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aay Me ilen Chaui 4 “ A = Aes 4. CONFORMISHO RESISTENCIA = popular no Brasil ec : f a eaves i editora brasiliense ee ee aes tT cu Lore oni © by Marlena Chai, 186 Conr pubicaao Pode rade, Nea Foose ncn fecopads een atoratbo priv de eto SBN, a5.11-070208 Prim eho. 188 hei, 1989 evs Jost WS. Moret e Newton TL. Sort Ei Depo. te are Brasene Rua da Console, 2697 ‘tate Sto Pale 3 Fone (01) 280.1222" Fas £81 9960 Telex (1) 3271 DBLM BR IMPRESSO NO BRASIL con. Indice Introdugto, como de praxe 9 Cultura Popular ¢ atortersmo ” Anda 0 Nacional ¢ o Popular a” . mt Conformismo e resisténcia ————— Introdugio, como de praxe ‘Uma idéia problemética, evidentemente A capressto Cultura Popular, como i fot bas- tant observado de diel dfinigh.” Seri a cultura (1) Bigsby, C. W., Anproashes on Populr Culare, Bowing ‘cen Unive Prew 17H Poa Gx Barourte, Las Cultures eres Baar eas, 979: Burke, P Papier Clare ‘er ik Ere ov eg mt, ps, eo pele Cure 192; Here, ene, “Poplar alu a My TBs in ain AnrcesPoputar Catare v1 196; .P.Thom- wba. The Making the Engtsh Working Clas, Londres, Peng Boos, Whi. Trnpens, Maden, Reve Consencia de Clase: Bu. does Edna Coca, 199% Carlin, Nistor Gari, Las Caras ‘Sapte en Capt, sco, Mura tmagen 182 (ad Ba Pate, Bewilnce 183 fase Comanincs. ea Calor Po: in tera y Cambs Socal, México, UNAM, i, Carsenrs Ae Nat Ar Le Cale Negara — Carter ¢ Pe ase CHAU ou a cultura para 0 por0? A dificuldade, po de poyo ot snes lembrarmos de QUe 0s produces Feta cultura — as chamadas classes “populares” —~ ees dexignam com 0 adietivo “Dopular”, designacag, doa desir membros de outa lasses socials pars grprenacs Ponifetagbes culturais das classes: dates defini asim: tratase de saber quem, nas cane Pana uma parte da populacao como "pove?= cseticcmtenos langa mdo para determinar 0 que ¢ Saventoé “popular im ‘No Brasil, fala-se, por exemplo, em mésica popu. lar para desighar todo 0 campo musical que escapa da Ufamneds misica erudits, mas nem sempre compos ere ouvintes pertencem as chamadas "camadas su. balternas”esima classe média urbana — se, no ineio deste sézul, os composites mais conhecidos eram “ia'do morro", no final do século, grande parte da misica popular € composta ¢ ouvida por univers fos, Ent contrapartda, a chamada mesica sertancja (Gesignasao mas frequente para a midsiea caipira e para a moda de viola sob a influéncia de novos ritmos {rhanos)corresponderia muito mais &idéia do “popu: iar” como “subatterno”. Por outro lado, as composi cies mais admiradas pela populacdo “popular” sto Aquelas que costumam receber a qualificagdo pejora tva de itch — Roberto Carlos, Nelson Ned e Teixel- rinhe sendo exemplars, Enfim, do ponto de vista ofi- cial ou esata, “popular” costuma’ designar o regio nal, tradicional eo felciore. Numa perspectiva que considerasse primordial- avi Maren. "Cara do Poo Avoitriame da Bite" & sabe Catrs Pepa a Cul, Hi tet Ours Ft tras Democracia 0 Discurso Compe lo, Modern, 198; Chasi, Maven, Se 1 Popular ne Culture, S40 Paulo, Bras I en ses mente os produtores ¢ seu publica, guiando-se pelas idéias de regional, tradicional e tipieo, seriam popu. fares a Marujada, a Congada, a Ciranda, 0 Bumbs- ‘meu-Boi. Todavia, resta saber o principal: por que re- sional, tradicional e tipico designariam o "popular"? A discuss do problema poders ser facilitada se fizermos breve retrospecto da emergéncia da expressd0 Cultura Popular." Antes, porém, & conveniente recor: Brail Que aunea se embrars gue homens consderados of models ‘es repubicaney do Bran elasfcrsem seus compatriotas de desk88 {agua ora." — idm, idem, pp. 130, 137. Para 0 comportamento lasses digents face a poo aos ecravon, vere Sergio Buargoe 4 Hollands, Rize do Bra 8 ed, Rio de Janeiro, Jose OF ‘CONFORMISMO E RESISTENCIA ” ah tt led cht oe dolk telnet Teme oid nena Samant rte mae Sure de aor fant, supersicoso, irasional ¢ sobeme e, cat, apenas erode wine dade politica e 0 povo como particulatidade social, of cede plene cow come patel tls perpen ert a ica om nae ona por, «cn tao, caveaplalics unadry Quant n ee ram anne neers eee etree trae gee ueians eae eee ater eee ‘nacdo religiosa sem freios, origem do milenaris sedic&o. Perspectiva que a Sociologia da Rel pas Semana palatal oi opuirnncue = manticos esperam que a afirmacio da alma popular, a Et ee i easedn raped sao cn ooh Doct, se Ce arnt to oe (0) Bake, Pop te eap: 1 "The Diener of he Peo" MARILENA CHAUL oa "Comunidade Orica cio prot. Silscamporesae soa am da eatin iy por acso também, considers ® poeta ac Hose, 0 or a eater confuse da eek ances pres®). ais is aeplcs Sine ars eae gino eon aaparas baie aboemmalges To ae weares cuca oraus"Petae cas eae oP porque "0 pore era" Mado Se at ee, da Gpiss mexcresc 8 i mee mo”, nao é feito (nao é artefato) mas, como as arvo- Se eee por i mesno: Porestowettor & Shane desnato # oes popular como “poesia ne tural”. Na mesma perspectiva, RomAnticos suecos, fin- Jandeses, russos, partem em busca da religido natural, superior a eles. Mesmo no interior do cristianismo, um escritor como Chateaubriand dedicara um capitulo de Le Génie du Christianisme as manifesiagdes antigas, aos ritos e festivais populares, As crengas e supersti- gdes, liberando-as do peso da critica Hustrada. Esse retorno a religiao popular explica ainda por que a Ida- de Média — comunitaria, camponesa, pastoril, guer- reira e mescla de crengas barbaras locais e cristianismo: nascente — funcionara no imaginario romantico num duplo registro, isto é, como origem perdida e como finalidade a resgatar contra 0 capitalismo. O estudo da poesia, das baladas, dos provérbios conduz ao da lingua originaria, e o da religido, dos cos- tumes, ritos e festivais, ao direito originario"e, juntas, todas essas manifestacdes sdo vistas como constituindo signada tipo € a vida cami CONFORMISMO EResisrenc1, ‘uma totalidade orginica ~ a Kultur d tura do Povo) que Herder opuata sk ten (Cultura dos Instruigeg wae Volkesgeist, Espirito do Povo © povo romantic — sens comunitirio, instintivo, emotive, iach tural, enraizado na tradigdo— nase de maton ek ticos, intelectuais e politics. Entecamente fn posta do Romantismo ao lassicismo.a nowla da ne tureza contra a “arie™. Intelectualmente,¢ 4 rapocca dos sentimentos contra o racionalismo listrater eee volta da tradigao contra o prog ma ace ‘© progresso das Les, do so brenatural e do maravilhoso contra 0 “desencante mento do mundo". Politicamente, &a reagan contra 0 império napolednico, a afirmagio da identidade nario nal contra o invasor estrangeiro: « cultura popular oa © popular na cultura torna:se alicerce dos nacional. ‘mos emergentes. Um escritor finlandés dra. "Ne ‘nhuma patria pode existir sem poesia popular. A poe. sia € 0 cristal onde @ nacionalidade pode mirar-se:& 0 manancial de onde jorra o verdadeira original da alta popular." Eis por que 0 nativismo seri um trago de toda a literatura e arte romanticas, chegando mesino, no Brasil, a se constituir como movimento literario proprio. ‘Com o Remantismo, delineiamse os tragos prin cipais do que se tornou a Cultura Popular: primiti- vismo (isto 6 a idéia de que a cultura popular é reto- ‘mada e preservagdo de tradigdes que, sem 0 povo, te: iam sido perdidas), comunitarismo (isto é,« eriagto popular nunca é individual, mas coletiva ¢ andnima, pois é a manifestagdo espontinea da Natureza ¢ do Espirito do Povo) ¢ purismo (isto é, 0 povo por exce- Tencia é © povo pré-capitalista, que nio foi contami Votes Cu der Gelehr. tendo com orig 9 el, simples, ietrado, His masta Bano wD presente racional e o futuro progressivo (momento das Tustrado numa historia Gnica, homogénea e continua para o [lustrado) so o tempo do ndo-popular, ident fim eas aes cee bat Porém, os casos mais interessantes sdo aqueles nos ener etre eaepery (12) Ch Chas, Martens, Semin. final ds pate mento “vai as elites” para humaniag i" das vanguardas artisticas), inlzi-las (cis 0 py marxista se diferencia da Romanticae da hee Oden de lac, Ouse a aM, fistrcbime mecaseee mee ae a Chtivia ste de unde es tat Corona ce potsutces suet Msn Todnte scones eam esp inays sobre ar elagbsSepelers scant es Goienomens da ceencs fds bone. proce al peeked as ps as representagdes, as normas ¢ os valores slo priticas a dominates ¢ cena Poets Sts para Gramscl'sfegenon cua aa 0 Bese ore eee ota ea complexo de experiéncias, relagdes € atividades cujos (19) Watiams, Ro: item. 2.86 limites esto fixados ¢interiorizados, mas que, por ser Jimjo que ideologia, tem capacidade para controlar a auar mudangas sociais. Numa palavra, € uma faiuis eum processo, pois se altera todas as vezes que ere ndigaes historicas se transformam, alteragao in. kpensével para que a dominacao seja mantida. Como iitura numa sociedade de classes, a hegemonia nao fapenas conjunto de representacdes, nem doutrinagao e manipulagao. E um corpo de praticas e de expectati- ‘yas sobre o todo social existente e sobre 0 todo da exis- téncia social: constitui e & constituida pela sociedade sob a forma da subordinagao interiorizada e impercep- tive. ‘“Uma hegemonia viva € sempre um processo. Nao & seno do ponto de vista analitico, um sistema ou uma estrutura. E um complexo realizado de experién- cias, relagGes, atividades com pressies e limites especi ficos ¢ mutéveis. Na pritica, a hegemonia nunca pode ser singular. Suas estruturas concretas s8o altamente complexas e sobretudo (0 que é crucial) nao existe ape- nas passivamente na forma da dominagao. Deve ser continuamente renovada, recriada, defendida e modi- ficada e € continuamente resistida, limitada, alterada, desafiada por pressdes que nio sio suas. Nesse sen- tido, devemos acrescentar ao conceito de hegemonia os conceitos de contra-hegemonia e hegemonia alterna- tiva, que sao elementos reais e persistentes da prética (...) A proeminéncia de alternativas politicas e cultu- rais, ¢ de iniimeras formas de oposigdo e de luta, & importante nao apenas em si mesma, mas como tra- G0 indicativo do que um proceso hegem@nico deve operar ¢ controlar na pratica. Uma hegemonia esta- tica, do tipo indicado pelas totalizagdes abstratas da ‘ideologia dominante’ ou da ‘visio de mundo’, pode isolar eignorar essas alternativas e oposigdes, mas ape~ nas na medida em que haja funcdes hegemonicas ca- Pazes de controla-las, transformé-las ou até incorpord- pee UL SC rater ns marge he, nna de uma dominagao imutavel. Todo Proceso he; =i ponder as alternativas e oposigdes que qiesicege Metin dass Nea tural deve ser sempre capa: de incur ox eyorteg¢ rie eg ae ans fcito fora ou ne margem do tena ea specifica.” Eis por aue Grams poe pensar em temos erie de hegemonia (como no cao de cmegen Sh fascism, na Talla) e de conta heen da aed Sua contibuigh tebrica mas deisie fem dite 4 claboragao do concsto de nationalpopular> ine lamente usado peas esquerdas bras como ome especie de vade-mecum, ut catecsmo 80 Spo Jor "aparelhos ideolgcon do Estado, perdendo to 0 vigor conceitual, sto € a capacdade de suger pers pectiva aternativasehistorcamenteenazadas pra t compresnsio da Cultura Popular. Uma das idéias instigantes contidas no conceito de contra-hegemonia € a de que a oposicio, a resis téncia, a defesa contra a hegemonia, de um lado, ¢ a cumplicidade, a interiorizagao e a subordinacio & he- gemonia, de outro lado, tornam impossivel manter tanto a perspectiva Romantica quanto a Ilustrada. De fato, a perspectiva Romantica supve a autonomis da Cultura Popular, a idéia de que, para além da cultura ilusirada dominante, existiria uma outra cultura, “au- ‘téntica’, sem contaminacao e sem contato com a cule tura oficial e suscetivel de ser resgatada por um Estado rnovo € por uma Nacdo nova. A perspeetiva lustraday (14) Wits, R..op it pp- MATS. pibamens, (13) C1 Chau, Marina, Smid... 0h ci PP-AT MARILENA CHAU ™ seu tumo, ve a Cultura Popular como resid riri desteito pela “modernidade”, sem interferir we spraprio processo de ““modernizagao”. Romanticos Piestrados pensam a Cultura Popular como totali; Gade orginica, fechada sobre si mesma, e perdem oes. se iat as diferengas culturais postas pelo movimento historico-social de uma sociedade de classes, “Tentaremos, neste trabalho, aproximarmo-nes da Cultura Popular como expressio dos dominados, bus. cando as formas pelas quais a cultura dominante & faceita, interiorizada, reproduzida e transformada, tanto quanto as formas pelas quais € recusada, newada ce afastada, implicita ou explicitamente, pelos domina- dos. Procuraremos abordé-la como manifestagao dife- renciada que se realiza no interior de uma sociedade aque & a mesma para todos, mas dotada de sentidos ¢ finalidades diferentes para cada uma das classes so- ‘ais, Consideraremos os processos em que as diferen- tes classes sociais se constituem como tais pela elabo- racdo pratica ¢ teérica, explicita ou implicita, de suas divergéncias, de seus antagonismos ¢ de suas contra- digses. Isto significa que, diferentemente da perspectiva roméntica, da ilustrada e da marxista “ortodoxa”, ndo tentaremos abordar a Cultura Popular como uma ou tra cultura ao lado (ou no fundo) da cultura domi ante, mas como algo que se efetua por dentro dessa ‘mesma cultura, ainda que para resistir a ela. Cremos que a impressao de dualidade cultural surge quando nos deparamos com as expresses acabadas, com 08 “produtos culturais” diferentes, mas tal impressao se desfaz quando analisamos 0 movimento pelo qual 0 ‘acabado foi constituido. Nossa atencao estaré voltada Para manifestacdes dos dominados em uma sociedade autoritaria e por isso nos aproximaremos da Cultura Popular como cultura plebéia, no sentido que 0 Direito Romano dava ao conceito de plet : dos de cdadantae gue se acon e f0 depry ses dia, emer se para penetrar no universo dos direitos Baie culturais explicitos, He polis irr raat sconce care roe ria (o jogo interno do conformismo, do ineunfor- © Popular e a Massa Sabese do wc aes “eed Sa eae eateh Onato te Tru ue amen ec seal od omnia eras Guerra Fria e do macarthismo, das piruetas coins: Togicas de um Popper (para quem toda inlertre atic ia «Sac wena seme com at x» MARILENA CHAUT ma de suas formulates orfodotas na. obra de Da gue cesta formants nO Fim ds fdcafogng St Bal, particulate tahun: Anottode eat i as ar ero itemino. dar laces See, Bere ee a cabrsoltean coe das conrad 3h de casero fim oes oe, et cae ore real o aonho da democtea, se em ate sos podem ser Feduncacs eral, onde oe Gusto: ene stupos'e ndsiaaas ett ates coma ollie eniin te ee et se mda pienso wares rn: Ne ite da"soetedade de masse ihe Deira de thane’, expt da demorecla cots turn plo mets de comunicaco, sibel es Uaibendae Se pensamentoe de enprestoe dx lene tanepareni informa Na pole posta ere oimisme tetrico polio, ‘encontravam-se os frankfurtianos, Adorno, Horkhei- sncon noun, aravende os concotan de “indestu me cafe de “cataraabminotrada’s O Pano Se sa as rshexiet de Alorea © Hkherter ert tooo aaeiascig, case tole com so cor tejo terrorista e irracional. O pano de fundo das elabo- ‘iin de Marcuse era.a burbirie da socedade Ge abundancia e do desperdicio, regida pelo principio do (16) No penssmento norteamericano 0 conceito de iMeslogie & ‘extremamente curio, Por lado efetese a todo qualquer sedria bu counts de ieae, valores e norma, possuindo um sentido basis: tientepsialgicn ou explicinel pela priclogia socal. Isto esth a See aidela ental da idevlogia como imapinirio social destinado & lepimar formes de dominaeio. Por cut lado, visto que a cincas tial norte amencaas sto atomistaseanalitieas (seus objeto G0 in ‘wos e gros, jamais clases e jamais uma soviedade como am todo Tistrica) or entstas eo senso comm tendem a identifica deolop © totalitarsino,desrte que extent apanas tre deslogias: © nazismo. © Tassimo eo comunisma, Nunca poeriam fmaginat, por exemplo, qe © Iiberaisen também é ume ideoogin. Alesse apicn com rigor 0 CconPomssMo F ESI ECA » incuindo 0 tempo gusto‘ ranporien, re de M4 4 ingore das mulheres cavadan sho ser 1s heave Cundado com om fon On 64:8 vet onpias,apoentadona, coches — sends Pa adon favor © concen esata, Quan ei: tele um estudo sobre leituras feitas por operinas, cies Bei werficon que a maiona das mulheres case ee esr let, man que clas no podem realizar exe da tr absoluta falta de tempo, em decors Gx dec Mada, por Taina, que a far adormecerem Sarit Mrow erevintas, por deficiénca visual cavtada sore fnsagoe pea rota 6o Serco fab, ela falta sein camnos inanceiron para comprar lintos,Fevstas€ a £ uma sociedade na qual a estrutura da terrae» oda agroandosinia craram no 30 feD sa sagragao, mas figuras tovas na Paisage Soe Meitpoe on sem-terra,volantes, ovas fas, dianstas seek arm de tabaiho e sem as minitoas warancas EENintas, Trabathadorescujajornada se ica por vite dan és horas da mand, quando se colacar & teira das esiradan a espera de camunindes gue sto abioa to tabalho,¢ termina por volta das vis horas Gn tarde, quando slo deponiaso de oita& eire das SEAMS devendo farer longs traeto ape ated casa Freqdenicmente, on eamintes se encontram €81 Riss comighes e to constants on aevdentes (ats Emr gue murrem devenas de tabalhadores, sem que Stas familias recebarm qualquer indenizagae,Pelocom tran pura subsnur @ morte, um novo membre da familia crangas ou mutheres ~ sto transformadon fm von yates Bla fru porate swe orca fle Seon enue as dda manbhe aes da otie — costa de ina vache de arma one banana, }4 tron, pois pre sev horas de dia. E nem sempre © ‘ona fra, 8 gue mo implantay Z samen cn se conden don demais, no MOMENID da refi humility uaedade que nfo pode tolerar 4 rmanifestagho explicita das contradighes, justamente mente eites« digo stint Fe te arch ie de wll, sue strevs da site Mi "confine interevce (A mancien, inate is Ube: Pela Gontraro, & uma soc Ga due dominante cxorcinn © hostte Ut eats ceguahte is Wesonla ga india cand asnstailt pele aval a etlture' pom fears spropriada ¢ sosorda pelos Joatnanies Wind dovaronst popular Troe nara 1 Falidade das contradiches se ex prose to mode como a case domiaants brasicia Tian stenes deere ine cue nunca ¢entendida como resultado worms inesoe oe be tram rsifestan pel bracing ae pam et Wah tale puimamente A cme € sempre comerida bo fea orale rei ence im vvialepollica Cootra a “iraciomalidade”, a classe dominante dernuagSo"), a8 tecnok odes Seay RRDERAdO Sempre pela: manifestag ko SPI Os las populares. on dominantes parte Soe na fo AAEDIES “responuévers pela subversdo”, pacegiutlam & aca bs brutas que ameacam 2 "PAE eng dt uoido. da lamina brasileira”, Fifa 3.0. "ca" a classe dominant invoca & velvacdo nacional” A "undo da fa DAO) © "Salvacdo nacumal wor nral $9 espace BS Raconal” condusem, via de TERT: CONFORMISMO E RESISTENCIA 7 = a i is do estabelec: ico ta gual nivel, a cicadania esta te taco poliuea, tanto com como direiioa ser representante Sie Tein vewumnd lugar, com exigéncia do estates mento de qarantias indisnluass, seats, cones Politicas.e culturare cujas hnhas gerars define 9 recton a sem cone eta Neste rive 7 pendéncia © Vand tad de direato onde vite ado € respievtados € 0 direite 2 Enfase recas ssbretude na defers da ind Poster Ju fa eidadania es ‘aon diretton ¢ hiberdades cP. cee Guar, somo exugencia do ertabele e MARILENA CHALT mento de um novo modelo econd Gistrbugdo mais justa da renda nacionsy soe aque nfo sb se desfaca a excessiva concer icra! Bodo ‘queza e seja modificada a politica social ange f mas sobretudo na exigdacia de que a claccer S82 Ihadoras possam defender seus Interescen gta tanto através dos movimentos soclais, sindicas tS epinionibica,avanto ela artcipagdo dine ge deces concerns is condigdes de vide e de tates 30, Neste nivel, @cidadania surge como emerteeen, s6cio-plitica dos trabalhadores (desde sempre seca dos de todas as praticas decisorias no Brasil) ¢ cont aves dust aca econtmica see Assim, representagio, liberdade e partic codices cutie amplaram « quesido da cidadana,fazendor pasar do lao plo institicona ao da sce dade come um todo, Quando se examina o largo espectro da i. 1s ppuiaes, noe dtimos anos, pode seobservar be 4 noidade desis lutas we localiza em dois reestres Dens. Por um lado, no resto paliio, ‘thuta ti ela toma do poder identifiado com © poder do Estado, mas uta pelo direito dese organiza pal Sesmens'¢ de aricipar das dees, rompendo 4 (Crtzalidade hierrauica do poder ‘autoritério. Por ou- telad, moreso soil, observase que as ltas mio ‘ecomenram apenas na defen de certs distoe 08 ta su conserardo, mas sfo Tuts para conquisar © BeBe eto cidadaniac consuirae come nto populares doe even visivel nos movimentos to are. Reatatinds Babi in 2 interior desta soi mina alguns aspect da cea Que deseiamos exa- a Cultura Popular como rea CCONFORMISMO E RESISTENICA a cia que tanto pode ser difusa — como Regia. do humor anfnimo que percorre as eres populares, nos erafitisespalhados pe a cidades — quanto localizada em actes 3 spas. Nao nos referiremos as agdes deli ou Bjatencia (a clas nos referimos generica ¥ gal do topico anterior), mas a praticas do- na jgyca que as transforma em atos dé Te ia. Resistén ‘mente NO tadas de Une sistencia, Durante os anos do “milag inconteste a ge000 quando reinava iitica do Brasil-Poténcia Emergente, incorgo decigia moderizar (essa era a magica do pe vimaria, sobretudo a rea de alfa- iodo) a educacao Hotincko de criangas, adolescentes ¢ adultos, para tise gs novas exigéncias do mercado de mio-de atone ates que surgisse 0 MOBRAL, de triste mem ria, apareceu 0 SACI.” ‘Gm convénio entre centros de pesquiss aeroesPa- ciais brasieiros e norte-americanos, a Universidade de Stanford, o CNPq e empresas multinacionais elaboro Sn projeto de educagao nacional via satélite, 0 Proieto SACI. Como o custo da implantagio do projeto em ct Sak lagcional era excessivo, decidiu-se implantéo sagnas em um Estado da federacio, o Estado do Rie Grane do Norte, pomposamente batizado de SACK’ EXERN (Satélite Avangado de Comunicagbes Tn'et Hesintnares/Experimento no Estado do Rio Grande do Norte), Por que no Rio Grande do Norte, o Estado mat pobre ua federacto.e no qual as escolas regulars (6 taseas) quase nao possuam condicdes para fan {as professoras, por falta de material escolar, sere: (2) Pana deverit, anaes interac 9 SACUIERSE ve ee Sora en Deere, Ede oleae Santos, Lame Gxramente val, $80 Pane, Brent ‘set MARILENA CHAU E palma da mio eas criancas as repro. samaniet feat Paraue fl no Rio Grande i eso teve, 0 inicio dos anes, Fe ao ae ems, nto Populat Bava o 0 Mosimento Freie. Assim, © Novo Projeto devia atadn de Poets a finalidade de spagar da meméria inlet Politzadora dos an0s anteriores, A ‘eee foi poltcorideolégica. vimplantagdondo se fez sem problemas téenicos: authinde letcidade para a instalacio dos tele foe devas ac de sass de rode e sara transportar os aparelhos eas baterias se malimentilos ete. Vencidas as dificulda. Eateries inciouse 0 fracasso do SACI. Baseados em moderns téenicas behavioristas de aprendizager, nas pscologias da "motivagao", numa linguagem audiovisual no estilo de Sesume Street e de spots publiitrio, 0s planeiadores, faseinados pelas tEeicas sistémicase, como observa Garcia dos ‘Sane tes, "muito proximos do prolissional dos institutes de pesuisa de opinido, encarregados de farejar"truques necessirios para se eriarem consumidores fis”, dive dian a transmissto dos programas em médulos “sé fos" e “cOmicos", estes encarregacdos de produzit 0 “relorgo” daqueles. Como, do ponto de vista sist nice, a sciedade é unidimensional e indiferenciada, os homens do SACI testaram os primeiros programas aus ctangas de Sto José dos Campos, cidade indus tral € Sto Paulo, cerios de que eram idénticas a8 Fie €408 adolescentes do sertio do Rio Grande 1 Norte, comoas de Sao José dos Campos eram i Ska de Palo Alto, California, par pilzmente,o*reforgo" nfo... reforcava. A cul Kenran eT %80res, respondiam os modernizadores ro) ery POU? “modernas” (“tradicionais", mes "Sram Incspazes de “motivar™ os alunos, Vio E ‘CONFORMISMO E RESISTENCIA fe lando as regras do saber sist@mico, os planejadores de- cidiram fazer algo inusitado: pesquisa de campo! Em. bora convencidos de que os problemas eram apenas técnicos, os programadores fizeram répida verificayao para compreender as causas do nto-"reforco”. Sur. preendidos, descobriram que a noglo de comicidade (claborada em Stanford e testada em Sto José dos Campos) no coincidia com os padres locais e que, ‘além disso, as condigdes de vida da regido eram de tal ‘modo tragicas que o riso possuia um sentido muito es- pecial para a populacdo, nto sendo oferecido a qual- ‘quer banalidade. Evidentemente, como nao se tratava de entender a populacdo do Rio Grande do Norte, mas de alfabetizé-la, os médulos “cémicos” foram supr ‘midos € 0 nivel dos “sérios” foi baixado, para adap- tar-se A “baixa inteligéacia" local. Entretanto, novos problemas aguardavam os pro- gramadores. Descobriram que no conseguiam avaliar (0 resultados do trabalho, ao final de um periodo de- terminado, Mas a razdo oferecida pelos modernizado- res foi simplesmente fantastica: alegaram nao ser pos- vel a avaliagao dos questionarios distribufdos porque 3S respostas ndo sHo objetivas, ndo se ajustam as per- guntas feitas porque as pessoas dizem 0 que pensam eemitem opinides”. Assim, a impossibilidade da ava- liagdo decorria do fato de os especialistas terem de en- frentar o inesperado © o imprevisivel, isto 6, que os po- bres lavradores do Rio Grande do Norte pensam e opi- nam. O fato simples de que a populago pudesse pen- Sar, opinar ¢ julgar segundo seus proprios padroes in- Viabilizou a "avaliacio cientifiea ou objetiva™. Porém, o que determinou o cancelamento final do Projeto SACT foi a atitude geral da populacio no uso de radios ¢ televisores. De fato, a populagdo ligava 08 aparelhos para ver e ouvir programas de seu interesse (esporte, novelas, programas de auditorio), além de usar as radios locais para a transmissio de mensagens « MARILENA cHaut de uma regito para outa. Com ist, a8 bateriag alimentavam 0s aparelhos (distrbuides ere g® BI at net pra SACI, ridiose televisores nto funcionasae ‘Temos ness episdaio um caso cnemplar de rex, tai popular de una comunidad Os epencg ce Feistinca slo exemplares pelo menos pelos ag et ttivor: em primero ugar (como veremos deste estado), a populacto trabalhadore brestae liza bastante weducacao escola on formal dena que a atitude do Rio Grande Jo Norte no ey oe? usa daescoarizasto, mas de uma forma de cure, au Ihe fo! imposta pelo Estado. Em segunds ness Populagdo nlo criticou o projeto, nao se ope ake mente a ele nem propos um outro para substan, tio se “mobilizou” (como gostam de dizer ce een. {as politico), nto enfrentou os governantes (nu eo, frentamentodesigual e que seria mortal para ela) ote, plesmente nao deu ao Estado o gue o Estado pedi, isto€, apoio, adesto, cooperagao. Em terceiro lugar, & Populagio no recusou a modernidade", pel conte Fo, usufriuos radios e televisores, itegrandovos ems seu proprio lazer, mas determinou, pot sua prépria conta, oque deejava ver ouvir, Ainda sob a egide da "modernizagto”, fo im- plantado no pafs um plano nacional de habiiagdo po- Pular, sobretudo para controlar a populacdo urbana uecresceu em conseqdéncia das migraydes. Visto tra tarse de “casas populares", os planejadores do tado riaram conjuntos habitacionts para 0 “Dove ou ara a "massa". Nao 36 0 material empresa er 4 péssima qualidade, nem 56.0 uso do espago fo 0 Dior pessivel e o menos imaginativo, como. também Brevaleceu a ida de uniformidade ou de homogene! dade: © que nio€ surpreendente numa sociedade a tira, como a brasileira, na qual se supoe. QUE @ individuaidade € um fendmeno existente apenas € ee CONFORMAISMO & RESISTENCIA ° Para “>baixo” no ha indi- elated foe ; ae ect alee cunt pede on a tte erences ace te eo oan ae eae eee ene fac fee este eae eae a ie ae Ps ae Tel ce re eigenen gee oat nase anie cateeeate: Her Sica er ono sere neplene res mee sia ented oontsanaata ec ta aeteets patient ot sapere egw come cet boepencat alt asa omens ar aa Magnani, descrigdo € interpretagio do significado sim- efor "Sto dois os elementos constituivos do ‘pedaco’: um. ‘componente de ordem espacial, a que corresponde ‘uma determinada rede de relacdes sociais, Alguns ‘pontos de referéncia delimitam seu ncleo: 0 telefone Dabo, paar, alguns bart a ast de cmt io, 0 ponto do ‘buzio’, 0 terrero, 0 templo, 0 4e futebol e alguns saldes de baile. Os bares sto se mais nada lugares de encontro nos fins de semar ‘ou apés ajornada de trabalho antes de retornar A casa (G.) ensejam longas discussbes sobre a sltima pa de futebol na vila (..). A padaria, outro lugar de en ‘contro, funciona com bar, supermercado, lanchonete, Lp — Manta CHAU vrai se ane atte saree pee a ae fe fer cee apt Son 8 Grand), anunca-e a cheaads de slum cco Neuse em abaseinen cl ene tba” Rona seine iste {eee soem obrgatiria. NBO basia,contudo, scene la Searle ede rasan fey no lad Sue Sere ce genie Reema seaman aise Sy casas aac ete anole beter me osteatcl & IS Riedie Spe Gnceiac mabe Site ene wee pe Sipe ky lad tt Sr Stn se Spt losers wn a i SESSTA o Sac t Sa RRA PRN pcca ns Seo me eth sh ee es SoReRS Soe aatoate te Se merci ol ca ese Siento sorceishe Vala tevin utes nae o finsiae akc finda pn cece wee aa ea a sect eri Soe sti gata Shoes. A at iatvdade do merado de trabalho setatelcresr eran et, Scr eye mene ts, one Steyn Be rotseria, confit ‘Piers, mulheres corres reanre : engaos io, Dena fora ¢ png permitindo o estabelecimente de reacbes wah penn Mleadnee Sunde ger occas ne Tetrion encase on, Seitatocsunshollagte dad bakes Sienna feereco tens dcneeteeae Seva pate ee eee ice testi doiompratoo es eae be eae tin ellie ts eset ae fou scan Cootenres aeons ercamnite ca guste eae eee pete ceetnmmence cant ‘oe Gnomes gue pron ex ees as terartena scalar tated tics Gees aes Soin Saaeaa eyed Sittin pone telson te ene Quando se compara a periferia com bairros ocupados Paro perme nematic’ ‘6 rar cons nde ey Manele dace amon aseuctase waatn Srtaciaaces i hes seco eam herder ee arias claret Sande cebu econness ets Se cana cea a tesserae cones Se ee ee ae ee caeveee ets ams mcr eee eee clan ae mane steer i 1 mS ec cea case cates alana Fe ie eeatdaa’ 1) Magnan, Festa mo afte, St Pel, Brass, tous, fo ET Peas ae pene tm Mend tue, Fas 4 ales ds Ou Sho a Brien asssnn tad! » ; sais e econdmicas da so- ote as instil or gades dos longos per ciedade global, e0te ( 4 casa, entre o medo dos 40 trabalho © 3A pitrariedade policial, entre assaltose, sobretudo, 02 1° srteira profissional e as Sidcto abet oe esas as de expera ou numilhasdes coos servigas pablicos, entre o es- diate dos ei ador da grande cidade © priva- aco bmi casa,» populagdo da “periferia” cria um dade do ao qual os simbolos, 48 NOTMaAS, 0S vax Fare experineias, as vivéncias, Permitem reconhe- arse pessoas,estabelecer lagos de convivencia e de so- Giiscuade, reerier uma identidade que ndo depende so vamos ver quem & mas fre.) fazer isso ai." (Fatima) pte cerad “E falta de justica no nosso pals, que se nbs tvéssemos ‘uma Justica pra fzer justica pela clase trabalhadore, conforme nbs, tava tudo resolvido ..). Eu acho que a falha mais grave neste pais é a Justia (..). Sea Jus. tiga fossecorreta eu ndo apelava pra ninguém, 6 ape- Java pra Justga, se a Tustiga fosse correta, mes infeliz- mente, ndo 6.” (Domingos) [Nesses depoimentos, nos quais o elemento expic- tamente religioso esti ausente (com excegdo da fala final de Regine, quando diz queso hi Deus para quem apelar), guerra mundial, revolugHo, greve acral, © cequivalem, porque através delas uma nova ordem & vislumbrada como possivel, uma ordem na qual a "ustiga fosse correla, favorecesse aos pobres tanto ‘quanto favorece aos ricos. Mas o sentimento milena- Fista transparece justamente porque guerra mundial, revolugdo ¢ greve geral se equivalem, s4o 0 desejo de conflagragio universal que colocaria the world upsi down, para usarmos a expressio dos revolucionérios ingleses do século XVII. “Também esta presente nos depoimentos um outro sentimento de inspiragdo milenarsta, qual seja, @ unito de todos os oprimidos, de todos 0s fracos — “todo 0 povo wnide”, “todo mundo junto”, porque se sabe que “um sozinho no pode fazer nade". THé também nos depoimentos 0 sentimento do “im dos tempos”, daquilo que Walter Benjamin de- signou como 0 “tempo do AntiCristo” que o cronista recolhe (contra as escolhas “objetvas” do historé- grafo) — & 0 "porque vai chegar um tempo em que {odes nbs vamos se revoltar", em que alguma coist terd que ser feita “perante ele” (o poder) ¢ em que a mudanga seré radical. Quando se tentard “primevo através da justica” € quando isto nto der MARILENA CHAU ° , seré tentado “na pritica, na mao", Pep, reidtumbem que © momento da conflagracde e-Fidocome um campo polarizado, um campo que Persp eta dividido, pois “eles” vAo querer “fazer ge Jello deles", mas estando todo 0 Povo unido, entao se veri "quem €0 mais forte”. Eirrelevante, aqui, argumentar sobre as diferen. casentre greve, Fevolucdo e guerra, isto é, supor, como ‘Sostumam fazer as vanguardas de esquerda, um’*atra, fo du consiéncia", pois 0 essencial € o desejo de me, danga da ordem total do mundo, a busca da justiga e a ‘utopia do “todo mundo unido”. Como também é irre. levante, aqui, argumentar que a Justica ndo ir fave. recer os pobres porque na sociedade brasileira ela exi tecomo privlégio dos ricose obedece &logica da socie- dade capitalista. O essencial é que todos os depoimen- ‘tos percebem que hé ‘“falha da Justica” e é essa falha ue suscita a ebeliao imagingria, E importante obser- var que os depoimentos definem 0 instrumento da luta — 4 paralisagdo do trabalho —, 0 adversério — “revo- Iuglo é todo mundo contra © governo” — © perce- ‘bem as aliangas de classe — “vao querer fazer do icito dees”. E estabelecem os objetives da luta — a Justca Também nio & casual a utopia do “todo mundo fica dentro de casa” ou a iia da “greve banca’. Os trabalhadores brasileiros conhecem 0 peso da repres- so que se abate sobre eles toda vez que contestam 0 estabelecido. Como transparece na fala do pedreiro Jodo, um dos construtores de Brasflia, recordando gre- YES & inicio dos anos 60: “*Muitos sumiu, sumiu mui- ‘es, num sei. Diz que mataram alguns por ai, num sei. tros diz que levaram num sei pra onde. Muitas onde eiembranca do terror ganha cores de apocalipse de pete do Anti-Cristo, para usarmos a linguagem de Sa petit: Eo que ouvimos na fala de um béia-fria ‘aulo, narrando ‘acontecimentos que Ihe foram ° ‘CONFORMAISMO E RESSTENCIA transmitidos pela meméria de trabalha: ores velhos: = “DA medo de vr wa aca mai, een odes ¢ {que contavam isso. Que as criancinhas montana fe Guth ime ee joie eieearan pein, Be ieee odio, sla cosh Alcs aueraenegaame Hoveoeen, Supet eeesennens Sta Seb comentn Adi quemnends aah Sesto stor Que Se oes nae pone ielgelgheeraente Quando a forga do adversirio & percebida como onipotente, ainda que se saiba de onde ela provém — pois todas as falas, ao prosseguirem, deixam claro que se sabe que o poder dos governantes vem do poder dos arandes ou dos ricos —, no s6 € preciso que os fracos estejam “todos unidos”, mas também que seu anseio dde mudanga nao seja causa de carnificina e destruigto, O que se busca é a Justiga e nto a morte, ‘A mesma busca de justica pode ser observada em quase todas as priticas das religides populares, no Brasil. Essas religides se oferecem nao s6 como palia- tivos para as desgragas reais de um cotidiano perce- ido como sem saida (o famoso “épio do povo"), mas também como elaboracio realista e consciente das ad- versidades do cotidiano, funcionando como pilo de resisténcia numa sociedade onde a cidadania foi recu- sada para a maioria e onde a opressio € a regra da existéncia social das camadas populares (voltaremos ‘0 assunto quando examinarmos as ambigidades da Feligiosidade popular). sim Or Preset Ei (12) Stole, Verena, “Enea Vote iO es, Rio de ante, Pane Trta/CEBRAP, 1975, 9-82 é MaRILeWA CHAT ‘Um primeiro aspecto da atitude religiosa popular ‘a relaghointrinseca entre a crenga.e a graga, isto a fe busca milagres. O que se pede a Deus aos santos, {bu aos orixis € exus, 08 408 espritos de luz? Pedersen ura de doencas, reiorno A casa de um membro desat parecido (marido ou esposa infigis, filho delinquents, fiha prosttuida), fim do alcoolismo, emprego, mors, dia, regeneracto de algum membro da familia, O ue fexpressdo de Duglas Monteiro, € a referéneia ts dest sravas do cotidiano, ¢ 0 que se pede & que a vida nao “seis tal como &, Todavia, aqueles que coahecem a si {g_tuaclo da medicina brasileira fortemente classista, a. j ‘patente neste “sistema de gracas”, para usaemoe s tamente dispendiosa tanto no prego da consulta mé. 3 ica quanto no prego dos remédios ¢ dos leitos de hos. pitsis) ea humilhagdo a que os trabalhadores s40 sub. ~ metidos nas filas de espera do INAMPS (muitos mor. £ rendo durante a longa espera), além da explorago a que sto submetidos pelos convénios entre empresas e 5 hospitais, hi de convir que nao é por mera alienagao, 3 mas por perfeito conhecimento de causa e por reco: ‘hecimento da impoténcia presente, que se pede a cura ‘através do milagre, pois, caso contrario, a morte € ‘certs. Quem conhece a situagdo de desemprego, su- bemprego, alta rotatividade do emprego, exploracdo dos salirios através do FGTS (Fundo de Garantia por ‘Tempo de Servico) edo FINSOCTAL, ha de convir que ‘lo € por mera alienagao, mas com pleno conheei- ‘mento de causa que se pede a Deus ou a intermediirios ‘lesteseinfernais auxilio para a sobrevivéncia Como observa Carlos Brandi, ® contrariamente ‘0 dogma catdlico oficial ou & teologia romana, para a wal o milagre & acontecimento extraordinario que y 0 an cou. 19, pp ETRE ©: BOs Dewses do Poo, Sto Palo, Brslins, ‘CONFORMISHO ERESISTENCIA . rompe a ordem natural das coisas, gragas & vontade onipotente de Deus, nas religises populares o milasre Erotina simples, fidelidade mitua entre as divindades ‘¢0s figis, com ov sem ajuda de uma igreja ou de me- diadores. “Ele nio € quebra, mas a retomada da ‘ordem natural das coisas’ na vida conereta do hel, da ‘comunidade ou do mundo, por algum tempo quebrs ‘da, ai sim, seja como provagdo consentida por deuses € ‘santos a0 fiel servidor ou justo, seja como efeto da invasio direta das forgas do Mal sobre a ordem terrena (.) 0 milagre é, pois, um acontecimento necessario, cessive, rotineiro.e reordenador ...).A rotina do mi. lagre faz’ com que, em qualquer érea confessional do dominio popular, uma grande parte dos momentos de ‘raga pessoal, familiar ou comunitiria seja para pedi loou para agradecé-lo.” s pedides nilo sio feitos porque se escolhe Uma via religiosa, mas se escolhe uma via religiosa porque. se sabe que, no presente, no hé outra."E isto deter- ‘mina um segundo aspecto da religiosidade popula 4 aceitagdo simulténea de uma pluralidade de erencas aparentemente incompativeis entre si. Na busca de uma grace, o individuo se dirige aos santos catélicos, accita os rigores da ética pentecostal, vai ao terreiro de ‘umbanda ou candomblé e consulta um médium espi- rita. Freqientemente, um conflito se instala entre os figis e os dirigentes (sobretudo os das igrejas oficia como a Catélica e a Pentecostal), uma vez que a plura’ lidade de crengas exprime a fragilidade do controle social através de uma das religibes ea resisténcia im- Dlicita dos figis a esse controle, na medida em que or- Banizam seu proprio sistema de crengas e devorses, como tem observado Rubem César Fernandes. Além disso, uma peculiaridade dessa religiosidade é a trans- sressio. De fato, do pont de vista das religibes bran- ‘cas cristas, hd um esforgo para manter o milagre den- {10 do controle da hierarquia religiosa e, no caso do — a MARILENA CHAU exotic ume par ina om panto de san. Tce, Prém, existem Sempre 0s ‘companher. tro" expressto do catlicismo popular devo. 05 date 6, espirites e entidades miraculosas que sional, tpceri a0 panteo oficial © escapam do con tae cal da hierarquia Feligiosa. Eos fis ndo hes {ant buscar eses "eompanheires do fundo”, trans. snjoosmarcos da autoridade religiosa constituids, ‘Também € clara a oposigdo feita por catdlicos ¢ protestantes aos culos afro-brasileiros, considerados Tragia,superstigaoe “obra do deménio”. Essa oposi dloenire a “religito de Deus” ¢ as ‘obras do demé- bo” parece ser aceta, sobretudo pelos pentecostalis- tas, mas isto nfo excl a possibilidade de um fie re- corer aos “tabalhos" de exus e orixds. Assim, por txempl, pode-seconsiderar que a infidelidade conju. fl fo causada por um “trabalho” de macumba ou de ‘Umbanda e, em consondincia, ao mesmo tempo que se pede a Deus — através da “religto de Deus” — 0 re- tomo do cdnjugeinfiel, também se encomenda um “trabalho” — através da ‘obra do deménio" — para alastar oresponsivel pela infidelidade. Dessa mane: culo que & separado e excluido pela autoridade asa, €reposto e eunido pela pratica popular sob 4 forma ds complementaridade ¢ da simultancidade. Areligiosdade se realiza como uma forma de co- nhecimento do real, como uma pritiea que a mesmo tempo reforea © nega esse real, combina fatalismo (conformismo) e desejo de mudanga (inconformismo), igre sendo sua pedra de toque. Elshorando uma justificagdo transcendente (des- moira, carma, predestinacdo, providéncia) pa 4 religdo converte 0 acon sa se encontra num passado elas liturgias) ou num fu- as continuamente esperado pelas lia linha do tempo (chamando-a tino, ue se passa aqui e agora, fecer em dever-ser cuja cau Jonginquo (mas reiterado tro iocainivel ‘eoticias)- Ac amp ‘CONFORMISMO ERESISTENCIA a Oa eee sea et 9 epee see ree monn swig ma mtg do mune eine ty sone mes rl i iy aut Ari aaa, Neyo De roe opus, Deas Evade nt ide haa ae gin teri Seen cue our owmeueros oe ee re cae Pressiio € protesto contra @ miséria real. E o lamento Sea sees acme a ‘em critica politica (...). A religido é visio invertida do Bee ee ee aes Tmundo invertido”. Afinal, “vai chegar um tempo em que todos nbs vamos se revoltar”. (14) Mare, K., Criigue of Hegel's Phiesopy of Rah. Cam bridge University Press, 1977 pp. 131-132 oe Ainda o Nacional eo Popular 0 Estado e @ Cultura Popular “ew organize o movimento evorientogcarnaval ev inauguroo manumento zo planalo central dopa Caetano Ev 1982, o Ministerio da Edueacto ¢ Cultura apresentou um plano trienal para a cultura ea educ ‘glo cuja novidade encontra-se no fato de que, pela pri meira vez desde 1964, a Cultura Popular foi incorpo- Tada oficialmente ao projetoestatal. Diz o texto: “Na Area da cultura e do patriménio preciso que se dé lugar de importancia devido 20 mesmo nivel que a educaclo bésica. Duas acentu ‘sées prioritérias se apresentam: uma ligada ao patri- vsnaena ut a ide ‘idade op tstrico, tradurida na necessidade da. ene. nn ria no seu cutivo e manutengto, da vec rntrraco nacionl regional dg cat toda ot de gesenvobimento clued e compra aie an ede coalidade poptiar, nee ta com pion edvcaghocomuritanine soe Se eimer asta Sones ux ee bal Set Segcarar emerglr COMO promotor dos hie Maitre Pesascoraciericam ws nocetidadee Coc, cgaldade de vida da populacho, buscando ai sen a ugtes essencai para autodefiniche eee Merehnocle de deserwolviniento, Esta ropeste ae {2a protundumentecomprometida com « meta pol tun de sovero de democtatzaclo da socidade os ‘aoringto dos processor de pericipagdo comuntisa {ee promocto regional, deve ser analsada ede fpurecendo como elemento constivintee muitas veses ‘dterminante da educasto bisica, da educagto supe, rior e do desporto. O esforgo de envolvéncia comuni- tia, de cratbidade popular e de caracterizagdo re- ‘inal nto deverd se stdculo oo desenvobvimento da Contcincia da cultura nacional, que deve subsists na mmédiae na dversidade das culturas repionais A dren dh export deve aparecer mais integrada no sistema MEC através sobretudo da partiipasao dos dverss seamentos da populagho na pratia regular de atvide des fisicas, de preservaciio e incentivo das atividades fisicas populares identificadas como caracteristicas ‘culturais nacionais e regionais ¢ da organizagao e im- Plementagao do desporto escolar, de forma a integri- Jo definitivamente na érea de educacdo basica”, © primeiro aspecto que chama a atengdo nesse Plano € 0 uso de palavras como “comunidade™, “parti- cipacio comunitéria”, “autodefinigao”, “‘autopromo- {i6", riatvdade", ols sto termos tiados do vor ulti das oposicdes politicas e da Igreja (Teologia da ibertagio). Nao s6 ha empenho por parte do Estado ‘CONFORDISMOE RESISTING a ‘¢ apropriar de um vocsbulitio que foi cons Sis praticas de contestacdo politica e de organtensy ratigisalternativas, como também os autores do aioe, Sq percebem a incompatibilidade entre esses rman Bitrejeto do MEC, isto 6, aiddia de que o Estado ace ser 0 promotor da participacdo comunitaria eda eria: Widade cultural. E que essa incompatibiidade, loves Geser contraditoria com o projeto do MEC, éessenctal Sele, De fato, a pretensto do Estado autortirio ¢r30 So absorver as manifestacdes populares (cultura e ey. porte), mas sobretudo controlélas enquanto seu pro- motor, Esse interesse pelo popular, na verdade, surgiu Timedida que se desenvolviam movimentos sociis po- pulares de oposicdo, tornando-se necessirio conté-los (© segundo aspecto importante do texto & a iden- fificactio entre o popular ¢ o regional, de sorte que a dispersio e a fragmentaglo das manifestagies cult ais populares sejam substituidas pela integragdo na ional, promovida pelo Estado. Trata-se, através do prisma “regionalista”, de converter o popular em pa- trimdnio nacional, dando-the um centro oficial — 0 MEC. “Também merece atencdo 0 fato de que o texto considera importante 0 conhecimento das manifest ‘es culturais popular-regionais como “elemento cons Tituinte da educacdo™. Se nos lembrarmos do fessss0 do SACI/EXERN e do MOBRAL (entre outros), com- preenderemos por que, finalmente, o Estado parece considerar importante a cultura local. Importéncia, aliés, enfatizada, em 1985, pelo Ministerio da Educa: cio a0 efiar 0 projeto Educar, a ponto de chegar 4 pedir sugestdes a Paulo Freire. No texto de 1982, pode-se observar ainda uma rmodificagaio na politica cultural, se comparada ane tiores: o controle estatal sobre a cultura populas como “patriménio nacional” nao se refere mals no fier, ‘mas A participacdo e & eriatividade comunit 0 MARILENA CHAU 6 a interferénciaestaal nto pretende mai coletaecolegdo dos produtos acabades eda git mas no proceso de eriaglo do popular, ean ave seo popular for uma ldgica de pritcee ny tee temporal elocalmente determinadas (coms oe tratando aqui), essa apropriagto € quase woes Mas o desejo de realiza-la existe. Por fim, quang * esporte, percebe-se ndo s6 que perde a dimenste se lazer e de menifestardo relatvamente autonome ogee comers emprte du peaanp, A mene ae ova da asceseprotestante, que faz doesporie ute pat Fieadore uma obrigagdo moral." =e Esse desejo de controlar a cultura popular nto & novo. Foi realizado durante os anos 30 € 40 pelo Es- tado Novo, como varios estudos ja 0 mostraram, etam- ‘bém fez parte da ideologia do Brasil-Poténcia ou da ideologia da “‘integra¢ao nacional” da ditadura dos ‘anos 70, que incorporou duas atividades populares, dando-thes cunho nacionalista para a glorificacdo do Estado: o carnaval (com as escolas de samba financia- das pelo governo e por banqueiros do jogo do bicho, suas mésicase dancas previamente submetidas a Cen- sura Federal e destinadas, ao mesmo tempo, ao incre- mento do turismo e & celebracao do regime) ¢ 0 futebol (durante os campeonatos mundiais, no periodo do “milagre brasileiro”, era criado o sentimento patri6- tico, que percorria todo 0 pais, segundo o qual era “o Brasil” que enfrentava “inimigos estrangeiros", numa espécie de guerra santa; no s6 misicas eram enco- ‘mendadas pelo governo — a mais famosa delas abri o-se com: "Noventa milhBes em agio/ Pra frente, Brasil” — como também as transmissées radiofBnicas € televisivas criavam a imagem da “naglo em luta”, Sa, rll) CHM, KE, apt pare Todos, Sho Pale, BRA (COMPORMISMO E RESISTENCA ” do inguagem belicosse militar na desciho dos usando in reinadoresoficiais eram militares, doe ees cro go con a ance ‘Estado a oreanizagio de um tactes papules Pfpar, a festa do Cio de Belem.» Rao 36 0 ‘acontecimento se converteu em ocasilio de io 6 0,1 edade dos gorernaats (ex parte Stance Nero comore anh xividade), fas sobretudo a estutura do cimente Srnau-se reveladora. As ruas slo separadas ents ja por cordbes poli cords, de odo. as ai ave elas enre a psbe,estando reserva impedes cis, riltareseeclesistcas", além favtoriterraligonas ve pericipam da proviso, gomaenacie russe prague € ocupado pel Pode, oF OSramente separadoc protegido contra a plebe pelt forca policial-militar. A praga, afinal, niio do povo. ‘Un outro exemplo de controle, ob melhor, de censiea coor com © carnaval paulistano. Nett, 0 cen fone nunca foram as esclas de samba, como 00 Fonte ancl, mas os bcos e cores satis, so Rei salen politica, A parti do momento em rete ermaval de rune tormou um asunto do Estado, am suprimidos abs para blocose corde, fr gados a se transformarem em ‘escolas de samba. oe Fratras, conforme 0 modl importado 2s crs ioe estudisos® assinalaram processos de it~ eipornete ¢ de verdadeira domesticagio de ee ‘da cultura popular brasileira pela classe one at fo plano da alimentacto (por exemple,» feioa rato da culindra africana, convertdo em “prato tk ‘camente nacional”); no plano da mésica oo ae plo, osamb, ritmo de origem africans Pra epi VO (2) Otven, RG, Vilna eCar no Bra Pel m9 at MARILENA CHAUL 2 elas do Rio de Janeiro, convertido em “rt fave nacional); plane da danca (0 carnaval, so {aries depois de combinados 0s festejos africanos e'y Prefnaral veneziano” branco); no plano do esporte (g, fuebol); no plano religioso (Por exemplo, a devogdo fos eaipiras de S80 Paulo por Nossa Senhora Apare- ‘ida, convertida em devocdo nacional pela transforma. lo da santa em Padroeira do Brasil; ou a espirituali- Saqdo das religidesafticanas, seu "embranquecimen. qo", comvertidas em “sineretismo tipicamente nacio. Osestudos revelam que essas modificagdes incor- poradoras sio determinadas por mudancas na socie- ade brasileira no nivel econdmico (assim, por exem- plo, o novo mercado de trabalho impossibilita a per- manéncia do malandro, figura central do samba e do camaval cariocas, e que se torna apenas um “simbolo nacional”, isto &, 0 famoso “eitinho brasileiro”, a transgressio continua); no nivel politico (como, por exemplo, a incorpora¢ao do popular pelos populismos os anos 30-40 e do inicio dos anos 60, ou sua versio nilitarizada na ditadura dos anos 60-70; isto é, formas 4e controle politico das expressoes culturais e sua vin- culagio a novas classes sociais, como 0 caso das reli- ‘ides africanas e as classes médias urbanas). E em to- dos esses processos & possivel perceber 0 mi escrito por Canclin, isto é, do popular ao nacional onacional a pico, ob esse aspecto, & significativo 0 projeto do re- cém-criado Ministério da Cultura, jocosamente conhe- ido na imprensa como “projeto da broa de milho”. Ressalta neleo desejo de agarrar 0 processo cultural in- terrompido em 1964 e, portanto, de retomar 0 malfa- (ado lema da identidade cultural como expressao-ins- trumento daidentidade nacional. Esta encontrat-se-ia fefnida primordiatmente na cultura popular, pen ‘sada como tradigio nacional, regional e tipi ‘CONFORMASMO E RESISTENCTA 7 Cremos que esse deslizamento continuo do popu tar para nacional e deste para otipico pode ser com. indido ainda por outro camino, além dos menc prgjos acima. Esse caminho 6 0 da idevlogia. Trats- patho caso, do que chemaremos de Mitologia Verde- ‘Amarela, ‘Pensamos, porém, que a incorporacto do populer ao nacional e deste ao tipico possui outras raztesalém Gas imediatamente ideoldgicas), isto €, as difculdades febricas e praticas de dois conceit controvertids: 0 hhacional eo popular, freqiientemente ajuntados na ex- pressioo nacional-popular. ‘Sao esses dois aspectos — a mitologia verde-am rela e 0 nacional-popular — que exeminaremos seguir. ‘A Mitologia Verde-Amarela “ama com fE¢ orgulh a teraem que nace ‘Crates! Famais ers pas nenhum con tel ‘the que cu, que mar, que luz, que eres ‘A Natureza aq perpeivamenteem fest, Ne BAe Erte cre” ‘ ‘Olavo Bilae ~omonameno€ de pape pom Pots ede a mlate Scare enonde ates averse mate Share ‘Simonumento €bem moder flo disse nada do modelo viva bandacdeda Carmen miranda-da-da eat ies peering | ri MARILENA CHAUL “minha terra tem palmetras fonde sopra o vento forte a fore com medo muito principalmente da morte Silla aqui éo fim do mundo {345160 fim do mundo ‘quiéofim do mundo.” Gite Torqu: Um fantasma ronda as classes dominantes telectualidade brasileira desde meados do século XIX: 4 busca da identidade nacional. O carter nacional brasileiro.” Encontraram. Na escola priméria aprendemos a conhecer 0 nificado da bandeira nacional: um retangulo verde — simbolo das nossas grandes florestas e dos 05808 bbelos mares —, um losango amarelo — simbolo das iquezas minerais inesgotveis, jazidas de ouro, prata, diamantes, esmeraldas, petroieo, urdnio, ferro —, uma esfera azul estrelada — simbolo de nosso cu, ‘onde brilha a constela¢ao do Cruzeiro do Sul indican- do que somos uma nacdo cristd; e vinte e duas estrelas, Sinais dos estados da federaco. Atravessando a esfera azul celeste, uma faina branca — nosso amor pela paz 5 onde est gravada a divisa positivista: “Ordem € Progresso". Verde e amarelo sio as cores nacionais, € 05 selecionados do futebol, nos eampeonatos interna- Pau, BC, Morea Leite, D, 0 Carter Nasional Bras, Sto Paup. Pane, 1969; Crux Cost 3, Conrado s Historia das dit mone Rl Inc, dst Gimp, 1986; Antonio Candice, For ‘ania Braiira, S20 Paul, Martine/EDUSP, 197 Denes ye A MlegiedeCalure Brae, Sto Paul, Act 977 tear apc Cinco, Sto Pai, Brains, 1964 Chas, Mack Roa eames bara une Cries de debe Icegralna Drs, ase Terra CED, 1096 contomsio sressrtNcA 2 cionsis, trajados de verde © amarelo,frmam a rendemos que o Brasil é um “ggante pla pr. naturera’,o"novo forgo da America, fuminado Zo sl do Novo Mundo”, que “nosso céu tem maces trelas”, “nossos bosques tim mais lores" e "nos da mais amores”. Aprendemos qe em nots era fa Natureza, perpetiamente em fest, um sto de tte a transbordar earinho”, que por rosso pas come ‘maior io do mundo que postimos a maior Rloresta da Terra. Que somos um povo especial e sem igual, porque resultado da fusio de “trés races irmas” (ainda, Suc uma delastenha escravizado as outras das e ex lore uma parte dela mesma), Estamos persuadios de fea cara de Pero Var de Caminhe continua yrds Seire: "Esta, Maestade, & uma terra to fil que ‘ela, em se plantando, tudo d4". ‘Aprendemos que somes “pore herico” que em ‘prado retumbante™ proclama: "ndo feme, quem te fdora, a propria mort, terra adorada™, mesmo pot. ‘Que, “entre outtas mil, é tu Bresi, patria amada" ‘Sade canta o sabia ebatem os "verdes mares bravios"- Salve Save! ee E bem verdade que, nas ruas, sees do Jnumor corrge tanta solenidade: "Quem fi que deso- 22 de abl, dois meses dep do canal, ete ‘mente logo apés a princesa Isabel ter tscrvidao” ea princea Leopold "rarest de ferro", Se, em 1964, como disseram os eobistas "0 pais este bea do abiemo”, em 1967, cles mesmos Se encarregaram do one reg aaa ae fom passo frente E verdade ques # seguir, oF 26 tps en Et fans ‘Spraai, ameso ou dine-o"- Mas a resposta das russ m presteza: “O dltimo.a sair, por favor, aps « MARILENA CHAUL (0 humor dos “dois meses depois do carnaval" nen gs humor eats pean snente) ao sugerir que o pais era uma grande festa os, inrwa antes da colonizacio. [déia amplamente descr, Naivida pela Antropofagia de Oswald, cindindo o Me Nimento Modernista. A esquerda, os Antropéfagos, sion uss brasiidade seria maneira erat, Je devorar, digerire destrur o passado branco, frm: tio, colonial; direlta, o Verde-amarelismo (embritg do Agao Integralista Brasileira), para o qual se tratava, de tornar reas a cristianizagdo e a ocidentalizasio do pais, por meio da cultura ¢ do Estado Forte. Entre ambos, a figura tragica de Mario de Andrade, cujo facionalismo desembocoa no Macunaima, oherdisem ‘ariter, simibolo da nacionalidade ‘A mitologia verde-amarela foi elaborada ao longo dos anos pela classe dominante brasileira para servi. Ihe de suporte e de auto-imagem celebrativa, enfati- zandolado""bom selvagem tropical” que constitu ‘cardter nacional brasileiro na perspestva das oliga- ‘vias agrrias, embevecidas com o mito do brasileiro cordial, ordeiro e pacifico. A essa mitologia ve Porar-se, a partir dos anos 50, a do Desenvolvimen- ‘mudanga da ordem dentro da ordem” pela is Se tornaria um igual no “concerto das ne aadas”,prevalecendo, agora, a auto-imagem 4a burguesia industrial e, portanto, a exibiglo das grandes metropoles, coalhadas de arranha-céus, atra- euedes Por vias expressas ¢ interligadas por auto-es- radas monumentais, cuja culminancia é a ideologia ‘eopoitica do Brasil-Poténcia do ano 2000. Dessa ma- eis, 0 "bom selvagem"” — definindo a alma brash iso oRresso industrial” — definindo o ta ener ‘forgas vivas da Nacio", como dizem os dis- Sua oflciais— oferecem a sociedade uma mitologis Pikonte gue conserva o passado bondosoe paternalista ‘um futuro de grandezas sem igual. A mito- ‘CONFORMISMO E RESISTENCIA ” logia captura a temporalidade, elaborando uma histé- ria sem rupturas. ‘Sem distingdo de classe, credo ou raga, sexo ov opto politica, & dreta ed esquerda, a socedade bra Sleira incorporou uma série de mitos que, embora ‘ontestados pela vida cotiiana e pela prtica daria, permanecem incontestaveis como representagdes jus: Famente poraue sto mitos:o Brasil como “dom da Na- tureza ¢ "presente de Deus" 2 humanidade (apesar {las secas nordestinas, das enchentes sulinas, das en- Gemias, da fome e da misria); como povo pacifico, fordvio e nfo-volento (apesar do genocidio da popu Tacto indigena, da escravidie da populagto negra, do texterminig fsicoe psiguico dos trabalhadores, da re- pressto.e desiruigo des movimentos politicos popula- ese de esquerda, das mortes violentas pela posse da terra); como pats da democracia racial (apesar da dis triminagio vsivel e invisivel nfo $6 com relago a0s {migrantes, mas sobretudo contra os negros — como na irasecostumeira e naturalmente pronunciada: “um negro de alma branca” —, do ant-semitismo difuso € do aristgeritico desprezo pelos drabes comercantes) {como hospitaleiro e acolhedor para todos os que nele deseiam trabalhar e progredir(apesar de, 90 inicio este século, legisla possuiritensespecificos para fextradigio dos estrangeiros "agitadores” ea atual Lei ddos Estrangeitos prever a expulsio sumiria de todos ‘os “indesejévels";apesar da legislagdo trabalhistafun- dada em principios fascistas; da politica ‘econdmica fue concentra a riqueza, arrocha os salries,drena oS Tecursos dos trabalhadores pela poupanca compulso- ria, mantém a instabilidade ¢ a alta rotatividede do ‘emprego); como pais de um povo alegre € sensual — “nko existe pecado ao sul do Equador”, diz a misicn (apesar do machismo, do conservadorismo calico, 8 tdiscriminagdo sexual Tegitimada pela religio, pela medicina e pela legislagao penal), como ‘pais dos con- 7 ARILENA CHAU nko, evidentemente, entre pobres e ricos, tate eases pasos © osoe pes humangy ra ep mesignado caboclo”, 0 “sertanejo, antes de ‘tt am forte” eo “laborioso sulino”. Contrastes que és ‘promessa de tim futuro de grandezas sem par.* * Pescla de mitos agrérios € modernizantes levou 0 Tropicalismo & criagdo de uma miisica que, em sua Srépra estrutua, pudesserevelar essa mistura entre 0 preaico €0 moderno, as contradicbes do pais, Pais Ab- urdo eujos monumentos de “papel crepom e prata” frodurem a ilusio da Poténcia Emergente, quando Maqui €o fim do mundo”.* No entanto, a meditaczo ‘musical ¢ critica corrosiva da tropicdlia foram rea- propriadas pelo verde-amarelismo, que passou a in- trastes” (88a ross ibis, 08 deltos sto punids, no geal de as maneins, Pras devs graves, aplaos pa 2 pla pare os ‘riod mace inprtici, angus ao de enplbio pura e im {Bouma wer pons a isuclincns das panies prevstas 8 ‘Boie da fina. Inflisment, a besevafacie dos aso trbunas pulres va mai ire decrnizoss de tod cua, como é sabe lamenads por todos equles gue ocompashar cr iniresse ea ‘feds man maionalidade «como a explo des fabrias no invade ‘Soper arao trabalho nds assstimosimpotentes 3 invasta de bu eres yor vig ng se elt mre puesta aacsinos(.)-O semlimentliom que &0 tag do mini ere pcg, ara ge da os ion ah {Heian eo a ne So vn sara een i di dea radon Ce Cy ay Init ago eTeclgem, S86 Palo, 192, n Hall, Me Patel, PS A Gen ei rp tp. 18 99 (ks me. 7 oes da Tropica, vase Favaete, :, Tropica spies arin, So Pais, 97. "O cones do Br open Trepcaloma esesiataneaete pursue prs inch aeta orm erica de compare cama. A rine qu lula &reiterrctaco de composes cant ‘to musa asda — alguns tolalente eaucidos: 0 TALISENE seraos pena omercins pea tne de Seeman qu maccram goo cope uence ¢ ‘ites ular basi — cecore dene fat. O conhcimento at = resis opera natant pela meters Se estat decal p 2 ‘CONFORMISMO E RESISTENCIA ” corpori-tas como um novo mito: ser absurdo tornou- Se signo de nossa suprema originalidade. Mitolosis inquebrantavel que conseguiu passar incdlume pela Critiea impiedosa que Ihe fizra Stanislaw Ponte-Preta ‘com o FEBEAPA — Festival de Besteiras que Assola ‘Pais. ‘Mitologia que transforma em virtude nacional nossa absoluta incapacidade para lidar com a dimen- Sao da leie do piblico: o sacrossanto “eitinho”, burla f transgressio permanentes que transformam em “in- ‘entividade” o jogo autoritério do favor, da patrona- igem ¢ da clientela, reforcando o cfrculo de ferro de “rbitrio-transgressio-arbitrio. O "jeitinho” por exce- Tencia é a propina, eo “jeitoso" por exceléncia é 0 despachante.Jeitinho ejeitoso garantem a cada ume a todos nds que nao somos portadores de direitos € por {sso 56 nos testa o favor. ‘Cremos, pois, que o que permite a absoreo conti- nua da Cultura Popular pela imagem do nacional é a tologia verde-amarela, cimento ideoldgico inque- brantavel. Tanto mais quando consideramos as varias formas tomadas pela ideologia dos grupos dirigentes do pais, desde of inicios deste século, ¢ nas quais a jdéia da Nacdo, como resultado da aco do Estado so- bbre a sociedade, sempre foi fundamental. Assim, du- ante os aftos 10, o slogan dominante era: Consolidar ‘a Nagao (0 que legitimou o exterminio dos rebeldes de Canudos € do Contestado); durante os anos 20 ¢ 30: Construir a Nagao (0 que permitiu a absorcio de todas ‘as manifestagies culturais pelo Estado); durante os ‘anos 40 e 50: Desenvolvera Nacdo (fazendo com que a altura Popular fosse considerada atraso, ignorancia € falclore); no inicio dos anos 60: Conscientizar a Na- ‘gao (levando 0 populismo a produzir a imagem dupla Ga Cultura Popular como boa-em-si e alienada-em-si, precisando da condugio de vanguardas tutelares € re- }; durante os anos 60 ¢ 70: Proteger e In~ = DMARILENA CHAUL tegrar a Nacdo (0 que levou as praticas “modernag” controle estatal da Cultura Popular; e agora: Cone 4 Nagao (0 que talvez seja feito num grande festin, ‘onde comeremos broa de milho) ‘No entanto, a hegemonia verde-amarela — poi se trata de hegemonia — sofre abalos periédicos (a desaparever), provocados pela resistencia popular Novamente, nfo se trata de refutacdo nem de combate aberio, mas de praticas que, incorporando © verde. amareismo, o devolvem pelo avesso aos dominantes, Um exemplo dessa pritica que opera no interior 4a mitologia sem destrui-la, mas revelando suas iu. shes, encontra-se no uso da’ bandeira nacional, feito pelos grevistas do ABCD paulista nas greves de 78 e7. ‘Aandeira nacional é simbolo sagrado; portanto, ‘lo se pode atacd-la. Em virtude do grande nimero de agrevistas, as assembléias nfo podiam ser feitas nos sin- dicatose passaram a se realizar no estadio de Vila Eu- clides, em Sdo Bernardo. Helicpteros do Exército co- mecaram a sobrevoar o estédio, apontando metralha- doras e bombas para os grevistas, que trouxeram imen- sas bandeiras nacionais e com elas recobrirem o esti dio, que, desta maneira, nao podia ser atacado, Du- ranie as passeatas, operrios e suas familias carresa- vam bandeiras nacionais. Aqui, o uso da bandeira pos- sia dois sentidos principais. Por um lado, visto que, ‘no Brasil, toda contestacdo popular e trabalhadora é considerada fruto de “infiltracdo estrangeira comu tista” € resultado de “ideotogias exsticas” (pois, como diva mitologiaverde-amarela, somos um povo cristio, pacifico ¢ ordero), 0 uso da bandeira significava que ‘acto contestadora dos trabalhadores era um feito de idadios brasileiros que se identificavam como tais através do simbolo nacional. Por outro lado, porave # {uta nfo era contra a “seguranca nacional”, mas ¢09° "© Patronato € 0 Estado autoritério, as bandeiras ‘CONFORMISMO E RESISENCA o significavam que se 0 “verde” sto teras fetes, 2as nacionais, no pode haver miséria, mas hi; se 9 “azul” € civlizacto crista, nao pode haver opressio, mas hd; € se 0 lema nacional 6 “ordem e progresso", no € possivel que 0s realizadores do progresso (ost balhadores) sejam explorados pela ordem econdmics » indiviso, sentio de facto, A unidade e a indivisibilidade (ainda que ideais ou idéias reguladores da Razdo, para usarmos a lin: fuagem Kantiana) possuem suportes empfricos (terri tori, leis) e suportes simbélices (sentimento nacional, soberania popular). Evidentemente, unidade e indivi- sibilidade ndo significam auséncia de diversidade. Pelo Contrario, o todo é visto como internamente diversifi- ado (por exemplo, regibes, no caso da nagdo; ¢ gru- ppos, no caso do povo), mas a diversidade € encarada, ‘apenas como pluralidade daquilo que 6, em si, uno e idéntico. Nao hé diferenca interne [Nesta perspectiva, surge a nogio de Nacional-Po- pular, Nao nos Feferiremos aqui ao tratamento gram: ciano desta idéia, examinado por n6s noutro lugar,” ‘mas ao uso corrente dz expresso nos discursos politi- cos e cientificos para indicar uma unidade geogré- fica, antropolégica, juridica ¢ politica dotada de uma face externa e de uma face interna, 0 nacional sendo a exterioridade eo popular, a interioridade — 0 Volks- geist ‘O que nos leva de volta a querela entre Tlustrados e Roménticos. “O pensamento do ser social como algo

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