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Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Passos, Blizete fica e psicologa teria e prétca/ Elizete Passos. I ed. ~ So Paul : Vetor, 2007 Bibliografia, |. Etica 2. Psicologia - Aspectos moraise ticos 1. Titulo, 07-6447 cpp-174.915 indices para catdlogo sistematico: 1, Btica e psicologia 174.915 ISBN: 978-85-7585-218-7 Projeto geifico ¢ diagramago: Fabiana C, Hemnandes Arteaga ~apa: Fabiana C, Hemandes Arteaga 007.0 Velor Editora Psico-Pedagogics Lida. Prefacio Apresentagio L IL. A ética e seus fundamentos ....... Bioética: uma nova orientacao ética .. UL Etica e psicologia ..... IV. Etica profissional e psicologia “V._ Reflexdes sobre a ética na pratica do psicélogo clinico VI. A ética na pratica da psicoterapia de grupo “VIL. Reflexées sobre a postura ética do psicélogo organizacional 0 VIII. Postura ética do psicélogo escolar .........00000 IX. Psicologia comunitéria: uma propesta ética X. Uma tentativa de conclusao: reflexses sobre 0 movimento antimanicomial . _ 167 Referéncias bibliogréficas Elizete Passos Este livro segue essa diregao, assumindo a ética como uma filosofia moral que dé a direcao ao fazer humano e néio como cédigos e normas estabelecidas. Procura discutir a pratica 6tica do profissional da Psicologia, apontando caminhos sem restringir o campo da reflexfo, mas a partir dela. ‘Assim, persegue uma ldgiea que vai do geral ao especifico, ou seja, das discuss6es tedricas sobre a ética geral e suas con- digées, sobre a ética na Psicologia, passando pela andlise de documentos importantes na orientacao da pratica do prof's- sional da Psicologia, tais como 0 Cédigo de Etica Profissional ‘ea Resolugio 196 do Conselho Nacional de Saiide. Desdobra-se ‘om reflexes acerca do que entendemos que deva ser a postura ética do profissional em algumas das suas principais areas de atuacao. ‘Trata-se de reflexdes sobre a étiea e a Psicologia, que vio sendo tomadas como matéria de tratamento e aco ética. Bum. texto que se propée a ser simples e claro, pois surge com a finalidade de contribuir para a formagao de graduandos em Psicologia. Nossa experiéncia como professora de Etica nos mostrou a necessidade de termos material com tais caracie- rristicas, a fim de responder as demandas dos estudantes, sem deixar de cumprir as exigéncias éticas da profissio. Esperamos que ele cumpra sua finalidade e agradecemos toda contribuigio que sirva para o seu aprimoramento. Aautora “ AETICA E SEUS FUNDAMENTOS Apesar de nosso objetivo consistir no estudo da étiea aplica- daa Psicologia, faz-se necessério, antes de adentrarmos pela tematica especifica, estabelecer as bases tedricas que daréo sustentacdo A matéria. Assim, no presente capitulo, vamos nos dedicar a discutir os conceitos basieos da ética. Iniciaremos por uma reflexdo sobre o ser humano e suas agGes, incluindo as de carter moral; em seguida, analisare- mos alguns conceitos de ética historicamente construidos; as condigées de responsabilidade do agente moral para, no final, apresentarmos 0 conceito de ética aqui adotado. O SER HUMANO COMO O SUJEITO DA MORAL" A discussdo sobre 0 ser humano, sobre a pessoa, sempre ‘ocupou lugar de destaque na hist6ria do pensamento humano e da étiea. Isso porque, ela ¢ 0 centro da filosofia ocidental, assim como do comportamento moral. Buscando, em primeiro lugai{ 6 conceito de pessoa, do latim personae do grego prosopon, os gregos a usavam no sentido * Parte desta segio é uma apropriagéo do que est publicado no capitulo O lugar da ser humano nas organizagies, do livro Btica nas organizagdes, de Paseos (2004) Elizete Passos de mascaras que as pessoas usavam nas representagées das ‘tragédias e serviam para preservar o ator, ao mesmo tempo em que revelavaa personage. Os teélogos da era crista optaram pela significagao grega, mas acrescentaram palavra prosopon a latina hipostasis, que significa substraium ou essentia, formando com isso a estru- ‘tura metafisica éo ser. A idéia prevalente era a que afirmava ser a mascara apenas o aspecto aparente do ser humano, que preservava uma esséncia a ser descoberta. Esse entendimento leva a outra formulacdo, que consiste em acreditar que o ser humano constitufa-se por uma inte- rioridade e uma exterioridade. A primeira, que, para a ideo- logia cristi, identificava-se com a alma, ganhou destaque ¢ supremacia sobre a segunda, Santo Agostinho?, no inicio da Tdade Média, defendia essa posicéo, porque considerava que, por meio do conhecimento da alma, se chegaria ao de Deus. ‘Além disso, ele é responsavel por uma nova formulagéo do conceito de pessca, ao acrescentar aos conceitos grego e latino apresentados outro também de origem latina, relatio, que significa relagao entre as pessoas. Em um esforco de sintese, Pegoraro (2002, p. 55) afirma [..1 assim, também a interioridade humana, para Santo Agostinho, é relagio consigo mesmo, com os outros & com Deus |...] portanto, a pessoa humana é relagdo [...] abertara, convivéncia com os outros, com o mundo e com. Deus. A visdo metafisica de ser humano, centrada no conceito de esséncia, que prevaleceu ao longo da Antiguidade e da Idade Média, comega a se desfazer na Idade Moderna, a partir do ‘Nivevu van 4 d.C. em Tagaste, na Numidia e faleceu em 480 d.C, Foi sacerdote sn Ipsos Cates © bispo de Hipons Evica e Psicologia: teoria e pratica século XVIII, apesar de ainda encontrarmos quem a defen- desse, como Kant’. Seguindo iguel tendéneia, porém, por caminhos diferentes, ele fortificou a concepeao transcendental do ser humano por meio do seu coneeito de liberdade humana, sujeito seria o seu proprio legislador, eriador das normas. que deviam reger 0 seu comportamento e, por extensio, 0. comportamento de todos. Visando a exemplifiear, na Grécia antiga, Platéo fortalecia. © conceito metalisico de pessoa, ao defender que o ser huma- no se definia e se destacava dos demais seres e da natureza. pela inteligéncia, oriunda de um mundo superior. A Idade- ‘Média também confirmou essa tendéncia, pois o Cristianismo colocava o ser humano como o filho de Deus, senhor ¢ eriador de tudo e, como tal, herdeiro de uma esséncia divina e absoluta. Enquanto para Kant, a transeendéneia do ser humano decorria da liberdade que possufa para seguir apenas sua consciéneia, Em sintese, essas trés posigies situam o ser humano fora do ambito da natureza, em posicao diferente e acima dela, por possuir um atributo transcendental que os entes da natureza néo possufam, ‘A Tdade Moderna, nascida sob o signo da raziio, rompe com a tradigao metafisica de ser humano. Confiante no poder dessa ‘como capaz de produzir conhecimento ¢ atingir a verdade des- confiava dos princfpios universais que cerceariam a liberdade. ‘Marx vai contra o conceito metafisico de homem para traté-lo ‘como animal social, especialmente o ser que pode fazer proje- tos praticar atividades livres e conscientes. Assim sendo, ele se caracteriza como o processo dos seus atos e pode criar sua prépria vida e controlar o seu “destino” (GRAMSCI, 1978) "Tmmanuel Kant (1724-1808) manteve a posigdo motafsica de ser human, embora ‘por caminhos diferentes. Para ele, or humano era livre para criar suas leis morais ‘ser seu préprio legislador * Karl Marx (1818-1883) ” Elizete Passos Ao distanciar o ser humano dos determinismos instintivo e histérico também o liberta da sina da submissao eo afirma como ser de consciéncia e de agdo, capaz. de refletir sobre si e sobre ‘08 outros e de eriar e recriar suas eondigées de vida e sua vida. Ele ndo pode romper com sua realidade material e eoncreta sob pena de se anicuilar. Como afirma Fromm (1977, p. 80) [.-Jo homem nao s6 tem uma mente e necessita de um sistema de orientacdo que lhe permita compreender e es- truturar 0 mundo que o rodeia; ele também tem coracao ‘eum corpo que precisam ser ligados emocionalmente a0 mundo ~ao homem e& natureza O ser humano precisa de lacos com a cultura e com as ‘pessoas dentro dos prinefpios harmoniosos da fraternidade e da solidariedade, sem restrigées das suas dimensGes inte- lectuais, afetivas e da sua liberdade. Diferentemente dos demais animais, ele néo necesita apenas garantir suas necessidades fisicas, de alimentacao e seguranga, precisa, igualmente, pro- duzir cultura. “Ele nao s6 quer saber o que ¢ necessério para sobreviver como também quer compreender de que se trata a vida humana.” (FROMM, 1977, p. 83) Ele é, portanto, criador de cultura e de valores, o que levou Gramsci (1978, p. 39) a concebé-lo como “...] uma série de relagées ativas (um proceso), no qual, se a individualidade tem a méxima importéncia nao 6, todavia, 0 tinico elemento a ser considerado.” Como o reflexo da humanidade, cada individualidade é constituida do individuo, assim como de outros individuos e da natureza. ‘A relacdo que mantém com esses elementos é ainda mais complexa, Com os primeiros, por meio de inter-relacao social, com o segundo grupo, por intermédio do trabalho e da técnica. Tecnica 6 aqui entendida nao s6 como a ciéncia aplicada, mas como conhecimento, como “instrumentos mentais” [telagoes baseadas na consciéncia, no conhecimento ¢ na ago, 18 Etica » Psicologia: teoria e pritica donde advém o poder do ser humano em eriar a si¢ ae mundo. que 0 rodeia, sendo, portanto, 0 centro das relagées. Admitindo ser 0 individuo fruto dessas relagées, também a identidade humana deve-se dar a partir da consciéncia desse processo. O que nao é facil, pois em alguns pode acontecer de forma profunda, em outros superficial, voluntéria ou nao. A complexidade, desse modo, decorre do fato de a individua- lidade conter 0 universal: “(..] j4 que todo individuo é nao somente a sintese das relagdes existentes, mas também a historia destas relagées, isto 6, o resumo de todo 0 passado.” (GRAMSCI, 1978, p. 40). Assede de tudo é oser humano, nao como individuo isolado, mas como aquele que conhece, quer e realiza. O ser de possibi- lidades, geradas nas relagdes com os outros e na vida social e fisica (natureza). E ainda o autor citado quem nos ensina que oser humano é um devenir, qual seja, de modificacao, de trans- ado, que acompanha as modificagSes sociais, o que implica lo como “conjunto das suas condicées de vida”. Evidencia-se que ndo existe um tinico conceito de ser humano. Eles variam indo desde aqueles que destacam uma consciéncia metafisica, aos que discordam dessa posigao essencialista, pronta e acabada, para defenderem um ser de existéncia, que se constréi socialmente. Na atualidade, o ser humano continua ocupando uma posigao hegeménica, porém ela nao se origina de qualidades transcendentais, mas da sua capacidade de compreender 0 mundo ¢ estabelecer as relacdes que desejar manter com os outros, com a natureza e com o cosmos. Isso quer dizer que ele é 0 tinico ser que pode compreender o sentido da vida, nao ‘como portador de uma consciéneia sobrenatural, mas historica e social. De igual modo, ele, como pessoa, difere do individuo, por nao se fechar em si mesmo, mas abre-se para o outro, para as relagées, até porque é incompleto e sua completude s6 se dara por meio da convivéncia com outros seres. No dizer de Pegoraro (2002, p. 27): Elizete Passos Lud a pessoa é um ser aberto ao mundo, nao s6 porque € capaz de entendé-lo, mas também, porque 6 um ser carente, necessitado, ineompleto que vai se completar na convivéncia com todos os outros seres naturais e artifi ciais produzidos pela tecnociéncia. O autor citado também afirma que o ser humano, além de conceder sentido a vida e as eoisas, pode questionar o presente preparar o futuro. E conelui: {J enfim, a pessoa nao é um dado substancial com ru- mos tracados pela natureza, mas é uma existéncia que se d4 um rumo, um horizonte a ser perseguido por toda a vida, pelo exereicio da liberdade, levando em sua com- panhia todos o8 outros seres naturais e teenocientificos, com os quatis deve conviver em solidariedade antropocés- mica. (PEGORARO, 2002, p. 72-73) Assim, o que define a diferenca e a superioridade da pessoa diante dos seres do mundo da natureza sio a inteligéncia a liberdade. CONDIGOES DAS ACOES HUMANAS 0 eonceito de ser humano direciona suas ages # as qua lifiea. Por exemplo, a posigao metafisica, que considera o ser humano como portador de uma esséncia, exige que ele aja de forma cocrente com sua heranga sobrenatural, que con- siste em ter comportamentos preestabelecidos e adsolutos. O ser humano, nessa perspectiva, nao possui escolha e suas agées acompanham sua esséneia, predeterminada e sem possibilidades. A idéia de possibilidade pressupoe a de liberdade, 0 poder fazer coisas on dec! ar delas, ser criativo e inventor em 20 Etica e Psicologia: teoria e pratica todos os sentidos, ¢ até criar conhecimento, novas culturas ou reinventar outras. Essa condicdo tem sido um dos pilares da concepgio de ser humano que prevalece desde a Idade Moderna, Nela o sujeito nao esta pronto, mas vai se fazendo ‘com base em suas acdes ¢ nas relagées que mantém com o mundo social e fisico, Seus atos so, portanto, livres, e ele responsével pelas escolhas que faz.e pelas acées praticadas. Diante da importdneia da liberdade e da consciéncia coma condigdes para asacdes humanas responsdveis e da existéncia _de conesitos diversos sobre-elas, vamos nos deter um pouco ‘mais na busca de um coneeito, para nés, satisfatério. Liberdade Os conceitos de liberdade so muitos e de diferentes abor- dagens. A metafisica fala de uma liberdade a priori, fruto da heranca transcendental que os sujeitos possuem e que é sua origem e seu fim, A tendéncia filos6fica existencialista considera que liber- dade 6 poder escolher o que se quer ser, ¢ 08 seres humanos so naturalmente livres. Também nos diré que da liberdade sao gerados todos os significados, pois nao existem fins fora do individuo. A posi¢ao ¢ criticada como sendo oriunda de um conceito de liberdade que nao considera o tempo e espago ¢ se caracteriza como ystura especulativa. A concepgéo dalética vai trazer novos olhares sobre 0 conceito de liberdade, em que alguns pressupostos so fun- dantes: (0 ser humano s6 se conhece na relacdo com 0 outro; ‘a subjetividade surge da comunicacdo e nao existem projetos (de vida individuais. Segundo Garoudy (1982, p. 21): [...] desde a primeira reflexéo, desde o primeiro projeto, eu sou, pois, habitado por toda a humanidade passada e a Elizete Passos tual. Donde conelui-se que as escolhas sio feitas a partir das possibilidades e a liberdade nasce com a possibilidade de projetar 0 maior numero de atos possiveis, Assim, 0 ser livre 6 aquele que faz projetos, que vé adiante, 60 ser do devenir. Dela decorre a possibilidade de responsa- bilidade, o que néo seria possivel sem o pressuposto de que © individuo dispée de certa liberdade de decisdo, fineada na consciéncia e no poder de realizacéo -~ Tugendhat (2000, p. 386) nos diz: “...] a liberdade 6 uma das necessidades fundamentais do ser humano.” E que o seu conceito nio pode antecedor ao de direitos fundamentais do ser humano. Também adverte que a liberdade vem sendo traduzida como dignidade humana, integridade fisica, cuidado, ajuda, educagao e participacao politica e que essa viséo ampliada sobre ela, estendendo-a aos direitos sociais, é problematiea, porque ‘uma pessoa pode ter condigées materiais para ajudar, por exem- plo, mas pode faltar-Ihe a capacidade para colocé-la em prética, como ocorre com aquelas doentes, velhas ou criancas. Assim, néo se pode querer que a liberdade seja auséneia de condicionamentos ¢ que o agir humano seja totalmente livre. Os impedimentos existem, vindos do social, econémico, poli- tico ¢, até mesmo, da natureza, entretanto, ainda que sejam elementos limitadores, nao impedem o exercicio da liberdade. Como nos lembra Pegoraro (2002, p. 26): “...] a liberdade subsiste no emaranhado das circunstancias didrias, pessoais e coletivas, que limitam a agao livre.” Admitindo que a liberdade 6 possivel, mesmo diante de elementos limitadores, voltamos a perseguir um conceito, com base nos anteriormente apresentados, que consiste ilidade de o sujeito fazer escolhas, nio de forma itada, mas dentro das possibilidades oferecidas pela vida real. Nesse sentido, a liberdade “...] é a faculdade pela qual © homem pode determinar a si, frente a um fim (...] 6 sempre um atto conereto, que requer uma decisdo, uma possibilidade de escolha.” (KISNERMAN, 1991, p. 21) 2 Etica e Psicologia: teoria e pratica Esse conceito, com 0 qual concordamos, que no pressupée a liberdade absoluta, encontra fundamentacdo em autores de momentos histéricos diversos. Por exemplo,| Espinosa® afirmava que nenhuma alma era absolutamente livre e que a_ iberdade 86 seria conquistada por meio da razao e da vontade, do conhecimento de si mesmo e da eliminacao das paixées, para ele, fonte de toda alienacio, Para Hegel®, a liberdade era de ordem intelectual.e nao estava ao alcance de todos. Ela nao era dada ao sujeito, mas conquistada por, meio da razao. Em seu mais famoso livro Fenomenologia do esptrito, na conhecida passagem A dialética do senhor e do escravo, ele expoe o impasse da liberdade subjetiva. Diz que o senhor é reconhecido como tal porque 0 escravo assim o reconhece. Vé nisso uma relacdo dinamica entre os dois e ainda a posigdio do escravo, pois sua consciéneia é que reconhece o senhor. Diante disso, “[..] 0 escravo, dependente em principio do senhor, torna-se senhor da consciéncia de seu proprio amo.” (ABRAO, 1999, p. 352). O impasse se caracteriza na possibilidade de uma liberdade que se dé em decorréncia da dominacao do outro. Para fugir dessa condicdo, a liberdade nega 0 mundo objeti- vo ¢ refugia-se na subjetividade, tornando-se uma liberdade limitada ao eu interior. Enfim, como afirmamos anteriormente, consideramos como livre o individuo que pode escolher e tem condigées de se responsabilizar pelos atos praticados. Desse modo, a liber- dade consiste em nao se submeter nem submeter o outro a uma posigao de dominagio, pois essa atitnde transformaria © sujeito em objeto e seria um ato de violéncia contra si e contra o outro. Baruch Bepinosa naceeu no ano de 1632, em Amsterdam, ofalocou em Haia, no ano {de 1677. Filho de imigrantes judous, fi acusado de heresiae sariléio, endo que ‘se mudar de sua cidade natal, passando a viver em varias cidades como polidor de Tentes. Enquanto isso, estudavae exerevia. Bntre suas obras, destacam- cial na qual — por se caracterizar pela abundancia para todos ao invés da escassez manipulada ~ “ser bom” no ‘mais pleno sentido humano nao sera apenas fazer a coisa “certa”, mas também a coisa que for natural. Essa posigio rompe com a concepeag idealista, bem como metafisica, em que a consciéncia nao tem nenhum compro- 5 L Elizete Passos misso com a mudanca social. Nessa concepcao, ela é condigso para a acdo transformadora e fonte de liberdade e embasa a cio do sujeito sobre a realidade, visando & sua transformagio, O autor nos ensina: [...] uma compreensao profunda da transformagao social ue € a condigao de agir livremente num sentido ético depende, na verdade, de nossa disposiciio de nos modi- ficarmos (...] modificar-nos é a maior liberdade que po- demos conhecer, e onde a liberdade é maior, 6 possivel a mais elevada forma de moral. (ASH, 1965, p. 127-128) Com isso, fica evidenciada a importancia de discutirmos 0s conceitos de liberdade e de consciéncia antes de falarmos de moral e de ética. O comportamento ético pressupée um sujeito livre e consciente, capaz de se responsabilizar por suas agdes, Somente um sujeito nessas condigdes tem o poder de decidir entre uma ou outra agdo e sua grandeza reside na possibilidade de romper com os determinismos e fazer suas escolhas, de forma livre, consciente e responsdvel Comportamento ético’ Historicamente, a ética vem sendo relacionada a princi- pios abstratos sem referéncia‘ao mundo concreto e a vida real. Interessava-se apenas pelo comportamento humano e pelas relagdes que os seres humanos mantinham entre si, Nessa perspectiva, era tida, por quem olhava 0 mundo por pardmetros diferentes do metafisico, como impeditiva para o ivros, como Biica nas organizagdes (PASSOS, 2004), diseuti ‘5 conewitos de étien» moral soparadamente, tomando a primeira como cleneta da ‘moral, No presente, seguirei a orientagéo de Tugendhat (2000, p. 85), de tratélas 1 intereambiveis, pois, como afrma.o autor"... nose treta de uma distincae 26 Etica e Psicologia: teoria e pritica crescimento humane, para a produgao da ciéacia e de novas formas de compreenséo do mundo. Da segunda metade do século XX em diante, com 0 avanco do conhecimento cientifico, ela precisou refazer suas bases tedricas, a fim de ser capaz de abarear a nova realidade que se impunha. Agora, precisaria tratar 0 comportamento humano no mais como restrito A sua suposta esséncia, mas como dindmico, histérico e concreto. A realidade colocou novos problemas paraa ética, que ela nao supunha ser da sua algada e que a ciéncia ea tecnologia se julgavam capazes de resolvé-los por si mesmas. Tanto uma quanto a outra cometeram enganos que as levaram a capitu- lar e reconhecer a importancia da ética, no cso da ciéneia e dos cientistas, e abarear as questoes postas pela ciéncia, no caso da ética. Diante dessa nova realidade, a ética precisou refazer suas bases tedricas, a fim de ser capaz de abarcar os problemas emergentes que se impunham. Diante disso, 0 conceito de ética modificou-se, flexibilizou-se, pois ela nao pode continuar como prineipios absolutos a serem seguidos pelos individuos. Como afirma Pegoraro (2002, p. 24): L.-J assim, a tiea ndo pode se apresentar como um siste- ‘ma pronto, que julga todos os comportamentos humanos ¢ todos os fatores cientificos com base em suas premissas| absolutas. Nao hé mais lugar para esta ética imparcial Posto isso, em que consiste a ética hoje? A idéia de se pen- sar em um conceito de ética que difere do passado e responde ‘as necessidades do momento confirma sua historicidade, sua dinamica, bem como a orientagdo teérica que a orienta. En- tretanto, ela tem sido considerada sempre como uma forma de ser no mundo, um estilo de vida. Como indica a propria etimologia da palavra ética, do grego ethos, que quer dizer modo de existir humano. Coerente com esse entendimento, Pegoraro (2002, p. 28) assim a conceitua: au Elizete Passos L...Jela é antes detudo uma concepeao da vida, um estilo, ‘um modo de existir do homem [...] ética 6 um horizonte ue exprime o sentido, o rumo que damos ao nosso viver, © rumo que prociramos tragar para a historia humana Assim, possuir-um horizonte ético é uma caracteristica de todo ser humano. Nao hé quem nao o. tenha, ainda que de maneira deturpada e avessa ao bem-estar individual e coletivo. Na pratica, ele se configura em normas de conduta que so provisérias, assim como as acées humanas. Entdo, a proviso- riedade nao é do horizonte ético, de té-lo ou nao, mas sim das normas e das ages que elas orientam. Isso porque, as pessoas se modificam, do mesmo mado que a sociedade, exigindo novas formas de comportamento dos seres humanos. Em todos os tempos, existiu um horizonte ético, Para 03 gregos, ele se caracterizava como viver bem, ter uma vida individual boa, centrada na amizade, justiga e na solidarie- dade. A ética aristotélica visava a encontrar 0 equilibrio das paixées, 0 meio termo e fugir dos extremos. O ideal ético consistia em procurar viver sem conflitos e em uma sociedade que fosse boa para todos os seus membros. Na Idade Média, 0 Jeme apontava para a vida eterna, ¢ o ideal ético consistia na santidade, no amor e em toda orientacao révelada por Dens. A Idade Moderna, centrada na razao e no poder do ser humano, sintetizou seu ideal na liberdade humana, na igualdade e na fraternidade./Contemporaneamente, hé um maior destaque para a importancia do ser humano, 0 valor intrinseco de cada individuo, independentemente de raca, credo, género ou condicéo social. Em sintese, o ideal ético no tem variado; cle vem se repetindo como 0 direito do ser humano viver de forma digna, humana, justa e feliz, Posto 0 nosso entendimento do que | ‘seja a ética, para efeito de maior aprofundamento e para dirimir possiveis diividas, vale lembrar pelo menos as duas maiores orientacées filos6- 8 Etica e Psicologia: teoria e pratica ficas que vém sendo usadas para defini-la:‘a tradicional, que se baseia na Lei Natural ou Positiva, e a atual, de enfoque dialético; A primeira parte de coneeitos abstratos e absolutos, como os que ensinam: “faca o bem e evite o mal”; “faga aos outros 0 que voet deseja que seja feito a voce”. Essa concepedo acredita que a lei moral esta no intimo de cada ser humlano e corres- ponde a sua esséncia, que tem origem em Deus. Também nao tem diividas quanto ao que é bem e mal. O primeiro é todo comportamento que néo vai de encontro a nossa suposta esséneia, ao contrério, estariamos no campo do mal ‘Asegunda tendéncia difere fundamentalmente da primei- ra, por considerar que o préprio universo moral se estrutura com a cultura, bem como as decisées e normas de compor- tamento que ele alicerga. Diante do que, a ética vai sendo continuadamente inventada, pois cla aponta para a sociedade € para as pessoas os rumos a serem seguidos. A diferenca da tendéncia tradicional também se caracteriza pela forma de vivenciar as orientag6es apresentadas pela cultura. Nada de segui-las mecanicamente, nada de cumpri-las sem consciéncia do que sio e de onde levardo. Flas precisam ser entendidas, escolhidas e praticadas ou néo. Como dissemos em passagem anterior, essa condigo que define a postura do sujeito moral, nao se da fora de condicionamentos sociais, econdmicos, poli- ticos e ideol6gicos, entretanto reafirmamos que esses limitam a liberdade do sujeito, mas nao a elimina. Ele precisa, com oa vontade e sabedoria, encontrar as “brechas” deixadas por tais determinismos e ultrapassé-las, pois s6 assim exercitaré sua liberdade e poder modificar o cenério social. Com o intuito de dirimir davidas e enfatizar o que consi- deramos como ética, trataremos agora daquilo que 0 senso comum considera como ético, mas que nés interpretamos como um entendimento destoreido: eddigo de prescricées de comportamento, religido, ages meramente individuais. » Etizete Passos £ bastante comum encontrarmos pessoas, algumas até que se dedicam a falar profissionalmente do assunto, também manuais de ética que a definem como normas, prineipios a serem seguidos inquestionavelmente, cédigos deontolégicos De orientagao livre, consciente e reflexiva sobre a vida, ela se reduz a normas burocréticas a serem seguidas, certamente quando 0 sujeito estiver diante da possibilidade de algum tipo de punigo, de Deus, dos pais, dos professores, do chefe ou da sociedade. A ética tradicional, por ter na religido uma das suas prin- cipais fontes, vem sendo confundida com ela, especialmente com aquela de base cristé. Nossa cultura, impregnada de religiosidade, em que os representantes da igreja tém o po- der de definir, em grande parte, o comportamento moral das pessoas, também pode ser uma das causas de tal confuuséo. Contudo, ela nao € coerente, até porque a ética antecede ao cristianismo e a ocidental teve como bergo a Grécia antiga, onde os pensadores daquele momento, grandes teorizadores do assunto, tomava-a como uma vida justa e boa. Quanto a tendéncia de consideré-la como uma pratica in- dividual, vale lembrar 0 seu carter social. O sujeito no age isoladamente, porque ele é um ser politico, como preconizou Aristételes. Vive na pélis, em comunidade, relacionando-se com os outros sujeitos. Bla se refere a essas relagdes, bem como com o produto das agées humanas, como a ciéncia e a tecnologia, e com o meio ambiente. Portanto, a ética nao pode ser individual, ela é sempre relacional. Sintetizando, reafirmamos que ela nao pode consistir em valores abstratos ¢ metafisicos; que o horizonte ético, ainda que centrado em pilares que ndo devem ser abandonados, {ais como justiga, honestidade, verdade, democracia, direi- tos humanos entre outros, nao pode ser tomado como ideal abstrato, pois vai sendo elaborado socialmente com base nas condigées coneretas. 30 Etica e Psicologia: teoria e pratica Mesmo defendendo essa posigao, nao negamos a existéncia de intimeras tendéncias da ética, convivendo juntas, desde as de tradicao metafisica até aquelas de inspiracao historia. Igualmente verdadeira é a existéncia de visbes conceituais que tomam a étiea como lei, religio ou até moralismo. Para nés, entretanto, ela é filosofia moral, ou seja, reflexdo sobre © comportamento moral e seus fundamentos. ‘Também firmamos 0 conceito que o comportamento moral 6 exclusivo dos seres humanos, pois pressupde um agir cons- cionte e livre, por conseqiiéncia, responsavel. O sujeito ético nao se preocupa apenas com seus interesses, mas em agir de modo que inclua o bem-estar coletivo, Pensar apenas em si mesmo pode nao ser antiético, mas nao realiza o individuo, pois suas conquistas nao sao partilhadas e acabam nao tra- zendo prazer e alegris. Contudo, a escolha é do préprio indivi- duo. E ele quem da diregao e sentido a sua vida, a suas agées, podendo escolher 0 caminho da afligao, do individualismo ou da alegria e da felicidade, mesmo diante das limitagées a que todos estao sujeitos, pois, como vimos, elas nao impedem a liberdade, apenas a dificultam. Isso nos leva a outra dimensdo da ética tomada como lei, que consiste nas sangées a que o individuo se encontra sujeito no caso de um comportamento ser considerado mau, do ponto de vista moral. Costumeiramente, acreditamos que é bom tudo aquilo que tenha um produto considerado proveitoso, bené- fico, ete. Tomamos a idéia como universal e acreditamos ser possivel aplicé-la em toda e qualquer situacao. Na sociedade, ‘uma pessoa tem um bom comportamento quando cumpre as leis estabelecidas: paga seus impostos, nao infringe os c6digos socialmente convencionados. Do contrério, ela seré penalizada com sangées que vao desde a repreensao até o cerceamento dos seus direitos civis, como 0 de ir e vir, escolher onde quer estar e com quem, por exemplo. ‘Do ponto de vista do comportamento moral, nao se pode falar de um tinico bom, pois ele se revela de formas diferentes a” Elizete Passos com base nas circunsténcias € nas orientagées filoséficas. Para Kant, o bom era o comportamento que visasse ao cum- primento do dever. Tinha, portanto, uma fundamentacéo absoluta. Hume vai definir o bom como aquilo que seja alvo da escolha do maior mimero de pessoas. Ha também quem 0 defina como o comportamento itil, apenas para citar algumas tendéncias. As normas morais diferenciam-se das convencées, quase sempre de adesio aparente por parte do sujeito, também do io. O ato moral nao se torna bom por ser es- colhido pelo maior nimero de pessoas, mas porque é escolhido por ser bom. Ele nao é de ordem material, como podemos falar de um bom profissional no sentido de competente tecnica mente, O bom moral sé se refere as ages humanas e tem como sentimento um tipo de vergonha que provoca sentimentos de revolta, indignagdo, alegria, ¢ nao apenas do dever cumprido, ainda que ele em nada contribua para o crescimento pessoal e para o bem coletivo (TUGENDHAT, 2000). Disso decorre um tipo de sanco que s6 se dé quando o su- Jeito internaliza o significado do seu ato, Diferentemente das ‘sangGes legais que independem de tal conviceao e so praticadas por instituicées sociais, ainda que o individuo néo tenha se convencido de que merega a repreensio, A sangéo moral é uma sangdo interna, que depende da sua consciéncia moral. A consciéncia moral dé ao individuo a clareza de que faz parte de um todo e deve agir de modo a nao ferir os outros. Nas palavras de Tugendhat (2000, p. 64): [... ele se entende como pertencente a uma totalidade de pessoas que, mediante a saneao interna da indignacao e dda vergonha, exigem reciprocamente umas das outras que estas normas constitutivas das identidades no sejam fe- ridas. Logicamente, a vergonha advinda da quebra de uma norma ‘moral 86 ocorrerd se ele tiver conseiéncia de sua participagio a Etica e Psicologia: teoria e pratica no todo social e sua responsabilidade para com ele. 0 autor citado nos diz: “[...] sem este querer - pertencer, ele nao pode sentir vergonha quando fere as normas correspondentes, nem indignagéo quando outros as ferem.” (TUGENDHAT, 2000, p. 64). Por fim, retornamos A nossa sintese. O comportamento moral nao pode decorrer apenas da obrigacao ou do medo de infringir as normas estabelecidas e ser socialmente punido. Ao contrario, ele precisa ser um ato de vontade, de escolha e de consciéncia. BIOETICA: UMA NOVA. ORIENTAGAO ETICA Os avancos da ciéncia e da tecnologia vém representando para a humanidade uma verdadeira revolugao. Ao mesmo tem- po em que sinalizam melhores condicées de vida para os seres humanos, maiores recursos no campo da saiide, mais longevi- dade, oportunidades educacionais e participacdo social, entre outros bereficios, também significam ameacas ao ser humano. ao planeta, se mal utilizados, ou seja, se ndo forem praticados com consciéncia, compromisso social e responsabilidade. Diante dessa realidade, surgiu a Bioética, néo como mais. -uma disciplina filos6fica ou um cédigo deontolégico, e sim como “um novo clhar da ética sobre questées emergentes do mundo ‘tecnolégico. Considerando sua articulagio estreita com a vida humana ea problematica que ela envolve, procuraremos analisar™ no presente capitulo em que eonsiste esse novo olhar da ética, sobre a vida humana, em especifico, e a vida no planeta, em ‘geral, visando a ter mais um aporte tesrico para a compreensio dda ética aplicada as praticas profissionais dos psicélogos. A SOCIEDADE DA TECNOCIENCIA Conforme vimos no capitulo anterior, até a Idade Média reina- vaaa idéia de que os seres humanos possuiam uma esséncia que Elizete Passos deveria ser revelada por meio do conhecimento ou da fé em lum ser superior. Diante disso, defendiam verdades universais © absolutas e sua aceitacéo nos planos tedrico e pratico como condigées para a liberdade e uma vida consciente, feliz e boa. Esse entendimento justificava muitas relagdes de poder como as vivenciadas entre médicos e enfermos, os primeiros considerados detentores de um saber superior e privativo, que deveria dirigir quem nao o possuia, sob o argumento de Possibilitar-Ihes viver sem doencas e no caminho do bem e da felicidade. A partir do Renascimento! e ao longo da Idade Moderna, os valores se alteraram com as mudaneas sofridas na concepedo de mundo hegeménica. As idéias iluministas trouxeram a azo para posigao de maior destaque e com ela a ordem na- tural, de inspiracao metafisica, foi substituida pela autonomia ¢ por uma orientagao moral diferente da ordem imposta, Nas palavras de Von Zuben (1999, p. 5): Ll a partir do Tuminismo afirmou-se o carter aut nome do individuo chegando-se a definigdo do principio de liberdade moral: todo individuo é um agente moral e deve ser tratado e respeitado como tal, Ao mesmo tempo em que a razo leva a consciéncia e a liberdade de escolha, defendendo o direito do ser humano de optar pelos valores e pela atitudes que tomaré, exigindo uma sociedade que acolha a diferenca, também oportuniza © crescimento dos poderes humans, em decorréncia da sua engenhosidade para desenvolver a ciéncia ea técnica. As possibilidades que elas apresentam aos seres humanos Slo enormes, a ponto de colocar em perigo a propria razdo — "Tews nici na Hla do a6culo XIN com o movimento de retomada da cultura greco- 'woluiu com o desenvolvimento da ciéneia eda técnica na eonstragie de tums nova arma de olhar o mundo e de viver. Prepara a nova sociedado, baseada va inci, quo se estabeleceré a partir do séeulo XVIL 6 Etica e Psicologia: teoria e pratica e seus poderes de dirigir os sujeitos. Na pratica, acarretam mudangas nos campos da cultura, das relagbes sociais, atin- gindo os valores morais e modificando o horizonte ético das pessoas. Os resultados positivos sao inimeros, entretanto os ne- gativos também. Agregado aos perigos possiveis e a forca da. concepedo sobre o ser humano como ser da cultura e doador de significados, levam a posigées diversas sobre a teenociéncia. que variam desde a sua exaltagao até a sua recusa, chegando a.uma espécie de tecnofobia, como afirmam alguns autores. (VON ZUBEN, 1999; PEGORARO, 2002). Os argumentos contra a tecnociéncia a acusam, entre outras. coisas, de manipular 0 ser humano, destruindo sua natureza, seus sentimentos e sua afetividade, também sua composigao fisiea, por meio de manipulagdes genéticas. Os exemplos so intimeros: Nos procritricos, assistimos uma combinagéo de repro- ducao: bebés com mais de dois progenitores, a possibili- dade de fetos humanos passarem um tempo no ventre de: ‘mamiferos superiores, a prdpria idéia de clonagem. (VON ZUBEN, 1999, p. 4). autor citado relembra as possibilidades de manipulagio da ciéncia no campo psiquico, ao mostrar o poder dos pro- autos quimicos na inibigdo ou recondugéo de sentimentos e afetos, o que poderia ser feito de forma natural, por meio de processos terapéuticos baseados na escuta e na reelaboracao de situacées vividas ou mentalmente construfdas. - Contuco, se por um lado os poderes da ciéncia sao rejeita- dos por serem manipuladores, por outro, eles so eapazes de proezas que melhorarso substancialmente a vida humana Von Zuben (1999, p. 7) relembra outro exemplo ao afirmar: {..J a integragao reciproca entre homem e elementos ci- bernéticos. So préteses sensoriais miiltiplas permitin- 7 Etizete Passos i fant {amliagto da pereepedo natural, remode- lando a experiéneia exterior do homem, Ou a implantagio de micro-eletrodos no eérebro, influenciando os centros de prazer ¢ de dor. Enfim sao diversas intervengdes manipu- ladoras, que podem estender as fronteiras das experiéncias Apesar de a idéia de manipulaeao trazer embutida a de falta de respeito, de liberdade e de ética, o autor defende que a teenociéneia tein muito a oferecer ao ser humano om prol da sua dignidade e de uma vida melhor, Assim, a tecnofobie, 0u soja, a rejeicao a tudo que seja originado da técnica é uma pposicdo radical e impeditiva do bem-estar humano. Von Zuuben (1999) adverte que, assim como ela pode trazer perigos, as ideologias também sio ameacadoras e impeditivas, _ B verdade que os pressupostos da téenica sto realmente diferentes daqueles referentes ao mundo do sentido. Enquan. to este nao interfere na ordem natural das coisas e tendo a 6 fazer algo apés analisar sua importancia e conseqiténcias, aquela tem por principio agir sobre a realidade e realizar ‘que cientificamente seja possivel. Diante de sua importincia ¢ de suas possibilidades também de trazer riscos para o ser hu. mano e para. sociedade, o caminho nao deve ser de rejeit4-la, ‘mas de usé-la com ética. A bioétiea veio com tal finalidade. ORIENTACOES SEGUIDAS PELA BIOETICA Asociedade da tecnociéncia traz, portanto, mudangas subs- ‘sanciais, até mesmo em coneeitos basicos e historicamente sedi- mentados, como o de ser humano. Se antes, a pergunta central consistia em saber o que ele era, agora ela foi reelaborada para: que pode ser feito com o ser humano? O que a ciéncia fara com cle? A preocupacéo com o poder da ciéneia na manipulaedo do ser humino foi assim exposta por Von Zuben (1999, p. 9): 38 Etica @ Psicologia: teoria e prética L.-J como enfrentar, na ordem da compreensao, 0 reino da tecnociéneia de modo geral e, de modo particular no campo das ciéncias biomédicas, onde justamente 0 exis- tir humano é mais profundamente afetado? ‘Alguns fatores corroboram para tornar a situagdo mais preocupante, como o grande avango da ciéncia ao lado da estagnagao da ética que, em geral, mantém-se fechada em modelos abstratos e principios universais, que néo dao conta dos problemas emergentes que a nova sociedade apresenta. A bioética tem sua origem nesse contexto ¢ como finalidade inaugurar uma nova forma de olhar, cuidar e orientar o poder humano, revigorado com 0 avango da ciéncia e da técnica. Tniciou-se voltada para questoes da biomedicina, evoluiu © alargou suas fronteiras, envolvendo até mesmo aquelas referentes a0 meio ambiente, numa resposta clara da eomple- xidade da sociedade. Para dar conta de tamanha abrangéncia, a bioética earacteriza-se pela confluéncia de miltiplas referen- cialidades, proprias de quem trabalha com diversas areas do saber, e como uma nova metodologia, baseada no pluralismo © no respeito a diversidade social. O caminho tomado pela bioética, diferente daquele da “tica tradicional, que consistia em dizer o que podia ou ndo ser feito, é importantissimo, pois nao impede o crescimento da ciéneia e os beneficios que ela poder trazer para a vida, entretanto também nao deixa que ela caminhe sem limites e possa tornar-se ameacadora, Indubitavelmente, o debate ético em torno da ciéncia e da \enica nao 6 facil. Hé quem considere a ética como impeditiva «lo crescimento da ciéncia, preconceituosa e moralista, a ponto «le imaginar que ela e ciéncia sejam excludentes. Essa posicao wm sentido devido a tradigéio metafisica e universalizante jue a ética possui, entretanto, como dissemos em capitulo \iterior, esse modelo esté em questionamento € pouco a pouco vem sendo substituido por uma ética social e valores iuistorieamente construidos. Elizete Passos ‘Também a bioética, apesar Ge sua juventude* e seu direcio- ‘namento, tem uma forte influéncia de orientagées tradigjonais, especialmente pela grande contribuicao tedrica recebida’ soas ligadas A igreja, em especial da eatdlica e da evangélica. ‘Apenas para contextualizar suas tendéncias, destacaremos alguns dos seus principais paradigmas. Até os anos 1970, vigorou a direcdo religiosa que consistia em defender que 08 principais problemas que acometiam o ser humano eo planeta 86 poderiam ser resolvidos po: meio da ética teol6gica. Isso porque, ela se orientava por prinepios metafisicos e baseava- se na crenga de que existia uma esséncia humana independe da realidade conereta. Diante disso, tanto os individuos quan- to & ciéneia deveriam se orientar por eles. Arealidade mundial eas atrocidades a que foram submetidos seres humanos, a titulo de pesquisas, em periodos de guerra (Segunda Guerra Mundial) ¢ fora deles, fizeram com que surgisse ‘uma nova orientagéo para a bioética, tendo origem especial- mente nos Estados Unidos. As diseussdes nao negavam o valor da ciéneia nem propunham sua interrupedo, mas destacavam a necessidade da ética orientar sua produgao e aplicagdo, devido a grandiosidade dos problemas éticos que ela ocasionava. Principalismo tornou-se 0 paradigma hegeménico e, ainda hoje, 0 6. Suas bases morais so: autonomia, consen- timento esclarecido, beneficéncia ¢ justiga. De todos eles, a beneficéncia ¢ tida como o principal, pois argumentam que 0 ser humano e seu bem-estar éevem ser a meta de toda acao humana, entre elas, as referentes a ciéncia e a técnica. Sua posi¢do de destaque nao tem imunizado esse para- digma de critieas. Os seguidores da tendéncia religiosa 0 acusam de burocratizar a ties, transformando-a om normas de conduta e sem base filos6fica. Essa eritica recebeu reforco (0 terme biostica surgin na désada de 1970, assim como as grandes discussios sb into, Entretanto, desde o apozeu da cineia positivista no século XVIIL {questiona-se se poder e sua necossidade de ser orientada por prineipis éticos. 0 Etica e Psicologia: teoria e pratica até mesmo de seguidores do paradigma c serviu para que suas diretrjzes éticas fossem repensadas e reordenadas. ‘Tanbém dao destaques as suas qualidades, entre as quais figuram: a forma simples de tratar problemas complexos ¢ a linguagem facil com que os problemas éticos foram apresen- tados aos profissionais da area da satde. E, de significativo valor para 0 comportamento ético, 0 destaque feito para 0 respeito autonomia do sujeito. Ao seu direito de escolha, de assumir uma orientagdo ética apenas se ela for coerente com 0 seus principio e nao de forma imposta e pelo uso do poder. Como diz Pegoraro (2002, p. 106): “(...] a pessoa autonoma 6 a que decide o que é bom para si ou aquilo que faz seu bem- estar”. Diante do que, afirma 0 autor: “[...] nenhuma moral pode impor-se aos seres humanos contra a sua consciéneia.” (PEGORARO, 2002, p. 106). Essas so, como vimos, as condigdes necessdrias ao agir ‘moral, pois s6 podemos falar de responsabilidade pelos atos praticados, se eles forem livres ¢ conscientes. Entretanto, também demonstramos que ndo se fala de liberdade absoluta, de autonomia sem limites, uma vez que vivemos em contado ¢ em articulagao com outros individuos e com condicionamentos de varias ordens. Tanto uma quanto a outra sao construgées dialéticas, compartilhadas, discutidas, dialogadas. Por ultimo, e s6 para dar um panorama das prineipais orientagoes tedricas da bioética, vale registrar a tendéncia Fenomenologica. Esta, diferentemente das anteriores, nao se- gue principios estabelecidos, centrando-se na propria realidade, Como a define Pegoraro (2002, p.108): “[...] a ética fenome- noldgica se concentra na idéia de um estilo de vida, um rumo que a pessoa traca para si e para o horizonte ético.” Disso decorre a concepgio de valores morais histéricos ¢ de formas diferentes de realizacao do horizonte ético. Cada época -eada sociedade tém uma maneira propria de concretizar seus intentos e de, muitas vezes, ser impedida de atingi-los. a Elizete Passos Em sintese, podemos dizer que a bioética esta estruturada com base em duas grandes tendéncias: uma essenéialista, ue congrega os paradigmas confessionais e principtilista, outra existencialista, como as caracterizadas pelo caimiinho fenomenolégico e todos os outros de inspiracao historicista ¢ dialética. As concepedes que fazem parte da primeira orien, tagio considerain a existeneia de uma natureza humana ¢ or conseqiténcia, sua liberdade, consciéncia, deseios, ete. fazem parte dela. A segunda orientacao, diferentemente considera que a biologia nao define nossa forma de ser nem nossa conduta moral. Elas sao elaboradas historicamente, seguindo nossas experiéncias ¢ oportunidades . BIOETICA: UM NOVO OLHAR SOBRE A ETICA Ap6s esses esclarecimentos, podemos falar de conceito, de sistematizacdo e elaboragéo do que é considerado bioética, Segundo Oliveira (1995, p. 336), 0 termo foi usado pela pri. meira vez no ano de 1971, pelo bidlogo e oncologista Van Rensselger, para significar “[...] 0 estudo da moralidade dos comportamentos humanos no campo das ciéncias bioldgicas”. Da preoeupagéo com a qualidade de vida que a biologia pode. ria trazer para os seres humanos, ela ampliou seu leque de intros pean ase ocupar também de questées referentes a satde, degradaca i Sitide, desradacéo ambiental, erescimento demogratico, Muitas dessas questées, hoje de interesse da Biostica, so espeeificas de paises pobres, em que os problemas humanos ‘slo, muilas vezes, colocados com 0 simplismo que as neces. sidudes de sobrevivencia impdem, assim como a partir de Preconceituosas. Por exemplo, muitas das politicas ficas colocadas em pratica nessas culturas definem a Etica e Psicologia: teoria e pratica quem deve ou nao nascer sem uma orientacao de base ética filos6fica, mas pragmética ¢ excludente. No Iticio, ela se tornou um dos grandes temas de debate nos meios académicos dos EUA e da Europa e hoje passou a ser discutida em paises da América Latina, tanto nos ambientes de pesquisa quanto da prética dos profissionais que lidam com a vida em todos os seus aspectos. ‘Apesar da tendéncia, ainda hoje presente em muitos lu- gares, de interpreté-la como uma deontologia médica, ela é um reencontro da filosofia com as ciéneias da vida. Segundo Clotet (1993 apud OLIVEIRA, 1995, p. 341): “(..] biostica 60 estudo sistematico da conduta humana na area das ciéncias da vida e dos cuidados da satide, na medida em que esta conduta 6 examinada a luz dos valores e dos prineipios morais.” ‘Também ela nao pode ser tomada como uma filosofia, uma ética ou uma forma de ciéncia. Mais apropriado é defini-la como uma disciplina que procura interpretar problemas da biomedicina e da biotecnologia. A suposta indefinicao sobre seu status, longe de dificultar sua aplicacdo, a favorece, pois acaba dando conta da pluralidade do mundo, ao tratar de questées de miltiplas areas, por exemplo: da genética, da psicologia, da sociologia e da tecnologia. Em todas as situagées, ela ndo pode prescindir de sua base filos6fica sob pena de se limitar a definir o que é certo ou erra- do, o que deve ou nao ser feito. Olinto Pegoraro (2002, p. 79) demonstra essa preocupacao e desvirtuamento da bioética com as seguintes palavras: L.-J caso a bioética se afaste desta posigao, poderd tornar- se casuistica, pragmitica, sem raizes éticas, guiando-se ‘apenas por uma espécie de jurisprudéncia, que toma de- cisdes semelhantes em casos semelhantes. Outra recomendagio fundamental para que ela cumpra seu real papel é nao se apartar da realidade e isso inclui a Elizete Passos acompanhar o desenvolvimento da ciéncia e da técnica. De nada adianta seguir a tradicao universalista da ética, pois nd responder &s demandas de um mundo em cresechile com- ' plexidade e nao poder orientar seu destino, Bla precisa estar , Conectada com os grandes avancos e suas conseqiiéncias ou até antevé-las e modificar scus rumos, sejam elas referentes ao meioambiente ou a biomedicina. Ou seja, ela deve se preocupar com todas as formas de vida, com o poder de manipulacéo da ciéncia seja em relacdo a vida humana, animal ou vegetal, pois todas elas podem ameacar 0 equiltbrio do planeta. « © compromisso em cuidar do poder da ciéneia ¢ acompa- nha-la significa orienté-la, a fim de evitar que o seu fazer seja dirigido por suas possibilidades téenicas © que o progresso esteja vinculado a esse entendimento. A ciéncia precisa ser in- centivada, porém de forma ética e voltada para o bem-estar ¢ 0 crescimento do ser humano, pois s6 assim podemos analisar © que é ou nao progresso. Asrecomendacées feitas, de fato, apresentam o que devem ser as caracteristicas da bioética. A elas se agrega o principio da democracia, necessario aos seus propésitos ¢ ao momento tual, Por exemplo, ainda vigoram, na relagao médico paciente, resquicios da ideologia medieval, em que a ordem deveria ser respeitada, pois havia sido estabelecida por Deus para a nossa felicidade. Transpondo essa légica para a relagdo entre médioo e paciente, 6 comum o médico exereer o dominio sobre esse, que deve aceitar © seguir os ditames de quem tem 0 poder da cura, Aldade Moderna, como dissemos, inaugura outra ideologia, baseada na autonomia e em uma ordem moral que deve ser escolhida pela consciéncia de cada individuo. Isso traz mudan- as na tradicional relagdo entre médico e paciente. Este passa a ter direito de opinar sobre sua saiide ou doenca e a forma como quer ser tratado, cabendo as instituigées sociais oferecer 85 condigbes para isso, Como diz. Von Zuben (1999, p. 5): “ Etica e Psicologia: teoria e pratica {...]ocritério de ‘beneficéncia’ (do lado do médico) devera doravante articular-se ao de ‘autonomia’ (do paciente) e, ambos com o critério de justiga (da sociedade) para todas as tomadas de decisio.” A especificidade de cada individuo destitui a ciéncia ¢ a ordem do seu antigo poder de ter uma tinica forma de condu- zir o tratamento ou de lidar com as pessoas. Cada individuo & considerado um microcosmo e sua situacio precisa ser analisada particularmente, Os profissionais devem procurar seguir um horizonte ético que privilegie a liberdade, a ustica social, entre outros prineipios. Sintetizando, podemos dizer que as principais caracte- risticas da bioética so: autonomia, pluralidade ¢ didlogo. Kapidamente, poderiam ser entendidas como auséncia de -arquia de uns sobre outros, também de um conhecimento wubre outro; respeito as diferencas e liberdade de expresso. Sebem entendida e aplicada, ela trard resultados favoraveis normes, De um lado, diminuiré os riseos que aciéneiaea téenica ‘sam representar, porque mesmo nao estando ao aleance de todos (seu fazer especialmente) sero conduzidas com ética. \ sexuranga que essa orientacéo representa também diminui ‘» rrsisténcias eontra elas, 0 que facilitara seu caminho, pois io a contar eom as contribuigées sociais. nda vale relembrar que ela nao precisa ter uma tnica «w te6rica e ideolégica; como vimos, nao o tem. O que nportante, porque possibilita o respeito as difereneas e 0 Joluste- ou embate de diregées, fator de crescimento e de re- san. Caso 0 posicionamento fosse de defender uma posigéo n:¢nea terfamos perdido muitas contribuigdes, como as ‘cous pela tendéncia religiosa, a primeira a colocar em sussain 08 riseos e poderes da ciéncia e oportunizar que 0 lisse iniciado. vs em mais Getalhes esses conceites ainda neste capitulo, a traba- é sn a normatizacao relacionada & bioétiea, especialmente a Resolugio 4 Elizete Passos Debate que nao se restringiu aos interesses que motivaram 0 seusurgimento, pois ela acompanhou o curso do desenvolvimen- to cientifico e das emergéncias sociais e do planeta, abrangendo, ‘como dissemos, um temério amplo que abriga tanto a pesquisa ‘basica quanto a aplicada, tanto as questées da biomedicina quan- todo meio ambiente, a fim de que sejam implicadas a dignidade do ser humano e o respeito & biodiversidade. Com base nisso, ou seja, na garantia de um horizonte éti- ¢o, ela se configurou em orientacao tedrica e ideolégica como também em normas sistematizadas, em leis ¢ resolueses, a fim de servir de forma mais prética as necessidades de esclareci- mentos dos implicados e garantia de sua vesponsabilidade. ALGUMAS NORMAS INTERNACIONAIS E NACIONAIS SOBRE A BIOETICA, No ano de 1969, o fil6sofo Daniel Gallahan o psiqui Willard Gayling eriaram 0 Institute of Society, Bilovand Held Sciences, em Nova York, com a finalidade de discutir questoes ticas sobre a biologia. Im 1971, foi a vez.de André Hellegrs fun- dar o Centro de Bioética, denominado Kennedy Institute. Neles a Preocupagio eraa mesma: abrir espagos de discussio, rellexiio © proposigao, até mesmo de normas, para orientar a conduta dos profissionais de todas as reas a que a bioética se estende. Hoje, os centros de pesquisa e as escolas de bioética estado distribuidos em varias partes do mundo, mas continuam con- centrados nos Estados Unidos e em paises da Europa, Em cada uum vigora uma identidade que passa pela situagio concreta do pais, seus problemas e emergéncias, bem como ideologia orientagao tedriea. Muitos seguem uma orientacéo religiosa, outros, a visio de médicos, ete. Para dar alguns exemplos, vale lembrar que aqueles dos Estados Unidos seguem valo. res individuais e dedicam-se principalmente a microbioética. “6 Etica € Psicologia: teoria @ pratica - As européias tomam caminhos opostos: além de centrarem-se na macrobioética, seguem uma tendéncia valorativa humani- zadora, Enquanto isso, a tendéneia dos latino-americanos 6 tratar as questées sociais, com destaque para aquelas referen- tes A pobreza, desembocando em um camino que articula a macrobioética e uma bioética classista (OLIVEIRA, 1995). Entre as escolas de Medicina, em especial da Medicina Legal, existe uma tendéncia em despolitizar a bioética e acre- ditar que a elaboragio de leis seja suficiente para sua pronta aplieagdo. Como conseqiiéncia, desde 1947 iniciaram as dis- cussées sobre a instituigao de normas, sendo aprovado nesse ano o Cédigo de Nuremberg. Nele, a preocupacéo bisica écom estudos que envolvam os seres humanos. As recomendacées so claras: as pessoas devem ter informacées sobre os procedi- ‘mentos em que serdo envolvidas e concordarem em participar do processo. Ainda assim, eumpre ao pesquisador zelar por seu bem-estar e evitar ou interromper qualquer estudo que possa levar & morte ou invalidez dos sujeitos pesquisados. Os itens 7 ¢ 10 do Cédigo nos dao a devida dimensio dos cui- dados. Respectivamente: “{...] devem ser tomados cuidados cespeciais para proteger o participante do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo remota.” O item 10 determina: © pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos experimentais em qualquer estégio, so ele tiver motivos razodveis para aereditar que a continuidade do experimento provavelmente causaré dano, invalidez ow morte para os participantes. "A énfase dada aoe cuidados com os seres humanos envolvidos em pesquisa, além de fazer parte de uma atitude ética que deve visar, sempre e em qualquer atividade humana, a satide e 20 bem-estar das pessoas, reflete o horror a que a Segunda Guerra Mundial submeteu o ser humano, em decorréncia da fixacio doentia de Hitler com a eugenia ea criagao de uma “raga pura” a Elizete Passos Mesino no pés-guerra, em nome. agora do progresso da ciéinei pesquisas contimuavam send desenvolvidas, erm sue dag lumanas eram ceifadas de forma“ re. Bamana ram oi ‘natural” e sem riénhuma A Declaracdo de Helsinki, na Finlandi : J , na Finléndia, aprovada na 18° Assembléia dos Médicos, no ano de 1964, reforea a preacupagao fm estabelecer limitos sobre a atividade cientifice gue hace brejudicial ao ser humano, Nela define-se que: “[..1€ missao ‘médico salvaguardar a satide do povo. O conhecimente o conseiéncia dele ou dela sao devotados ao cumprimonto deste missao.” O cuidado com pesquisa envolvendo seres humanos volta a ser o centro de tais preoeupagées. Além de recomans dar que elas s6 devam ser realizadas por profiesionais cnn competéncia reconhecida e sob absoluta condugio cientifes RIES seam prooatidas por andlise sobre o seu isos icios. O item 4 do t6pico sobre os Principios Basi Donen 0 tom incipios Basicos da A Declaracao explicita que os médicos devem per qualquer pesquisa se ela estiver trazendo soe pare ag Pessoas, prineipalmente se esses forem maiores do que os beneficios. Igualmente, legisla que os sujeitos envolvidos nas Pesquisas precisam ter total eonhecimento sobre a mesma " Domesmo modo, asatide nao significa acomodago, esta 40, uniformidade de agdo, mas autonomia e poder de. - Uma peso saudvel aquela que pode sabe esclher oquelhe {raz felicidade e bem-estar em todos os sentidos. O que nao the € permitide fazer quando ela é aprisionada em son ie ‘ituigao manicomial, pois lé a proposta ¢ inversa a liberda , {unto no sentido fisico quanto psfquico. Seu objetivo consis vm normatizar, adequar, silenciar as revoltas e atitudes que uibvertam a ordem dos valores socialmente estabelecida Wickert (1999) nao tem dtividas quanto a incapacidade «lo sistema manicomial na promogio da satide do individuo. Mirma que ele: “...] néo promove a saiide do paciente, visto ‘ue ndo permite a alteridade do individuo.” (WICKERT, 1999, 41). A autora desdobra e aprofunda esse entendimento, ‘Iizendo que essas instituigées padronizam o comportamento ‘Jus pessoas ali aprisionadas, ndo permite que elas vivam st 7 Elizete Passos 2 ides, o que alk Ao diminasi, 0 Seu sofrimento ainda sree ori em de no diminuie As instituigdes ofi anteriormente descritos e se sua satide ¢ dignidade. O que é possivele, até sendo uma prati ; » até certo ponto, jé vem sendo a ca de muitos profissionais, pois, diferentemente do carter ‘me- humano. Do mesmo mode, jé se pode falar de uma psicologia fi 1a psicol ue possui diferentes formas de tratar a s ibjetividade, a fim vez que 0 sujeito nao sera destitus r lestituido de sua individu, historicidade, ao contrério, olas serao incluidas assim come Suas circunstancialidades histérieo-sociais, meen 58 Etica e Psicologia: teoria e pratica ALGUNS PROBLEMAS ETICOS QUE ENVOLVEM A PSICOLOGIA. s profissionais da Psicologia! vivem no seu dia-a-dia de trabalho intimeras situagdes que os coloca diante da proble- matica da moral. Inicialmente, porque seu foco de atuacao 6 o ser humano, 0 que a priori ja o coloca na seara das relacSes e da necessidade de agir com consciéncia e respeito A espe- cificidade do outro. Nessa relacdo, em especial do psicélogo com o cliente, problemas como os relacionados ao sigilo, aos riiscos da sua violagao por parte de participantes de grupos te- rapéuticos, a0 atendimento de pessoas portadoras de doengas contagiosas, 0 valor a ser cobrado pelo servico prestado, até 0 conhecimento da pratica antiética de um colega de profisséo coloca diante de dilemas éticos. A esses problemas vao sendo agregados outros, decorren- tes da ampliagio do Ambito de atuagdo da Psicologia, com a abertura de novas areas a exemplo da Psicologia Juridica e da Hospitalar. Quanto a esta, o psicélogo passou a conviver com situagées de nascimento, doengas graves, morte, incon- formismos das familias; também estao diante de grandes e preocupantes questées relacionadas A bioteenologia: expe- viéneias com embriées, transplante, eutandsia, engenharia enética, como vimos em capitulo anterior. Todos eles geram medo e inseguranca e exigem reflexio © orientagdo moral sélida. 0 que nao se dé de forma facil e segura, porque vivemos em uma sociedade sem defini¢ao moral, em que existe, por um lado, os paladinos da moral, que nao conseguem traduzir suas sofisticadas teorias em pratica e, por outro, individuos comuns que vivem em busea da satisfagdo das suas necessidades e interesses, orientando-se pela “Lei do Gerson”. Isso desdigua em uma situagao dificil ¢ (Vlizaremos esse termo come sindnino de psicslogo. Bntdo, em alguns momentos, vwsaremos a palavra psielogo e, em outros, profissionais da Psicologia, 59 Elizete Passos constrangedora para quem quer ° procura agir cticamente. Blas ndo eneontram eco para 0 acu desejo nem explicacdes convineontes sobre o que significa uma atitude étiea e porque devem agir de determinada forms evitando outras. Segundo Drawin (1991), as pessoas esto desamparadas e sem modelos 6ticos a serem seguidos. Como os psicélogos devem se posicionar diante dos inime- 70s problemas éticos vivenciados por eles enquanto cidadaos € enquanto profissionais? Nossa resposta 6 clara e taxativa: le ndo pode nem deve compactusr, silenciar ou repetir ati- tudes que violem a liberdade, a dignidade ¢ os direitos da pessoa humana. Nada deve impedi-lo de agir eticamente ¢ de procurar parcerias na sociedsde capazes de fortalecer sua pritiea ética e estimular atitudes socialmente dignas. Agindo assim, ele estaré contribuindo para o advento de uma Sociedade mais ética, em que as pessoas tenham exemplos a serem seguidos ¢ encontrem apoio para colocar em pritica seu desejo de agir moralmente. Os profissionais da psicologia precisam tomar consciéncia da sua ‘mportncia nesse proces. $0, considerando-se que ela é uma pratica social que deve se fazer de forma politicamente engajada e comprometida com 6s direitos humanos. Do mesmo modo, eles sao fazedores de opinido porque, querendo ou néo, influenciam as pessoas com quem trabalham e sao vistos por elas e por grande parte da sociedade como pessoas que possuem um conhecimento poderoso sobre a “alma” humana, No plano mais estrito a sua prética profissional, ele nao pode se omitir, por exemplo, diante de situagdes em que a doenca mental torna-se instrumento para a manipulagao dos individuos, suprimindo seus direitos sivis, a convivéncia social © sua identidade. O psiedlogo precisa agir a fim de estancar esses procedimentos, investindo em novas priticas, analisan- do a doenea dentro do seu contexto histérico social e desen. castelando-se do consultério para viver, sentir ¢ trabalhar as randes questées sociais que motivam o sofrimento humano. 6 Evica e Psicologia: teoria e pratica Em sintese, ele precisa atuar em escolas, creches, abrigos, associagées, ou seja, em todos os lugares em que a existéncia humana se faz. COMPROMISSO ETICO DA PSICOLOGIA ‘Mesmo sabendo-se que a ética se dé na praia, 6 preciso reconhecer que a teoria também traz embutida uma dimen- sao ética ¢ sua escolha passa pelo compromisso ético ue brofisional, 0 estudioso, 0 ndividuo poss. Assim, “L.las tcoraspicolgiestém néo apenas consedténciaséica, me implieam em pressupostos éticos.” (DRAWIN, 1985, p. 18). Com isso, infere-se que nao existe ee ra, pois todas so perpassadas por valores e intencionalidades O destino das teorias é de se articular com a pratica, o que vismifica dizer que esenlher uma 6optar por uma forma de agi © psicogo por algum tempo fi prepara teenicamente pera ir, na ingénua compreensao de que a teoria nao tit - eae nase axiolégica, entretanto a formacdo atual desse pro! oe a «em investindo no repasse e na produgio de teorias psicolégi- us, por entender que elas fundamentam a pratiea ¢ orientam ws agdes. ante disso, os profissionais vim rooebendo uma ‘ormagdo que contempla teorias, téenicas, métodos, enfim, ‘orvamentas a serem usadas no seu dia-a-dia, No entanto, wwitis do que se conformar a ela de maneira mecdnica e sem vwllexdo, eles devem analisar seus aleances ¢ sua adequagio vos ideais sociais que o profissional possui. Conscientes disso, cis ineluir ness "bagagen” um nsmero maior deitens ‘Je vis6es, de diregdes, a fim de dar conta da pluralidade e da sversidade social e individual. ON conlker as “fertamentas” tedricas ¢ metodol6gicas, os osielogosdefinem seu compromiseoétieoe socal. Nonasso 10 de vista, eles serdo cticamente positivos quando as 6 Elizete Passos escolhas recafrem em teoria, métodos e téenicas que contri- buam para a autonomia do sujeito e para a sua emancipacio, isso significa? Para Marilena Chaui (1995), é atitonomo o individuo que nao se submete ao desejo do outro, aquele que tem cordigdes de escolher o caminho que considera mais adequaco ao seu bem-estar e a sua felicidade, do grego, autos, significa “eu mesmo”, “ quer dizer lei, norma, regra. E autonomo quem nao se conforma as normas impostas Por outros, mas pode escolher aquelas que lhes-sejam mais convincentes. Do mesmo modo, aquele que tem possibilidades de escolher o que é melhor para si, para a sua vida e néo quem 6 obrigaco a seguir um caminho determinado, Como dissomos 1no primeiro capitulo, ndo pretendemos com isso afirmar que o sujeito moral seja livre de condicionamentos, mas que eles no inviabilizam a escolha, apenas coloca algumas dificuldades, © compromisso ético do psieslogo jé se encontra explii- tado nos objetivos da Psicologia que, em sintese, consistem em ajudar o individuo a ser livre, Especificamente, das suas anguistias, suas ansiedades e seus medos e, no plano maior, em fortalecer e defender os direitos humanos, sem preconceitos nem sectarismos. Diante disso, na sua pratica profissional, mesmo sabendo que quando uma pessoa o procura esta dizendo que confia no seu saber ¢ na sua competéncia, ele nao pode usar isso como forma de estabelecer com ela uma relacdo vertical, pois estaria indo de encontro ao escopo da Sua profissdo e tendo uma atitude antiética, Arelagio ética, que deve firmar com 0 outro (o atendido), deve ser ée sujeito para sujeito, reconhecendo que ele tam. bém € portador de saberes e mais, de emogdes e sentimentos. Assim, sua acao deve ser respeitosa, cuidadosa e amorosa, © psic6logo e psicoterapeuta Marcos Alberto da Silva Pinto, em entrevista concedida no ano de 1994, a estudantes de psi cologia de uma universidade de Sio Paulo, assim se reforiu pois autonomia ‘si mesmo” e nomos 6 Etica © Psicologia: teoria e pratica a0 assunto: “O respeito ao cliente, o respeito consigo Proprio, ‘a atengéo e 0 respeito aos prdprios limites. Saber ol bas © outro e respeitar a sua direcéo, sendo apenas um fl od do processo do autr” (D'AMARAL; PERA, 2005, . 1). Tam- bém afirma que néo 6 ético o profissional que se impoe o atondido, pois assim retira dele o pader de escolher 0 seu inho, o seu destino. options que existem situacées em que a pessoa atendida precisa de maior atuagéo por parte do profissional, por nfo ser capaz de se responsabilizar pelos atos praticados. situagdes nfo podem ser enfrentadas da mesma mancira pois eda caso 6 um eo e necesita de uma andliseespectfea, Mesmo nesses quadros, 0 profissional nfo deve se abster se perseguir o objetivo de auxilaro indivduo a encontrar «poder fazer uso da sua lberdade, © que néo acontece le for tomado como um alienado que deve ser submetido a0 1 “curador”. ' "te ean difere totalmente daquele, em alguns a ientos, pereorrido pela Psicologia, quando ao Profission sl competia forneeer laudos, quase sempre descontextu: . ‘foeados na subjetividade individual, os quais serviam ape vs para classificar, rotular e controlar 2 pessoas, visando a van socialmente estabeleci : jhe participarem de pericias e elaborarem Imus, por exemple, continua existindo; porém, com ou tr orientagio étiea em muitos easos, Tamm 0 pictlogo passou a fazer parte de comissées técnicas e de equipes le mn, assim como vem sendo demandada sua atuacéo na «1 familiar, entre outros. Em todas essas situagées, el le precisa se questionar acerca do seu fazer, do papel das ine ‘tuigdes piblieas, entre outros, conscientes de ase nfo plem transformar sua fungdo em burocrética e legals \ ole compete oferecer oportunidades para o crescimento iu individuo, ajudé-lo a reorientar sua vida e estabelece a Elizete Passos novos vinculos sociais. Confirmando esse compromisso ético, Miranda Jiinior (1985, p. 31) nos diz: “Alguns profissionais, entre eles o psicélogo, tém hoje a ardua missao dé fazer ouvir © que querem calar. para calar, inclusive ja crucificaram,” Mesmo sendo possivel identificar o avanco dessa tendéncia, ha? quem acredite que os psiedlogos nao esto totalmente comprometidos com essa nova postura ética, reduzindo sua atuacdo em reafirmar a identidade do individuo, ‘Tem razdo quem assim pensa se considerarmos que o modelo ético hegeménico na sociedade e para*muitos pro- fissionais continua sendo o de base metafisica, centrado em Prinefpios a-histéricos, ou de inspiragéo naturalista e ainda biologica e tecnolégiea. Todavia elas vém sendo rechagadas em virtude de nao darem conta do sentido e do significado das ages humanas, como: por que o casamento homosexual ndo ¢ aceito em nossa sociedade? E a eutandsia? No caso de fertiligacio e inseminagéo artificial, como fica a questo da paternidade? Essas sio quest6es também do campo de atuagao do psi- célogo, porque ele passou a fazer parte de equipes de satide © porque elas influenciam no conceito de vida, morte entre outros, interferindo na subjetividade dos sujeitos. Assim son- do, a ética tradicional baseada em coneeitos universais quase sempre desconexos da realidade, néo é capaz de satisfazer as necessidades dos profissionais da drea; reivindica-se uma ética de inspiragao sécio-historica. O novo modelo de étiea, como jé dissemos em momento anterior, no autoriza o profissional a ver o diferente como desigual; nao permite que ele faca generalizacies acorea da satide mental, mas que a analise separadamente e de forma “0 ascunia 6 discutido por alguns autores, enfre eles Céio José Preire (2008), em tsgo inttulado A Psicologia a servigo do cutro:éicaecidadania na price pice, login 6 } Metropolitana Etica ¢ Psicologia: teoria e pratica contextualizada; nao refc a tendéncia da sociedad? de silen- ciar os invnformados com a ordem estabelecida, Ble conduz os profissionais de satide mental, entre eles 08 psicélogos a discutirem o sofrimento do outro de forma séria e amorosa, vi ‘ontrar solugdes. ee dlivida, case eaminho ndo reforgara as atitudes de exclusao, a segregagio, nem o desrespeito pelas diferengas e serd um reforgo para o estabelecimento dos direitos humanos. (0 que muito tem para ser feito, pois, como entende Miranda Jinior (1998, p. 37): “Trabalhar pelos direitos do homem 6 ‘arefa que a humanidade mal comecou a compreender. E neste comeco deverfamos evitar o erro de reduzir estes direitos ao reconhecimento do estado de vitima.” A ETICA NA PSICOLOGIA COMO CAMINHO PARA O RESPEITO AOS DIREITOS HIUMANOS, 0 debate sobre os Direitos Humanos, infelizmente, s6 teve ‘wivio apés a viveneia da violagao total de qualquer respeito a sha © & dignidade da pessoa, especialmente apés a Segunda ‘Guerra Mundial. A partir dai, diante das barbaridades pratica- lis. soviedade deixou de responsabilizar os individuos pelos sstrimentos a que eram submetidos ¢ 0s assumiram como “cri- ws contra a humanidade” e de responsabilidade dos poderes| onstitufdos, Nas palavras de Tidball-Binz. (2000, p. 12): aiénea internacional deapertada pelo horror dos compos de extern la tac eames nos mesmos conatitui, som divide, um eatalsador para a eimergéneiae conslidagio de uta nova sensibilidade © dumm compromisso global contra a vilagto doe DH. ¢ seus efeitos. s Elizete Passos Diante da consciéncia de que os crimes praticados contra 0 individuos eram da responsabilidade dos governos, muitos instrumentos legais foram elaborados, a fim de barré-las e punir seus autores. O mais significativo entre eles possui mais de 50 anos, a Declaracdo Universal dos Direitos Humanos, aprovada no dia 10 de dezembro de 1948, pela Assembléia Geral das Nagoes Unidas (ONU), com a presenga do nosso pais. © sen preambulo evidencia os objetivos que pretendia atingir, exteriorizados no ¢lenco dos sous considerandos. Neles fica claro 0 compromisso com a liberdade da pessoa, 0 respeito A sua dignidade, a igualdade de direitos ea defesa da justica e da paz mundial. Além disso, destacam: “A liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade, foi proclamado como a mais alta aspiracdo humana” (ONU, 1998, p. 2). Fissa exigéncia ¢ justifiedvel, considerando-se que 0s se res humanos sempre foram hierarquizados e, a partir disso, seus direitos foram estabelecidos. No Brasil, do final do século XIX ¢ inicio do XX, 0 discurso médico, reforgado pelo dos psiquiatras, depois dos sociélogos, antropélogos entre outros, legitimava as desigualdades a partir de argumentos considerados cientificos, mas que, de fato, eram de origem ‘moralista e ideolégica. Por exemplo, os negros eram vistos: como degenerados, inferiores ¢ anormais, o que justificava seu tratamento desigual e autorizava as autoridades cientificas da época a investirem na sua domesticagio e, mais ainda, naluta por conseguir chegar a uma “raga pura”, entre outras formas, por meio da proibigéo de uma “procriagéo defeituosa”. Outras iniciativas consideradas cautelares ou reparadoras cram defondidas: esterilizagéo de loucos, mendigos e pobres, tidos como parasitas, pois improdutivos. Chegou-se ao grande poder que os médicos pussaram a ter sobre a forma de vida das familias e a tutela da classe trabalhadora, no caso, tendo em vista ajustéla aos modelos de produgao vigentes e aos prinefpios morais estabelecidos (COIMBRA, 2000). 6 Etica e Psicologia: teoria e pritica No fundo, o quese pretendia era adequar as pessoas & ordem social, visando & estabilidade da governabilidade e 20 impedimen- to de qualquer reacéo que significasse perigo A sua continuidede. isso, além dos profissionais j4 mencionados, foi de grande valia a contribuigéo da Psiquiatria e mais tarde da Psicologia. Hoje, nem o Brasil nem 0 mundo se ressentem de normas ¢ leis explicitas que se proponham a barrar e orientar a huma- nidade em prol do respeito aos direitos da pessoa, contudo continuamos presenciando cotidianamente sua violagao. Diante do que algumas perguntas se colocam: o que continua reforgando tal descaso? Por que as leis nao sao cumpridas? (0 que a sociedade pode fazer diante da violacdo dos Direitos Humanos e, especialmente, 0 que os profissionais da Psico- logia vém fazendo e o que ainda precisam fazer? ‘Como o nosso interesse nao consiste em alargar a discussa0 ‘em diregdo ao macrossocial, e sim focalizar no micro, ou seja, na agao de uma categoria profissional, mesmo sabendo que isso nao pode ser feito de forma descontextualizada, faremos algumas reflexes ampliadas, antes de focalizar no que inte- ressa a discussao especifica. A primeira referéncia que faze- ‘mos, remete-nos aos capitulos anteriores, principalmente ao primeiro, quando dissemos que a lei nao é uma garantia para sua concretizagaio na pratica. Muito mais do que imposicao, a mudanga de comportamento ou a assuncao de uma nova forma de ser implica consciéncia e convencimento da sua importancia. Assim, a motivacao nao pode vir de fora, amass do intimo dos individuos. Também a defesa de que a impuni- «lade é 0 principal motivo da violagéo das normas nao deixa dc ser um estimulo, entretanto ela assim o serd se vivermos ¢m uma sociedade em que as bases morais nio estiverem hem definidas ¢ os exemplos contribuirem para a repetigéo ‘le tais praticas. Concordando com Arantes (2000, p. 65): Nao ha como conceder direitos humanos sem a obrigacdo de garanti-los. Sendo, fica-se meramente no plano tedrico, (ormal, abstrato.” o Elizete Passos Quanto aos psicélogos, na visdo de Cecilia Coimbra (2000), profissionais da subjetividade humana, nao Thes é permitido ‘acomodar-se diante da violéncia contra os Direitos Hutmanos , muito menos, usar seu saber e suas ferramentas profissionais para levar os individuos a se acomodarem diante do seu so- frimento fisico e mental. Fisico, porque os direitos Humanos devem incluir os direitos de ordem social ¢ econémica, caracte- rizados pela fome, pela violéncia a que as pessoas encarcera- das normalmente sao vitimas, por torturas, violencia contra mulheres ¢ criancas. Contudo, ainda mais sérios séo os de ordem mental, mais profundos, dificeis de serem superados quase sempre invisiveis. s problemas referentes ao desrespeito aos direitos da pessoa sao graves e se avolumam a cada dia. Como dissemos anteriormente, existem novas vitimas: homens, mulheres, criangas, negros, homossexuais, indios, enfim, os desprote- gidos. Seu clamor se faz ouvir ¢ exige agées enérgicas e ime- diatas, nao 36 dos governantes, mas de toda a sociedade e das categorias profissionais. Inicialmente, porque o exereicio da solidariedade e da responsabilidade faz parte do ser humano € so elementos que 0 definem; do mesmo modo, porque se continuarmos fazendo de conta que o assunto nao nos perten- ce, estaremos decretando o fim da convivéncia social e, quigd, da vida humana. Com isso, o que estamos afirmando é que a violagio dos direitos humanos nao afeta apenas o violado e seus familiares, mas a sociedade como um todo. 0 compromisso ético da Psicologia com o respeito e for- talecimento dos Direitos Humanos, como vimos, é inerente a0 seu préprio objeto. O que nao foi suficiente para que ela, durante a sua histéria, tivesso atitudes coerentes com esse propésito. Alguns fatores contribufram para isso, a iniciar por sua heranca positivista, que exigia dos profissionais atitudes neutras, a fim de manterem a coeréneia com os prineipios da ciéncia positivista; no Brasil, a situacdo é agravada por ter seu desenvolvimento coincidido com um periodo de represséo. 6 Etica e Psicologia: teoria e pratica Esses so fatores que impediram ou dificultaram que ela crescesse de forma socialmente engajada, todavia, hoje, ‘esse engajamento é um imperativo. Ela busca se redimir da ‘omissao anterior, ser coerente com seu propésito basico e, principalmente, cumprir o seu papel ético, contribuindo para que as pessoas possam ser livres, cidadas e fraternas. Logicamente, isso nao poderd se dar se os profissionais em sua pratica fizerem coro com algumas pseudo-acées éticas que defendem que o ser humano precisa ser alegre ¢ feliz, por exemplo, como mais uma obrigacéo, uma conquista individual que deve ser buscada no seu intimo, deixando de lado seu aspecto social e suas condicdes coneretas de vida. Isso porque, como querem alguns estudiosos, a exemplo de Sawaia (2004), a afetividade é importante, mas nao de forma mecénica e obrigatéria. Outro cuidado que se deve ter 6 quanto a solidariedade e tolerdncia que a sociedade exalta a respeito das minorias, pois se nfo praticada de forma ética e politicamente comprometida pode resvalar em seu oposto, ou seja, além de nao contribuir para a sua emaneipacéo, seré uma forma de legitimar a exclu- so e manter os excluidos na condieao de vitimas e coitados. Diante de tal ameaca Sawaia (2000, p. 72) adverte: Essa perspectiva ético politica aumenta a responsabilidade do psieslogo, no debate atual sobre os direitos humanos, vvisto que sua ciéncia é o hugar legitimado de construcio de sentidos de sujeito e subjetividade. Precisamos refletir sobre as repercussdes sociais de nossas teorias e préticas. ‘Seré que elas nao estao criando semanticos apartheids e ‘conduzindo a novas formas de subordinacio. Essa preocupagao, que trax. embutida uma recomendacao, vom a qual coneordamos, delineia um ponto de vista atual da Psicologia quanto ao entendimento de que os Direitos Huma- nos devem ter por base a dignidade da pessoa, de modo que o Elizete Passos eles nao devem ser cindidos entre os sociais, econdmicos ou politicos, mas que sejam respeitados e garantidos todos os direitos fundamentais a uma vida humanamente digna. Vale lembrar, ainda que essa vertente esteja sendo firmada no momento presente, que a Psicologia jé possui uma his- toria nesse campo, por meio da postura de muitos dos seus profissionais de hoje, estudantes na década de 1970, quando o Pais vivia um momento de repressio, e estes tiveram uma participagao ativa nos movimentos de reacao ao regime e seus desmandos. A experiéncia serviu para que eles pudessem demonstrar e fortalecer sua consciéncia eidada e seu compro- misso com a emancipacdo individual ¢ social. Também vale registro a atitude pioneira do Conselho Federal de Psicologia (CFP) a época, ao nao se intimidar diante dos profissionais que colocavam sua competéncia técnica a servigo dos apare- Ihos repressores. Mais recentemente, em agosto do ano de 1997, essa vin- culacdo estrutural da Psicologia com os Dire:tos Humanos, ensaiada em muitos momentos, ganhou forma e consisténcia com a criago da Comissao Nacional de Direitos Humanos, do CFP. Seu objetivo principal é abrir a discussao entre os profissionais sobre os direitos fundamentais dos seres huma- nos, incluindo af 0s classicos presentes do documento de 1948 (Declaracéo Universal dos Direitos Humanos), como: direito vida, a seguranea, plena igualdade, a se locomover e a ter liberdade, entre outros. A esses foram acrescidos outros direitos, a partir das peculiaridades de cada nacio. No caso dos paises da Amé- rica Latina, os direitos econémicos e sociais se impuseram © continuam se impondo, pois, além da desigualdade e da exclusao visivel cotidianamente, estudos atuais confirmam que existem 220 miles de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Em nosso pais, as cifras sio alarmantes e exigem que toda a sociedade se mobilize para reverter o quadro: so nm Etica © Psicologia: teoria e srdtica 32 milhées de pessoas sem condigées para se alimentar, 61 tos de 300 mil criancas por ano, decorrentes da desnutri¢éo. Agravam o quadro a violéncia urbana, a situacao desumana em que vivem 0s nossos indigenas e os trabalhadores sem terra (MENDONCA, 2004). Como dissemos, a luta deve ser de todos, pois apesar de sermos individuos, somos também seres sociais e s6 nos rea- lizamos nas relagées ¢ na dialogicidade Isso ndo ocorre pra- ticando uma inclusao técnica, meednica, vendo o outro como menor e carente de protecio. O outro precisa ser reconhecido, como formaliza a Declaragao Universal, como ser de razéo, de sentimentos e de liberdade. Quanto a essa tiltima, somos Ievados a acreditar que ela depende apenas da vontade e da agao de cada individuo, sem levar em conta que sua condicao original de ser livre, depende de condigées satisfatérias para coneretizé-la. Por exemplo, poder ser livre um ser huma- no destituido de toda e qualquer condiedo material? Maria Rita Kehl (2004), em um artigo intitulado Subjetividade e Direitos Humanos, traz uma argumentagao extremamente coerente com 0 que pensamos, ao afirmar que a necessidade priva o individuo da sua condigao de sujcito e, assim, ele nao teré condigoes de ser livre. Conelui o racioeinio dizendo que cla 6, portanto, uma forma de exclusao do individuo de sua condigdo humana. Apesar disso, a exelusdo ndo se caracteriza apenas pela falta de emprego, mas pela qualidade do emprego, pelas con- ligées de trabalho, pelo lugar em que o individuo € colocado rele, Também no se coneretiza apenas por nao se ter direito \ educagdo, mas por ter uma educagao de péssima qualidade, 1jue nao possibilita que o individuo eresga como pessoa, de- senvolva suas potencialidades criativas ¢ seus talentos. Com isso, queremos afirmar que 0 compromisso dos go- vernantes, da sociedade e dos profissionais, destacando-se os ysie6logos com o fortalecimento ¢ o respeito com os Direitos Humanos, deve ultrapassar a agées caritativas ou filantrs. n Elizete Passos Picas ¢ atingir 0s valores, 0 compromisso filos6fico e a ética, voltados para a emancipagéo, para a cidadania e para a in- clusdo social. Infelizmente, ainda estamos longe de aleancar cesses objetivos, pois, por mais que se tenha falado e se fale em direitos humanos, eles so continuamente desrespeitados, como vimos em passagem anterior. Asituacéo torna-se mais grave porque, além de néo ser en- frentada, ainda se busca mascaré-la por meio de argumentos e praticas supostamente éticas. Diante disso e para sustentar nossa argumentacio, relembramos o Artigo XXIX da Declara- cdo Universal: “Todo homem tem deveres para com a comu- nidade, na qual ¢ possivel o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade (...]” (1978, p. 26). Ha, no texto, de forma explicita, a responsabilidade da sociedade e, assim, de cada cidadao e cidada com as condigées do planeta em que vivemos, da comunidade a que pertencemos, de cada ser humano com 8 quais nos relacionamos; com isso, estaremos também nos preocupando conoseo. Porque, como jé referimos e ja havia sido preconizado remotamente por Aristételes, somos animais politicos, ou seja, vivemos na polis, na cidade, em relacéo. Assim, néo basta cuidarmos dos nossos interesses, de nés mesmos, para sermos felizes e conseguirmos crescer como pessoas, é necessdrio que possamos conviver com pessoas que também sejam sujeitos de direitos na teoria e na pratica, No que se refere ao papel da Psicologia nesse processo, mui- to jd dissemos, contudo, uma sintese pode ser feita a partir da posigéo Keh! (2004), ao afirmar que os cidadios deveriam ter vergonha de conviver com a de falta de ética, de desrespeito aos seres humanos. Nisso, ela inchui os psicélogos, alegando que, ain- da que nao sejam responssiveis pelo que ocorre, devern trabalhar com essa idéia de vergonha. Vejamos em suas palavras: ‘Tenho a impressio, entao, que a psicologia deveria comegar 2 trabalhar um pouco com essa idéia de vergonha, a ver- gonha que tem a ver com a nossa participagio no espaco n Etica e Psicologia: teoria e pratica pPiblico, om nossa imagem pablica e com os noses ideais, ppara que possamos construir uma sociedade da inclusio. (KEHL, 2004, p. 40) ‘Apés delinearmos o caminho da ética no campo da Psicolo- gia de maneira geral, destacando que ela deve levar & defesa. dos direitos fundamentais da pessoa, ainda demonstrado que. esse deve ser um compromisso de toda a sociedade, especial- mente das categoriais profissionais organizadas, como a dos. psicélogos, no capitulo seguinte focalizaremos nossas reflexdes. sobre a étiea nas priitieas dos profissionais da Psicologia. I ETICA PROFISSIONAL V E PSICOLOGIA ‘No capitulo anterior, delineamos filosoficamente 0 compro- misso ético dos profissionais da Psicologia, sua relagao com o outro ea prétiea que devem ter, visando ao fortalecimento © respeito aos Direitos Humanos. No presente, nosso obje- tivo 6 focalizar a atengao na ética profissional, ou seja, nos valores que devem orientar a conduta dos psic6logos. Para isso, iniciaremos por uma discusséo sobre o que entendemos por profissio e por ética profissional; faremos uma incurs8o pelas atividades principais dos profissionais da psicologia; discuitiremos 0 que consideramos como sendo as qualidades de um profissional, em especial da rea, para, por Ultimo, analisar o que significa um cédigo de ética e focalizar pontos ‘que consideramos importantes do Cédigo de ética dos Profis- sionais da Psicologia, assim como outras normas referentes a esta profissao. ETICA PROFISSIONAL ‘A palavra profisséio vem do latim ~ professione ou de pro- Jessio ~ e significa ato ou efeito de professar e quem professa explicita o que acredita: uma crenea, valores, compromissos, te, De forma geral, consideramos como profissao 0 exercicio Etizete Passos continuado de uma tarefa que tem em vista atender aos inte- esses de outras pessoas. Assim, além de pressupor competéncia tedrica e técnica, também se exige do profissional cafacidade emocional e postura ética. Muito mais do que a realizagao de tarefas mecinicas, sem reflexio e direcionamento dos seus objetivos, o profissional precisa agir sabendo o porqué, a quem serve, o que pretende atingir e quais as conseqiiéncias do seu fazer, por exemplo. ‘Também a reflexio sobre sua prética é fundamental para que suas tarefas atinjam a eficiéncia e a eficdcia que se espera de todo profissional. Outra dimenséo da profissdo que deve ser considerada é @ identificagéo do profissional com a mesma, pois s6 assim ele vai realiza-la de maneira alegre e com prazer, o que, por sua vez, estimula um melhor desempenho. Isso nos remete 4 importéncia da escolha da profissao, pois se ela nao se der de forma verdadeira, respondendo a um impulso interno, deixaré de ser uma forma de realizagso para tornar-se castigo e desprazer, A profissio deve ser escolhida de forma consciente, ava- fiando-se as tendéncias dos individuos, o desejo em se dedi- car a ela e sua importancia social e pessoal. Infelizmente, cada vez mais as pessoas estdo sendo levadas a fazer essa escolha em tenra idade, quando ainda nao tém certeza dos seus desejos nem consciéncia politica clara. Também é comum serem incentivadas pela “socicdade do ter”, que toma realizacao profissional como sindnimo de econémica e de Posicao social, a escolher 0 que ndo tém tendéncias nem prazer de realizar. Enecessario que o sujeito tenha claro que ao optar por um fazer, estd anunciando o seu compromisso e comprometendo- se a exercé-lo de forma a prestar A sociedade o servigo que ela precisa naquela dea, Assim, 0 seu aspecto ético e também pessoal se apresenta, pois é por meio do exercicio profissional 7% Etica e Psicologia: teoria e pratica que as pessoas realizam seus objetivos, colocam em priitica suas habilidades, tornando-se titeis A sociedade. No dizer de Lopes de Sé (2001, p. 151 ‘A profisso nao deve ser um meio, apenas, de ganhar pela vida que ela proporciona, representando uma pro- fissao de fé. Seus deveres, metas, acepcao nao sao impo- sigdes, mas vontades espontaneas. Isto exige, portanto, que a selecéo da profissao passe pela voeacio, pelo amor 0 que se faz, como condicao essencial de uma opgao. Do ponto de vista técnico, 0 profissional nao pode se aco- modar, mas buscar atualizar-se sempre; pois, como se sabe, © ritmo das informagées na atualidade 6 grande e elas sao facilmente superadas, de modo que, se ele néo estiver se informando continuamente, nao terd condigbes de prestar um servigo de qualidade. Mais sério ainda 6 a coeréneia em relagdo a verdade sobre sua competéncia, Ha quem anuncie ter condigdes de realizar determinada funcéo, sem estar satisfatoriamente preparado. Essa é uma atitude antiétiea, pois é desonesta e poderé resvalar em conseqiiéncias nefastas, direta ou indiretamente, para outras pessoas. Apesar da sua importancia, a competéncia técnica por si 86 nao faz o profissional, mas sua falta ou o uso da téenica desacompanhada da étiea pode causar prejuizos sérios e, até, incorrigiveis, portanto 0 profissional precisa realizar suas ngdes de forma séria, consciente e comprometida. De nada adianta ser teenicamente preparado se néo age de mancira «tenciosa, dedicada e cuidadosa, Isso, por sua vez, pressupde tempo para realizar e acompa- har o resultado do que foi feito. Afinal, o profissional nao é responsavel apenas pela execucao, mas pelas conseqiiéncias do «ye produziu e isso implica ter tempo habil para acompanhar, waliar e ajustar, se houver necessidade. Quem se dispie a ‘wer algo sem ter competéncia nem tempo estara tomando. n Elizete Passos uma atitude antiétiea, pois nao correspondera a confianca nele depositada, podendo acarretar erros e prejufzos a quem confiou em sua palavra e supostahonestidade, ” Todas as profissées exigem pereepgao integral do objeto, competéncias: cientifica, emocional e ética, pois todas elas ossuem um valor social e devem ser fruto de escolhas cons- cientes e comprometidas. Entretanto, espera-se muito mais daquelas responséveis pela assisténcia social, educagao e satide, por quanto de conseqiiéneies elas podem acarretar ao bem-estar do ser humano, Diante da importéncia do fazer profissional para o indivi- duo que o realiza, para as outras pessoas e a sociedade como um todo, considerando-se que ele implica relacdes humanas muitas vezes complexas, como a que se estabelece entre um. profissional de satide e uma pessca que necessita dos seus servigos, levando-se em conta que vivemos em uma sociedade capitalista, na qual vigoram o individualismo, o egoismo e 0 desejo de levar vantagem, entre outros, a existéncia de uma 6tica profissional se impée. O que significa ética profissional? Hé quem a considere como uma Deontologia, ou seja, como o tratado dos deveres que devem ser cumpridos pelos profissionais de forma impe- rativa. A palavra foi usada pela primeira vez como ciéneia dos deveres, por Jeremy Bentham, em 1934; entretanto, pretendia-se que ela fosse um conhecimento que serviria para conduzir os individuos ao prazer, evitando-se o desprazer ea dor, Era uma forma de os seres humanos administrarem suas ‘emogées, a fim de usarem-nas em beneficio proprio. O termo vem do grego déontos, que significa necessidade, mais log(o) — existe nele a idéia da obrigagao dos individuos seguirem normas. A evolucdo desse entendimento levou a identificd-la, presentemente, como o tratado dos deveres a serem seguidos em determinadas relacées sociais, principal- mente nas de cardter profissional. 78 Etica € Psicologia: teoria ¢ pratica Desde a origem das relagdes humanas que se estabeleceu 8 necessidale de normas que pudessem orientar as relagies interpessoais. Isso a prineipio, como dissemos, como forma de controle dos instintos, das paixdes e dos impulsos que poderiam levé-los a caminhos prejudiciais a eles eaos outros. A orientacio moral serviria para conduzir tais impulsos ao bem, ou seja, & pratica de agées que fossem importantes aoseu bem-star ¢ a0 dos outros. Contudo, como vimos no primeiro capitulo, a ética niio pode ser reduzida a um tratado de deveres, nem mesmo a ética profissional. Ela deve ter um lastro filos6fico, um ho- rizonte a ser perseguido que define a concepgio de mundo do sujeito e seu compromisso social. Dito isso, queremos afirmar que a ética profissional comporta uma deontologia, mas nao consiste apenas nela. Conforme Camargo (1999, p. 31-32): ‘A ética profissional é a aplicagéo da ética no campo das atividades profissionais; a pessoa tem que estar imbufda de certos prineipios ou valores préprios do ser humano para vivé-los nas suas atividades de trabalho Oautor conclui mostrando quea ética profissional édiferen- tedadeontologia, mas articula-se com ela. Entretanto, 6 ela que consiste no “[...] estudo dos deveres especificos que orientam o agir humano.” (CAMARGO, 1999, p. 32) e no a ética que, como dissemos, pressupée uma orientagio filoséfica. Em sintese, a ética profissional é uma postura humana diante da vida e do mundo, embora seja explicitada por meio dle valores que orientam a conduta das pessoas que desenvol- vem uma determinada profissio. Os principios orientadores «da conduta dos profissionais sio de grandeimportancia, a fim de garantir a convivéncia saudavel, harmoniosa e construtiva centre eles, deles com as pessoas a quem prestam seus servicos, com a equipe de pessoas da qual faz parte, com as empresas ‘onde trabalham, etc. Como sua margem de aplicagéo limita- sea.um cfreulo profissional, as normas que dao forma a profissional sao mais especificas e objetivas. n Elizete Passos IMPORTANCIA DA ETICA PROFISSIONAL Sabe-se que a organizacéo dos trabalhadores em grupos profissionais tem sua origem na longinqua Idade Média, com as corporacées dos arteséos, inicialmente. Hoje, chegamos a ter agremiagbes de trabalhadores de grande poder politico capazes de influenciar nas decis6es da sociedade e defenderem fortemente os interesses dos associados. Nao resta diivida de que esse tipo de organizacéo constituiu-se em uma signifi. cativa conquista profissional e social, desde quando ela nao se volte para interesses meramente corporativos, visando ao bem-estar de uma classe em detrimento da sociedade ¢ 8 valorizagéio de tudo o que venha do grupo em detrimento da étiea. Avé porque, eomo ja dissemos e confirma a opiniao. de Lopes de $4 (2001, p. 116): “A classe profissional é, pois, um grupo dentro da sociedade, especifico, definido por sus especialidade de desempenho de tarefas.” ‘Deve haver sempre, em qualquer area profissional, um compromisso com os interesses © as necessidades sociais, Porque o trabalho é um fazer social, tanto pelo que ele produs de conereto quanto pelo que pode trazer de contribuicao, no sentido ético de promogao da harmonia, respeito a diferenca, tolerdneia, altruismo, solidariedado, ete Isso coloca sobre os profissionais uma grande responsabili- dade, pois, além de ser uma peca importante no fortalocimento da profissao, por meio do seu exercicio profissional, tam deve ter consciéncia dos seus deveres sociais e empenhar-se em cumpri-los satisfatoriamente. A ele nao é permitido agir de forma antiétiea porque assim a sociedad o faz, ou porte essa 6 a forma de se comportar de alguns colegas de profisséo. ‘Mesmo sabendo que eles antes de serem profissionais sao par, tes de uma sociedade e recebem influéncias dela, tambénn sé seres de razao e de. discernimento edevem agir com autonomia: responsabilidade. 80 Etica e Psicologia: teorla © pratica No aspecto mais especifico do compromisso étioo com a profissio, a orientagio ética é também imprescindivel, pois cada classe profissional é constituida por individaos, com formagées diferentes, anseios, desejos, frustragées; também convivem em ambientes de trabalho diversos quanto a sua cultura, hierarquia, rotina e valores. Tudo isso pode levar a relagées dificul:osas, senao destrutivas e impeditivas do cre: cimento e desenvolvimento de cada um, dentro do todo. Para fazer frente a isso, cada profissional precisa tomar para si o compromisso ético de nao compartilhar de ages que coloquem em risco a harmonia e bem-estar social e individual. Mesmo sob a ameaca de sofrer punigées e perdas, ele deve ser integro e coerente com seus principios e convicgées. O preco ser pago quando declinamos dessa coeréncia interna pode ser a satide fisica e mental, agravadas pelo descrédito social © pessoal. - Domesmo modo, todo profissional deve saber que existem algumas qualidades éticas fundamentais que nao podem ser negligenciadas, sob qualquer tipo de argumento. For exem- plo, dele se espera uma acao zelosa e cuidadosa, visando a preservar a qualidade dos servigos prestados, a fim de nao prejudicar outras pessoas, assim como porque um servigo malfeito seré alvo de eriticas por longo tempo, apésa conclu- sao da sua execugao. Pode-se reconhecer um profissional descuidado em varias situagdes: quando inicia uma tarefa e a deixa pela metade ou inconclusa, delega a outrem a execugao de algo que assumiu, mesmo quando néo conhece suficientemente a eepacidade desse terceira, quando a faz sem interesse, sem vontade e com descaso. Lopes de SA (2001, p. 178), assim, resume o que ele chama de falta de zelo: “Considero, pois, falta de zelo o deixar le cumprir tudo 0 que se faz necessrio para 0 desempenho oficaz de uma tarefa cuja responsabilidade se assumiu.” Nio énecessdrio dizer que esse tipo de postura nao podeser accitaa 8 Elizete Passos de um profissional, pois dele se espera um fazer sério ¢ com- prometido, a fim de nao provocar danos materiais e morais. O autor citado conclui seu conceito sobre o que considera uma atitude profissional, nesse sentido: “Zelo nao se confunde com. competéncia superior, fama, cargo, poder nem com aparato de luxuosos instalagées.” (LOPES DE SA, 2001, p. 181) ‘Também se espera de um profissional que aja com hones- tidade, fazendo Jus a confianca nele depositada por quem Procura seus servicos. Uma pessoa que engana e lesa a confianga dos outros esta sendo desonesta. Nesse sentido, estamos diretamente no campo do comportamento moral, em {ue nao hé espaco para hierarquizacio da atitude desonesta, do tipo, “foi s6 uma mentirinha”. De fato, foi uma mentira, uma burla e basta. Até porque, o que est em questo nao é © tamanho da burla, mas o cardter do sujeito; quem 6 capaz de um pequeno ato desonesto, por que nao sera de outro de maior monta? Também em qualquer uma das situagées erros Sao cometidos e prejuizos acarretados e quem podera dizer so ele foi pequeno, grande ou médio? Duas outras qualidades fundamentais exigidas de um profissional sao 0 sigilo e a competéncia. Quanto ao primeiro, faz-se necessirio distinguir sigilo de omissdio. Muitas vezes, © profissional omite-se diante de uma situacgo que deveria ser esclarecida por comodidade, alegando estar cumprindo a exigéncia do sigilo profissional. Ainda seguindo o pensamento de Lopes de S4 (2001), a quebra de sigilo s6 se daria quando o Profissional revela o que foi Ihe eonfiado sob reserva a quem nao tem nenhuma necessidade de saber, pois em nada poderé contribuir para a solucéo do problema compartilhado, Com relacdo & competéncia, infelizmente estamos diante do reino do faz-de-conta, no sentido negativo, ou seja, da dis. toredo do real, do oferecer algo que nao se pode dar ou nao se tem. Muitos sao os supostos profissionais que se ‘Propdem a fazer algo para o qual néo esto preparados. Como dissemos antes, uma das caracteristicas do profissional é a competéncia 2 Etica © Psicologia: teoria e pratica téenice, a capacidade de exercer tal oficio ou realizar a eon- tento 0 servigo oferecido. Pessoas que se comprometem a realizar uma tarefa para a qual néo tenham competéncia esto sendo desonestas, enganando e desrespeitando a con- fianga que Ihes foi coneedida. Elas também podem comcter cerros, oferecer servico de qualidade duvidosa ¢ ultrapassado ede pouca valia. 1 ; profissional nao deve se acomodar diante da formacio basica recebida, sua formagéo deve ser encarada como um. ‘proceso continuo, a fim de se atualizar e se aperfeicoar cotidianamente. O que s6 acontecerd se ele tiver um senso eritico © uma postura humilde, de quem sabe que nao é dono da verdade, que o seu conhecimento ¢ relativo e que existem outras pessoas com quem ele pode ensinar e aprender ou $6 aprender. ; Os avancos cientificos e teenol6gicos precisam ser persegui- dos por quem se dedica a um fazer profissional, mas de manei- a cuidadosa e sem encantamentos ou preconceitos, pois cles poderdo levar a aceitacdo das “novidades” apenas por vaidade, para se sentir atual, ou fechar-se a elas e acharem que nada ‘em para aprender. Ambas as situagées so antiprofissionais, pois nao decorrem da critica, da reflexao eda escolha séria ‘que levaré a um melhor desempenho profissional ¢ na oferta de servigos de maior valor e beneficio social. Por tiltimo, vale salientar que a atitude competente do profissional ndo condiz com preguiga, deseaso e vaidade. Formagéo continuada, atualizagio e oferta de servicos de ‘qualidade material e valor social exigem estudo, dedieagio, {roca ¢ pareerias, Do mesmo modo, de nada adianta a com- peténcia se ela nao se reverte em beneticios disponiveis para | sociedade, pois tanto é comprometedor eticamente a falta le atualizagao e de competéncia técnica, quanto possui-la ¢ nio reverté-la em beneficios sociais; no colocé-la a servigo de quem dela necesita, 3 Elizete Passos Posto isso, do ponto de vista da ética profissional em geral, Procuraremos nos dedicar & ética dos profissionais da psico- logia, iniciando pela reflexao sobre as areas tradicionalmente trabalhadas por esses profissionais, AREAS CONSOLIDADAS DE ATUACAO DO PSICOLOGO - Estudes comprovam que apesar do grande potencial da Psicologia, sua atuagéo continua sendo restrita, tendo como principal érea a clinica, exercida pelos profissionais em tempo parcial e voltada para uma clientela de maior poder aquisitivo. Apesar da constatagio anterior, também 6 possivel observar que ela esta se abrindo para novas dreas de atuacdo e nova clientela. Ainda que se saiba que essa tendéncia se encontra €m processo, ela representa uma possibilidade de maior Participagéo dos profissionais nos servicos oferecidos A so- ciedade, A perspectiva que se abre coloca em questdo a formacao de que 0 psiedlogo(a) vem recebendo e a conseqiiente ne- cessidade da construcao de novas teorias e téenicas capazes de responder as novas demandas, em especial, as especificas de Paises em proceso de desenvolvimento como 0 Brasil, uma vez que muitas delas aqui utilizadas sio de origem estrangeira © adequadas aquelas realidades em que foram elaboradas, De acordo com Bastos e Achcar (2001, p. 318): “Reivindica. Se, portanto, uma postura mais ativa do psicélogo no tocanto & gerar conhecimento e ajustar 0 seu conhecimento ¢ sua pratica mutuamente.” Quanto a isso, o Conselho Federal de Psicologia, em publi- ‘cagho de 2001, relembra que a profisséo foi regulamentada no Brasil no ano de 1962 e uma década depois, especificamente a Etica e Psicologia: teoria e pratica no ano de 1975, jé era possivel encontrar trabalhos individuais ¢ institucionais questionando a formacao do psicélogo. Colo- cava-se em discusséo sua grade de disciplinas, as diretrizes te6rico-metodol6gicas e o curriculo como um todo. Na base dos questionamentos, achava-se a compreensao que os profissio- nais néo estavam tendo uma formagao adequada a fazer frente as mudaneas sociais ¢ suas novas demandas. Como conse- qiténcia, na década de 1980, 70% dos cursos existentes fizeram algum tipo de modificacéo no seu curriculo, entretanto nao foram mudaneas de base e sim pequenos ajustes (WITTER, 1992), insuficientes para resolver o problema. a Nesse bojo, também foi colocada em questo a diregao que a formagao do profissional de psicologia deveria ter: se goneralista ou especializada? Se mais teérica ou mais pratica? Ainda, que tipo de pro‘issional ele seria: liberal, como foi sua inspiracao inicial, ou assalariado, como os novos tempos esta- vam apontando? Em relagdo a este ltimo questionamento, Duran (2001, p. 357) afirma que a pauperizagao da sociedade nao tem deixado aos profissionais muitas opgoes que nio seja a de se tornar um profissional assalariado: A realidade do eresconte assalariamento do paicdlogo, fru- to do empotrecimento coletivo resultante de condicoes ‘econémicas nacionais desfavordveis, deve levar a uma revisio de préticas de formacao inspiradas no modelo de profissional liberal e ainda impregnadas de preconeei- tos contra o trabalho em situacées institucionais. As condiedes da reslidade brasileira e suas conseqiiéncias nna formagao e na pratica dos profissionais da psicologia coloca- ram em foco até mesmo as areas consagradas de sua atuagao ais como: a organizacional, a educacional, a clinica ea social. "Disotitemos esas dreas, no momento, de forma superficial c com foco no interes Jw capitulo. Em eapitulos posteriores, cada uma seré tratada de forma details omando-se por base ponto de vista da tia, 5 Elizete Passos Aprimeira, antes ‘considerada uma pratica intermediaria entre adirecio organizacional e seus emprogados, partia de uma con, cepgao desses “recursos humanos” e seus problemas pessoais como de forum particular, como se a empresa nada tivesse a ver com eles. A nova orientacéo apontava para uma outra visao sobre o trabalhador, como ser historico-social, cujos problemas Pessoaiis eram também de ordem social e deveriam ser tratados na stiaarticulagdo com as questdes organizacionais: sua cult ra, base valorativa, enfim, de forma contextualizada, A Psicologia educacional também toma outro foco. Antes circunserita a estabelecimentos particulares de ensino ¢ voltada para questées psicopedagégicas, passa a levar ein conta outros fatores e areas de conhecimento como a filosofia seguida pela escola. Area da clinica, em grande parte, passou a valorizar o en- foque multidisciplinar na compreenséo do fenémeno humano, Quanto a grea Social, continua sendo considerada de pouca atuagdo do profissional da psicologia. Contudo, também nele & possivel verificar o encaminhamento para uma perspectiva multidisciplinar, por meio da incluso de novas areas de co- hecimento como a sociologia, a filosofia ea antropologia, por exemplo. Também a abertura para problemas emergentes, tais como: as desigualdades de género, raca, classe e geracao, Em todas elas existe uma questo ética subjacente que consiste no compromisso do profissional com a sociedade, como muito bem sintetiza a fala de Duran (2001, p. 366), quando diz que ha uma exigéncia da profissio atender as ecessidades da realidade brasileira, de modo que o psicslogo tenderia, cada vez mais, a: {-.] ver 0 fenémeno psivolégico na sua interdependéncia com o contexto sociocultural, de uma perspectiva mul. {idisciptinar, aumentando sua participagdo em equiipes ‘multiprofissionais em nfveis de maior poder decisbrio, valendo-se de uma pluralidade de recursos e instrumentos, engajado na transformagéo social, atendendo a segmen (os socialmente excluides da populagdo e buscando gerar 86 Etica e Psicologia: teoria e pratica conhecimento e tecnologia apropriados & realidade em que atua icamente, aereditamos que seja esta a orientagio que uihtioen recebendo na aualidade, muito embora esta muito a ser feito para se passar da teoria e das intengoes realdade. A intitulada Carta de Serra Negro, aprovada om um eneantro nacional degestore de esos depenogi, colocou essa intencio em papel, na experanga de que doravanto ela servis como massa para os proisionas responses pela elaboracao dos curriculos dos cursos de psicol logia por sua execugio. Um trecho do referido documento ilustra essa intene {compromise com areelidade soil com produ do consent coma ge fled, a sna intogral de unversidade, com ainterdixpinaridae, com a tormacdo bisca pluralist. (DURAN, 201, p36 Em linhas gerais, os compromissos a serem eee elas insttuigbes de formagio do pofisional de psiclogia dover sor: frm multidiseiplinar e para a peoquiss, for fio ética e compromisso social. Diante o inte e paindo-ce de presoposto de que toe elas clan pera sados pelo compromisso ético do profissional, deteremo-nos enas nesse componente. oe eon ie cit ee diante da necessidade de se discutir uma questao ética 5 base a pscologa deve continuar prestandosorvigs apenas a uma parcela privilegiada da sociedade ou shrine Bar x maioria sem recursos econdmicos? Em. estudo real i op Duran (2001), a resposta evidencia-se da seguinte forma: > universidades, em especial as piblioas, devem preparar rofissionais para dar atendimento A maioria, Prmbora o foo do compromisso social do psicélogo tenha ituigdes publicas, em sucessivos e muitos momen: sido as i a7 Elizete Passos {108 0s pesquisadores e profissionais da 4rea tém deixado claro que a psicologia deve se eneaminhar para uma cdo social mais efetiva, o que demonstra sua consciéncia ética e-éocial- mente responsiivel. Diante disso, a dimensao ética passou a ocupar um espaco significative na formagiio e na agéo dos egamos que essa decisdo seja importante, eontud cla nao da conta da complexidade da questao. Comovimos afumanla a0 longo dos capitulos, aulas de ética sozinhas nao garantem atitudes éticas; o comportamento ético nao ¢ garantido por relegoes, mas por consciéncia e compromisso politico, _ Assim, é importante que a ética seja estudada nos earsos, nao apenas a deontologia da profissdo, mas sta hase filosdfice, também é fundamental que os educadores tenham atitudes éticas, considerando-se a importancia que eles téin para o comportamento dos alunos e futuros profissionais. Enfim, a ética néo deve ser tomada apenas como o conjunto de resros aserem seguidas, mas sim como uma forma de ser dos ‘profis- sfonais que deve perpassar toda a sua formacao ¢ sua acao, A defesa da ética sob tal perspectiva eo descrédito no aleay- ce do ensino da ética profissional como tratado dos deveres como dissemos, néo invalida nem desconhece a importanen, da deontologia, dea profissao possuir um eédigo de ctiea ede ser cobrado dos Profissionais a aderéncia a seus principios. Afinal, eles, aliados auma formacao reflexiva sobre 0 oath, servirao para orientar o profissional em momentos de duivides, de forma mais objetiva, B disso que passuremos a tratan CODIGOS DE ETICA ; Como vimos em passagem anterior, a ética profissional vem Sendo considerada por muitos apenas eédigo de presericées, a8 Etica ¢ Psicologia: teoria ¢ pratica regras ¢ interditos. Evidentemente, ela incorpora uma deon- tologia, ou seja, eédigo de deveres e direitos dos profissionais, mas nao se reduz a ele. Ao contrario, ele deve se subordinar_ A étiea, pois é ela quem reflete sobre a moral e, desse modo, também sobre os cédigos. Ea partir dessa reflexdo que os profissionais tomaro consciéncia da responsabilidade que devem ter nao sé com os interesses da categoria, mas, prin- cipalmente, com o projeto social global. Do mesmo modo, é preciso lembrar que a conduta ética de um profissional nao se sustenta apenas no cédigo de ética, pois ele 6 mais de ordem juridica, de modo que suas regras sfo externas e coercitivas e nao ha a exigéncia de serem in- ternalizadas pelo agente moral, como se exige de orientacées da alcada da ética propriamente dita. Os eédigos de ética sao de grande valor, porque visam a garantir o respeito a dignidade da pessoa, contudo devem ser referenciais a serem consultados e seguidos, de forma critica consciente e nao impositiva. Precisam ser “trilhas” e néo como “trilhos”; caso contrério, tirariam do sujeito/profissional a liberdade de escolha e sua conseqiiente responsabilidade pelo ato praticado, Se ndo existir possibilidades de escolha, se ele for obrigado a seguir um tnico caminho, nao havera autonomia, que é um dos princfpios basicos da ética. Segundo Carlos Del Nero (1997), data do ano de 1938 a primeira preocupacio de se elaborar um e6digo de ética para a Psicologia, quando a American Psychological Association criou uma comissao com esse objetivo. A iniciativa decorria do erescimento da Psicologia nos BUA e dos conseqiientes problemas surgidos. A proposta apresentada pela comisso procurou abranger os diferentes problemas, de modo que contemplou a relacao dos profissionais com a associagéo, com 0s colegas, estudantas, sujeitos de pesquisas, com clientes e agencias de publicidade, por exemplo. No Brasil, onde a Psicologia foi regulamentada no ano de 1962, o primeiro addigo de ética entrou em vigor no ano de 8 Elizete Passos 1967 e foi reformulado em 1975. Foi regulamentado pela Resolugdo 002/87 do Conselho Federal de Psicologia, no dia 15 ‘de agosto do ano de 1987. A partir dai cle ganhou o carter de lei ¢ sou cumprimento obrigatério. E de fato uma obrigacao que os profissionais conhegam as normas que regulamentam sua profissao; entretanto, como dissemos, elas néo dever ser “camisas-de-forea”, pois subtrairiam do sujeito sua liberdade e assim sua responsabilidade com 0s atos praticados. (0 Codigo de Btica dos profissionais da Psicologia, apro- vado em 1987 ¢ om vigor até recentemente, explicita em sua oxposigao de motivos que um eédigo para a pritica desses profissionais deve ter um carter histérico, uma vez que a Psicologia lida com seres humanos que estéo em continuo processo de transformacdo, assim como ovorre com a socie- dade, Como esté registrado no documento: [cl propor um eédigo de ética ¢ colocar-se, de um lado, rama reflexio constante do ser humano como sujeito de mudangas, e, do outro lado, cristalizar com normas pro- postas de comportamento agdes, que, por sua natureza, pao dindmicas. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLO- GIA, 1987, p- 5). ‘ssa é uma ambigtiidade que s6 podera ser minoradaa partir da compreensio de que um cédigo nao deve engessar as profis- ssionais, mas dar-lhes uma orientacéo, bem como, pela continua atuelizacao, ajusté-lo ao rapido movimento de transformagao por queassociedades estdo passando. Logicamente, essas atitu- Ges nao sao undnimes em todas as categorias de profissionais, pois cada uma tem um perfil proprio que passa por sua historia € visio ética e ideolégica. Isso, os profissionais da psicologia ‘sabe ou devem saber, pois o referido c6digo afirma que: “Um codigo 6 a expressao da identidade profissional daqueles que nele vao buscar inspiragao, conselhos, normas de conduta.” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1987, p. 5). ‘A identidade profissional do psiedlogo também pode ser inferida a partir do que esti explicitado no referido Codigo, 0 Etica e Psicologia: teoria e pratica do qual destacaremos dois aspectos: 0 entendimento que ele deve ser respeitado, mas nao tem a intencdo de submeter 0 profissional e 0 segundo, que um cédigo deve estar ancorado ‘em uma filosofia, ou seja, em uma concepcao de ser humano e do que se pretende oferecer a ele. Diante disso, afirma que a ética profissional deve dar conta dos deveres que o ser humano tem com a sociedade, entretanto ela nao pode deixar de lado sua dimensao filoséfica, pois deve ser uma ética do ser humano e no apenas do profissional. E rogistrn: “Um eddigo srdfalho oo fzer uma ten para 0 psicélogo esquecendo-se da ética do homem.” (CONSE) FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1987, p. 7). Esse. boa to, coerente com os conceitos e 0 posicionamento teérico que vimos defendendo ao longo dos capitulos ja apresentados, asté ainda melhor formulado na pagina 9 do citado documento: © Cédigo de étiea nao pode sor fruto de uma mera teoriza- so sobre o bem ou sobre o mal, ele deve resultar de uma agio humana, de uma doutrina, de um sentido plero de vida e de cultura. Ble ndo pode ser uma priso, mas uma estrada assinalada para ajudar aos que querem ir éeva- gar e aos que necessitam de pressa para chegar. Diante do entendimento da linha terica do Cédigo de 1987, passaremos a analisar alguns pontos que julgamos mais, significativos, a fim de melhor nos fundamentarmos sobre os prinefpios que vém norteando a pratica dos psicslogos ao longo dos quase vinte anos* em que este tem sido a “biissola” desses profissionais. Em momento posterior, procuraremos identificar em que esse eédigo foi modificado em relagao ao aprovado no ano de 2005 Em 7 de dezembro de 1990, pela Resolugio Picologia revogou o Artigo pe '5 © aeus respectivos parégrafos. Em 20 de fovereiro de 1995, o referido cédigo sofreu outra alteragto, por meio da Resaluedo 002, emi ue ft nour a line "0" do arto ae lila sore o gu edn 0 icélogo: “Prestar servos ou mesmo veicular seu titulo de Pseblogo a servgos atendimento psiolégico via tolfnica.” a Elizete Passos O referido cédigo compée-se de 10 segées e 50 artigos: res- ponsabilidades gerais do psicélogo; das responsabilidades ¢ relagdes com instituigdes empregadoras e outras; das relacoes com outros profissionais ou psieélogos; das relagdes com & ‘categoria; das relacdes com a justica; do sigilo profissional; das ‘comunicacées cientificas e da divulgagio.ao pablico; da publici- dade profissional; dos honorérios profissionais, ca observaneia, aplicagio e cumprimento do Cédigo de Btica. Seguindo as pegadas do que anteriormente apresentamos como qualidades fundamentais de um profissional, « primeira secéo, composta de trés artigos, dispée, nos deveres do psi Togo, que ele nao deve assumir responsabilidades para exereer atividades para as quais nao esteja preparado e zelar para que 0 ‘exereicio da profissdo se dé da melhor forma possivel. Ou seja, 0 destaque é para o que identifieamos como competéncia e zelo. ‘Do mesmo modo, explicita o compromisso do profissional com a verdade ¢ 0 respeito a dignidade da pessoa. Vejamos algumas alineas do Artigo 22, que trata das vedagoes. “Ao psic6logo é vedado: a) usar titulos que nao possua; ¢) induzir aconviegées politicas, filos6fieas, morais ou religiosas, quan- do do exercicio de suas fungdes profissionais.” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2004, p. 10-11). ; "A segunda secdo, responsdvel por normatizar as relagées dos psicélogos com instituigdes empregadoras, também exige que 0 profissional nao deseuide do seu compromisso com a dignidade humana eem ser coerente com seus principios individuais. Para exemplificar, veremos 0 contetido do Pardigrafo 1° do Artigo 4°: © Psicélogo atuaré na instituicao de forma a promover ‘agées para que essa possa se tornar um Ingar de cres- ‘cimento dos individuos, mantendo uma posigéo eritics {que garanta o desenvolvimento da instituigao e da socie- dade. (CONSELHO FEDERAL de PSICOLOGIA, 2004, p. 12) —S ee “Titomarcmos ca dasussi em capitulo posterior, quando focalizaremos a pritica do profisional nas ongunizagoes 2 Etica e Psicologia: teoria e pratica No quese refere as relagdes com outros profissionais, o destaque 6parao espfrito solidario, sem resvalar para o corporativismo. ‘Também a orientagio 6 que cada profissional seja respeitado ¢ respeite 0 fazer do outro, sem fazer criticas destrutivas ou interferir em sua atividade, a ndo ser nos easos que o préprio cédigo recomenda, como uma prética prejudicial ao ser huma- no, ou que seja desonrosa para a categoria, por exemplo. O sigilo profissional, como vimos, 6 um dos aspectos ba- sicos de toda profissio e, portanto, est presente em todos 0s eédigos de ética profissional. No que se refere ao Cédigo de 1987, dos profissionais de Psicologia, a secdo referente cle compoe-se de nove artigos, s6 perde em tamanho para a secdo referente ao cumprimento do Cédigo, que possui dez artigos. O que demonstra a importéncia que 0 assunto possui para a profissio. Em todos os artigos, a énfase recai sobre a preservacao da dignidade da pessoa e respeito A confianga que Ihe foi depo- sitada pelo atendido, buscando evitar qualquer situacao em que ele seja exposto ou se sinta trafdo. Enfim, sendo integro, zeloso e honesto. Considerando-se a existéncia de um novo cédigo ndo nos deteremos de forma mais detalhada a andilise do documento aprovado no ano de 1987, pois nossa intenedo foi tracar o seu perfil, a fim de entendermos o documento que o substitui, sua orientagao filoséfica, seu contetido e em que ele d ou mantém do anterior. sre, avanga APRESENTANDO O NOVO CODIGO' O Cédigo de Etica Profissional do Psicélogo em vigor foi aprovado pela Resolucao ntimero 010/05, do Conselho Federal * Nossa intencdo é apenas apresentar o Novo Gédigo em linhas geraise nos aspects ais iloséfieas, do modo que sugerimos ao interessado consultar 0 préprio ducts mento, 3 ij Elizete Passos de Psicologia e passou vigorar no dia 27 de agosto de 2005. Resultado de um longo e meticuloso trabalho democratic esteve a cargo da XII Plenaria e sob a presidéncia do psicdlogo Aluizio Lopes de Brito. ; ‘Em sua apresentacéo, esta explicitada a concepgio de que o Srgio possui um cédigo de ética, que a nosso ver, é totalmente coerente com nossa compreensao da ética como uma direcao de vida endo como normas externas a serem colocadas em prética de forma aleatéria. O documento assim considera a missdo de um e6digo: ‘A missio primordial de um oddigo de ética profissional no Gade normatizar a natureza Wenica do trabalho e, sim, de ‘assegurar, dentro de valores relevantes para a sociedade para as praticas desenvolvidas, umn padrio de conduta que fortalega 0 reconhocimento social daqucla profisséo. ‘Também e coerentemente com o que o anterior e6digo anun- ciava, vé as normas sistematizadas nos codigos como devendo ser 0 reflexo de uma concepcao filoséfica ¢ das condicées histérico-sociais. Diante disso, entende que: “Um cédigo de ética nao pode ser visto como um conjunto fixo de normas € imutavel no tempo.” Consciente da historicidade social e conseqientemente dos valores 0 Cédigo em foco anuncia que pretende ser: {..J um instrumento capaz de delinear para a sociedade as responsabilidades e deveres do psicélogo, oferecer dire- trizes para a sua formacio e balizar os julgamentos das suas ages, contribuindo para o fortalecimento e amplia- 0 do significado social da profisséo, No item que se refere aos principios fundamentais que las- treiam o referido cédigo 6 evidente o seu compromisso com os Direitos Humanos, ressaltando o respeito a diferenca e & digni- dade humana. Diante disso, expe o que deve visar & prética do profissional da Psicologia: Etica e Psicologia: teoria e pratica 0 psicélogo trabalharé visando promover a satide e a ‘qualidade de vida das pessoas e das coletividades e con- tribuird para a eliminacao de quaisquer formas de negli- gencia, discriminagio, exploragéo, violéneia, erueldade e opressao, E também um compromisso firmado pela categoria, por meio do que explicitao seu cédigo, a democratizagao dos seus servicos. Nisso, instrui que os profissionais devem informar a populacdo sobre o papel do psicélogo e fornecer a todos a oportunidade de acesso aos servigos prestados. 0 Artigo 1° refere-se aos deveres fundamentais dos pro- fissionais, dos quais destacamos o zelo com a profissao e com © respeito ao outro, por meio da observacao pertinente e do conhecimento de todos, que néo devem exereer tarefas para as quais nao estejam capacitados. A alinea “g” refere-se a um assunto do mais alto valor para qualquer profiss4o, pois nos remete ao sigilo. Nela informa-se que é dever do psicélogo: Lu] informar, a quem de direito, os resultados decorren: tos da prestagio de servigos, transmitindo somente o que for necessério para a tomada de decisées que afotem 0 usuario ou beneficisrio. Quanto as vedagdes, Artigo 22, nosso destaque é 0 contetido da Iinea “a” que proibe ao profissional qualquer prética que atente contra os direitos basicos da pessoa, por exemplo, por meio de atos discriminatérios, cruéis ou opressores. O Artigo 3° também vale ser salientado pelo contetido filoséfico que possui, ao orientar que o profissional da Psicologia nao deve aceitar um trabalho de forma mecénica, sem refletir sobre sua finalidade e a coeréncia entre a filosofia da instituigao e seus valores pessoais, assim como os da profissao. O Artigo 8°, em consondincia com as leis vigentes, a exemplo da Resolugao 196 do CNS, orienta que o psiedlogo s6 devera 95 Elizete Passos atender criangas ou pessoas que nao estejam em condicoes de decidir por si s6, por meio da autorizacdo de um responsavel. Cabe ao profissional providenciar as condigdes para preservar oatendido. . Quanto ao sigilo, assunto tratado no referido documento, especialmente nos artigos 9° ¢ 10°, inferimos que houve um avanco em relagdo ao documento anterior, Neste ha menos preocupacéo em interditar e maior interesse em apostar na consciéncia ética dos profissionais, porém nao de forma aleats- ria, pois eles teriam como “norte”, além de sua consciéneia, a legislago em vigor no Pais, a exemplo da citada anteriormente e outras apresentadas em capitulos anteriores. Ha. uma recusa em aceitar as bases absolutistas, racionalis- tas e dogmiiticas em que os cédigos quase sempre se baseiam, uma vez que clas produzem valores moralistas, baseados na obrigacdo e na obediéncia a Ici. Valores que reprimem, neu- rotizam e levam a condutas aberrantes ¢ até contraditérias. Essa tendéncia decorre do fato de os valores morais estarem baseados em interesses econémicos ¢ politicos, ou seja, em aspectos da realidade, deixando-se de lado a lotalidade eo ser humano na qualidade de agente e fim da moralidade. Em sintese, nossa pretensao foi apontar alguns caminhos ‘endo dar “receita” nem colocar prinefpios que devam ser se- guidos dogmaticamente; ao contrério, pretendemos continuar no caminho da reflexdo. _REFLEXOES SOBRE AETICA NA PRATICA DO PSICOLOGO CLINICO Ap6s pereorreremos os caminhos conceituais sobre a ética em geral e a ética profissional, procuraremos desenvolver algumas reflexdes sobre a ética em algumas reas da Psico- logia. No momento vamos nos ater a postura ética do profis- sional que atua na rea da Psicologia Clinica, sem nenhuma retensio de esgotar 0 assunto ou de teorizar sobre a eliniea Psicolégica. Entretanto, iniciaremos por tragar um panorama sobre essa area, a fim de estabelecermos o contexto para as reflexdes especificas que faremos, CARACTERISTICAS DA PSICOLOG CLINICA oa Na origem da Psicologia Clinica no Brasil sa s ini il sao relevante: estudos desenvolvidos pelo fildsofo Farias Brito, na primeira década do século XX (1912-1914); 0 trabalho do historiador Manoel Bomfim, na criacéo do primeiro Laboratério de Psi- colo, assim como dos psiquiatras Ulisses Pernambueano e Franco da Rocha, na década de 20 d 288 (CARNEIRO et al., 2003). ® sfeule passat Elizete Passos No ano de 1925, Gustavo Riedel fundou o Laboratério de Psicologia Experimental, no Rio de Janeiro, e entre as décadas de 30 e 40 surgiu a figura do “Psicotéenico”, profissional que tinha como funcao “{...] avaliar as caracteristicas psicologicas dos individuos.” (CARNEIRO et al., 2003, p. 101). Sua.atuagio cra fundamentalmente nas éreas da educagio o do trabalho, pois visava a conhecer as potencialidades dos individuos para melhor utilizé-las. Tinka no método experimental sua ferramenta principal, segundo essas autoras com: “...] 0 in tuito de ‘esquadrinhar’ e ‘diagnosticar’ as individualidades.” (CARNEIRO et al., 2003, p. 102). ‘A rea clinica na psicologia eomecou a se consolidar com a criagdo do primeiro curso de formagio universitéria para psiedlogos, na PUC do Rio de Janeiro e, posteriormente, com f criagao de cursos de Pés-graduacdo e o investimento em pesquisas sobre a realidade da clinica no Brasil. "A Psicologia Clinica teve grande avanco a partir de 1962, com a regulamentagao da profissio, de modo que 0 psicélogo passou a realizar, além do psicodiagnéstico, a psicoterapia individual e de grupo, inicialmente para uma clientela de poder aquisitivo alto, capaz. de pagar por esse servico. Numa tentativa de compreender em que consiste a Psi- cologia Cliniea, sabe-se que o termo foi usado pela primeira ver por Lighter Witmer, no ano de 1896, por falta de uma terminologia mais adequada. A ressalva advinha prineipal- mente do fato de ela apontar muito mais para a area médica do que psicolégica. Sem divida, a preocupagao era pertinente, pois tem sido grande a influéneia do modelo médico nessa érea da Psicolo- gia, com a anuéncia dos proprios profissionais que, com isso, finham a sua prética aleada a um status tido como superior, considerando-e 0 tradicional prest{gio que vem sendo con- ferido pela sociedade & medicina. Na década de 30 do século passado, houve o aumento da demanda pelos psicodiagnésticos ¢ a area ganhou projecso, 98 Etica © Psicologia: teoria e pratica entretanto havia um descontentamento dos profissionais e a nevessidade de melhor delimitar os campos de atuagdo da Psicologis ‘Até a década de 1970, a abordagem hegemdnicaera a psica- naliticaclassica, assim como era a direcéo tomada pelos cursos de formacao. Esta passou a ser vista como insuficiente para dar conta do sujeito histérico, pois enfatizava o intrapsiquico. ‘A Psicologia Clinica se abriu para outras teorias e praticas, o que fez com que ela fosse rediscutida e novas dimensies, ineorporadas, nao s6 do ponto de vista da agregagio de novos priblicos ¢ de ter se aberto para outras préticas, mas também para novas teorias e novo olhar, do ponto de vista ideol6gico, na mesma dinamica em que a profissao também se conectava com 0 social e os profissionais com as transformacées sociais. Para melhor definir o perfil da Psicologia Clinica hoje, pascaremos a analisar trechos da Resolueéo 02 de 2001, do Conselho Federal de Psicologia, que se refere 20 psieblogo cespccialista om Psicologia Clinica. Essa resolugao apresenta tum leque de agies de diferentes modalidades que podem ser desempenhadas pelos profissionais que optarem por essa especialidade, assim como reforca 0 compromisso da mesma com 0 social. Quanto aos objetivos da area, diz o referido documento: “{. Jsua atuagao busca contribuir para a promogéo de mudan- ease transformagGes visando ao beneficio de sujeitos, grupos, Situagdes, bem como a preveneaio de dificuldades.”: No que se refere a atuagao, a Resolucao em anilise afirma: ‘Atua no estudo, diagnéstico e prognéstico em situagao de crise, em problemas do desenvolvimento ou em quadros psieopatol6gicos, utilizando, para tal, procedimentos de diagn6stico psicologico tais como: entrevis‘as, utilizagao de técnicas de avaliacdo psicolégica e outros. Os trechos da Resolugio apresentados aqui foram extraidos de Carneiro el ‘gies a traides de Carneiro et 9 Elizete Passos Nota-se que ela inchai novos “olhares” te6ricos e ideolsgicos, diferentes daquele de base psicanalitica cléssica. O compromis- so com o social acentua-se, por meio de um trabalho: preventivo ‘e curativo em consultérios particulares, bem como em hospi- tais, equipes de satide, instituigdes péblicas ¢ privadas e em comunidades. Esta é outra orientacao da Resolucao 02: [ud desenvolve atendimentos terapéuticos, em diversas ‘modalidades, tais como psicotrapia individual, de easal, familiar ou em grupo, psicoterapia lidica, terapia psico motora, arte terapia, orientacao de pais c outros. Atua ao lado de equipes multiprofissionais, identificando, ‘compreendendo e atuando sobre fatores emocionais que intervém na satide geral do individuo, especialmente em tunidades basicas de satide, ambulatirios e hospitals, Jsso nos ajuda a compreend¢-la, pois informa que, embora © seu foco tradicional tenha sido a base psicanalitica, como ‘vimos, 0 psicélogo clinico pode e vem atuando em outras dire- ges tesricas e téenicas, tais como as abordagens: humanista, comportamental, cognitiva e sécio-historica. f Esses novos caminhos da Psicologia Clinica pressupéem: producdo de conhecimento especifico na area, bem como ade- quagao das teorias e técnicas a realidade brasileira, incluso da dimensao social e da multidisciplinaridade. Como afirma Ferreira Neto (2004, p. 91): Percebemos, assim, que as concepgées e tendéncias em desenvolvimento no campo da clinica apontam na dire- (gio de uma revisio necesséria das concepedes tebricas ‘em psicologia a partir de dois vetores: o primeiro demanda ja inchusao do social euine fator fundamental para inves tigar a constituicao da subjetividade; o segundo aponta 0 ‘campo multidisciplinar e transdisciplinar como base in- dispensavel para a producao do conhecimento. Em outras palavras decreta-se o fim do solipsismo para se pensar tanto a subjetividade quanto o conheeimento. 100 Etica e Psicologia: teoria e pratica Faz-se necessério que esse novo parametro seja compreen- dido em sua esséncia, a fim de que, na pritica, nao consista em mudangas aparentes, por exemplo, apenas de locais de trabalho ou incluso de novos piiblicos sem as eonseqiiéncias efetivas que nele subjazem. O que implica alterar a concepeao que se tinha de sujeito e o uso de métodos # téenicas voltados para a normalizagdo da subjetividade. Esse novo paradigma também deve atingir os psicdlogos elinicos que atuam em consultérios particulares, assim como os dos espagos puiblicos. Essas so atitudes necessdrias, pois, como afirmam muitos te6ricos, a Clinica foi a drea da Psicologia que mais sofreu modifi- cages nos tiltimos vinte anos, de modo que o modelo classico,em consultérios particulares e destinadoa uma parte da sociedade, nao representa as diferentes formas de préticas existentes. PSICOLOGIA CLINICA E SUA DIMENSAO ETICA Decerto nao ¢ facil a pratica do psieélogo clinico, pois é um ser dotado de subjetividade, como toda ¢ qualquer pessoa, que no se acha imune as fragilidades dos seres humanos, as atitudes narcisistas e as insegurangas, porém necesita autoconhecimento, a fim de nao se colocar em posigéo superior a0 outro, especialmente ao atendido. O desafio é saber ouvir-e acolher, mantendo uma postura profissional adequada, qual seja, ‘de nao confundir suas: /pessoais com aquelas da pessoa. en exige que a formacao clinica tenha a seguinte caracteristica, nas palavras de Fereira Neto (2004, p. 87): ‘A formaciio em clinica envelve um tripé: além dos est dos tedricos e do treinamesto no exereicio pratico me diante supervisées, exige do profissional um trabalha sobre a propria subjetividade, por meio de terapia on andlise pessoal. 101 Elizete Passos ‘Além disso, algumas questées éticas se apresentam, a prinefpio, para a nossa proposta reflexiva: o carter elitista da experiéneia inicial da profiss4o por meio de atendiménto particular e individual a um determinado segmento social; a autoridade do profissional sobre 0 atendido; o uso de teorias e técnicas alheias a realidade brasileira e a auséncia de maior investimento na produgéo de conhecimento ¢ desenvolvimento de pesquisas, focalizando as peculiaridades de nossa realidade, conforme a literatura sobre o tema. Essa atitude tradicional tem levado a muitos questionamen- tos e eriticas, trazendo como conseqiiéncias positivas, como dissemos, a ressignificagio de muitas praticas e a ampliagao da rea, por meio da inclusao de novos problemas, novos sujeitos e novas teorias e técnicas. Nese caminho, a experiéncia tradicional baseada na psi- canalitica classica também vem se abrindo para a realidade social e se conectado com as transformacbes que vém ocor- rendo na sociedade ¢ na profissao, sem com isso negar seus saberes e suas conviegdes. Como diz Kehl (1996, p. 110): nom por iso picanslise deve —nem pode ~ aban- (onus sun prea para competi com efiica de Pro- sees Lexotans, com eto de gro obtdo erm iporain terepas de vides passadas, loeis, ow oe sire qu aaj que oferega avo pido ao sofrimento SUG; que sujet soja confrontado em suas corezas faces Nisso ela define uma das posigées éticas que orienta a pré- tica dos profissionais da Psicologia Clinica, que se caracteriza pela sua coeréncia com os caminhos teérico e técnico em que acreditam, escolheram e apresentam as pessoas que buscam por seu trabalho. Ao tempo em que asseguram o compromisso com a emaneipacéo do sujeito, pois, como afirma a autora: © trabalho do psicanalista nao é o de descobrir uma verda- dé preexistente sobre 0 sijeito nas o de possibilitar que ele 12 Etica e Psicologia: teoria e pratica construa uma histéria nova para si mesmo” (KEHL, 1996, p I1D, 6 qué pode sor yeneralizade para 0 psicdlogo que trabalha com a orientacao psicanalitica. Posto isso, também se coloca 0 aleance da ética na aborda- gem psicanalista: sem pretensao de encontrar verdades morais. universais e apropriadas a todos os individuos, ao contrario © seu caminho dirige-se ao singular, ao sujeito. O que nao significa que ele nao possa ter uma visdo de mundo, que nao possua suas crencas a respeito dos grandes dilemas da. vida, mas eles no os colocam como parametros intransponiveis em sua pratica. ‘Tanto esta quanto as demais abordagens seguidas pelos profissionais da Psicologia Clinica segredam um s6 compro- ‘mii880 ético que consiste em procurar ajudar as pessoas a sairem de situacdes em que seu imagindrio as colocou, como uma espécie de prisao, estimulando a ruptura das fixages ¢ facilitando a expressao e a reelaboragao de situagées dificeis. Diante desse desafio, ajuda muito ao profissional colocar- se sempre na posicao de aprendiz, assumindo a simplicidade socratica do “s6 sei que nada sei”, diente do muito que se tem para aprender e da riqueza da subjetividade humana. Essa atitude consiste em uma pritica étiea, pois sinaliza para a humildade do profissional que, assim como Sécrates, sabe 0 quanto ainda nao sabe. Diante do que nao vai se colocar na condigdo de quem pensa que é maior e que sua funcio é a de impor-se sobre o outro, por meio do escudo da sua compe- téncia. Ainda que seja forcoso admitir que um profissional, como vimos em capitulo anterior, deve ter competéncia técnica, 44850 no 0 autoriza a colocar-se diante do outro numa posicéo ‘hierarquica superior, pois deve ser tomada comio wma obriga- Gao de quem se coloca no mereado como capaz de fazer algo profissionalmente. ~ Nesse aspecto, nossa compreensio sobre a postura ética do psicdlogo clinico ¢ coerente com a apresentada por Kehl (1996, p. 121) acerca do psicanalista. Diz ela: 103 Etizete Passos ‘A psicandlise pode ser uma prética nascida dos desman- dos da cultura burguesa, mas o pior lugar em que um analista pode falar ou exercer seu oficio é 0 do burgués bem estabelecido, satisfeito com os dominios do eu eeom ‘08 peqquenos poderes que a profisséo Ihe confere. O psiedlogo clinico, como vimos, vem abrindo mao desse lugar e colocando-se a servigo de uma nova realidade social, comprometido com sua transformacéo em beneficio do ser humano, independentemente de sua situacao econdmica, politica, de género, raga ou geracao. O grande desafio éode nio ser enredado pela seducdo, pelo pocer que o saber da profissao lhe confere, até porque esse é um saber que envolve um certo mistério. Outro aspecto de grande valor do pontode vista da postura moral do terapeuta, em geral, é a forma como cle se comporta diante de problemas que podem ferir até mesmo seus valores & conviecdes, por exemplo: compulsdes, comportamentos se- xuais, lutos sem razéo aparente. Em todos esses momentos ‘0 desafio 6 nao se colocar om atitude de critica ou de julga- mento, mas de respeito, zelo e cuidado. Ele nao esté naquele lugar, nem 0 outro o procurou para ser criti¢ado, mas para sor ajudado, acolhido, amparado amorosa e competentemente. O que nao significa cumplicidade que poce resvalar no forta- ecimento, por exemplo, da situacéo de vitima. A atitude ética acertada seria trabalhar para que houvesse a compreensao da situagdo e sua superacao, de forma mais livre, autonoma e, portanto, saudavel. ‘Ainda merece destaque a questo da ‘ransferéncia, tanto de afetos quanto de hostilidadé,a que 0 profissional esta su- jeito. Também nesse caso, seu profissionalismo, no sentido por nés discutido em capitulo anterior, deve ser a diregao ética mais confidvel. Inicialmente, porque uma boa formacdo dara a0 profissional a seguranca de saber de que direcio vem 0 “ataque”; em segundo lugar, porque 0 seu compromisso com 104 Etica e Psicologia: teoria e pratica adicnindelde Pessoa o ajudaré a acolher as criticas sem Também merecem destaque as atitudes narcisistas a que todo profissional esta sujeito, especialmente no campo da Psicologia que, como dissemos, encerra um saber de rand poder: Outra vez, vemos na formacéo teérica c ética o antidoto para os males dai provenientes, sem esquecer da maturidade emocional e da postura de aprendiz. A questo é séria e tem sido tratada por estudiosos como Mezan (1996, p. 133), que, acreditamos, possa ser estendida para “ , e ra 0 fazer Clinica em geral: Fame ony eee A situacdo analitica comporta, como um dos seus riscos, tentacio de obter gratficagées narcisieas diretas no contato com o outro, quer seja acatando o rotviro trans. ferencial proposto pelo paciente (0 que inovitavelmente contém elementos de ideacio), quer seja buseando reas segurar-se de sua competéncia onde sua superioridade morale intelectual sobre o paciente, quer sej, de modo ais grosseiro, que sobre ele pode exercer o analista, _Em qualquer situagao, a posi¢éo ética recomendavel 6 déFespeito ao outro, abstendo-se de criticas e rotulacoes, “De ajuda para a compreensao e ressignificacao do contetido trazido, a fim de que ele possa ultrapassar a situacio e seguir seu caminho de forma mais livre e saudavel m _Retomando algumas das questées que apresentamos no inicio do texto, podemos dizer. ‘que ja se faz ver, a olho nu, que a neutralidadee despolitizacdo do trabalho do psicélogoclinico nao mais se sustentam. Como quer Grigolo (2003, p. 181) ‘As demandas da inclusdo e da cidadania tornaran-s t matieas centrais para refletirmos sobre a tensio psicussir cial como campo de conhecimento ¢ de priitica, Iss 1 faz refletir a respeito da étiea e da eliniea da atuseo ji cossocial, como uma construeao histérien que parte da 105 Elizete Passos Joucura e da subjetividade, como construgées sociais que quostionam a interdigao, a exclusio eo ordenamento dos fendmenos psiquicos. Aautora nao tem dividas ao afirmar que o antigo™modelo de clinica, aquele que surgi ancorado nas bases do liberalis- mo, est se esgarcando, em virbude das préprias transforma- s6e8 que a sociedade eo mundo vivenciam. Portanto, nfo se Pode mais pensar em clinica descolada da politica o da ética,_ noseii sentido mais geral, de compromisso com o respoito aos direitos fundamentais da pessoa humana, como também com 0 meio ambiente e com o planeta. ; Essa concopgio da psicologiaeliniea 6 grande demais para se enquadrar em umaou outra moldura teérica, metadoldgiea ¢ ideoldgiea. Gonzalez Rey (2001, p. 195) afirma: “A clinica um campo de praticas profissionais e producéo de conhe- cimento que nao se deve ‘sujeitar’ a uma escola ou linha teériea." Ele ultrapassa todas elas e os recortes nao seriam apropriados, pois impediriam o curso do processo em diregao a. uma pratica mais engajada socialmente, | Numa visdo reduzida ao fazer psicoterépico, podemos afirmar que nao basta ao profissional saber do softimento do outro ¢ se cumpliciar com ele. Faz-se necessério lutar para que 0 sujeito que sofre seja acolhido, no sentido restrito da palavra para essa area do saber, e possa ter acesso aos meca- nismos de cura. Precisamos sentir no mais profundo el a indigmagio e canalizé-la para solugées, pois, do contrério, tetaremos, minimamente, sendo coniventes com o desrespeito 08 direitos da pessoa. Como afirma Saidon (2000, p. 33): Na realidace, o que podemos dizer apenas adquire senti- do a partir de um ponto de envolvimento que requer sen- tir a dor e, a0 mesmo tempo, abrir um espago coletivo de resisténcia & difusdo da mesma, Etica e Psicologia: teoria e pritica volver nas pessoas o sentimento de desilusio, impoténcia, lesinteresse € recolhimento. Atitude recriininavel de um “Profissional ¢ todo e qualquer sor humano, porque facilita e corrobora com a expropriagio de direitos que as pessoas tom, como, na situagao especifica, de ter acesso a08 meios para manter ou restabelecer sua satide fisica e mental. Possivel de reeriminagio, pois um erro ético 6 a atitude do faz-de-conta, ou gel dizer que o ser humano tem acesso a essos servigos € oferecé-los com qualidade duvidosa, por exemplo, por mete de “profissionais” sem a competéncia técnica requerida cots, camente comprometidos com a emancipagio eo crescimento do outro. Outra condigao exigida para que o profissional que milita na area da Psicologia Clinica possa dar conta das demandas do ser humano na atualidade 6 receber uma formacao que nio reproduza © modelo positivista nem universalizante -Como pessoa, precisa entender que ele é um feixe de miiltiplas Tepresentagées, que constr6i sua subjetividade na interface “com a cultura, o seu meio social © o8 poderos da midia, Tudo ‘soos levara concluir que o caminho do psicblogo elinien 1, momento ¢ longo e tem muito a ser percorrido, até porque ele ‘Também nisso seu posicionamento como pessoa ¢ como Profissional édecisivo, uma vez que a ele ndo compete apenas Pensar 0 seu fazer, sua relagéo com 0 outro que o procura, dele se espera compromisso com 0 macrossoeial, ou sje, con a sociedade e a qualidade de vida que ela oportuniza aoe seus membros. AETICA NA PRATICA DA PSICOTERAPIA DE GRUPO importdncia e necessidade de cuidados éticos, considerando-se: que extrapola a dimerséo individual para envolver um grupo de pessoas que compartilham suas experiéneias de dores o alegrias, por exemplo. Diante do que, muitos problemas éticos Se apresentam como a necessidade de garantir os princfpios dla democracia, o respeito e a inclusao das diferencas ¢ 0 Sigilo para com tudo aquilo que for partilhado no grupo sob confianga. Apesar de existirem abordagens diferentes de grupos Psicoterapicos, conforme apresentaremos no decorrer des. ke capitulo, daremos especial atengdo ao psicodramético, Considerando sua importancia e grande concentracao de. Profissionais trabalhando nessa vertente. A escolha de um modelo te6rico metodalégico de grupo terapéutico tamberm Se justifica, porque nosso interesse no consiste em analisar seus fundamentos teéricos e caminhos praticos, ¢ sim sua condugdo ética, dando destaque ao papel do profissional ei, Psicologia. Etizote Passos 0 QUE E UM GRUPO? Logicamente, aqui nao nos interessa 2 definicao de gru- ‘pos de maneira geral, mas daqueles espeeificos do trabalho ‘do psie6logo. A fim de compreendé-los, entretanto, faremos -algumas reflexes acerca do conceito de grupo no geral. ‘Sem duivida, a participagdo em grupos ¢ uma situacao co- mum a todo e qualquer ser humano, mesmo quando ele na o escolhe conscientemente. Entretanto, além dos chamados grupos espontaneos, existem aqueles dos quais participamos com uma finalidade especifica, por exemplo, livrarmo-nos de um vicio, como o alcoolismo ou outros tipos de nareéticos. Ha também os que se propdem a ser um espago para tratamento de problemas psfquicos ¢ emocionais como os de caréter te- rapéutieo. Buscando um conceito geral sobre grupo, Sérgio Antonio Carlos (1999, p. 199-200) 0 define como: “...] formas de organizacao da sociedade que refletem e participam dos embates que acontecem no seu meio.” O referido autor também investe na compreenstio do con- ceito de grupo por meio da sua raiz etimolégica e hist6ria. O termo teria derivado de gruppo e a partir do século XVIIL ganhou a signifieacdo de reuniao de pessoas. Os dicionarios da lingua portuguesa também reforgam esse conceito, porém acrescentam que eles podem ter um carter e objetivos especi- ficos: “pequena associagao ou reunio de pessoas unidas com um fim comum”. Ha, portanto, embutidaa idéia de laco e de coesdo, mesmo sabendo-se que eles se déode forma diferente de uma pessoa para outra, uma vez que ¢ experiéncia da vi- véncia em um grupo depende da hist6ria de cada pessoa. Em todos os niveis e formas de vivenciar 0 grupo existe uma repercussdo sobre o sujeito, independentemente da sua maior ou menor integragdo ou da profundidade ou nao com que participou da experiéncia. O fato é que ndo se passa por uma experiéncia de grupo de forma indelével. Isso porque, 110 Etica e Psicologia: teoria e pritica = quer © autor anteriormente citado: “E com toda est; CanB® das experiéncias anteriormente vividas que nos jogamos cn vas experiecns de relacionamento grupal.” (CARLOS, 1p. . Em outras palavras: no: a i , sa exper’ ¢ transpassada pelas experiéncias que ja vive opel Indiscutivel 6, = uns, abrir mao de outros e vivenciar experiéncias em ros ‘08 e vives De ‘ias em tantos que nao tivemos a possibilidade d ° Pa escolher, como os com pessoas acometidas Slavson e Moreno, one eal do Moreno Tevolucionou a operacionalizagiia doy 08, ao introduzir a idéia do en ho com contro, pelo gual se aleancaria a cura. Também o paleo, que prow ' desempenho de papéis e a liberacio da espontarcidete criatividade. ‘ 1 Elizete Passos Na América Latina, na Argentina, a experiéncia de Pichon- Riviére com os grupos operativos, nos anos 1950, influenciow enormemente os profissionais brasileiros que para ld se des- locavam sempre que pretendiam se especializar em grupos. ‘A proposta tinha por base a tarefa e ao terapeuta competia analisar as dificuldades do grupo, posto que a cura seria pro- porcionada pelo grupo. Essa pequena recuperacio histéria visa, téo-somente, a fixar o conceito de grupo, como reuniao de pessoas com algum objetivo em comum; contudo, um conceito mais apropriado ao nosso interesse de discutir a ética em grupos terapéuticos, 60 que define o grupo como: “...] uma pluralidade de individuos que estdo em contato uns com os outros, que se consideram mutuamente ¢ que estdo conscientes de que tem algo signi- ficativamente importante em comum.” (ODNISTED, 1979 apud CARLOS, 1999, p. 201. Firmam-se, portanto, as caracterfsticas fundamentais de ‘um grupo: objetivo comum, interdependéncia, respeito as individualidades, reconhecimento das diferengas, espirito de grupo. Isso assegura que, mesmo havendo uma relagao de in- terdependéncia entre as pessoas, elas sao diferentes eo grupo pode e deve ser o local em que elas se apresentardo; 0 que pode ocorrer de varias maneiras, indo desde a cumplicidade e solidariedade até mesmo a disputa e exercicio do poder. Afinal, trata-se de reunido de seres humanos que levam para aquele espaco suas subjetividades recheadas de histérias, dramas, dores, alegrias, entre outros. Isso nos remete a uma primeira questo ética, que consiste no respeito a pluralidade e o reconhecimento de que um grupo nao 6 homogéneo nem precisaria ser, pois ele é o espaco para se discutirem também as diferencas, as subjetividades e as experiéneias cotidianas. O fundamental é que as diferencas nao sejam transformadas em desigualdades de direitos e po- Etica e Psicotogia: teoria e pratica sigdes, por exemplo. Todos os membros devem ser tomados como sujeitos, com suas individualidades e direitos de de- fender seus posicionamentos. As conciliagies, mesmo sendo importantes, no devem ser forcadas, inas concretizadas se forem possiveis. ‘As diferencas so, portanto, normais e necessérias, pois cada pessoa possui sua histéria ¢ isso néo 6 impedimento para que possam vivenciar uma experiéneia grupal, nem indicativo de que podem ser tratadas como objeto, sob o pretexto de pro- tegé-las e apoid-las. O procedimento étieo recomenda que nao haaja reforgo a nenhum tipo de discriminacao, mas aeatamento das diferencas. O grupo deve ser 0 espaco de fortalecimento da liberdade e nao da alienagao, e atitudes condescendentes e discriminatérias nao estimulam a auto-estima e a emanci- pacdo, muito pelo contrério, podem reproduzir e reforcar as relagées de poder existentes na sociedade. Por tiltimo, podemos fechar 0 entendimento do que seja um grupo, especialmerite um grupo terapéutico, afirmando que ele nunca esta pronto, mas em continuo devir. Esta sempre em proceso de construgio, Do mesmo modo, admitimos que 0 grupo tem um sentido de totalidade, especialmente pelo clo de interdependéncia que liga as pessoas que dele fazem parte, todavia a individualidade deve ser preservada, , Diante disso e do compromisso ético que o grupo deve ter de fomentar e époiar a liberdade, nao pode ser reduzido 20 uso de técnicas e treinamentos. Isso impossibilitaria a criatividade, impediria a liberdade e fortaleceria a alienacao. De fato, eles seguem orientagées tedricas ¢ metodolégicas, mas elas nao podem engessar 0 processo, nem servirem como mecanismos para treinar e manipular os individuos, mas caminhos para fortalecer suas escolhas livres e conscientes, para encontrarem © melhor para o seu bem-estar e o do outro. ee Elizete Passos COMPORTAMENTO £ETICO EM GRUPOS DE PSICODRAMA Para contextualizar o campo tedrico e metodoldgico de atua- cdo dos terapeutas psicodramatista, recorremos @ Blatner et al. (1988, p. 17), quando ele se propée a definir 0 psicodrama fo faz nas seguintes palavras: “O Psicodrama ¢ um método de psicoterapia no qual os pacientes dramatizam os aconte- ‘cimentos marcantes de suas vidas em vez de apenas falar a respeito deles.” ‘Os méritos dessa forma de atuagao sao muitos, destacando- se a possibilidade de serem inclufdas, no processo terapéutico, dimensées que a fala no contempla ou o individuo nao foi capaz de exteriorizar, tais como: pensamentos nao ditos, fan- tasias e visbes de futuro. Também Ihes sao atribuidos méritos om virtude da maleabilidade e possibilidade de aplicacao em situagées diversas, a exemplo da formacéo de profissionais ‘do ramo, na terapia familiar ou ainda nas organizagdes produtivas, na educacéo e, com as devidas adaptagoes, na psicoterapia individual. ‘ise método foi criado no ano de 1921 por Jacob Levi Moreno’, articulando filosofia criativa e dinamica de grupo. Criou-se ‘assim um método terapéutico, composto por muitas téenicas ‘c com uma vasta area de aplicagdo. O que faz Blatner (1988, p. 18) precisar 0 seu conceito nos seguintes termos: ‘O psico- ‘drama, tal qual a psicandlise, é tanto uma téenica especifica de tratamento quanto uma orientagao ‘para a psicodinamica.” Quanto ao seu ritual metodolégico, alguns elementos so im- prescindiveis para que ocorra: protagonista, que é 0 pacientes —_ Nasenu am Budapest, no dia 18 do mao do ano de 1880, estudou Filosofia, Medi- cA Seatnloga, Reecbou forte infludneia da iloofiade Henri Bérgson. Trabelhow cree edie sur subirbisde Viena, dsantea Primeira Guerra Mundial eelaboros catyasns do Peicodrama ¢ da Psicoterapia de grupo, Quando resi em Nova York, Grganiaou 4 primeira associagio de psicoterapeutas de grupo ¢ ofereceu sos bertas de psieodrama m4 | \ Etica ¢ Psicologia: teorla e pratica dirotor, que consiste na figura do terapeuta; auxiliares, que podem ser os demais membros do grupo; o paleo, ou seja, 0 ‘espaco adequado a dramatizacao. Assim como évasta sua area de atuagio, também as situagdes que podem ser levadas ao paleo: cenas familiares, sonhos, fantasias, etc. ‘Uma questao metodolégica, bem como ética, torna-se cen- tral do processo: o estimulo & autenticidade do protagonista, ‘ndo omitindo nenhum fato, nenhum sentimento, pois todos cles ajudam a expressar 0 que est no intimo do individuo. Cabe ao profissional, como uma questo moral, estimular 0 protagonista a entrar profundamente na cena, a participar integralmente do seu papel, a viver as emogdes suscitadas, caso contrario, nao estara cumprindo o seu papel no processo decurado atendido. Nesse empenho vale e faz parte das técnicas, inverter papéis, colocar-se na posigéo do outro, tentar sentir 0 que isso implica, rever o final da cena. ‘Nas palavras de Blatner (1988, p. 20) “Se a acéo tende a reforear a patologia do paciente, o diretor deve repetir o final, trabalhando em conjunto com ele, de maneira.a escolher uma solugéo mais positiva.” 0 autor citado quem sintetiza o que significa o Psicodra- ma e suas propostas: ‘Bm restmo, 0 proceso do psicodrama é muito complexo ‘em funcéo de sua possibilidade de examinar e manipular ‘as miiltiplas facetas da vida. Por um lado, sua esséncia é ‘bem simples: ajudar os pacientes a vivenciar sua situagdo de forma mais viva e possivel de ajudar a expressarem pensamentos nao ditos; incentivar os membros de um {grupo a darem apoio iuns aos outros; ajudar os pacientes a desenvolver e apliear sua propria criatividade aos desa- fios de sua vida. (BLATNER, 1988, p. 24) A proposta do Psicodrama, em si, 6 ética, pois seu eompro- misso é com a pessoa, com sua libertagao, com sua atitude cria- tiva, uma vez que ela propugna, em primeiro lugar, o resgate da espontaneidade, a oportunidade de expresso da vontade. nS Elizete Passos que vai sendo silenciada e renegada diante das imposicbes sociais, na firme conviego de que a libertacao da vontade é ‘uma forma de devolver ao ser humano o seu préprio eu. Buscando maior precisdo quanto a étiea contida na pro- posta psicodramética e que deve orientar a pritica dos profis- sionais que com ela lidam, Almeida (2001) mostra que ela se apresenta em trés dimensées: a ética messidnica, que reflete fa propria postura religiosa de Moreno e seu compromisso ‘com a construcao de uma sociedade mais justa’. Esse tipo de ética 6 definido por esse autor como: “A ética advinda desse posicionamento profético, fruto da intuicao e da inspiragao, nao esté atrelada as leis, porém A consciéneia pessoal de uma missdo a ser cumprida.” (ALMEIDA, 2001, p. 70). ‘A segunda modalidade seria a Titiea Médica, aquela propria do profissional de satide, de quem se espera saber ouvir, saber investigar e propor solugées sérias e competentes. Trata-se de ‘uma forma de agir que visa a ndo cometer danos ao paciente, ‘em decorréneia de despreparo, imprudéncia ou omissao. Por diltimo, a Btica do ato eriador. A primeira atitude de ‘Moreno, coerente com seu compromisso com a espontaneida- de, foi nao estabelecer regras para a pratica psicodramatica. Recomendava que a criatividade nao poderia ser cerceada e as ‘normas colocariam limites a ela. Dois anos depois, em 1957, ele trazia outra proposta, no caso a de firmarem o que ele de- nominou de “juramento do grupo”. Em um trecho do referido “Juramento” esta dito: “N6és devemos divulgar livremente aquilo que pensarmos, pereebermos e sentirmos uns sobre os outros; nés devemos mostrar os medos e as esperancas que temos em comum e nos purgarmos deles.” (MORENO, 1955 apud CESARINO, 2000, p. 81). ‘TParticipoa de grapos como os “jovens andarilhus", que procuravam ajudar pessoas tem aitaagdo de rise, com palavras carinho acothimento e ajuda material, Assumia ua crenga a porto de ser criteade no ambiente da cientificidade 116 Etica e Psicologia: teoria e pratica O fato de ter sistematizado algumas orientagoes de conduta nao desfez em nada o ideal da espontaneidade, ao contrério, parece ter sido uma maneira de autorizagao formal para ela. Como podemos depreender do trecho do juramento anterior, paciente e terapeuta nada deveriam guardar em sigilo, quan- to a0 que viesse a suas cabecas no processo do grupo. deveria ser explicitado, compartilhado. A transparéncia estende-se a outras dreas, porém signi- ficativas para que a confianga seja instalada. Dentre os dez itens que compéem o juramento sugerido por Moreno, hé um que se refere ao direito do paciente conhecer a formagao do terapeuta e da obrigacdo deste em colocar os dados com simplicidade e honestidade. ‘Também recomenda que o paciente deve ser respeitado em sua dignidade, protegido contra abusos, também por parte de outros membros do grupo, no caso de, por exemplo, querer tomar algum como “bode expiatério”. Ainda nesse aspecto, define que é papel ético do terapeuta néo colocar nem cum- pliciar com atitudes que coloquem algum dos integrantes na posicdo de vitima, pois ela nao contribui para a sua cura, além de ser uma ofensa e uma ameaca aos prinefpios democraticos que devem orientar o trabalho do grupo. A postura ética do profissional é barrar todo e qualquer tipo de discriminagao dos membros do grupo; para isso, ele precisa se auto-avaliar, a fim de também néo desenvolver algu- ma forma de preferéncia e de discriminacao. Proposta séria e dificil, pois, vivendo em uma sociedade discriminatéria como a nossa, torna-se quase que natural reproduzir essa prética em. nossas relacdes. No entanto, considerando as conseqiiéncias nefastas que atitudes discriminatérias acarretam, até porque clas, muitas vezes, so responsdveis pelas nossas neuroses de cada dia, compete ao terapeuta encaré-las com a seriedade que elas merecem e buscar formas para nao reforgé-las, mas, ao contrario, desfazé-las. ‘do 7 Elizete Passoz ‘Todas essas recomendagies serdo desnecessérias se os It- deres ¢ participantes de grupos tiverem conhecimento de que 8 psicoterapia de grupo é, em si, uma proposta ética Alem de permitir a participacao de um maior e mais diversificado niimero de pessoas, tem como meta precipua, no dizer de Cesarino (2000, p. 82): “[...] restaurar a confiancae devolver a dignidade do paciente.” O que equivale a dizer que nao basta a0 terapeuta ser competente profissionalmente, mas também ser comprometido com os direitos humanos, com a dignidade da pessoa e com a transformacao social. Moreno sabia disso e deixa elaro que comungava com tal orientacao, tanto assim que a atitude democratica é basilar, em sua concepgao, para 0 trabalho psicoterapico de grupo. Diante disso, vale uma sistematizacdo, a titulo de sintese, do que seria a ética na perspectiva do Psicodrama, Para nos ajudar, busearemos wma citacao de Castelle (1991), feita por Cesarino (2001, p. 83): ‘A étiea psicodramatica |...) nao é um posicionamento con- servador que se repete como formula ow habito (...] sem- pre aberta, procuraré exervitar |... dialétiea do bem edo mal, estard sempre om movimento espontaneo e numa dindimica criadora; superando o bindmio permisséo-in- terdigdo [| se dedicard a transformagio do homem [..] para se opor & robotizaeao, a rotina intelectiva, ao desa- mor e a destrutividade. Conhecendo as principais premissas da ética psicodramé- tica, deteremo-nos em um item que tem sido, desde sempre, objeto de discussao e, muitas vezes, de discérdias entre pro- fissionais de psicologia de diferentes ramos teéricos e metodo- logieos: 0 sigilo profissional. O assunto também foi objeto do interesse de Moreno, tanto 6 que dos dez itens que compéem © juramento por ele proposto, trés referem-se ao assunto, Também nesse aspecto, evidencia-se que a proposta mo- reniana nao era de criar normas buroeriticas, que servissem 18 Etica © Psicologia: teoria e pratica Para engessar as pessoas, pois, logicamente, iria de encon- tro ao ideal de liberdade contida nas bases do Psicodrama O objetivo era comecar pelas normas, ir com isso conduzindo © processo para que a confianga se instalasse ¢ a consciéncia da necessidade do respeito ao que fosse partilhado no grupo se estabelecesse, Cesarino (2001, p. 85) assim resume a posicao de Moreno quanto ao sigilo: Moreno vai além de recomendagéo do sigilo. Quer levar 08 pacientes a condigdo de entenderem aos poucos que a terapia funciona exatamente A medida que todos se com. Prometem com o trabalho. Nao apenas o segredo, poréim om o fato de que cada um é terapeuta do companhe.ro. A posicéo do autor 6 logica, pois nao é facil garantiro sigilo om um grupo pela diversidade das pessoas e por tratarem de assuntos que Ihes so tao importantes, 0 que instiga as Pessoas a falarem sobre ela, sem levar em conta atitudes deliberadamente antiéticas. Assim, faz-se necessario que os membros de um grupo terapéutico desenvolvam o sentimento de pertenea, de co-responsabilidade que sero barreiras na. turais a comentarios que poderiam prejudicar outras pessoas eimpossibilitar 0 sucesso do grupo. Concluindo, reafirmamos que o fato de existirem grupos te- rapéuticos de diferentes abordagens tedricas e metodolégicas ¢ de termos nos detido em uma delas néo significa que a atitude ética que deve orientar a sua pritica seja diferente. Existem sim especificidades, mas todos, decerto, precisam condurit 20 crescimento do ser humano e ao respeito aos seus direitos fundamentais. Ou seja, salvo as especificidades, o trabalio terapéutico em grupo sustenta-se nos mesmos pilares éticos. respeito a diferenga, acolhimento de cada individuo como 6, compromisso com a liberdade ¢ a autonomia do sujeito, res. Peito ¢ investimento na construgao de uma sociedade mais inclusiva, mais equilibrada e com mais justica social 19 Etizete Fassos Diante disso, o trabalho terapéutico, em geral, e o grupal, em especifico, nao se beneficiario de uma ética de inspiraviv metafisica, baseada em valores absolutos e universais. Ciida ser é tinico e comporta sua historia; o mesmo pode-se dizer do grupo, de modo que s6 podem ser entendidos e orientados dentro do seu contexto. Uma ética de base universal nao daria conta das especificidades e inviabilizaria o trabalho tem grupo que tem como proposta rever valores, ressignificar experiéncias, favorecer uma tevolugao criadora, como tao bem queria Moreno. Foi com esse compromisso que Moreno revit 0 papel do terapeuta, colocando-o no grupo em relacdo horizontal com os demais membros e nao vertical, de destaque, diferenciado. ‘Afinal, como vimos, ele é mais um do grupo, decerto com mais experiéneia e competéncia téenica, mas nao o tinico respon- sdvel pela cura de todos. O que é dito por Almeida (2001) em relacdo ao papel do psicélogo em grupos terapéuticos, consi deramos uma étima forma de concluirmos nossa sintese final, tem relagao ao presente capitulo, Segundo o autor o psicélogo 6 “L.] instrumento de diagnéstico, bem como agente tera- péutico, atribuindo-se a todosa funedo agregadora, operativa ‘ede eficiéncia simbélica da cura.” (ALMEIDA, 2001, p. 67). ( que nos autoriza a orienté-lo a agir de forma simples, equi- librada, respeitosa ¢ democritiea. Nao se colocar na posi¢ao que muitos atendidos pretendem que ele esteja: de quem tem a “varinha de condao”, capaz de desfazer todas as mazelas ‘curar todos os males. Assim, cle estaria se autopromovendo te dificultando a integracdo co exereicio dos principios demo- ‘craticos, essenciais ao trabalho em grupo. Especialmente liberdade, o reconhecimento da alteridade, a incluséo das dife- rencas ¢ 0 reconhecimento do outro enquanto sujeito. 120 REFLEXOES SOBRE A POSTURA ETICA DO PSICOLOGO ORGANIZACIONAL Esta 6 uma das dreas de atuagao mais tradicionais do psict Jogo, pois surgiu quase que ao mesmo tempo do nascimento da Psicologia, no final do século XIX e inicio do XX, para atender & demanda da industria nascent, no proceso de selegio de mao- ‘de-obra.e dos exércitos que precisavam compor suas tropas. ‘No Brasil, a area foi criada por volta dos anos 20 do século passado, também com o espirito da filosofia taylorista, de SS a forca produtiva dos individuos visando a __ De ld para cé muitas modificagbes foram verificadas nessa rea da Psicologia, nao apenas no que se refere a atuacao prética, como também aos propésitos éticos do profissional E disso que o presente capitulo se propée tratar. O SIGNIFICADO DA AREA pa unmutianasterminologins pao ‘estamos chamando de sicologia do Trabalho: Psicologia aplicada ao trabalho, aplic A.administracéo, do comportamento no trabalho, aplicada Elizete Passos negocios, Psicologia Industrial, entre outras (ZANELLI, 2002), Nos Estados Unidos, 0 uso corrente é de Psicologia Industrial © Organizacional, sendo que este tiltimo é mais recente ¢ foi adotado com a inten¢ao de mostrar as modificagdes por que @ rea passou, inclusive de foco, substituindo o {nicial, de carater mais téenico, centrado no uso de testes, para outro mais abrangente, que inelui outras dimensoes, O contexto da sua eriacéo aponta para o conceito da érea, durante muito tempo cminentemente técnica e restrita a ambiente de trabalho, até a tendéncia atual, que procura enxergar 0 mundo do trabalho e as reacées do trabalhador como articulados com o contexto externo, com a sociedade o ahistoricidade, 1 uma parte da Psicologia aplieada que Zanelli (2002, p. 24) define como: “{...] uma drea de aplicagéo dos prinelpios ¢ métodos psicolégicos no contexto do trabalho.” F esse autor ‘quem respalda a opedo da terminologia feita por nés: A denominagio Psicologia Organizacional e do ‘Trabalho, ‘mas largamento utilizada enn alguns paises europeus, pa. rece apropriada porque traz a idéia tanto dos fatores con textuais imediatos do trabalho quanto das caracteristicas ‘organizacionais que exercem influéncia sobre o comporta- mento do trabalhador. (ZANELLL, 2002, p. 25) ORIENTACAO SEGUIDA E FUNCOES DESEMPENHADAS Para entendermos a orientagdo filoséfica que a rea vem seguindo, faz-se necessario retroceder um pouco na sua histé- tia. Como dissemos, sua origem 6 marcada lo tecnicismo e -Compromisso com a produtividade, de modo que 0s recursos Psicologia cram postos a servigo dos interesses 6 capitalistas. ma Etica e Psicologia: teoria e pratica Diante disso, cabia 20 profissional da psicologia a apl de testes e a avalliagao do potencial do candidato ao 6 a ar sua forga e seus talentos. “uma preocupagéo com o ser humano e muito menos com as condigées de trabalho ¢ sua satide fisica e mental. Considerando-se que as organizagées produtivas olhavam © ser humano como recurso ¢ investiam apenas nos aspectos Produtivos, 0 profissional da Psicologia adequavacue a esse objetivo na identificagio, treinamento e adequacio da pessoa “certa” para. os lugares “certos”. Em. outras palavras, 0 papel do psicblogo consistia en adequar 0 empregado ao trabalho “para melhor aproveité-lo na ‘produgao. "Nos Estados Unidos, até a década de 30 do séeulo XX, sua flincao néo ultrapassava isso, dando conta do que preeo. nizava a administracdo cientifica, que procurava controlar todas as variaveis que pudessem intervir no desempenho do trabalhador. No Brasil, a tendéncia seguida no periodo ora a mesma, de ‘modo que alguns institutos foram criados para dar eonta a for, macao de pessoas ‘que iriam atuar na 4rea, considerando-se que ainda nao existiam cursos especificos de formacéo do profissional licagio 3, Quanto aos campos de atuagso do profissional, o mais antigo ¢ ainda hoje predominante 6 0 que se dedica a selecio, treinamento ¢ avaliagdo do trabalhador. Outros vieram se jun, fara.le, mesmo nao sendo no mesmo grau de demanda, como Se ocupam da ergonomia, ou seja, procuram compreender 13 Elizete Passos como os trabalhadores se relacionam com os equipamentos, com 0 mobilidiio, entre outros, a fim de nao Ihes trazer danos fisicos e suas conseqtiéncias; ainda existem as vertentes do aconselhamento vocacional e do desenvolvimento organiza- cional. Respectivamente: a que busca ajudar o trabalhador a descobrir o que mais gosta de fazer, o que Ihe traz mais alegria no fazer profissional, e a que se ocupa em diagnosticar 08, problemas da empresa, a fim de organizar os procedimentos de trabalho, Seguidas ainda pela vertente identificada como Relacdes Industriais, que procura trabalhar as relacdes en- tre 0s trabalhadores, destacando-se aquelas mantidas entre empregado e empregador (ZANELLI, 2002). Esse leque de atividades que se encontra a disposi¢ao do psicélogo organizacional foi ainda mais detalhadamente explicitado por Bastos e Galvéio-Martins (1990), incluindo a produgdo de conhecimento sobre o comportamento humano nas organizagées; a realizacdo de atividades de capacitacao profissional centrada nas pessoas; a contribuigéo com o siste- ma de satide empresarial por meio da elaboragao de projetos de atuacao, entre outras. Nao queremos entrar na seara da qualidade dos cursos de formagéo do psicélogo, nem da sua competéncia para atuar. Nossa intengao foi téo-somente tragar um panorama, ainda que sucinto, da situagio do profissional da Psicologia que atua nas organizagées, afim de contextualizar seu comportamento moral, Nao tanto no que ele vem fazendo, mas, prineipalmen- te, no como deve agir. PERFIL DAS ORGANIZACOES: ALGUMAS REFLEXOES SOBRE A ETICA Os objetivos, as caracteristicas administrativas e as rela- .c6es interpessoais variam de organizacao para organizagao, de época para epoca e de local para local, pois refletem uv anudelo: oy Etica e Psicologia: teoria e pratica social hegeménico, No Brasil, hoje, predomina o modelo orga- nizacional baseado na competitividade e no individualismo, ‘em que a lucratividade se sobrepée a qualquer outro valor. ‘Sao organizagdes que procuram se apresentar como com- prometidas com o bem-estar, o erescimento e a seguranca de ‘todos que dela participam, quando, de fato, trazem em sua ‘esséncia e praticam cotidianamente o autoritarismo e impo- sigao de normas disciplinares que servem para silenciar os inconformismos ¢ disseminar valores capazes de dissimular -conflitos e desfocar os problemas. ‘Verdadeiramente, as organizagées nao sao espacos homo- géneos, em que nao existam conflitos nem jogos de poder. ‘Como em qualquer outro agrupamento social, elas sao espagos heterogéneos, em que podem existir conflitos de interesse, competicao e rivalidades. Como dissemos, eles podem ter caracteristicas diferentes, pois cada organizacio tem uma cultura prépria que define sua forma de ser. Como as organizagoes séo sensiveis a cultura maior da sodiedade e éssa ¢ de inspiracdo capitalista, a tendéneia mais “comum é de elas, direta ou indiretamente, estimularem ‘mbites anitiéticas, como aquélas que tornam a competi¢sio Sempre negativa e as diferencas e discordancias em mo inveja e ressentimento. O que dificulta, quando néo im- ‘pide, a cémuinicacdo, o trabalho em equipe e o creseimento profissional e pessoal dentro das organizacées. Como adverte Passos (2004, p. 81): 0 império do econémico sobre o social é ameagador, na medida em que inverte a finalidade ética da produgio, doixando de ter a vida e 0 bem-estar social como os fins primordiais, para girar em torno de si mesmo. Nesse pro- e0880, 0s seres humanos tornam-se meios e néo fins, ins- ~/ trumentos para aumentar o capital, que visa a alimen~ )) tarse asi proprio. Desse modo, até mesmo 0 ser humano transforma-se em mereadoria e 0 interesse econdmico \impde-se sobre o da pessoa humana. as Elizete Passos so dos abjetivos, colocando os seres humanos em (segundo plano, a favor do econémico, € um posicionamento, antiético € perigoso, poi conseatié Sofrimento e degradagao ral e 80 quica. Por exemplo, as estatisticas est: Teferentes a dooneas psicossomiticas produzidas no interior das organizacées, provenientes de humilhag6es ¢ insatisfagées no ambiente de trabalho. ‘Do ponto de vista das doengas apenas de ordem fisica tam- bém os dados sao fartos: acidentes de trabalho, lesbes e mortes so comuns, como resultado do descaso das empresas com as condigdes de trabalho que oferecem aos seus empregados € com stias demandas humanas ¢ aptidoes. ‘Ainda que esteja em proceso uma nova atitude das organiza- 60s, no que se refere ao seu posicionamento ético, em virtude de uma maior conscientizagéo das pessoas acerca dos seus direitos e das obrigagies sociais que devem cobrar delas, ainda estamos distante do desejado. Muitas supostas agées responsiveis no passam de engodo, visando a dissimular a verdade e continuar no processo de exploracao do empregado e do cliente. O querndo nos impede de eshogar reac&o contra essas praticas ¢ delinear a direcdo verdadeiramente ética a ser tomada pelas pessoas que fazem parte do mundo organizacional, especialmen- te aquelas com poder de decisdo ou de interferir na construgio de uma consciéneia eidad como os gestores e as pessoas res- ponsdveis por pensar e implementar politicas de capacitagao e desenvolvimento humano, como os profissionais da Psicologia. ‘Uma organizacao ética deve orientar-se pela honestidade, confianga, credibilidade e altruismo e ter como meta o respeito Adignidade da pessoa e aos direitos humanos. Nao se quer com isso negar a importéncia do econémico, nem advogar contra ‘a necessidade das empresas serem produtivas. Apenas que 0 lucro nao pode ter um fim em si mesmo e deve ser adquirido de forma ética: sem exploragao, manipulagdo e ganéncia. Para isso, além do senso ético de cada individuo, os profis- sionais responsaveis por garantir a direcao ética da organiza~ 126 Etica € Psicologia: teoria e pratica ao necessitam de formacéo adequada e atualizada, Intuicao ‘e sensibilidade sao importantes, mas insuficientes diante da complexidade da questio. Até porque, os limites da técnica e do ético nao sao percebidos claramente por todos, de modo. que, muitas vezes, néo se sabe quando comeca um e termina 0 outro e quando eles esto tomando caminhos dispares. Ou seja, um que vise apenas a produtividade, sem levar em conta sua finalidade precipua que deve ser o bem-estar da pessoa e a preservagao da vida, de uma vida digna para todos os seres. POSTURA ETICA DO PSICOLOGO ORGANIZACIONAL Inseridos em um ambiente que, quase sempre, visa ao lucro econémico em detrimento do social, tem como desafio maior optar por uma prética emancipatéria, que promova a dignidade da pessoa por meio da sua conscientizacao, da atitude cidada, criativa e livre de qualquer determinagao. £ ainda Zanelli (2002) quem nos oferece uma sintese coe: rente com 0 que pensamos que deve ser a atitude ética do psi- edlogo que desenvolve sua atividade profissional no ambiente do trabalho. Diz ele: A Psicologia Organizacional 6 uma area que se insere no campo relativo ao trabalho e tem estreito vineulo com atividades administrativas. Na perspectiva adotada, suas metas extrapolam a visio tradicional de ajustamento do individuo eo trabalho e busca de eficiéneia maxima, Trata-se de priorizar o desenvolvimento da pessoa, por meio de mudancas planejadas e participativas, nas quais, ‘ohomem possa adquirir maior controle de seu ambiente. (ZANELLI, 2002, p. 35). Como dissemos, existem diferentes formas de se atuar no ambiente de trabalho. Tudo depende do compromisso do wr Etizete Passos profissional, incluindo sua formagdo, ambiente e perfil da empresa escolhida, Aquela que pode ser entendida como ética deve investir na producao nao por ela mesma, mas como condigao para implementar mudancas sociais em direcdo a uma sociedade mais digna e humana. Diante das ameacas que a sociedade esta vivendo, provo- cadas por atitudes de desrespeito ao meio ambiente ¢ ao ser humano, acenando até mesmo com ameagas a vida humana, no se pode admitir que as préticas profissionais se contentem, com 0 fazer téenico, sem se preocupar com as questées éticas, Assim, nao basta ao profissional da psicologia, que atua nas organizagées, acdes pantuais, centradas em problemas indi- viduais ou coletivos, mas_agdes engajadas e comprometidas., com a dignidade humana e a transformagao social. Para isso, a competéncia técnica é fundamental, mas ela sozinha nao da conta. O profissional necessitard equilibré-la com a ética. Juntas poderao enfrentar os impedimentos que porventura o ambiente de trabalho trouxer e avangar com praticas inovadoras ¢ construtivas. As agies conciliatérias ¢ acomodativas, comuns entre Profissionais que se colocam nas empresas em posigées inter- medidrias entre a direyao ¢ os dirigidos, requerem reflexao e redirecionamento, salvo em situagdes particulares. Eticamente falando, a recomendacio dirige-se para a escolha de agées que fortalecam o trabalhador ¢ incentive relagées menos verti lizadas, ficando em uma ponta quem manda, na outra, quem deve ser mandado. Em todos os casos, 0 erescimento do ser humano como pessoa livre e consciente deve ser a meta, seja ele trabalhador ou dirigente. O que s6 seré possivel por meio de uma orientacdo segura e politicamente bem fundamentada, caminho seguro é ter sempre uma postura filoséfica, no sentido dequestionadora, reflexiva’é aFtidilada. Ficai aheorado em determinada situacao ou teorias, seh evar ém ‘conta-o- momento histérico e as circunsténeias, pode nao SeF Uiia atitude construtiva, no sentido que estam ila 18 Etica e Psicologia: teoria e pratica Nossas acées demandam base tedrico-metodolégica soli ohjetivos bem definidos e sabedoria quanta nee eomelinites Pau equivale dizer.que-precisamos fazer da reflecse nossa wssolai.refletir antes,.durante.c.apés a Aga; afm de-avae Tarmos nossa prética.e suas, consegiténcias. Decerto essa nfioé a atitude mais confortével Parao profis- sional, em geral, e o de Psicologia que atua nas organizagées co vaipcetico, pois requer, em alguns casos, ter que enfrestas Ss valores o 0 poder estabelecidos; entrotanto, ¢aqueln nn econémica. Tudo isso s6 poder téncia teérica e técnica e formacio ética E Yerdade que algumas onganizagies favorecem mais essa brétiea étiea do que outras, Por exemplo, aquelas que, Ji conse- oe oun Ontender o valor da aprendizagem e favorocem gue todes 08 seus membros participem dela, també menos ercnadores deatitudes emancipatéri Profissionais. Como nao é esse o modelo mais oo nizagbes produtivas, 0 profissionais, em especial ex, ithe ue geralmente ocupam espagos no proceso da educacio cor- Pemavae do desenvolvimento humano, sdo levados a eacelhey qeuacoes que incentive as empresas nesse caminho em non de se acomodarem diante daquelas por ela apresentadas, les podem ter um significativo papel em prol de maria as ha cultura da organizagéo, dos seus valores ¢ comport f08 adotados. Onde o ser humano dentro das organizagses 19 Elizete Passos nao seja tomado somente como recurso, como instrumento ‘a favor da produgao, ser de razéo e de execucao. Onde sua’ ‘razéo possa ser articulada com a emocio, o sentimento, suas expectativas e vivéncias. 4 esforga-se para tornar sua acao capay. de Sse verem.como pessoas, como sujeitos 0 psicélogo pode identificar grupos e tendéncias favord- veis a mudanca. Assim, pode-se criar uma massa critica que, progressivamente, vincule os valores da mudanga 1a questées-chave para a organizacao, capazes de gerar idéias, junter dados, propor solugées e encontrar, aliado ao trabalho do psiedlogo, modos de inerementar e desen- volver uma mentalidade aherta a aprendizagem. A parceria buscada entre os membros da empresa s6 sera possivel por parte do profissional da Psicologia que veja cada individuo como tinico, com pontos de vista diferentes, expec- tativas proprias, capacidade de pensar e direito de expressar suas idéias, Também aquele que nao esteja comprometido em reforcar a politica da empresa, quando ela nao se apresenta coerente com a dignidade e integridade do trabalhador, Esse caminho ndo comporta atitudes ditas neutras, pois isso ndo existe. Até mesmo a omissao é uma tomada de posi- cio. Infelizmente, caracteriza-se como aquela que oportuniza a manipulacdo e a dominagao dos menos aquinhoados. A atitude ética do profissional o orienta a conduzir suas agées no caminho do respeito as diferencas, da oposigao a qualquer prética discriminadora, do incentivo a participacéo do trabalha- dor em programas sociais que possam ajudé-lo a fortalecer sua consciéncia cidada c seu crescimento pessoal e profissional. Como sinalizamos em passagem anterior, essa atitude pressupée critica constante, nao no sentido da desqualifi- cagao, mas da anilise e da reflexdo. E recomendavel que os 130 Etica e Psicologia: teoria e pratica profissionais conhecam o perfil da empresa em que trabalham: seus valores, objetivos, filosofia e papel social, no intuito de saber como agir de forma a prestar sua contribuicéo para as roudangas necessfrias para fazé-la ter consciéncia do seu com- Promisso. ético e socialmente responsavel. Enfim, sua atitude 6 de ajuda as empresas, a fim de optarém por © praticarem i res NOVOS ESPACOS: AUMENTO DO P. TRANSFORMADOR? ae Como vimos, a tradigéo do fazer do profssio icologi nas organizagesestove centrada novuso de teenioee aces a adequar melhor o trabalhador. Nelas recaom as principais criticas feitas também por psieélogos, néo pelo uso das téeni. as, que continuam sendo de grande valor, mas pela forma considerada neutra com que os profissionis se eolocavam. Bor outro lao, os angumentos que procuravam jutifear 0 apenas técnico do i fazer apenas {énieo do profisiona, entrada nasa alta de Como mostramos, 6 grande o loque de opgées do pico onesie din do hierarquiea que ele passa a oeupar, por exemplo, na tradicional rea de Recursos Humanos que esta se tornando, on muitos casos, assessoria importante dos altos dirigentos. AAs oportunidades que se apresentam pociem ser caminhos para um fazer mais engajado, no sentido das transformagies que delineamosanteriormente, ou nao, Nisso, éde fundamental importancia, além do que jé foi falado quanto a sua formacto eeu compromisso politico, questées de ordem ontolégica, como. seuconeeito de ser humano, Vale lembrar que a tradigao das rces de RH tem sidoa de tomar oser humano como inatrumento, pooe da engrenagem produtiva que deve ser treinado, discipiinado ¢ adequado ao todo da organizacéo, como no modelo taylorista at Elizete Passos ‘Manter esse conceito de ser humano, decerto, representa seguir ‘0 mesmo caminho de padronizé-lo e ajusté-lo. Faz-se necessario traté-lo de forma diferente, no caso do psicélogo ou da psicéloga, adotando novas praticas ou dando novos significados as anteriores, 0 que ja vem acontecendo. Estudiosos' asseguram que o uso de testes psicolgicos nas empresas est diminuindo e crescendo a énfase na educagio _e no autogerenciamento das praticas de capacitagao. ‘AS novas posigdes que os psicdlogos vém ocupando ou ten- do condigées de ocupar na hierarquia organizacional ¢ fator determinante, desde que eles se comprometam com 0 fato de que as empresas devam buscar 0 erescimento écondmico aliado ao social. Nessa sitacdo, poderao ajuda-las a refletir sobre 0 seu fazéré implementar acdes que promovam a saide fisica e mental de todos os empregados e ajudar os emprega- dos a fazer escolhas importantes para si e para a sociedade e projetos de vida mais humanos. Zanelli (2001, p. 136) adverte, considerando-se que muitos profissionais da Psicologia Organizacional continuam apega- dos a dimensio técnica do seu fazer: A permanéncia no nivel téenico, em qualquer situacao di- ficulta ao psicélogo perceber possibilidades de insercao, de estar integrado ao nivel do planejamento estratégico 0 fax mantenedor ao invés de agente de mudanca, As competéncias técnica e ética ea criatividade sio neces- sérias ao profissional para que ele possa se colocar a servico da transformacéo. Criatividade ¢ inovacdo, portanto, que possa colocar a cidneia ¢ a tecnologia a servico da solugdo dos problemas cenfrentados por imenso contingente de pessoas, que tal- ‘vez pessamos resumir em termos de melhoria da quali. dade de vida. (ZANELLI, 2001, p. 142). "Tintre cles podemos registrar Zanellie Bastos, m Elica e Psicologia: teoria ¢ pritica Competéncias té tender eine s técnica e postura étiea para que possam o rirem a novas éreas de conheci sam en~ ainda nac i conhecimento e questives plo deen oenfrentadas. Por eles no mundo do: trabalho exem. de cofrimnn ental, do estresse, da fadiga e de outras forimaa deve cobat originadas pelo trabalho. Enfim, 0 rofissiona i sas 6 ne bet Saber € suas competéncis a servigo das pos 'as e na busca de solugdes para = Como poder, slusées para os seus sofrimentos. organizacio, manos inferir, as possibilidades dos Psicélogos de agirom dead? ampliadas e com clas as oportunidade, treo trabalhadoes eos de ata dsseminagio en. nao assegura ‘adores ¢ os dirigentes. Contudo, uma situacao maior domincgtr Seu maior poder pode ser sindnimo de de onmciheicie en dos empregados, caso ele nao seja seguido portanntes cones Aca: Nessa perspectiva, as técnicas sie in 10 formas de promogéo di A aa fa pessoa e nao dever Ser usadas para rotulare classifcar Pessoa e nao devem I8s0 no momento acl evidente a substituicéo dos trad : gestdo por outros mais cuuicionais modelos de Preocupados com ¢ h tes sociais ¢ ambientais, Na 6 Bumano e as que: ” s entais. No déncia geral e escolhida livre Se pode dizer que seja uma ten-

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