political science, muitas vezes adotadas entre ‘0s povos latinos ¢ ingleses. J4 Arist6teles definia: Politica é a Ciéncia do Estado, Tal confusio, porém, esté rejeitada pelo progresso da cultura huma- na, que trouxe © desdobramento da Ciéncia do Estado em vérios ramos auténomos, tais como o direito internacional, o direito administrativo, a economia politica, a ciéncia das finangas, 0 diteito do trabalho ete, Hoje a velha definigdo aristotélica teria de ser atualizada, como observou o Prof Mario Mazagio: politica é 0 conjunto das ciéncias do Estado, Ademais, a politica é uma ciéneia pratica e de valorizagio, enquanto a ‘Teoria (ciéncia ou doutrina) do Estado € te6rica e nao-valorizadora, como demonstrou amplamente Hermann Heller, teorizador modemo da escola alema, trazendo & colagao o fato de que 0 economismo apolitico do século XIX, limitando-se quase totalmente aos efrculos das ciéncias econdmicas, tem chegado a esvaziar a denominagio de Ciéneia do Estado, ‘Sem embargo do seu contetido parcial de natureza politica, ou mesmo da predominancia da matéria politica, a Teoria Geral do Estado nao objetiva a aplicagio do que é estritamente politico. E uma ciéncia cultural, de fundo 2 THORIA GERAL DO ESTADO icmente sociol6gico, com a finalidaule preespus de investigara espe- cilica realidad da vida estatal, nas suas mais amplus eonexées. Aspira com- preender o Estado na sua estrutura e fungdes, 0 seu devir histérico e as leneléncias da sua evolugao. A denominagao “Teoria Geral do Estado”, correspondente & palavra lem Allegemeinestaatslehre, tem metecido eriticas, principalmente pelos «que a no encaram como ciéncia autdnoma, sendo indevido 0 qualificativo de geral, Virios autores alemaes, como Heller, preferiram a denominagio simples de “Teoria do Estado” — Staatslehre. E Gropalli, emérito mestre «la Universidade de Mildo, preferiu a denominacao de Doutrina do Estado, suprimindo o adjetivo geral, “por init visto que uma doutrina, pelo sim- piles fato de existir, nfo pode ser sendo geal 2. TRIPLICE ASPECTO A Teoria Geral do Estado, na sua exata conceituagao, compreende um cconjunto de cigncias aplicadas & compreensio do fendmeno estatal, desta- cando-se prineipalmente a Sociologia, a Politica e o Direito. Daf o seu des- dobramento, geralmente aceito, em Teoria Social do Estado, Teoria Politi cu do Estado ¢ Teoria Juridica do Estado. EORIA SOCIAL DO ESTADO, quando analisa a genese ¢ 0 desen- volvimento do fendmeno estatal, em fungdo dos fatores historicos, sociais e ceondmicos; TEORIA POLITICA DO ESTADO, quando justifica as finalidades do overno em razao dos diversos sistemas de cultura; ¢ TEORIA JURIDICA DO ESTADO, quando estuda a estrutura, a perso- nificagdo e o ordenamento legal do Estado, ‘Uma andlise brilhante e objetiva desse triplice aspecto é apresentada pelo Prof. Miguel Reale, acentuando que a Teoria Geral do Estado pressu- poe a Filosofia do Direito e do Estado, mas nao se confunde com ela, Foca- liza amplamente 0 Estado nos seus trés aspectos — material, formal e teo- I6zico — ao mesmo tempo em que analisa o fendmeno do poder como idade social, politica e juridica. Assim nao entendem as correntes monistase estatistas, para as quais a doutrina do Estado se reduz 2 ordem juridica simplesmente, ja que Estado Direito se confundem numa sé realidade. E uma verdade parcial, Quer quanto ao Direito em particular, quer quanto ao Estado em geral, «teoria tridimensional retin as verdades parciais numa verdade integral, oferecendo 0 conceito amplo e exato da Teoria Geral do Estado, TEORIA GERALDO ESTADO B 3. POSICAO E RELACAO COM OUTRAS CIENCIAS Embora se trate de entendimento controvertido, a Teoria Geral do Es- tado néo se subordina a nenhuma das ciéncias gerais. E uma ciéncia em si ‘mesma, revestida de autonomia, tanto mais quando considerada no seu Infplice aspecto — sociol6gico, politico e juridico. Cabe defini-la como ci- éncia geral, como o fez Gropalli, cuja definiga0 merece destaque: “A Doutrina do Estado € a ciéneia geral que, enquanto resume e inte- gra, em uma sintese superior, os principios fundamentais de varias cién- cias sociais, juridicas e politicas, as quais tém por objetivo o Estado consi- derado em relagéo a determinados momentos historicos, estuda o Estado de um ponto de vista unitdrio na sua evolugdo, na sua organizagao, nas suas formas mais tipicas com a intengdo de determinar suas leis formativas, seus fundamentos e seus fins” Reiine pois a Teoria Geral do Estado, numa sintese superior, diversas, cigncias, umas descritivas, como a Hist6ria e a Sociologia, e outras normativas, como a Politica, a Etica, a Filosofia ¢ 0 Direito, Além disso relaciona-se de perto com outras ciéncias auxiliares, das quais recebe valio- S08 subsidios, como a Antropologia, a Biologia, a Geografia, a Estatistica e a Economia Politica. 4, FONTES As fontes de estudo da Teoria Geral do Estado tas e indiretas: As fontes diretas, segundo as explanagdes de Gropalli, compreendem 6 dados da paleontologia e da paleoetnologia, os dados da hist6ria ¢ as instituigdes politicas passadas e vigentes. Os mais antigos documentos que esclarecem o estudo da matéria Sio 0 “Cédigo de Hamurabi, rei da Babilonia 2.300 a.C.), as leis de Manu da india (XII século), 0 “Cédigo da Chis (XI século), as leis de Zaleuco, Charondas e Séton (VII século), as leis de Gortina (V século) ¢ a “Lei das XH Tabuas” (541 a.C. AAs fontes indiretas ou subsidisrias compreendem: a) 0 estudo das so- ciedades animais; b) 0 estudo das sociedades selvagens contemporiineas; & 6) 0 estudo das sobrevivencias. Jassificam em dire- Teoria Social do Estado Teoria Politica do Estado = Teoria Geral do Fstado ria Juridica do Estado 4 Himes 'TEORIA GERAL DO ESTADO Diretas Indiretas Paleonsogia Pateetnolosa | Histria 7 inns | Trstuigdes pots E ic [estudo das sociedades animais estado das sociedades humanas primitives estudo das sobvevivencias v NACAO E ESTADO 1. Conceito de Nagao. 2. Populagao. 3. Povo. 4, Raca. 5. Homogeneidade do grupo nacional. 6 Conceito de Estado. 1. CONCEITO DE NACGAO Nagio ¢ Estado sto duas realidades distintas e inconfundiveis. E essa distingio tem absoluta importncia no estudo da nossa disciplina, ‘A Nagao € uma realidade sociol6gica; o Estado, uma realidade jurfdi- cea. O conceito de Nagao € essencialmente de ordem subjetiva, enquanto 0 conceito de Estado é necessariamente objetivo. Procuraremos fixar bem o conceito de Nagiio cotejando a definigio de Mancini: una societa naturali di womini, da unité di territorio, di origine, di costumi e di lingua, conformata di vita e di conscienza sociale. Segundo esse autor, sio os seguintes 0s fatores que entram na forma- a0 nacional: a) naturais (tertitérios, unidade étnica ¢ idioma comum); b) historicos (tradigdes, costumes, religiio ¢ leis); c) psicolégicos (aspiragies comuns, consciéneia nacional etc). Idéntico conceito encontramos em Pradier-Fodré: une nation est la réunion en société des habitants d'une méme contrée ayant le méme langage, régis par les mémes lois, unis par Videntité @origine, de conformation Physique et de dispositions morales par une longe communauté a intéréts et de sentiments et par une fusion d existence amenée par le laps des siécles. Renan, sempre citado pelos sociélogos, assim conceitua a Nagao, na sua linguagem colorida: une nation est une dme, un principe spirituel. Deux choses qui, a vrai dire, n’en font qu'une constituent cette dime... L'une est la possession en commun d'un riche legs de souvenirs; l'autre est le consentement actuel, le desir de vivre ensemble, la volonté de continuer a faire valoir héritage qu’on a regu indivis... avoir des gloires communes dans le passé, une volonté commune dans le présent, avoir fait de grandes choses ensemble, vouloir en faire encore, voild la condition essentielle pour lo TEORIA GERAL DO ESTADO étre un peuple, Une grande agrégation d’ hommes, saine d'esprit et chaude dle coeur, erée une conscience morale qui s'appelle une nation. Como se vé, sobre 0s fatores objetivos concorrentes preponderam, no to de Nagio, 0 fatores subjetivos, mais ou menos imponderdveis, ‘Com eleito, a humanidade compde-se de um conjunto de grupos distintos, tvs quis se localizam em certas e determinadas regides do globo terrestre, Hatores éiicos, étnicos, hist6ricos, geogréficos, politicos, econémicos et. dleferminaim esses agrupamentos e Ihes do continuidade. A sua permanén- cia demorada em determinada regio acaba por imprimir nos individuos pparticularidiades sométicas e psfquicas que os distinguem dos outros grupos huumnos. clima, a alimentacio, a gua, 0 préprio cendrio geografico no junto se encarregam de esculpir 2 alma e 0 corpo dos elementos numanos, imprimindo-thes esses caracteres psicofisicos comuns que iden lificam uma raga e configuram uma personalidade coletiva. A homo- {dade do grupo cria aquela solidariedade dos semethantes a que alude Spencer; estabelece um parentesco espiritual, na expressio de Hauriou, de- terminando uma s6tida comunhio de idéias, de sentimentos e de aspira {woes a par do apego ao torrao natal cone ‘Comentando © fendmeno sociolégico da formagdo das nacionalida- les, referiu Joseph de Maistre que, viajando pelo mundo, nao encontrou em, |xuma o homem, indistinto, incaracterfstico, universal, comum a to- as latitudes, mas em cada regido encontrou o homem nacional, isto €,0 chinés, © japongs, o inglés, o beduino, o elemento humano tipico de uma hacionalidade, ou seja, 0 individuo caracteristico de uma unidade étnico- social Assim, NagHio é uma entidade de direito naturale historico. Conceitua- se como um conjunto homogéneo de pessoas ligadas entre si por vinculos perinanentes de sangue, idioma, religizo, cultura e ideais ‘A Nagao & anterior a0 Estado. Als, pode ser definida como a subs- sducia humana do Estado, Como afirmou Clovis Beviliqua, o agrupamento social precedeu aos primeiros rudimentos do Estado, sendo resultante da aio combinada de certos instintos naturais. Pode-se dizer, como Miguel Reale, que a nagao “é um Estado em poténcia”. ‘A Nao pode perfeitamente existir sem duasr stado. A distingao entre as lidades mais se evidencia quando se tem em vista que varias nagoes pele reunir-se em um s6 Estado, assim como também uma s6 Nagao pode dividir-se em varios Estados. A Austria e a Hungria sempre foram nagées completamente distintas; nao obstante, durante muito tempo formaram um sé Histado sob a denominagdo de Austria-Hungria, Igualmente, a Esc6cia, a _NAGAO EESTADO 0 é a Gra-Bretanha. Por outro lado, a Nacio italiana che- ou dividir-se em cerca de uma dezena de Estados (Roma, Népoles, Venez, Piemonte ete.) até quando foi unificada em 1870. Também a Alemanha di- vvidiu-se em virios Estados, finalmente reincorporados pela acio unificadora ai o prine(pio dominante no direito internacional moderno: cada Nagio deve constituir um Estado préprio. ‘Antes de passarmos ao conceito de Estado, convém eselarecer 0s sen- tidos das palavras populago, povo e raca —o que favorece mais 0 entendi- mento da distingo conceitual entre Ni 2. POPULACAO E expresso que envolve um conceito aritmético, quantitativo, ddemogrifico, pois designa a massa total dos individuos que vivem dentro das fronteirase sob o impétio das leis de um determinado pas. E 0 conjunto heterogéneo dos habitantes de um pats, sem exclusio dos estrangeirs, dos apitrdas, dos stditos coloniais ete, Quando se diz.que a populagao do Bra- Sil € de cem milhdes, por exemplo, nesse nimero nio figuram apenas 0s brasileiros (nacionais) mas a massa total dos habitantes. Oselementos de outras origens (no nacionais) poderRo integra o grupo nacional pelo processo de naturalizagdo, isto é, de nacionalizagdo, na for- tna das les proprias. Sé entdo poder exercer os direitos politicos que sio ptivativos dos nacionais 3. POVO No sentido amplo, genérico, equivale & populagzo, Porém, no sentido estrito, qualificado, condiz.com o conceito de Naco: povo brasileiro, povo italiano etc. Com este entendimento foi que doutrinou Cicero em De Republica, 1.25: populus est non omnis hominum coetus, quoquo modo congreyatus sed cuetus moltiudinis iuris consensu et uilitatis comunione socials. 4, RAGA Difere também do conceito de Nagao. Nagio é uma unidade sécio psiquica, como j4 vimos, enquanto raga é uma unidade bio-antropoldgica ix VKORIA GERAL DO ESTADC Uma Nago pode ser formada de varias ragas. A Nagdo brasileira, por cxemplo, constituiu-se de tés grupos étnicos (lusitano, africano e amerindio). Por outro lado, de um 36 tronco racial podem surgir varias nagées, como é Frastante comum, prineipalmente no Continente Americano. Vortanto, nem sempre coineidem naga e aga. certo que no conceito se nagio entra um Fator natural que é 0 vinculo de sangue, mas, sobretudo, inccontinan os fatores histricos e psicoldgicos ) MOGENEIDADE DO GRUPO NACIONAL, Nao passaremos ainda a0 conceito de Estado sem antes consignar ou- {ny eselarecimento: A Nagio é um dos elementos formadores do Estado, mente, como escreveu Carré de Malberg, é a substncia hums na do Estado, So Ués os elementos constitutivos do Estado: populacdo, territdvig © governo. E 0 elemento populagio envolve o requisito de homogeneidade, isto €, deve corresponder ao conceito de Nagio. Queiroz Lima define razoavelmente: O Estado & a Nagao politica- nwnte organizada. Quer dizer: a populacdo, como elemento integrativo do Vstado, requer 0 atributo nacional. Nao resta diivida que este € um ponto vontrovertide & controvertivel. No mundo moderne formaram-se varios Histados sem o estégio prévio de um processo de cristalizagio nacional. Hncontramos virias e respeitaveis contestagdes ao principio de que a Na- ito, no seu exato sentido sociol6gico, seja elemento sine qua non do Esta- slo, cnire as quais se destaca a de Bigne de Villeneuve, Nos seus exemplos cit este autor o Estado belga, que se formou sem que existisse efetivamente tumna Nagao belga. Retine a Belgica realmente dois grupos nacionais: dos inengos (de Flandres) e dos valoes, que ocupavam a parte sul-oriental do is. Data definigdo desse autor: “O Estado € a unidade politica e juridica vel, constituida por uma aglomeracao humana, formando, sobre wm ‘erritdrin comum, um grupo independente”. Dispensa, como se ve, 0 requi sito da homogeneidade, Exemplos nao faltam em socorro dessa e de todas as doutrinas. Es- ‘aulo dla Calitérnia mesmo, nos Estados Unidos da América do Norte, ndo foi a ong politica de um grupo nacional homogéneo; resultou da lecisiio tomada por uma assembléia de garimpeiros de todas as origens, em 1849, Lintretanto, ¢ imprprio argumentar com as anomalias ou com as ex- ‘veges que sfinal, nao infirmam o principio geral consagrado pela ciéncia, se alentar para as causas deformadoras das regras dominantes, {ulmitiro Estado sem territ6rio, fato que se verificou na Abissinia NAGAO E ESTADO, - oe € em outros Estados que, invadidos pelas forgus agressoras, no decurso da Gltima guerra, seus governos se refugiaram em Londres, conservando prerrogativas de Estado na ordem internacional E certo, por outro lado, que podemos e devemos fixar a sociedade hhamana no momento preciso em que ela se agrupa numa determinada érea, atingindo, assim, lenta ou precipitadamente, um certo grau de diferenciaga0 politica. De qualquer forma, deve preexistir uma vontade coletiva organiza- da, qualificavel como Nagao pela convergéncia dos fatores hist6ricos e psi- colégicos que influem no agrapamento, O fator raciat, como ja observa- mos, é secundirio. O agrupamento humano que, num dado momento, apés atingir um certo grau de diferenciagao politica, se arvora em Estado hd de ser, em re- gra, mais ou menos homogéneo. Essa homogeneidade pode advir apenas de alguns dos fatores hist6ricos e psicolégicos, isto é, sem a presenga dos fato- res naturais. De qualquer modo, como bem observou Del Vecchio, um Esta- do que nao corresponda a uma Nacio € um Estado imperfeito. E- mais: um Estado que nao defenda e promova justamente o caréter nacional é um E: tado ilegitimo. Em remate de suas ponderagdes afirma o ilustre professor da Universidade de Roma que “de tudo isto resulta, enfim, que se nao pode ter ‘uma plena e verdadeira nogao de Estado se nao se tiver distinguido eritica- mente 0 diteito ideal do positivo, ¢ esta distingdo nao ¢ possivel sem um fundamento, igualmente critico, dos valores éticos em geral” Pela mesma esteira de raciocinio se desenvolvem 0s ensinamentos de Gropalli: a homogeneidade do elemento populacional reflete em um fort lecimento maior dos Estados assim chamados nacionais, em confronto com (0 ditos plurinacionais, destitaidos de coesio interna e freqientemente cor- rofdos pelas Intas de ragas ¢ tendéncias. Finalmente, o proprio direito piblico internacional, procurando uma formula para assegurar a paz no mundo de apés-guerra, tem prestigiado sobre todas as outras a dowrina das nacionalidades, que consiste em reco- nhecer, a cada grupo nacional homogéneo, o diteito de se constituir em. Estado soberano. A hist6ria politica da Europa, principalmente, tem com- provado que a constituiglo arbitraria de pequenos Estados, dividindo ou incorporando nagGes, tem sido a maior fonte de perturbagao da paz no Cor tinente e no mundo. 6. CONCEITO DE ESTADO Passemos ao conceito de Estado. Este conceito vem evoluindo desde a antigidade, a partir da Polis grega e da Civitas romana. A propria denomi- 20 THORIA GERALDO ESTADO. naciio de Estado, com a exata signifiexgalo que the atribui o direito moder- no, foi desconhecida até o limiar da Kdide Média, quando as expresses empregadas eram rich, imperium, land, terrae etc. Teria sido a Itélia 0 pri- meiro pais a empregar a palavra Stato, embora com uma signific vaga. A Inglaterra, no século XV, depois a Franga e a Alemanha, no século XVI, usaram o termo Estado com referéncia & ordem piblica constituida. Foi Maquiavel, criador do direito piblico moderno, quem introduziu a ex- pressio, definitivamente, na literatura cientifica. Um esclarecimento se impoe antes de tudo: Nao hi nem pode haver uma definigdo de Estado que seja geralmente aceita. As definigdes so pon- tos de vista de cada doutrina, de cada autor. Em cada definicio se espelha uma doutrina, Um dos mais profundos tratadistas do direito ptiblico, que foi Bluntschli, hé mais de cem anos, reconheceu ser impossivel deduzir um conceito de Estado sem distinguir o Estado-idéia (ou Estado-instituigao) do Estado como entidade hist6rica, real, empirica. O primeiro pertence a refle- io filos6fica, ¢ 0 segundo é 0 que se estuda no dominio dos fatos ¢ da retlidade. Essa concepedo dualfstiea foj retomada por Kelsen, embora em outros termos. Afirma o Ider da escola vienense que a ciéncia politica encara 0 Estado por dois angulos diversos: primeiro como objeto de valoracao, isto encara o Estado como deveria ou niio deveria se de social, ou seja, como efetivamente & tem e depois como realida- 6 na primeira hipdtese o estudo writer cientifico, Af observador se guia pela razao e pode formular os Jjuizos de valor, Na segunda hipétese o observador se guia pela realidade. No plano politico, onde se encara o Estado principalmente como fato social, 0s conceitos emitidos pelos autores decorrem das construgées dou- trindvias, Uns consideram o Estado como organisto natural ou produto da evolucdo hist6rica, outros como entidade artificial, resultante da vontade coletiva manifstada em um dado momento. Uns 0 conceituam como obje- {ode direito (doutrinas monsrquicas), outros como sujeito de direito, como pessoa juridica (doutrinas democréticas). Outros ainda o consideram como ‘expresso mesma do direito, incluindo em uma s6 realidade Estado e Di- reito ((eoria monista). Jellinek vé no Estado uma dupla personalidade, so e juridica, enquanto Kelsen e seus seguidores 0 negam como realidade al para afirmé-lo estritamente como realidade jurfdica. No mesmo sen- tido é a concepcdo de Duguit: 0 Estado ¢ criago exclusiva da ordem juridi- cae representa uma organizagio da forga a servico do direito. NAGAO E-ESTADO 21 Rudolf Smend demonstra que o Estado ¢ resultante natural de um lon- {20 processo de integragtio: “O Estado atual é uma incessante luta de integracdo. Reflete, na sta estrutura, forgas independentes que congrega e comanda. E um fingulo de convergéncia de todas as forgas sociais propulso- ras, sob sua disciplina, da felicidade e da ordem, no seio da comunhio. ‘Ausculta as tendéncias, as influéncias dos fendmenos da natureza, impri- mindo-Ihes rumo e ritmo dirigidos & sua finalidade”. (Os autores norte-americanos nos oferecem as seguintes definigbes: “O Estado é uma parte especial da humanidade considerada como unidade or ‘ganizada” (John W. Burgess); “O Estado é uma sociedade de homens uni- dos para o fim de promover o seu interesse e seguranga miitua, por meio da conjugagdo de todas as suas forgas” (Thomaz M. Cooley); “O Estado €uma que, atuando através da lei promulgada por um governo investi- do, para esse fim, de poder coercitivo, mantém, dentro de uma comunidad {erritorialmente delimitada, as condigdes universais da ordem social” (R. M. Mac Iver). Em todas se encerra a idéia democritica da origem nacional do poder piblico. Entre n6s destaca-se, no mesmo sentido da doutrina americana, a det nigdo de Clovis Beviléqua: “O Estado é um agrupamento humano, estabe- lecido em determinado territério e submetido a um poder soberano que Ihe «dé unidade orgdnica ‘Acescola técnica alemi considera o Estado como uma realidade jurfdi- cca, mas alguns autores dessa mesma escola admitem que 0 Bstado € tam- ‘bém uma realidade social, embora apenas no tocante & origem do poder que se corporifica definitivamente na organizacio estatal. Da doutrina de Von Ihering extraiu Cldvis este conceito: “O Estado é a sociedade que se coage:; para poder coagir é que ela se organiza tomando a forma pela qual o poder coativo social se exercita de um modo certo e regular; em uma palavra, é a ‘onganizago das forgas coativas sociais”. Em tltima andlise, tecnicismo juridico leva sempre & definigio simplista de Duguit —“O Estado € a for a servigo do Direito”. Em muitos pontos de nossos programas teremos que examinar 0 con- ceito do Estado em face de determinadas doutrinas. Assim teremos ocasiao de verificar 0 conceito hegeliano do Estado como suprema encarnagao da idéia; os conceitos totalitarios de todas as teorias que sorveram a seiva do Leviata de Hobbes; a concepgiio do Estado como “super ser coletivo” ete bem como a teoria fascista, segundo a qual a Nagio nao faz o Estado, mas este & que faz a Nagio. Esta teoria, por exemplo, servi aos objetivos de conquista do fascismo, que ao anexar a Abissinia considerou 0 povo etfope ADO 2 WORIA GERAL DOL ante da nacdo italiana Nema concepedo anarquista deixard de ser examinada no programa desta disciplina, No presente ponto 0 objetivo ¢ fixar a distingd entre Nacio e Estado, woo conceito da primeira e apenas abrindo o caminho para 0 concei- 4 polémico do fendmeno estatal niretanto consignar a nossa concordancia com a definigao «le Queiroz Lima, condizente com a escola classica francesa: O Estado é a Nagao encarada sob 0 ponto de vista de sua organizacao politica, ou simn- pplestmente, & a Nagio politicamente organizada As delinigdes que pretendem esclarecer a natureza do poder e a finali- «dade do Fstado tornam-se complexas e contradit6rias. E todas aquelas que alribuem ao Estado um fim em si so contrapostas 2 doutrina democriitica. (© Estado, democraticamente considerado, & apenas uma instituigio nacio- nal, um meio destinado a realizacao dos fins da comunidade nacional. De acordo com estes princfpios, considerando que s6 a Nagdo é de \ireito natural, enquanto 0 Estado ¢ criago da vontade humana, e levando ‘cm conta que o Estado nao tem autoridade nem finalidade préprias, mas é uma sintese dos ideais da comunhdo que ele representa, preferimos formu- aro seguinte conceito simples: O Estado é 0 érgdo executor da soberania nacional. VI ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO 1. Populacio. 2. Territério. 3. Governo. No tocante & sua estrutura 0 Estado se compe de trés elementos: a) populacao; b) territério; c) governo. A condigao de Estado perfeito pressupée a presenga concomitante e conjugada desses trés elementos, revestidos de caracteristicas essenciais: po- pulago homogénea, tetritirio certo ¢ inaliendvel e govemno independente. A auséncia ou desfiguragio de qualquer desses elementos retira da organizagao sécio-politica a plena qualidade de Estado. E 0 que ocorre, por exemplo, com 0 Canada, que deixa de ser um Estado perfeito porque 0 seu governo é subordinado ao governo britanico, como integrante da commonscealth. 1. POPULACAO, ‘A populagio é o primeiro elemento formador do Estado, 0 que independe de justificagio, Sem essa substancia humana nao hé que cogitar da formagao ou existéncia do Estado, Cabe examinar, porém, 0 requisito da homogeneidade, em torno do qual giram as divergéncias doutrinérias, como j4 foi visto no capitulo anterior Para alguns autores, 0 niicleo bisico formador do Estado caracte- risticamente nacional, isto é, corresponde a uma unidade étnica, Assim se constituiram os Estados antigos e tradicionais, como Istael, Roma, Grécia, China ete., os quais teriam surgido como unidades potiticas através dos diversos e sucessivos estgios da formaco nacional: familia, tribo, cida de e Estado. Outros, porém, sustentam que o elemento populacdo se entende, em sentido amplo ¢ puramente formal, como reunio de individuos de varias origens, os quais se estabelecem num determinado tertitério, com anime definitivo, af se organizam politicamente. Argumentam esses autores, 4 TEORIA GERAL DO ESTADO tre os quais se destaca Bigne de Villeneuve, que muitos Estados, como a Suiga, a Austria, a Bélgica, reuniram porgies de povos diferentes, sendo certo que a Bélgica se formou sem que existisse realmente uma naga bel- au. A pripria nacionalidade italiana teria resultado de uma fusio de grupos cinicos, como os umbros, os samnitas, os ligures, os etruscos ete. Citam ‘exemplos mais recentes, entre os quais os da Reptiblica Islandesa e do Esta- lo da Caliléria, este criado por resolugdo de uma assembléia heterogénea wimpeiros. Além disso, segundo Roger Bonnard, a nocao étnica € essen- Invente urna nogdo racista, endo existem grupos étnicos morfologicamente homogéneos que possam integrar uma determinada nagao. ntretanto, o requisito da homogeneidade do agrupamento humano constitutive do Estado niio envolve a idia de raga, pelo menos no sentido biolégico ou antropol6gico. Nao pretendemos levar em conta a ho- mogeneidade racial, como fizeram 0s te6ricos do nacional-socialismo ale- ino. S6 no sentido psicossociolégico é que falamos em raca na conceituagio clas nacionalidades, Insistimos, assim, no requisito da homogeneidade em relagdo ao fator pepulacdo. A base humana do Estado ha de ser, em regra, uma unidade tnico-social que, embora integrada por tipos raciais diversos, vai se for- tnzanddo como unidade politica através de um lento processo de estratificacao, dle fusdio dos elementos no cadinho da convivéncia social, (Os Estados eriados arbitrariamente, por deliberagio ocasional de aglo- Inerados heterogéneos, como aqueles criados por imposigao de tratados & conyengées internacionais, sempre tiveram existéncia precétria e tumultua- dla, Separando nagdes ou reunindo povos diversos, ao sabor da vontade das grands poténeias, como se vé pelos sucessivos mapas da Europa, tais Esta- los nunca lograram apresentar aquela firmeza duravel dos Estados tradici- ‘onais. Os que originariamente surgiram com base numa populacao nacio- nal, homogénea, vém atravessando os séculos € 08 milénios ostentando um ‘caniter majestoso de eternidade. (Os Estados plurinacionais ou no-nacionais so Estados imperfeitos, como acentua Del Vecchio, ¢ $6 sobrevivem, em regra, quando tendem a se Iegitimar defendendo e promovendo a unificagao nacional. Via de regea, portanto, o Estado sucede ao processo de formacio nacio- nal, ou tende a realizar essa formagdo como base de sobrevivéncia, im nenhum Estado seria I6gico confundir populagdo, em sentido amplo, com a unidade nacional, pois s6 esta detém legitimamente o poder le soberunia como direito subjetivo absoluto. Para a escola ckissica france- sa da soberania nacional, principalmente, a distingdo é de importancia FILAMENTS CONSTTTUTIVOS DO ESTADO. 25 primacial. Interpretando-a objetivamente, viu Rousseau, no individuo, uma dupla qualidade: a de cidladiio membro ativo do Estado ¢ elemento compo- nente da vontade gerul, e a de siidito, pessoa inteiramente subordinada a cessa vontade geral, soberana. A igualdade de todos perante a lei compreen- de-se na esfera dos direitos politicos (ou de cidadania); s6 0s exercem os elementos nacionais ou nacionalizados. Os estrangeiros, que integram a ‘massa total da populagiio, nao participam na formagio da vontade politica nacional, em regra. 2. TERRITORIO O tetritério é a base fisica, o Ambito geogrifico da nagao, onde ocorre a validade da sua ordem juridica — definiu Hans Kelsen. ‘A nago, como realidade sociol6gica, pode subsistir sem territ6rio pro- prio, sem se constituir em Estado, como ocorreu com a nactio judaica du- rante cerca de dois mil anos, desde a expulsio de Jerusalém até a recente partilha da Palestina, Porém, Estado sem terrtério ni é Estado, Para Duguit e Le Fur o territ6rio niio ¢ elemento necessétio & existén- cia de um Estado. Invocam eles 0 direito internacional modemo, que tem reconhecido a existéncia de Estados sem territério, como nos casos do Vaticano, depois da unificagao italiana; do Grio-Priorado de Malta; da Abissinia; e de todos os governos que se refugiaram em Londres em conse~ cia das invasdes do chamado “Eixo Roma-Berlim”. Nao passaram tais Estados, porém, de mera fiegao, Nao existiram se- nfo em catiter precério, em periodo de anormalidade internacional. Deve- ram eles a sta vida as conveniéncias momentaneas das poténcias que os reconheceram e ampararam sob os imperativos do momento hist6rieo. Fo- ram exceges que nio infirmam a regra. © Estado moderno ¢ rigorosamente territorial, afirma Queiroz Lima. Esse elemento fisico, tanto quanto os dois outros — populacao e € indispensavel & configuragio do Estado, segundo as concepgoes 1a atual do diteito piblico. As populagdes némades nao podem possuir individualidade politica na atual concepeo do Estado, Dentre os autores que sustentam nio ser 0 territ6rio elemento necessrio & existéncia do Estado merecem destaque Eduardo Meyer e D. Donati, os quais alinham, em abono de sua tese, varios, exemplos: os atenienses, quando tiveram as suas cidades ocupadas pelos persas, refugiaram-se nos navios de Milcfades, mantendo a sobrevivencia 2% THORIA RAL. BO ESTADO dos seus Estados; os holandeses, expulsos pelo exéreito de Luiz XIV, con: servaram integra a sua organizagao polit das suas fronteiras tradi- ais; 0s sérvi0s, vencidos pelas tropas austro-hiingaras, permaneceram icamente constituidos; 0 Estado belga do Havre, o Estado sérvio de Corfu e Salonica, o Estado tcheco-eslovaco so outros tantos exemplos in- vocados pelos citados autores, al Tais Estados némades, porém, nio se justificam, porque sao transité- rivs. Seria preciso distinguir, como observa Gropalli, a perda territorial de fato por ocupagdes tempordrias de guerra, da perda juridica e permanente. Nos exemplos citados no houve perda definitiva do territério, de sorte que sts onganizagdes politicas puderam subsistir e superar momento de crise. ‘Ademais, em verdade, subsistiram as nacdes ateniense, holandesa, sétvia ete. 0s Estados, que temporariamente desapareceram. O tersitério € patrimdnio sagrado e inaliendvel do povo, frisa Pedro ‘Calmon. Eo espaco certo e delimitado onde se exerce o poder do governo sobre 0s individuos. Patriménio do povo, nao do Estado como instituigao. ‘O poder diretivo se exerce sobre as pessoas, no sobre o tertt6rio. Tal poder de imperium, no de dominium, Nada tem em comum com o direito de propriedade. A autoridade governamental é de natureza eminencialmente politica, de ordem jurisdicional O territério, sobre o qual se estende esse poder de jurisdigdo, represen- la-se como uma grandeza a trés dimens6es, abrangendo 0 supra-solo, 0 subsolo e 0 mar territorial Alguns autores o dividem em terrestre, maritimo e fluvial. Tendo em vista 0 seu exato conceito de espaco de validade da ordem juridica, podemos destringi-lo aos elementos que o integram: a) 0 solo ‘continuo e delimitado, ocupado pela corporacao politica; b) 0 solo insular € is regides separadas do solo principal; c) 0s rios, lagos e mares inte- riores; d) 0s golfos, bafas, portos e ancoradouros; e) a parte que o direito infernacional atribui a cada Estado nos rios e lagos divis6rios; /) © mar territorial e respectiva plataforma maritima: g) 0 subsolo; h) 0 espago aéreo (supra-solo); #) os navios mercantes em alto mar; f) 0s navios de guerra conde quer que se encontrem:; f) 0s edificios das embaixadas e legagdes em paises estrangeitos. ‘Segundo a tendéncia moderma do dieito internacional, & vista das novas conquistas cientificas, o dominio do supra-solo se estende ilimita- damente, usque ad sidera, assim como o do subsolo se aprofunda usque ad inferos HLEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO_ a No tocante ao mar territorial determinagio da zona limitrofe & ques- ‘0 amplamente debatida, Antigamente prevalecia a formula preconizada pela escola do direito natural: terrae potestas finitur ubi finitur armorum vis ~cessa o poder territorial onde cessa a forga das armas. Adotava-se 0 limi- te de trés milhas maritimas, que era o alcance da artiharia costeira, posteri- ‘ormente ampliado para doze milhas. ‘Atualmente, invocando nao s6 os interesses da defesa externa mas tam- bém os de exploragtio econdmica, os Estados, como o Brasil, Argentina, Unuguai, Chile, Equador e outros, vém adotando o limite de duzentas mi- Ihas maritimas. 3. GOVERNO 0 govemno — terceiro elemento do Estado — & uma delegagdo de soberania nacional, no conceito metafisico da escola francesa. E a propria soberania posta em ago, no dizer de Esmein. ‘Segundo a escola alema, é um atributo indispen: abstrata do Estado. Positivamente, é o conjunto das fungdes necessérias & manuten ordem juridica e da administracao publica. el da personalidade da Ensina Duguit que a palavra governo tem dois sentidos: coletivo, como conjunto de 6rgios que presidem a vida politica do Estado, ¢ singular, como poder executivo, “érgio que exerve a funcdo mais ativa na dirego dos ne- _26cios piblicos” — o que, neste capitulo, ¢ irrelevant A conceituagio de governo depende dos pontos de vista doutrinatios, ‘mas exprime sempre o exercicio do poder soberano. Dai a confustio muito ‘comum entre governo e soberania. O professor Sampaio Déria, por exem- plo, menciona como elementos constitutivos do Estado: populagao, territs- rio e soberania, jé que, nesta tiltima, esté implicita a organizagdo governa- mental. ‘Outros autores incluem a soberania como quarto elemento. Nao nos parece aceitivel nem l6gica essa incluso, porquanto a soberania € exata- ‘mente a forca geradorae justficadora do elemento governo. Este pressupi a soberania. E seu requisito essencial a independéncia, tanto na ordem in- terna como na ordem externa. Se o governo niio € independent e soberano, como ocorre no Canada, na Australia, na Africa do Sul etc., no existe 0 Estado perfeito. Faltando uma caracteristica essencial de qualquer dos trés elementos — populagao, territério e governo — 0 que se tem € um semi- 28 ‘TRORIA GERAL DO ESTADO Estado, E assim, na nogio do Estado perfeito est implicita a idéia de sobe- rani Populagtio (homogtnea) ‘Terrtirio (certo, irestito, inaliendvel) Govemo (Soberano) Estado (perfeito) VII SOBERANIA 1. Conceito. 2. Fonte do poder soherano. 3. Te- oria da soberania absoluta do rei. 4. Teoria da sobe- rania popular. 5. Teoria da soberania nacional. 6. Teoria da soberania do Estado. 7. Escolas alema e austriaca. 8. Teoria negativista da soberania. 9. Te oria realista ou institucionalista, 10. Limitagoes: Acexata compreensiio do conceito de soberania é pressuposto necess- rio para o entendimento do fendmeno estatal, visto que no ha Estado per- feito sem soberania. Dai haver Sampaio Déria dado 20 Estado a deliniga0 simplista de organizagao da soberania ‘Como vimos no capitulo anterior, aos tés elementos consttutivos do Estado — populacao, territério e governo —alguns autores pretenderam a incluso da soberania como quarto elemento. Sem razio, porém, visto que a soberania se compreende no exato conceito de Estado. Estado ndo-sobera- no 01 semi-soberano nao € Estado. Até mesmo 0 Canad ea Australia, com amplo poder de autogoverno, se classificam como “Col6nias Auténomas”, por se subordinarem & Coroa Britanica. Soberania € uma autoridade superior que nao pode ser limitada por ‘enhum outro poder. Ressalta logo a evidéncia que nao so soberanos os Estados membros de uma Federacio. O proprio qualificativo de membro afasta a idéia de sobe- tania. O poder supremo € investido no éngiio federal. Conseguintemente, convencionou-se na propria Constituinte de Filadéifia, onde se instituiu o re ‘gime federalista, que as unidades estatais integrantes da Unido se denomina- riam Estados-Membros, com autonomia de direito pablico interno, sendo pri- vativo da Unio © poder de soberania interna e internacional. Alias, é mais apropriada a denominagio de Provincia, para as unidades federadas, Alguns te6ricos do federalismo norte-americano atribuem aos Esta- dos-Membros soberania de direito interno... 0 que € rematada incongruén- 0 THORIA GERALDO ESTADO. A soberania & uma $6, una, integeal ¢ universil, Nilo pode sofrer restri- scdes de qualquer tipo, vos de convivencia paeftica das nagdes sober nacional que decorrem dos imperati- nas no plano do direito inter- ‘Soberunia relativa ou condicionada por um poder normativo dominan- W € soberania, Deve ser posta em termos de autonomia, no contexto do Direito, Denominava-se © poder de soberania, entre os romanos, suprema potestas, Era o poder supremo do Estado na ordem politica e administrati- va, Posteriormente, passaram a denomind-lo poder de imperium, com am- plitude internacional, Litimologicamente, 0 termo soberania provém de superanus, supremitas, 08 super omnia, configurando-se definitivamente através da formagio francesa souveraineté, que expressava, no conceito de Bodin, “o poaler absoluto e perpétuo de uma Reptblic: Historicamente, € bastante variével a formulagio do conceito de sobe- rania, no tempo e no espaco. No Estado grego antigo, como se nota na obra dle Arist6teles, falava-se em autarguia, significando um poder moral e €co- nomnico, de auto-suficiéncia do Estado, Ji entre os romanos, o poder de imperium era um poder politico transcendente que se refletia na majestade imperial incontrastavel. Nas monarquias medievais era o poder de suserania «le fundamento carismiético e intocdvel. No absolutism monérquico, que teve 0 seu climax em Luiz XIV, a soberania passou a ser 0 poder pessoal cexelusivo dos monareas, sob @ crenga generalizada da origem divina do poder de Estado, Finalmente, no Estado modemo, a partir da Revolugio Francesa, firmou-se 0 conceito de poder politico € juridico, emanado da vontade geral da nagio, Segundo o magistério superior de Miguel Reale, a soberania ¢ “wma espécie de fendmeno genérico do poder. Uma forma hist6rica do poder que presenta configuragdes especialissimas que se ndo encontram senao em esbogos nos corpos politicos antigos e medievos” 0 Prof, Pinto Ferreira nos da um conceito normativo ético-juridica: é «a capacidade de impor a vontade prdpria, em iltima instancia, para a rea: licagdo do direito justo. No mesmo sentido € o conceito de Clovis Beviliqua: por sobera- hia nacional entendemos a autoridade superior, que sintetiza, politica ‘mente, e segundo os preceitos de direito, a energia coativa do agregado nacional. SOBERANIA 31 2. FONTE DO PODER SOBERANO Problema dominante, neste tema, é 0 que diz respeito & fonte do poder de soberania e, conseqiientemente, o problema da sua titularidade. Para as tworias carismiticas do direito divino (sobrenatural ou providencial) dos rei, o poder vem de Deus ¢ se concentra na pessoa sagrada do soberano. Para as correntes de fundo democrético, a soberania provém da vontade do ovo (teoria da soberania popular) ou da nagao propriamente dita (teoria da soberania nacional). Para as escolas alemi e vienense, a soberania provém do Estado, como entidade juridica dotada de vontade propria (teoria da so- berania estatal). Desdobram-se estes troncos doutrindrios em varias ramifi- cages, formando uma variedade imensa de escolas e doutrinas, de modo que nao seria possivel focalizar todas elas no ambito restrto do programa escolar a que nos cingimos. Daremos, a seguir, uma stimula de cada corrente principal, remetendo 05 estudiosos as obras dos grandes mestres brasileiros, que esgotam 0 as- sunto, como Miguel Reale ¢ Pinto Ferreira, especialmente & espléndida monografia de Machado Paupério — O conceito polémico de soberania. 3. TEORIA DA SOBERANIA ABSOLUTA DO REI A teoria da soberania absoluta do rei comecou a.ser sistemnatizada na Fran- 0 século XVI, tendo como um dos seus mais destacacos teéricos Jean Bodin, que sustentava: a soberania do rei éorigindria,ilimitada, absoluta, perpétua ¢ irresponsivel em face de qualquer outro poder temporal ou espiritual. Esta teotia é de fundamento hist6rico e langa suas rafzes nas monar- {quias antigas fundadas no direito divino dos reis. Fram os monarcas acredi- tados como representantes de Deus na orcem temporal, ¢ na sua pessoa se oncentravam todos os poderes. O poder de soberania era o poder pessoal do rei e nao admitia limitagGes. Firmou-se esta doutrina da soberania absoluta do rei nas monarquias medievais, consolidando-se nas monarquias absolutistas e alcangando a sua culmindncia na doutrina de Maquiavel. Os monarcas da Franga, apoiados nna doutrinago de Richelieu, Fénelon, Bossuet e outros, levaram 0 absolu- tismo as suas tiltimas consequiéncias, identificando na pessoa sagrada do rei ‘© proprio Estado, a soberania ca lei. Reunia-se na pessoa do rei o conceito de senhoriagem, razido do mundo feudal, que se desmoronava, ¢ a idéia de imperium, exumada das ruinas do cesarismo romano que tessurgia, exube- rante, na onipoténeia das monarquias absolutistas. 2 THORIA GERALDO ESTADO. Hodavia, 0 proprio Jean Bodin, tedrico eminente do absolutismo oniinquico, como observou Touchard, nao se livrou de contradigoes, quando :ulmitia a limitago do poder de soberania pelos prine‘pios inelutaveis do dlireito natural. 4. TEORIA DA SOBERANIA POPULAR, A eoria da soberania popular teve como precursores Altuzio, Marsilio de Padua, Francisco de Vitoria, Soto, Molina, Mariana, Suarez e outros te- logos e canonistas da chamada Escola Espanhola, Reformulando a dout tia do direito divino sobrenatural, criaram eles o que denominaram teoria do direito divino providencial: 0 poder piblico vem de Deus, sua causa iente, que infunde a incluso social do homem ea conseqiiente necessi luke de govemno na ordem temporal. Mas 0s reis nao recebem o poder por » de manifestagao sobrenatural da vontade de Deus, send por uma deter tinagao providencial da onipoténcia divina. O poder civil comresponde com a vontade de Deus, mas promana da vontade popular — omnis potestas a ev per populum libere consentientem —,conforme com a doutrinagao do Apsstolo Sao Paulo e de Sao Tomas de Aquino, Sustentou Suarez a limitagio da autoridade e 0 direito de resistencia lo povo, fandamentos do ideal democratico. E Molina, embora reconhece «lo-© poder real como soberania constituida, ressaltou a existéncia de um poder maior, exercido pelo povo, que denominou soberania constituinte 5. TEORIA DA SOBERANIA NACIONAL, A teoria da soberania nacional ganhou corpo com as idéias politico- Filos6ficas que fomentaram o liberalismo e inspiraram a Revolugao France sat: ao sfmbolo dat Coroa opuseram os revolucionérios liberais 0 simbolo da Nagio, Como frisou Renard, a Coroa nao pertence ao Rei; o Rei € que pertence & Coroa, Esta é um principio, é uma tradigdo, de que o Rei é depositdrio, nao proprietério. este entendimento, alids, se deveu a convivéncia entre a Coroa e 0 Parlamento, em alguns Estados liberais. Pertence a Teoria da Soberania Nacional & Escola Classica Francesa, «ia qual foi Rousseau 0 mais destacado expoente. Desenvolveram-na Esmeit Hauriou, Paul Duez, Villey, Berthélemy e outros, sustentando que a nagio é a fonte tinica do poder de soberania. O 6rgio governamental s6 0 exerce legitimamente mediante o consentimento nacional SOMERANIA _ 3 Esta teoria ¢ radicalmente nacionalista & soberania & origindria da haga, no sentido estrito de populao nacional (ou povo nacional), nfo do povo em sentido amplo, Exercem os direitos de soberania apenas os nacio- ‘ou nacionalizados, no goz0 dos direitos de cidadania, na forma da le. iio hii que confundir com a “teoria da soberania popular”, que amplia 0 io do poder soberano aos alienigenas residentes no pats. ‘A soberania, no conceito da Escola Clissica, é UNA, INDIVISIVEL, INALIENAVEL ¢ IMPRESCRITIVEI UNA porque nao pode existir mais de uma autoridade soberana em um mesmo territério, Se repartida, haveria mais de uma soberania, quando 6 inadmissivel a coexisténcia de poderes iguais na mesma dea de validez ws normas juridicas. INDIVISIVEL € a soberania, segundo a mesma linha de raciocinio que justifica a sua unidade. O poder soberano delega atribuigdes, reparte ‘competéncias, mas no divide a soberania. Nem mesmo a clissica divisto do poder em Executivo, Legislativo e Judicidrio importa em divisao da so- berania, Pelos trés 6rgiios formalmente distintos se manifesta o poder uno & indivisivel, sendo que cada um deles exerce a totalidade do poder soberano na esfera da sua competéncia, INALIENAVEL é a soberania, por sua propria natureza. A vontade é personalissima: nio se aliena, nfo se transfere a outrem. O corpo social & uma entidade coletiva dotada de vontade propria, constitufda pela soma das vontades individuais. Os delegados e representantes eleitos hao de exercer ‘ poder de soberania segundo a vontade do corpo social consubstanciada na Consttuigao e nas Leis IMPRESCRITIVEL ¢ ainda a soberania no sentido de que nfo pode sofrer limitagio no tempo. Uma nagao, a0 se organizar em Estado sobera- no, o faz em caréter definitivo e etemo, Nao se concebe soberania tempor ria, ou seja, por tempo determinado. ‘Acesta teoria daremos maior desenvoltura no capitulo do Contrato So- cial de Rousseau, 6, TEORIA DA SOBERANIA DO ESTADO. A teoria da soberania do Estado pertence &s escolas alema e austrfa- ca, as quais divergem fundamentalmente da Escola Classica Francesa, Seu expoente maximo, Jellinek, parte do principio de que a soberania Ea capacidade de autodeterminagdo do Estado por diteito préprio c exelusi- M THORIA GERALDO ESTADO. vo, Desenvolve esse autoro pensamento filostitice de Von thering, segundo ‘oqual a soberania é, em sintese, apenas uma qualidade do poder do Estado, ‘ou set, uma qualidade do Estado perfeito, O Estado & anterior ao direito & sua fonte tinica, O direito € feito pelo Estado e para o Estado; nao o Estado para 0 direito, A soberania € um poder juridico, um poder de direito, ¢ assim como todo e qualquer direito, ela tem a sua fonte e a sua justificativa nna vontade do prprio Estado. Dentro dessa linha de pensamento se desenvolvem as intimeras teo- tins estadtsticas, que serviram de fomento doutrinatio aos Estados totalité rios de apds guerra . ESCOLAS ALEMA E AUSTRIACA Para as escolas alemd e austriaca, lideradas, respectivamente, por Jellinek ¢ Kelsen, que sustentam a estatalidade integral do Direito, a sobe- ania € de natureza estritamente juridica, € um direito do Estado ¢ & de crater absoluto, isto €, sem limitagdo de qualquer espécie, nem mesmo do Aireito natural cuja existéncia é negada, Sustentam que s6 existe 0 direito estatal,elaborado e promulgado pelo Estado, jd que a vida do diteito esta na forga coativa que Ihe empresta Estado, © nio ha que falar em direito sem sangdo estatal, Negam a existén- cia do direito natural e de toda e qualquer normatividade juridica destituida da forga de coagio que 36 0 poder ptiblico pode dar. Dai a conelusio de Austin, com base na doutrina do mestre vienense, de que nio existe dircito internacional por falta de sano coercitiva, Portanto, sea soberania é um poder de direito e todo direito provém do Estado, 0 tecnicismo juridico alemdo co normativismo kelseniano levam & conclusao I6gica de que 0 poder de soberania ¢ ilimitado ¢ absoluto. Logo, toda forma de coacio estatal é legitima, porque tende a realizar 0 direito como expressdo da vontade soberana do Estado. Realmente, em face desse principio da estatalidade do dircito, prinet- pio pan-estadistico, ndo se concede limitacao alguma ao poder do Estado. E certo que Jellinek chegou a esbogar a doutrina da autolimitagao do poder estatal, porém, sem nenhuma significagio pritica. Com efeito, se todo di- reito emana do Estado e este se coloca acima do direito, ressalta&evidéncia ue a limitago do poder estatal por regras que dele proprio derivam nio passa de mera ficedo. O préprio Luiz XIV nio seria um monarca absolut ta, a levarse em conta a sua faculdade pessoal de autolimitagéo. Nem o proprio Deus seria absoluto, SOBLRANIA __ 3s im vertade, porsm, a primeira ¢ inarredkivel limitagdo ao poder sobe- rano dos governos decorre dos principios incontingentes ¢ imprescritiveis do direito natural. A ordem natural & anterior ¢ superior ao Estado, e sua ‘observincia constitu’ mesmo uma condicao de legitimidade do direito e de qualquer ato estatal, Outra limitagdo, também imperiosa, € a que decorre das regras de convivéncia social e internacional (O Estado no pode criararbitrariamente 0 direito; ele eria. ale, direi to escrito, que & apenas uma categoria do direito no seu sentido amplo. ‘Como acentua Pontes de Miranda, o Estado é apenas um meio perfectivel, do exclusivo, de revelacdo das normas juridicas. A lei que dele emana ha de corporificar o direito justo como condigdo de legitimidade, Sobretudo, 0 Estado nao é um fim em si mesmo, mas um meio pelo qual o homem tende «realizar o seu fim préprio, o seu destino transcendental, como o demons- tram as teorias liberais e humanistas As teorias da soberania absoluta do Estado, malgrado o seu ca absolutista¢ totalitario, tiveram ampla repercussdio no pensamento politico sal, inclusive na propria Franga com Carré de Malberg ¢ Louis Le Fur, Justificaram os Estados nazista, fascista e todos 0s totalitarismos, que conflagraram o mundo por duas vezes mas foram contidos pela forga supe- rior do humanismo liberal. 8. TEORIA NEGATIVISTA DA SOBERANIA A teoria negativista da soberania é da mesma natureza absolutista, For- ‘mulou-a Léon Duguit, desenvolvendo o pensamento de Ludwig Gumplowicz: ‘A soberania é uma idia abstrata, Nao existe concretamente. O que existe € apenas a crenca na soberania, Estado, nagao, direito e governo sa0 uma 86 e tinica realidade, Nao hé direito natural nem qualquer outra fonte de normatividade juridica que ndo seja 0 préprio Estado, E este conceitua- se como organizacio da forca a servico de direito, Ao conceito metafisico de soberania nacional opde Duguit o conceito simplista de regra de direito como norma de dirego social. Assim, a soberania resume-se em mera no- ¢ao de servico piblico. A teoria negativista de Duguit, considerando a soberania “um princi- pio ao mesmo tempo indemonstrado, indemonstrével e inti”, suscitou sem- pre as mais acirradas polémicas no mundo da ciéncia politica, destacando- se entre os seus mais fortes opositores Bigne de Villeneuve e Jean Dabin, A negagiio da soberania, acentuou Esmein, s6 pode levar a um resultado clato: afirmar o reino da forga. % PHORIA GERAL DO ESTADO. Com efeito, o conceito de sober a, tal conte preddomina entre os po- voy dkemoeriticas, lang raizes na filosolia aistotélico-tomista: soberana, com tiltima anise, & lei, ¢ esta encontra su legitintidade no direito natu- ral, que preside e limita o direito estatal. Vale lembrar aqui as palavras com ‘que os constituintes argentinos de 1853 encerraram seus trabalhos — os Junnens se dignificam prostrando-se perante a lei, porque assim se livram de ajvcthar-se perante tiranos. 9, TEORIA REALISTA OU INSTITUCIONALISTA A tworia realista ow institucionalista, modetnamente, vem ganhando terreno em face das novas realidades mundiais. 15 oreoso aumitir que a soberania é originsria da Nago, mas $6 adqui- te expresso conereta ¢ objetiva quando se insttucionaliza no érgio estatal, recebendo através deste o seu ordenamento jursdico-formal dindimico. Impae-se ufastar a confusdo oriunda do voluntarismo radical entre os Lluis momentos distintos da formago do poder soberano: 0 momento so- cial ou genético, ¢ 0 momento juridico ou funcional. A soberania € originariamente da Naco (quanto a fonte do poder), 1s, juridicamente, do Estado (quanto ao seu exercicio) Patentcia-se enti imelevante, em ltima andlise, a polémica entre os dois grandes grupos doutrindtios que disputam a primazia no tocante & ilaridade do poder e suas consequéncias: a escola francesa da soberania onal € a corrente germanica da soberania do Estado. Se 6 certo que Nagio e Estado sto realidades distintas, uma sociol6gi cite outra juridica, certo € também que ambas compoem uma s6 personali- clade: no campo do Diteito Pablico Internacional. E neste campo nfo se projeta a soberania como vontade do povo, seniio como vontade do Estado, que € Nagao politicamente organizada, segundo a definigio que nos vem dda propria escola classica francesa. ste entendimento, evidentemente, nao exclui a possibilidade de reto- tmar a Nagdo o seu poder origindrio, sempre que o rgiio estatal se desviar dos seus fins legitimos, conflitando abertamente com os fatores reais do poxler. (O eminente Prof. Machado Paupério, em sua magnifica monografia O conceito polémico de soberania, tira a concluséo de que “soberania ndo é propriamente um poder, mas, sim, a qualidade desse poder; a qualidade de suipremacia que, em determinada esfera, cabe a qualquer poder”. SOBLRANIA 7 pois, um airifuro de que se reveste 0 poster de auto-organizagiio naci- onal, ede autodeterminagao, uma vez institucionalizado no érgso estatal Caberia acrescentar, como inarredavel verdade, que todas as correntes doutringrias da soberania se resumem, afinal, numa afirmacao dogmitica dla onipoténcia do Estado. Fora da teoria anarquista, o Estado & sempre a racionalizagaio do poder supremo na ordem temporal, armado de forga coativa irredutivel, autorida- de, unidade e rapidez de ago, para fazer face, de imediato, aos impactos € arremetidas das forgas dissolventes que tentem subverter a paz ¢ a seguran- ga da vida social Portanto, embora seja poder essencialmente nacional, quanto & sua origem, sua expressiio concretae funcional resulta da sua institucionalizagao no 6rgaoestatal. Passado 0 momento genético de sua manifestago na orga- nizagao da ordem constitucional, concretiza-se a soberania no Estado, que passa a exercé-la em nome e no interesse da Nac Este entendimento nao se confunde com as teorias absolutisias do Es- tado nem com o radicalismo voluntarista da soberania nacional defendido pela escola cléssica francesa. Conduz 2 conceituagio da soberania como poder relativo, sujeito a limitagoes como a seguir se ressalta. 10. LIMITACOES A soberunia ¢limitada pelos prinepios de direito natura, pelo direito grupal, isto é pelos direitos dos grupos particulares que compiem o Estado (grupos bio- logicos, pedag6gicos, econdmicos, politicos, esprituais etc.), bem como pelos ‘imperativos da coexisténcia pacitica dos povos na 6rbita internacional. (O Estado — prockamou Jelferson — existe para servir ao povo e no 0 povo para servir ao Estado. O governo hi de ser um governo de lei expresso da soberania nacional, simplesmente. As leis definem ¢ limitam. ‘o poder. E aeste conceito, brilhantemente desenvolvido por Mathews, acres- centou Krabbe esta afirmagao elogiiente: « autoridade do direito é maior do que a autoridade do Estado. Limitam a soberania os principios de Direito Natural, porque 0 Esta do € apenas instrumento de coordenagdo do direito, ¢ porque 0 diteito posi- tivo, que do Estado emana, s6 encontra legitimidade quando se conforma ‘com as leis eternas ¢ imutaveis da natureza. Como afirmou Sio Toms de Aquino, una lei humana ndo é verdadeiramente lei sendio enquanto deriva da lei natural; se, em certo ponto, se afasta da lei natural, ndo é mais lei ¢ sim wa violagdo da lei. E acrescenta que nem mesmo Deus pode alterar a Tei natural sem alterar a matéria — Neque ipse Deus dispensare potest a aw PEORIA GERALDO ESTADO fexe naturali, nisi mutando materiam. Ergo lex iaturatis est immutabilis seu proprio mutari omnino non potest. Limita « soberania o direito grupat, porque sendo 0 tim do Estado a sequranga do bem comum, compete-tIhe coordenar a atividade e respeitar a ‘maturezat de cada um dos grupos menores que integram a sociedade civil, A ‘anil « escola, a corporagio econdmica ou sindicato profissional, o mu- nicipio ou a comuna e a igreja s4o grupos intermedi ios entre 0 individuo ‘ado, alguns anteriores ao Estado, como é a familia, todos eles com Ninalidade prépria e um direito natural existéncia e aos meios necessé- sins para a realizagéo dos seus fins Assim, 0 poder de soberania exercido pelo Estado encontra fronteiras tnio s6 nos direitos da pessoa humana como também nos direitos dos gru- pox e associagdes, tanto no dominio interno como na érbita internacional Notadamente no plano internacional, a soberania é limitada pelos im- pperativos da coexisténcia de Estados soberanos, no podendo invadir a es feru de ago das outras soberanias, Una vez nao contrariando as normas de diteito nem ultrapassando os limites naturais da competéncia estatal, a soberania é imperiosa, incontrastivel, Sem ser arbytrio nem onipoténcia, acentuou Mouskheli, ¢ ‘ler ubsoluto, encontrando, porém, sua limitagao natural na prépria fina- Tadude que the € essencial Assim, no plano internacional limita a soberania o principio da coe- \istéucia pacifica das soberanias. AAtwalmente, as nagdes integram uma ordem continental, e, dentro des- ‘1 ondem superior, o poder de autodeterminagio de cada uma limita-se pe- ‘os imperativos da preservagdo e da sobrevivéncia das demais soberanias J Conceito oS fois ain F bie Nau Estados) Vil SOBERANIA E GLOBALIZACAO 1. Conceito. 2. Blocos econdmicos. 3. Blocos intergovernamentais — Mercosul. 4. Outros blocos intergovernamentais. 5. Bloco supranacional — Unido Européia. 1. CONCEITO. No capitulo anterior tratamos da soberania na sua acepgao clissica como uma autoridade superior, que ndo pode ser limitada por nenhum outro poder. As limitagdes admissiveis sio as contidas nos conceitos do direito natural, no respeito da pessoa humana e nos direitos dos grupos e associ 0s, tanto no dominio interno quanto na érbita internacional, devendo res: peitar a coexisténcia de Estados soberanos. “Moderamente outros fatores tm sido acrescidos, o que tem motiva- do autores a afirmar que a soberania estaria em via de extingao. Neste contexto, a palavra que surge ¢ “globalizagdo”, utilizada generi- camente por juristas, politicos, economistas, socidlogos ¢ jomalistas como representativa do fendmeno da disseminagio de processos globais que extrapolam os limites das fronteiras nacionais ¢ influenciam as culturas, as economias, as liberdades e até as organizagdes politicas dos pafses, em es- cala mundial © coneeito de globalizagao nao é uniforme. Por alguns estudiosos considerado sob o aspecto da atribuigdo de um sentido integral ¢ uniforme a0 mundo contido no globo terrestre. Por outros, a globalizagao nao pode {er 0 sentido de uniformidade, pois cada pais € por ela atingido de forma diversa. Para este estudo, consideraremos que a globalizagio constitu um processo de intemnacionalizacio de regras de convivéncia ou interferénci politica entre pafses, impulsionado por fatores da producio e da circulagio do capital em Ambito internacional, movidos pela forga propulsora da revo- Iugao tecnolégica. A globalizagdo, assim considerada, produz reflexos no conceito de soberania, na medida em que acaba por atingir cada pats de forma desigual, 40 THORIA GERAL DO'S ADO nna proporgdo da riquezst, poder, ou desenvolvimento social, econdmieo twenoldgico de cada um, Esses reflexos assumem maior gravidade entre os paises chamados de “terceiro mundo” ou “em desenvolvimento”, os quais Ficam mais vulneraveis, diante da incapacidade de enfrentamento das impo- sigdes originadas da ordem internacional. Tal realidade no pode ser nega- dda, bastando lembrar que a primeira sanco imposta aos governos conside- rados “dissidentes” da ordem internacional € a imposigtio de embargo co mercial, um dos fatores que acaba por obrigar a adesio a exigéncia que determninou 6 embargo, sob pena de comprometimento da propria sobrevi- Véncia da populagao. Os efeitos da globalizagao sobre 0 conceito de soberania tém sido ob- jeto dos mais variados e polémicos posicionamentos dos doutrinadores, destacando-se por um lado os que enfatizam 0 aspecto econdmico e prevé- tem a extingo da soberania, e por outro lado os que enfatizam 0 aspecto politico, defendendo a sobrevivéncia da soberania de forma absoluta, como conceito inerente ao Estado, Sobre o tema, afirma Miguel Reale: “por mais que constitua um fen6- eno inevitavel, capaz de produzir os esperados, mas ainda nao comprova- «los resultados benéficos para a humanidade, (a globalizagao) se desenvolve antes como uma gradativa mundializacio, por meio de empresas ‘multinacionais, com sedes em distintos paises, ¢ empresas transnacionais, dle cardter universal, sendo respeitados, porém, os organismos regionais, ‘como a Unio Buropéia e Mercosul, bem como os estatais, que constitu- em entidades hist6rico-culturais dotadas de identidade propria, insusce dle uniquilamento, como pensam os anarquizantes e precipitados ‘cidadios ‘do mundo”. Pode-se mesmo dizer que 0s riscos da globalizacao aumentam 41 responsabilidade dos Estados, que no podem deixar de salvaguardar 0 ‘que € prOprio e peculiar de cada nagio” (Ainda o social-liberalismo, O tudo de 8, Paulo, 15 nov. 1997, p. A-2). 2. BLOCOS ECONOMICOS Na ordem internacional, a globalizagio se faz presente por meio da formagao de blocos integrados por Estados soberanos, unidos através de tratados e convengdes, os quais estabelecem as regras a serem respeitadas mutuamente. Essas regras, conforme a relevancia das restrigdes ou obriga ‘Ges de conduta impostas aos paises participantes, constituem o combusti- Vel que alimenta a elaboragio dos diversos posicionamentos dos doutrinadores a respeito de constituitem ou no restrigdes ao conceito de soberania, SOBLRANIA L GLOBALIZAGAO 41 Embora nao se possa negar que st mola propulsora da formagio desses hhlocos seja, no mundo eapitalista atual, o interesse econdmico, ¢ possivel identificxr importante presenga do elemento politico, jé que as regras apli- cis & unificagiio abrangertio, necessariamente, a concessio de prerroga- 9 inclufdas no conceito de soberania de cada pafs-membro. fivas que esti ‘Considerando 0s blocos internacionais atualmente existentes, & possi- vel elassificd-los, seeundo os processos de integrago que tenham adotado ‘naconstituigdo de suas estruturas organicas, em locos intergovernamentais ¢ blocos supranacionais: ‘Accaracteristica dos processos de integragao do tipo infergovernamental & a subordinagio das decisbes do bloco & vontade politica dos Bstados- membros. Sighifica afirmar que as decisGes tomadas pelos 6rgios adminis- trativos de cada bloco, para adquirirem forga de execugao, dependem da intemacionalizacdo dessas regras, mediante a aprovagio individual dos 6r- sri0s politicos de cada Estadlo-membro. io do tipo supranacional, cada pais cede ou \dmi- Nos processos de integra transfere parcelas de suas respectivas soberanias a um drgdo comum, a tindo que as decisdes tomadas por esse Grgdo se tomem de obediéneia int tna obrigatéria, independentemente de qualquer outra manifestacao pol ou legislativa interna, Em outras palavras, as decisdes desse drgto ‘supranacional passam a integrar automaticamente o ordenamento juridico de cada Estado-membro, Os blocos de integragio supranacionais constituem exemplo marcante da relativizagio do conceito classic da soberania absoluta, 3. BLOCOS INTERGOVERNAMENTAIS — MERCOSUL © Mereado Comum do Sul (Mercosul) é atualmente um exemplo de bloco econémico que adota o processo de integragio intergovernamental. Situado na regio denominada Cone Sul do Continente Americano, 0 Mercosul foi criado através do Tratado de Assuneio, assinado em 26 de ‘margo de 1991, complementado pelo Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994, ¢ é formado por quatro paises-membros — Argentina, Brasil, Paraguai ¢ Uruguai — e seis associados: Bolivia, Chile, Colémbia, Equador, Peru ¢ Venezuela, Por meio do Protocolo de Brasilia, firmado em 17 de dezembro de 1991, complementado pelo Protocolo de Olivos, firmado em 18 de feve- reiro de 2002, os Estados-membros trataram do estabelecimento de nor: 42 TEORIA GERAL DO ESTADO nay para a Solugio de Controvérsias no Mercosul, constituindo hunal Permanente de Revisio, para consolidar a seguranca juridica na © objetivo principal é criar um mercado comum com livre circulaga0, dle bens, servigos e fatores produtivos, complementado pela busca de ado- ‘io de tuma politica externa comum, pela coordenagdo de posi¢des conjun- las em foros internacionais, pela formulagao conjunta de polfticas macroecondmicas setoriais e, por fim, pela harmonizagao das legislagdes nacionais, com vistas a maior integrago, segundo consta de seus atos constitutivos, A estrutura organica do Mercosul conta com uma presidéncia exercida pro tempore, ou seja, por sistema de rodizio semestral. As decisdes do Mercosul so sempre tomadas por consenso. Compoem a sua organizagio um érgio superior, denominado Conse- tho do Mercado Comum, responsavel pela conduc: le integra politica do proceso e composto pelos Ministros das Relagdes Exteriores e da Fco- ‘nomtia dos quatro Estados- membros, ao qual esto subordinados varios Gru- pos de Trabalho, além do Parlamento do Mercosut,, do Foro Consultivo Eco- ‘u6mico-Social (FCES), do Tribunal Permanente de Revisao e outros. Em fencdo a caracteristica da intergovernabilidade, © Mercosul nao possui Gros supranacionais. Conseqlentemente as decisdes emanadas dos Grgtios diretivos ficam subordinadas & obediéncia das formalidades legislativas préprias de cada Estado-membro para que tenham forga executria, Em razio dessa necessidade, chamada de internacionalizagao dla norma, pode-se afirmar que 0 conceito de soberania sofre menor restri- (Go, jd que fica mantida a prerrogativa interna de eventualmente no apro- var « disposicao emanada do 6rgo internacional. 4.0U' ROS BLOCOS INTERGOVERNAMENTAIS: Com caracteristicas semelhantes as do Mercosul, divergindo especial- mente quanto ao grau de integragao entre os Estados-memibros, esti cons- titufdos, segundo dados relativos ao ano de 2007, os seguintes blocos eco- némicos internacionais: NAFTA —North América Free Trade Agreement: teve inicio em 1988, com 0 relacionamento comercial entre os Estados Unidos e 0 Canad. Con- tou com a adesio do México em 1992, eentrou em vigorem I#de janeiro de 1994, Tem por objetivo a fixacdo de um prazo de quinze anos para a total SOBERANIA I GLOWALIZAGAO ccliminagio das barreiras alfandegsirias entre ox ts pases, estando aberto a todlos ox Estados da Amé ALADI — Associagiio Latino-Americana de Integragio, Criada em 12 de agosto de 1980 pelo Tratado de Montevidéu, substituiu a ALALC, a antiga Associagao Latino-Americana de Livre Comércio, que foi criada em 1960. Tem por objetivo criar um mercado comum latino-americano, a lon- go prazo. E integrada pela Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, Colombia, Cuba, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela CAN —Comunidade Andina, ou Pacto Andino (Comunidad Andina). jada em 26 de maio de 1969, inicialmente como uma Unido Aduaneira e -onémica, integrada pela Bolivia, Colombia, Equador e Peru, Sdo paises associados 0 Chile, a Argentina, o Brasil, o Paraguai e 0 Uruguai, e obser- vadores 0 México e o Panama, Tem por objetivo a integragao andina, sul~ americana e latino-americana, para a formagio de uma Unido das Nagdes Sul-Americanas (UNASUL). CARICOM— Mercado Comum e Comunidade do Caribe (Caribbean Community). Criado em 1973, 6 integrado por quinze paises e territrios da regitlo caribenba: Antiguae Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Montserrat, Santa Licia, Sao Crist6vdo e Névis, Sfo Vicente e Granadinas, Suriname ¢ Trinidad e Tobago. EFTA — Associagio Européia de Livre Comércio (European Free Trade Association). Criada em 1960, como oposigio & Comunidade Econd- ‘mica Européia (CEB), tinha como primeiros parceiros Austria, Dinamarca, Noruega, Portugal, Suécia, Suica e Reino Unido (Inglaterra, Escécia, Pats de Gales c Irlanda do Norte). Com o fortalecimento da Comunidade Eur péia, perdeu a maioria dos seus integrantes, restringindo-se atualmente & associagio de apenas quatro pafses: Islindia, Liechtenstein, Noruega e fga, Em 1992 a EPTA assinou acordo com a Unio Européia, criando 0 Espaco Econdmico Europeu (EEE), objetivando aumentar 0 volume rércio com a Unio Européia e a participagio dos seus quatro Estados- Membros, em outros programas. SADC — Comunidade para 0 desenvolvimento da Africa Austral (Southern Africa Development Community). Criada em 1992, € integrada por catorze pafses: Africa do Sul, Angola, Botsuana, Repiblica Democ ado Congo, Lesoto, Madagascar, Malavi, Mauricio, Mogambique, Namibia, Suazildndia, Tanzania, Zambia e Zimbébue. Objetiva incentivar as relago comerciais entre seus membros, por meio da criagdo de um mercado c ‘mum a médio prazo, seguindo o modelo basico da Unido Européiae alguns a4 THORIA GERALDO Is ADO. aypectos do Mercosul, alm de des mata ANACERTA — Acotdo Comercial Sobre Relagies EeonOmicas e tre Ausirilia e Nova Zelindia (Australia New Zealand Closer Economic Relations Trade Agreement). Criado em 1983, integrado por esses dois pa- ines, objetivaacriagdo de uma érea de livre eomércio e planeja a integracio com o ASEAN até 2010, Destaca-se pelo seu protocolo sobre livre comer cco na tea de servigos, o primeiro do mundo globalizado, ASEAN — Associagdo de Nagbes do Sudeste Asistico (Association of Southeast Asian Nations). Surgiu.em 1967, liderada pela Tailandia, Os paises que a integram so: Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malis Mianmar, Filipinas, Cingapura, Tailindia e Vietnd. Tem por objetivo asse- shurar a establidade politica e acelerar o processo de desenvolvimento da 9. promovendo o desenvolvimento econémico, social ¢ cultural, medi- s, incluindo em seus objetivos também o livre wwolver esfoygus para promovera paz.e meridional alvicans. APEC — Férum Econémico da Asia ¢ do Pacifico (Asia-Pacific Hconomie Cooperation), Trata-se de um Organismo intergovernamental para ‘consulta e eooperagao econdmica, oficializado em 1993. Constitui um po- «leroso bloco econdmico que objetiva promover a abertura de mercados en- tre os paises-membros: Austrélia, Brunei Darussalam, Canadé, Chile, Re- publica da China, Hong Kong, Indonésia, Japio, Coréia do Sul, Makisia, México, Nova Zeléndia, Papua Nova Guing, Peru, Filipinas, Russia, ‘Cingapura, Taiwan, Taildndia, Estados Unidos e Vietna. A meta é0 estabe- lecimento do livre comércio entre os patses participantes, até o ano 2010 para as economias dos paises desenvolvidos e até 2020 para as economias dos paises em desenvolvimento, 5. BLOCO SI UPRANACIONAL — UNIAO EUROPEIA 3 blocos internacionais que adotam o processo de integrago do tipo supranacional tgm como caracteristica principal a existéncia de um érgio comum, do qual emanam regras que, uma vez promulgadas, Sio automat ‘camente inseridas no ordenamento juridico de cada pafs-membro, sem ne- ccessidade de obediéneia a qualquer outro processo ou formalidade legislativa, Na atualidade a Unido Buropéia consttui a meta almejada, pelo me tnos em teoria, pelos demais blocos econdmicos, por representar, de forma mais expressiva, o resultado do processo de globalizag concepgdes ¢ formas de atuagio. em suas diversas SOBERANIA 1, GLOBALIZAGAO 45 A Unigio Européia & originada da Comunidade Eeondmica Européia (CEE), fundauda em 1957. "Teve & eliminayao das tiltimas barreiras alfande- ‘sirias entre os paises-membros consolidada em 1992, ¢ entrou em funcio- namento em Ide novembro de 1993, através do Tratado de Maastricht. E integrada por: Alemanha, Austria, Bélgica, Espanha, Finlandia, Franca, Grécia, Irlanda, Itélia, Luxemburgo, Holanda (Paises Baixos), Portugal, Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Chipre, Eslovaquia, Eslovénia, Estonia, Hungria, Letonia, Litunia, Malta, Polonia e Repiblica Tcheca, Bulgaria e Romei 0 6rgio maximo da Unido Europeéia ¢ o Parlamento Europeu, eleito pelo voto direto dos cidadios europeus, a cada cinco anos. Juntamente com © Conselho da Unido Européia, constituido pelos ministros dos governos, dos Estados-membros, € 0 responsdvel pela elaboraco da legislacio euro- péia, mediante propostas oriundas da Comissdo Européia. Outros érgaos atuam também com poderes supranacionais: Tribunal de Justiga, Tribunal de Contas, Comité Econdmico e Social, Comité das Regides, Banco Cen- tral Europeu e Banco Europeu de Investimento. A Unifio Européia caracteriza uma forma de cessio, mesmo que parci- al, da soberania, Na observagiio de Ives Gandra Martins, “o direito comuni- tério prevalece sobre 0 Direito local, ¢ 0s poderes comunitarios (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) tém mais forga que 0s poderes locais. Embora no exercicio da soberania, as nagdes aderiram a tal espago plurinacional mas, ao fazé-lo, abriram mio de sua soberania ampla para submeterem-se a regras ¢ comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor, sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Fede- racdes clissicas, criando uma auténtica Federacao de paises” (O Estado do ‘futuro, So Paulo, Thomson Pioneira, 1998, p. 15). Ix NASCIMENTO E EXTINCAO DOS ESTADOS — I 1. Nascimento, 2. Modo origindrio. 3. Modos secundarios. 4. Confederacao. 5. Federacao. 6 Unido pessoal. 7. Unido real. 8. Divisdo nacional. 9. Divisdo sucessoral. 10, Modos derivados. 11. Co- lonizacdo. 12. Concessdo dos direitos de soberania. 13. Ato de governo. 14. Desenvolvimento e declinio. 15. Extingdo. 16. Conquista. 17. Emigragao. 18. Expuisdo. 19. Rentincia dos direitos de soberania 1. NASCIMENTO Concorrendo os trés elementos necessérios — populagio, territério e governo — nasce um Estado. Resta saber, porém, como esses elementos se revinem ou de que forma nasce 0 Estado. Neste ponto nao indagamos das causas gentticas da formagao social, mas, sim, do ato formal do nascimento ou de criagdo de um Estado, confor- ‘me com o depoimento da histéria, o consenso dos povos e os principios de direito internacional. O conhecimento dos fatores determinantes do surgimento e do pereci: mento dos Estados mais antigos perdeu-se na poeira dos tempos. Mesmo em relacio aos que chegaram aos tempos atuais, como a India, a China ¢ 0 Egito, « histéria da sua origem permanece embugada nas brumas de um passado muito remoto. Os primeiros Estados, ao que se tem apurado por indugdo dos sabios, teriam surgido, originariamente, como decorréncia natural da evolucao das sociedades humanas. Emergiram do seio das primitivas comunidades ¢ ca minharam, paulatinamente, para a instauragao de forma politica espe E, se mais nos adentramos procurando desvendar na nebulosidade das priscas eras a génese da ordem civil, veremos que se nos impoe, ainda pelo critétio indutivo, a conclusdo de que, antes do aparecimento do fendmeno ‘que hoje chamamos Estado, jé existiam regras de comportamento social aX THORIA GERALDO ESTADO. ditadas pelo direito natural, € que este gerou o Estado erigindo-o em éngio tha su positivagio. xtinguiram-se os Estados primitivos oriundos dessa ordem natural printitiva, © sobre os seus escombros ergueram-se os Estados do mundo alma. Na suit maioria, representam estes 0 renascimento ou a reformagi ios extintos, conservando, muitas vezes, o nome eas tradi- ‘ues, porém ostenlando nova configuragio geogrifica e politica, ‘Como o desaparecimento da organizagiio estatal no implica, geral- mente, © desaparecimento dos agrupamentos étnicos, conservam-se estes mantendo a sua continuidade hist6rica. A comunidade romana, por exem- plo, sobreviveu ao aniquilamento do Império ocasionado pelas invases dos Inirharos, assim como a comunidade judaica, depois da destruigdo de Jeru- walle, se conservou coesa até restabelecer, nu Palestina, as vetustas tradi- goes do velho Estado de Israel, Eoportuno ressaltar aqui, mais uma vez, a nftida diferenga que existe contre Nagiio ¢ Estado. A Nagao é uma entidade de direito natural. O Estado, aw reycs, & um fendmeno juridico; é obra do homem, portanto, contingente lalivel. Sua estrutura pode desintegrar-se num dado momento, desapare- eer e reaparecer, {il como um ser vivo — disse Montaigne —, 0 Estado nasce, floresce © morte, Lissa interpretagdo mistica do fendmeno estatal, desenvolvida por Hegel, Schelling, Krause ¢ outros coriteus da chamada escola organica, Thutida, alids, na filosofia platonica, no convém 2 objetividade com que war 0s fatos do nascimento e da extingilo dos Estados. Se o Estado em si, na sua estrutura morfolégica € na sua ide se compara ao ritmo da vida organica, tal nfo ocorre em relagiio & comunidade nacional, pois esta, independentemente daquele, se eterniza na sucessividade das geragdes. levemos-en (© Estado no morte por completar um determinado ciclo organico. A perpetuidacle, alids, é um dos pressupostos juridicos da sua condigio, e, contrariamente as leis naturais que regem a vida dos seres, a sua velhice é unt penhor de vigorosa durabilidade. Um dos fatores que levam 0 Estado invorte esti em que a sua estrutura, de certo modo, se apbia na forga, € esta ert a resis\Gneia, Sujeita-se a sua estrutura as mutagdes do poder que so imperativos necessérios da evolugo humana, cilos estes esclarecimentos preliminares, vamos analisar aqui os fa- tos que assinalam 0 nascimento, o crescimento ou declinio e 0 desapareci- niente dos Est _ NASCIMENTO Et ZXINGAO DOS ESTADOS_ ” A condigio de Estado, como jé vimos, requer a presenca simultanea dos sous trés elementos constitutives — populacio, terttério e governo —, sendo, entretanto, diversos os modos como se realiza a combinago desses elementos e como se explica o surgimento da entidade estatal. ‘Trés sdo os modos de nascimento dos Estados: origindrio, secundérios © derivados, Desdobram-se, cada um deles, em varios casos especiticos. Para bem estudi-los faremos primeiro 0 seguinte enquadramento sin6tico: [Origingsio i ‘Contederacio Federagio | Unit pessoal | Unis reat | Unio Modos de nascimento _| Secunditios rk 1 dos Estados wisao{ Necion | PRIS = Stcessoral , 2, MODO ORIGINARIO Pode surgir 0 Estado, originariamente, do proprio meio nacional, sem dependéncia de qualquer fator externo. Um agrupamento humano mais ou menos homogéneo, estabelecendo-se num determinado territ6rio, organiza seu governo e passa a apresentar as condicdes universais da ordem politi cae juridica, Roma e Atenas so exemplos tipicos da formagio origina, Esse micleo inicial, via de regra, é homogéneo, isto &, uma comunida- de identificada por vinculos de raga, lingua, religiio, usos, costumes, senti- ‘mentos ¢ aspiragdes comuns, ¢ que, atingindo lentamente certas © determi- nadas condigdes, adota um sistema de organizacZo social ¢ administrativa tendente a facilitar a concretizacao dos anseios comuns. Os Estados primitivos, sem divida, foram precedidos de uma lenta preparaciio nacional, mas nos tempos atuais tivemos exemplos de criagio de Estados originariamente, sem o estigio preparatério a que nos referimos, ‘ot seja, sem que © niicleo humano inicial apresentasse esse aspecto de homogeneidade préprio dos chamados Estados Nacionais. Assim ocorreu, por exemplo, no caso jé citado do Estado da California, na América do Norte, onde legides de individuos de todas as origens formaram uma po- so THEORIA¢ AL DO ESTADO. pulagio numerosa ¢ reuniram-se, em 1849, numa assembléia constituinte, organizando o seu govern proprio e prockamando ao mundo a fundagao do seu Estado, posteriormente incorporado a Federagiio dos Estados U Amica do Norte Deixando de lado maior indagagdo sobre a formagiio dos Estados anti- ‘208 para fixarmos a sociedade humana no momento exato em que cla, por forgat de variadas cireunstancias, se organiza em Estado, constatamos que ‘no mundo moderno intimeras sao as circunstincias que cercam e determi- weimento de novas unidades politicas. Queiroz Lima assim enume- Fa esas circunstncias: “Inedutibilidade de interesses; necessidade de au- tonomia econémica e politica; divergéncias de ragas, indoles e aspiragées, ‘ou coligagao de povos unidos pela identidade de raga ou por um forte lago dle interesse comum: influéncia dissolvente de uma guerra infeliz ou impo- sigio de um inimigo vencedor; e, finalmente, combinagées politicas das seranules potGncias em congresso intemacional’’ Diante desse panorama realmente veridico, perde muito do seu valora val da formacio origindria e se avultam em importiincia 0s modos rios e derivados, regra 3. MODOS SECUNDARIOS ‘Uma nova unidade politica pode nascer da unitio ou da divisto de Es- {aulos. Sa0 casos de unio: a) confederagdo; b) federagao: c) unitio pessoal; ¢ dD uniao real. 4, CONFEDERACAO E uma unio convencional de paises independentes, objetivando a rea lizagio de grandes empreendimentos de interesse comum ou o fortaleci- mento da defesa de todos contra a eventualidade de uma agressio externa. So exemplos dessa forma de unio, nos tempos antigos, as confede- ayes gregas dos Bedcios, dos Arcidios, dos Acheus ¢ dos Estélios, Os antigos cant6es da Suiga uniram-se formando a Confederagio Helvética, que ainda subsiste, agora com feigdo prépria de uma unio federal. Mais Fecentemente, tivemos a Confederago dos Estados Unidos da América do Norte (1776-1787) ¢ a Confederacio Germanica (1815). A atual Comunidade dos Estados Independentes (CED) é um exemplo da unido sob a forma confederativa. A partir de um manifesto langado pela NASCIMENTO E.EXTINGAO DOS ESTADOS SE Rassia, Uerinia e Bielorrisia, outras nove repkiblicas também ex-integran- la extinta URSS formralizaram sua aulesdo, dando inicio a um processo «le unificago politica e econdmica eujas bases definitivas ainda hoje esto endo processadas. 5. FEDERACAO. uma unio nacioasl mais fntima, perpétna e indissolivel, de provin- cias que passam a consttuir uma s6 pessoa de direito pUblico internacional Exemplo classico de unio federal é a América do Norte. Temos, ainda, no continente americano, México, Brasil, Argentina e Venezuela. 6. UNIAO PESSOAL Eo governo de dois ou mais pafses por um s6 monatca. de natureza precéria, transit6ria, porque decorre exclusivamente de even- tuais direitos sucess6rios ou convencionais de um determinado principe. Registra a hist6ria, entre outros, os seguintes exemplos de unio pessoal: a) ‘Alemanha e Espanha sob o poder de Carlos V; b) Inglaterra e Hanover sob © governo de George IV; c) Polinia e Sarre, sob o reinado de Augusto etc. 7, UNIAO REAL Ha unifo efetiva, com carter permanente, de dois ou mais patses formando uma s6 pessoa de direito piblico intemacional. Exemplos: a) Suécia e Noruega; 5) Austria e Hungria; c) Inglaterra, Escécia ¢ Irlanda, ue se juntaram para a formagdo da Gra-Bretanha, So casos de divisdo: a) divisio nacional, ¢ b) divisdo sucessoral 8. DIVISAO NACIONAL ‘Ba que se dé quando uma determinada regido ou provincia integrante de um Estado obtém a sua independéncia e forma uma nova unidade politi- ca, Hos exemplos da divisdo da monarquia de Alexandre, do retalhamento do primeiro império napolednico e da separacio dos chamados Paises Bai ‘xos em 1830. Na reorganizagao da Europa, depois da primeira guerra mun- dial, varios casos de divisio nacional se verificaram por conveniéncia ¢ mposicdo dos vencedores.

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