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< < \ XS Colecéo OPUS-86 Obras: — CHEKHOV, M. Para o Ator = LOVELOCK, Histéria Co: — FRANCIS, A. O Jazz — KERMAN, J. Musicologia — BOURCIER, P. Histéria da Danca no Ocidente Préximos lancamentos: — HOLST, I. ABC da Masica — DART, T. Interpretagéo da Masica [ PARA ATOR MICHAEL CHEKHOV Martins Fontes. ee Thule do original: TO THE ACTOR © Copyright 1953 by Michael Chekhow Publicado por acordo com Harper & Row, Publishers Inc., Nova lorque, NY., US.A. Primeira edigdo brosilera: julho de 1986 Tradugdo: Alvaro Cabral Revisdo técnica: Juca de Olivetra Producto gréfica: Geraldo Alves ‘Composigdo: Artel » Artes Gréficas Paste-up: Moacir K. Matsusaki Copa: Alexandre Martins Fontes ‘Todos os direitos para a lingua portuguesa reservados @ LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA. Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 01325 — So Paulo — SP — Brasil Indice Prefacio a edicao brasileira sno 1X Prefécio de Yul Brynner . vo» XH Introdugao ormnnns sees XVIL ‘Uma nota para o leitor areal 1. Corpo e psicologia do ator 1 2. Imaginagio e incorporagao de 23 3. Improvisagio e conjunto . 39 4. Atmosfera e sentimentos individuais 51 5. 0 gesto psicolégico . 69 6, Personagem ¢ caracterizacao 93 7. Individualidade cr 103 8. Composigio do desempenho 113 9. Diferentes tipos de desempenhos .. 149 10. Como abordar o papel .. 139 LL. Notas finais ... : 187 12, Exemplos para improvisacio 197 A George Shdanoff que compartilhou comigo do trabalho diligente, da excitagio e alegrias do Chekhov Theater. Sua capacidade de diregao e seus experimentos pedagé- gicos com 0s princfpios do método que apresento neste livro foram influén- cias estimulantes. Prefacio @ edigao brasileira E quase inacreditavel que somente agora este livro tenha sido traduzido e langado no Brasil. O autor € desses monumentais intérpretes que marcam sua car- reira pela volipia de transmitir aos outros, principal- mente aos seus colegas atores, os segredos da profis- sio, que Ihe devem ter sido revelados pelos proprios deuses do teatro... Aqui é necessdrio registrar a sau- dade do inesquecivel Eugénio Kusnet, conterraneo do autor. Os ensinamentos de Stanislavski, tanto a prepara~ do psicolégica quanto a projegao fisica da persona- gem, foram elaborados tendo em vista os atores do Teatro de Arte de Moscou, em ensaios que se esten- diam por mais de oito meses. Como aplicar o método entre nés, onde hé diretores que encenam pegas com trés semanas de ensaios? E no cinema, onde 0 ator dispée de apenas alguns dias para preparar 0 seu pa- pel, para nao falar da televiséo, onde os originais sio distribuidos algumas horas antes da gravagio? Bis ai a suprema importancia deste livro. O elaboradissimo sistema de Chekhov foi concebido para os atores do Ocidente, que sempre lutaram com a exigitidade de tempo, sobretudo os colegas americans, que atuam x Para o Ator na Broadway e em Hollywood. O sistema aqui discu- tido e baseado no ainda atual método de Stanislavski é de fundamental importincia, mesmo quando vocé disponha de apenas um més para estrear uma comédia ligeira ou uma longa tragédia de Shakespeare. Sempre houve toneladas de confusio na 4rea da técnica de representar. Sobre exercicios fisicos para atores, para se ter uma idéia, j4 se misturaram todas as escolas ¢ técnicas, desde o método de Cooper até as Tutas marciais, passando pela capoeira, ioga, muscula- cdo e um sem nimero de processos de condiciona- mento. Aqui neste livro, pela primeira vez, vocé vai encontrar exercicios fisicos especificos para atores. Nao balé ou ginastica: praticas especialmente elabo- radas para os intérpretes que atuam no paleo, cinema ou televisio. Esses exercicios, facilimos de serem executados, verdadeiros ovos de Colombo, dario a voce, sobre o paleo, uma seguranga e um a-vontade jamais sonhados. ‘O trabalho nos exercicios de desenvoltura, beleza e integridade nos leva a um estado de graga, a uma situagao de absoluto conforto durante o ato de repre- sentar. A incorporagio da técnica de irradiagéo liberta o ator do medo, da timidez ou da inseguranca frente as, platéias mais agressivas. A correta utilizagio do centro de energia transforma a interpretagio num jogo fasci- nante e cheio de surpresas, Os exercicios de imagina- gio e incorporacao das imagens é quase uma viagem alucinante. O gesto psicoldgico, definindo num relance a natu- reza interior da personagem, queimando etapas na dificil tarefa de caracterizagao; a individualidade criativa; a composicdo do desempenho; como abor- dar o papel; em cada um dos capitulos vocé descobre Prefécio a edigao brasileira xi revelagdes simples e praticas, que sé um inspira simo mestre poderia descobrir e traduzir. Como se nao bastasse, o livro de Michael Chekhov acaba por questionar as nossas concepgées éticas estéticas, independente do fato de sermos profissio- nais da arte dramética ou nio. Nesse ponto é obra indispensavel a todos os que trabalham no campo da criagto. Desde 1975, quando fiz Ricardo III, leio e estudo os ensinamentos do mestre russo. E sempre descubro alguma coisa nova, tal o rigor e a profundi- dade dos conceitos aqui emitidos. Para minha surpresa, quando comecei a escrever para o teatro, o livro me serviu também como extraor- dinario manual de playwrinting, um guia para o enri- quecimento das personagens. I, portanto, obra obri- gatéria para os dramaturgos. E —por que nao dizer? — para todos os seres sensiveis que buscam na beleza e nia emocio uma forma de existéncia compativel com a fantasia que habita cada um de né Juca de Oliveira margo/86 ST. JAMES THEATRE Nova York, 23 de julho de 1952 Prezado Sr, Chekhov, meu caro Professor: Creio que a altima vez que tive oportunidade de falar com o senhor foi h4 uns dez anos. Nao acredito que lhe tenha contado, durante 0 ano, mais ou menos, em que tive 0 privilégio de trabalhar com o senhor, toda a histéria de meus esforcos no sentido de realizar profissionalmente a sua teoria da arte de representar. Tudo comegou em fins da década de 1920, quando o vinum repertério de pegas que fez em Paris: O Inspe- tor Geral, Eric XIV, Noite de Reis, Hamlet, etc. Sai do teatro com a profunda convicgao de que sé através do senhor eu poderia descobrir aquilo que procurava obter em meu trabalho: um modo conereto e tangivel de alcangar 0 dominio dessa coisa esquiva, indefini- vel, a que se da o nome de técnica de representar. Esses esforgos prosseguiram ao longo dos anos € tal meta parecia-me, a maior parte do tempo, inatingi- vel. Tentei juntar-me ao seu grupo quando o senhor — xIV Para o Ator iniciou o Chekhov Theater em Dartington Hall, na Inglaterra. Depois, soube que se transferira para os Estados Unidos com a maior parte do seu grupo, a fim de continuar seu trabalho em Connecticut, ¢ levei muitos anos percorrendo o mundo, ao sabor dos acon- tecimentos, até chegar finalmente aos Estados Unidos com 0 exclusivo propésito de trabalhar com o senhor. ‘Agora, tendo em minhas maos o manuscrito de Para 0 Ator, tealizei meu objetivo completo. Em Para 0 ‘Ator engontro 0 que estava procurando e tentando descobrir para mim mesmo; exatamente o que tentei aplicarao meu trabalho desde o breve periodo em que tive o privilégio de trabalhar com o senhor. Pois, em- bora visitasse muitas escolas e numerosos atores, dire~ tores e professores muito famosos e criativos, nunca encontrei quem me ensinasse uma das partes mais importantes da técnica de representar. Eles sabiam perfeitamente como ensinar diccao. Sabiam bem como ensinar-nos a usar com eficiéncia as deixas, mas, sobretudo, faziam-nos explorar a parte vital e suma- mente importante da atuagio — nés proprios — ape- nas com “regras” vagamente formuladas, que eu achava ser apenas terminologia, uma série de nogdes abstratas que nao continham qualquer ajuda concreta, Quando se é pianista, conta-se com um instrumento exterior que se pode aprender a dominar através do trabalho dos dedos e de exercicios érduos, e com issoo artista criativo pode executar e expressar sua arte. Nés, porém, como atores, temos que trabalhar com 0 instrumento mais dificil de dominar, isto é, 0 nosso proprio eu — o nosso ser fisico e 0 nosso ser emocio- nal. E dai, ereio, que decorre toda a confusio das diferentes escolas de arte dramética e é por isso que 0 seu manuscrito, que tenho diante de mim, vale mais Prefacio de Yul Brynner xv do que 0 seu peso em ouro para todos os atores — na verdade, acredito que para todos os artistas criativos. Como disse antes, tudo o que aprendi com o senhor venho aplicando ao longo dos anos, em todos os veicu- os de comunicagao onde tenho trabalhado, nao sé como ator mas também como diretor, nao sé no teatro, mas também na televisao, no trabalho de camera, de montagem, de cenografia, enfim coisa complexa que € uma produgio teatral ao vivo para a televisio. Em meu entender, o seu livro Para o Ator é de tao longe o melhor em seu género que nao pode sequer comegar a ser comparado com qualquer outro que tenha vindo a lume neste campo. E, em minha opi- nigo, sua leitura é tio fascinante quanto a da melhor obra de ficgio que jé esteve sob meus olhos. Neste ponto, s6 posso expressar meus agradecimen- tos por ter tornado acessivel, a mim e a outros artistas, um livro que, embora breve, é sumamente valioso para quem queira dominar 0 que senhor designa como “proceso criativo”’, Seu, Introdugao Este livro é 0 resultado de espiar atris da cortina do Processo Criativo — uma bisbilhotice irrefreavel que comegou hé muitos anos na Riissia, no Teatro de Arte de Moscou, ao qual estive associado durante dezes- seis anos, Trabalhei ao longo desse periodo com Sta~ nislavsky, Nemirovich-Danchenko, Vachtangov e Su- lerjitsky. Na minha condicao de ator, ditetor, profes- sor e, finalmente, principal dirigente do Segundo Teatro de Arte de Moscou, pude desenvolver meus métodos de interpretagio e diregao € formulé-los numa técnica bem definida, da qual este livro é um fruto. Depois de deixar a Riissia, trabalhei por muitos anos em teatros da Leténia, Lituania, Austria, Franga, Inglaterra, e com Max Reinhardt na Alemanha. Tive também a boa sorte e o privilégio de conhecer ¢ observar atores e diretores renomados de todos os ‘pos e tradicées, entre eles personalidades inesque- civeis como Chaliapin, Meyerhold, Moissi, Jouvet, Gielgud e outros: Pude ainda adquirir muitos conhecimentos titeis enquanto dirigi Noite de Reis para o Teatro Hebraico Habima na Europa, a pera Parsifal em Riga e a 6pera XVIII Para o Ator A Feira de Sorochinsk em Nova York. Durante o meu trabalho nesta iltima produgio, uma série de discus- sdes que tive com 0 falecido Sergei Rachmaninoff inspirou muitas contribuigdes adicionais para essa técnica Em 1996, 0 st. e a sra. L. K. Elmhirst e a srta. Beatrice Straight inauguraram uma escola de arte dramatica em Dartington Hall, Devonshire, Ingla- terra, coma intengio de criaro Teatro Chekhov. Como diretor dessa escola, tive a oportunidade de realizar um grande ntimero de valiosos experimentos relacio- nados com a minha téenica. Esses experimentos pros seguiram depois que a escola foi transferida para os Estados Unidos as vésperas da Il Guerra Mundial e, além disso, durante o desdobramento das atividades da escola como teatro profissional, conhecido como os, Chekhov Players Esse teatro poderia ter continuado a aventurar-se em alguns novos prineipios de arte dramatica no de- correr de sua tournée como companhia de repertério classico; entretanto, sua atividade se viu interrompida quando a maioria de seus membros do sexo masculino foram chamados &s armas, Meus experimentos pros- seguiram a custo por mais algum tempo, com a ajuda de atores da Broadway, mas aeabaram por ser adiados indefinidamente quando muitos dos atores dessa companhia foram também servir nas Forgas Armadas. ‘Agora, depois de todos esses anos de testes e verifi- cagdes experimentais, sinto ter chegado 0 momento de confiar as idéias ao papel ¢ oferecé-las como 0 trabalho de minha vida ao julgamento de meus cole- gas e do grande pablico. ‘Assim, desejo expressar minha gratidao, em pri- meiro lugar, a Paul Marshall Allen, por sua generosa Introdugao XIX ajuda na versio formativa; a Betty Raskin Appleton, Dr. Sergei Bertensson, Leonidas Dudarew-Osse- tinsky, Hurd Hatfield e, em particular, a Deirdre du Prey, meu ex-aluno e qualificado professor do mé- todo, por suas respectivas contribuigées. Uma nota especial de aprego € reservada para Char- les Leonard, teatrélogo-produtor-diretor, eujo séli¢ conhecimento do método e compreensio de suas aplicagdes a varios ramos do palco, tela, radio e televi- sio levaram-me a entregar-lhe a tarefa de editoragio desta versio final do manuscrito. Sou-lhe profunda- mente grato por seu trabalho inestimavel Michael Chekhov Beverly Hills, California 1952 Uma nota para o leitor Necessito da sua ajuda. ‘A natureza intrincada do assunto requer nao s6 uma leitura concentrada, no sé uma compreensio clara, ‘mas cooperacio com o autor. Pois o que poderia facil mente ser compreensivel pelo contato e demonstra- ao pessoal deve necessariamente depender de meras palavras ¢ de conceitos intelectuais. Muitas das interrogagées que podem surgir em sua mente durante ou depois da leitura de cada capitulo poderao ser respondidas através da aplicaco pratica dos exercicios aqui prescritos. Lamentavelmente, nio existe outro modo de cooperar: a técnica de represen- tacgio jamais podera ser adequadamente entendida sem que seja praticada M.C. A técnica de qualquer arte é, por vezes, suscetivel de abafar, por assim dizer, a centelha de inspifacio num artista mediocre; mas a mesma técnica nas maos de um mestre pode avivar a centelha ¢ converté-la numa chama inextinguivel. — Josef Jasser Capitulo 1 Corpo e psicologia do ator (Os nossos corpos podem ser os nosso ‘methores amigos ow 08 nossos piores intmigos. E um fato conhecido que o corpo humano e a psicolo- gia se influenciam mutuamente e estao em constante interagéo. Tanto um corpo subdesenvolvido quanto um muscularmente superdesenvolvido podem facil- mente turvar a atividade da mente, embotar os senti- mentos ou debilitar a vontade. Como cada campo € profissio é presa ficil de habitos ocupacionais carac- teristicos, doengas e riscos que afetam inevitavel- mente seus trabalhadores, é raro encontrar um com- pleto equilibrio ou harmonia entre 0 corpo € a psico- logia. Mas o ator, que deve considerar seu corpo como um instrumento para expressar idéias criativas no palco, deve lutar pela realizagao de completa harmonia entre corpo e psicologia. Existem atores que podem sentir seus papéis pro- fundamente, compreendé-los com uma limpidez cris talina, mas sao incapazes de expressar e transmitir a uma platéia essa riqueza interior. Esses maravilhosos pensamentos e emogdes estéo como que acorrenta- dos, de algum modo, dentro de seus corpos subdesen- volvidos. O processo de ensaiar e de atuar é, paraeles, ‘uma batalha dolorosa contra sua propria “carne dema- 2 Para o Ator siado slida”, como disse Hamlet. Mas nao écaso para ficar consternado. Todo ator, em maior ou menor grau, sofre alguma resisténcia por parte de seu corpo. Exercicios fisicos sio necessarios para superar isso, mas devem ser baseados em principios diferentes dos usados na maioria das escolas de arte dramatica. Gi- nastica, esgrima, danga, acrobacia, exercicios calisté- nicos ¢ luta sio indubitavelmente bons e iiteis dentro de seus respectivos limites, mas 0 corpo de um ator deve passar por um tipo especial de desenvolvimento, de acordo com os requisitos particulares de sua profis- Quais sao esses requisitos? Em primeiro lugar, e acima de tudo, esta a extrema sensibilidade do corpo para os impulsos criativos psi- colégicos. Isso nio pode ser conseguido por exerci cios estritamente fisicos. A propria psicologia deve tomar parte em tal desenvolvimento. O corpo de um ator deve absorver qualidades psicoldgicas, deve ser por elas impregnado, de modo que 0 convertam g1 Gualmente numa membrana sensitiva, numa espécie de receptor e condutor das imagens, sentimentos, emogoes e impulsos volitivos de extrema sutileza, "A partir do dltimo quartel do século XIX vem rei- nando uma perspectiva materialista do mundo, com poder sempre crescente, tanto naesfera da arte quanto ha ciéncia e na vida cotidiana. Por conseguinte, so ‘mente as coisas que sao tangiveis, as coisas que sao palpaveis e tém uma aparéncia exterior de fenémenos Vitais parecem suficientemente vélidas para atrair a atengao do artista. Sob a influéncia de conceitos materialistas, 0 ator contemporineo é constantemente, por necessidade pura e simples, induzido a pratica perigosa de elimi- Corpo e psicologia do ator 3 nar os elementos psicolégicos de sua arte € de supe- restimar o significado do fisico. Assim, & medida que se afunda cada vez mais nesse ambiente inartistico, seu corpo se torna cada vez menos animado, cada vez mais superficial, denso, como um titere, e em casos extremos assemelha-se até a uma espécie de automato de sua era mecanistica. A venalidade torna-se um substituto conveniente da originalidade. O ator co- mega recorrendo a toda a sorte de truques e clichés teatrais, e nio tarda a acumular um grande nimero de habitos peculiares de atuagio e maneirismos corpo- rais; mas, por muito bons ou maus que sejam ou pare- cam ser, eles sto apenas um substituto de seus reais sentimentos e emogdes artisticas, da auténtica excita- ‘cao criativa no paleo. ‘Além disso, sob o poder hipnético do materialismo moderno, os atores sio até propensos a negligenciar a fronteira que deve separar a vida cotidiana da vida no paleo. Esforcam-se, pelo contrério, por levar a vida~ tal-como-é para o palco e, assim fazendo, convertem- se em fotégrafos triviais, ordinarios, em vez de artis- tas. Sio perigosamente propensos a esquecer que a verdadeira tarefa do artista criativo nao é meramente copiar a aparéncia exterior de vida, mas interpretar a vida em todas as suas facetas e profundidade, mostrar oque est por tras dos fendmenos da vida, deixar que 0 espectador olhe mais além das superficies ¢ dos signi- ficados da vida. Pois nao € 0 artista, o ator, em seu sentido mais verdadeiro e mais auténtico, um ser dotado da capaci- dade de ver e vivenciar coisas que sao obscuras para a pessoa comum? E nao é sua missio real, seu jubiloso stinto, transmitir a0 espectador, como uma espécie de revelagio, suas impressdes muito pessoais de coi- 4 Para o Ator sas tal comoele as vé e sente? Entretanto, como pode 0 ator fazer isso se 0 seu corpo esta acorrentado e limi- tado, em sua expressividade, pela forga de influéncias inartisticas e nao-criativas? Uma vez que seu corpo € sua voz sio 0s Gnicos instrumentos fisicos de que dispoe, nao é seu dever protegé-los contra coercoes que sao hostis deletérias para a sua profissio? pensamento frio, analitico, materialista tende a sufocar 0 impulso da imaginacao. Para neutralizar essa intrusao fatal, 0 ator deve empreender sistematica- mente a tarefa de alimentar seu corpo com outros impulsos que nao aqueles que o impelem a um modo meramente materialista de viver e pensar. O corpo do ator s6 pode ser para ele de valor timo quando moti- vado por um fluxo incessante de impulsos artisticos; s6 entio podera ser mais refinado, flexivel, expressivo e, 0 mais vital de tudo, sensivel e receptivo as sutile- zas que constituem a vida interior do artista criativo. Pois o corpo do ator deve ser moldado e recriado a partir de dentro. ‘Assim que comeca praticand, ficard atdnito ao ver até que ponto © com que avidez 0 corpo humano, especialmente o corpo de um ator, pode consumir—e responder a—todas as espécies de valores puramente psicolégicos. Portanto, para o desenvolvimento de um ator, devem ser encontrados e aplicados exercicios psicolégicos especiais. Os primeiros nove exercicios estao planejados para preencher esse requisito. Isso nos leva a delinear o segundo requisito, que éa riqueza da prépria psicologia, Um corpo sensivel € uma psicologia rica, de cores vivas, sao mutuamente complementares e criam essa harmonia tao necessaria a realizagao do objetivo profissional do ator. O ator conseguira isso se ampliar constantemente o Corpo e psicologia do ator 5 circulo de seus interesses. Deve tentar vivenciar ou assumir a psicologia de pessoas de outras eras, lendo pegas de época, romances histéricos ou mesmo a pré- pria histéria. Enquanto faz isso, tentara penetrar no pensamento dessas pessoas e personagens, sem Ihes impor seus modernos pontos de vista, conceitos mo- rais, prinefpios sociais ou qualquer outra coisa que seja de natureza ou opiniio pessoal. Tentar com- preendé-las através do mado de vida delas e das c cunstancias em que existiram. Rejeitara a nogio dog- mitica e enganadora de que a personalidade humana nunca muda, mas permanece a mesma através dos tempos e em todas as idades. (Ouvi certa vez um ator eminente dizer: “O Hamlet era apenas um cara como eu!” Num instante ele traira aquela preguica interi que o impedira de penetrar mais profundamente na personalidade de Hamlet e aquela auséncia de inte: resse por tudo o que estivesse além dos limites de sua prépria psicologia.) O ator deve, analogamente, tentar penetrar na psi- cologia de diferentes nagdes; tentar definir suas carac- teristicas especificas, seus tracos psicolégicos dom nantes, suas indiossincrasias, seus interesses € suas artes, Pér a claro as principais diferencas que distin- guem entre si essas nogées. ‘Além disso, esforgar-se-d por penetrar na psicologia de pessoas 2 sua volta e em relacao as quais nao sente simpatia. Tentaré descobrir nelas algumas qualidades boas, positivas, que talvez nao tenha notado antes Faca uma tentativa para vivenciar 0 que elas viven- ciam; pergunte a si mesmo por que elas sentem ou agem do modo que fazem. Mantenha-se objetivo e ampliara imensamente a sua propria psicologia. Todas essas experiént sonagens que esta estudando profissionalmente se ‘0s movimentos com sufieiente vigor, mas sem forgar desnecessa- tornara mais agucada, mais nitida. Comegara por d riamente os misculos. Devem-se executar movimentos que "re~ cobrir primeiro esse inexaurivel fundo de originali dade, inventiva e engenho que, como ator, é capaz de exibir. Estard apto a captar em suas personagens aque- las caracteristicas sutis mais fugidias que ninguém ‘mais, senao 0 ator, pode ver e, por conseguinte, reve- lar ao seu paiblico. E, se além das sugestdes acima adquirir o habito de suprimir toda a eritica desnecessaria, seja na vida, seja em seu trabalho profissional, estard acelerando consi- deravelmente 0 seu desenvolvimento. 0 terceiro requisito € a completa obediéncia do corpo e da psicologia ao ator. O ator que se tornar senhor absoluto de si mesmo e de seu oficio baniré o elemento de “acidente” de sua profissao e eriaré uma base sélida para o seu talento. Somente um comando indiscutivel de seu corpo e psicologia Ihe dara a ne- cessaria autoconfianga, liberdade ¢ harmonia para a sua criatividade, Pois na modema vida cotidiana nio fazemos uso suficiente ou apropriado de nossos cor- pos e, em conseqiiéncia, a maioria dos nossos. mascu- los torna-se fraca, sem flexibilidade, insensivel. Eles devem ser reativados para que nio lhes falte elastici- dade, O método sugerido neste livro leva-nos & reali- presentem”’o seguinte: Abra-se completamente, eseancarando os bragos e espalmando fax mios como se estivesse abrindo as asas para algar véo, com as pernas bem separadas, Mantenha-se nessa posigio expandida por alguns segundos, Imagine que esta ficando cada vez maior. Voltea posigio original. Repita 0 mesmo movimento numerosas veres. Conserve presente em seu espirito a finalidade do exeret zendo para si mesmo: “Vou despertar de meu corpo; vou reanimé-los ev Agora eche-se, cruzando os bragos sobre o peito e colocando as ios nos ombros. Ajoelhe-se em um ou ambos os joelhos nando a cabega para a frente e para baixo. Imagine que esté ficando cada vez mais pequenino, enroscandose, contraindo-se ‘como se quisesse desaparecer corporalmente dentro de si mesmo e como se 0 espaco & sua volta estivesse encolhendo. Um outro conjunto de seus misculos ser acordado por esse movimento de 6 Para o Ator Corpo e psicologia do ator ui retas afundario, pelo seu proprio peso, em seu corpo, EXERCICIO I: tornando-o mais sensivel, mais nobre e flexivel. E a eer eet ‘3 Bia neon _ "aga uma série de movimentos amplos, mas simples, usando 0 sua capacidade para penetrar na vida interior das pe: méximo de espago a sua volta, Envolvae utilize o corpo todo. Faga miisculos adormecidos ee ere Volte a posicao ereta projete seu corpo paraa frente sobre uma pperna, abrindo um ou ambos os bragos. Faga o mesmo movimento de alongamento lateralmente, para a direita, para a esquerda, usando o maximo de espago que puderd sua volta Faga umm movimento que se assemelhe a um ferreiro batendo seu martelo na bigorna, Faga movimentos diferentes, amplos, bem modelades —como se estivesse, sucessivamente, langando alguma coisa em distintas diregbes, erguendo algum objeto do chio, segurando-o bem acima | desuacabega ouarrastando-o, empurrando-o eatirando-o para o | | i " ; | alto. Taismovimentos deve sercompletos, com suficiente vigor zagio desse terceiro requisito. fe num ritmo moderado, Fvite os movimentos de dang. Ni re: Passemos agora ao trabalho pritico © comecemos | _tenhaa respiragio enquanto se movimenta, Néo se apresse, Faga tina prs aps cada movimento Este exerci darthe-d grdualmente umn vslumbre das sen || shee deliberdade oda matt plena, Dele esa snsage i Sreantrem profundament osu corpo, come as pimelns dual dades psicoldgicas a serem absorvidas, “ fazendo os nossos exercicios. Evite executé-los meca- nicamente e procure manter sempre em mente o obje- tivo final de cada um. 8 Para o Ator EXERCICIO2: Depois que ensinow a si mesmo, por meio desse exercicio pre paratério, a produzir esses movimentos simples, amplos e livres, Continue fazendo-0s de um autro modo. Imagine que existe dentro de seu peito tm centro do qual fluem os impulsos para todos os seus movimentos, Pense nesse centro imaginario cor de atividade e poder internos dentro de seu corpo. Envie esse poder paraa cabeca, braco pemas e pés. Deixe que a para tornar seu Joa usar seus me bilidade. Tmaginando que seus bragos e pernas se jor de seu peito (nao nos ombros e quadris), 1s naturais: erga e abaixe os b entes diregées, caminhe, sente-se, levante-se, deite-se: desloque diferentes objetos; vista seu sobretudo, lavas, chapéu; dispa-os, etc. Atente para que todos os movimentos realmente instigados por essa energia que flui do centro imaginé: rio no interior de seu peito. Enquanto esta executando este exercicio, tenha presente em sua mente um outro e importante principio: a energia que fui do centro imagindrio dentro de seu peito © o conduz através do tespago deve preceder o proprio movimento isto é, p envie 6 impulso para 0 movimento e s6 entio, um instante mais tarde, fagao proprio movimento. Enquanto caminha para diante, para os lados ou para tras, deixe que o proprio centro saia, por assira dizer, ito, alguns centimetros & sua frente, na diregio do movi ver fazendo, Deixe que seu corposiga ocentro. Iss0 im como todo e qualquer movimento, 0, tao agradavel de fazer quanto de seja suave, gracioso ¢ artis Realizado 0 movimento, nao corte abruptamente 0 fluxo de cenergia gerada do centro, mas deixe que ela continue fluindo fo por algum tempo além das fronteiras de seu corpo e no cespago i sua volta. Essa energia deve ni reder cada um de tos mas tambem segui-la, para que a sensagio de i | I Corpo e psicologia do ator 9 Nberdade seja estimulada pela de poder, colocando assim uma outra realizagio psicofisica sob seu controle. Gradualmente, voce experimentard cada vez mais aquele forte sentimento que pode ser designado como a presenga do ator no paleo. Enquanto se defronta com o piblico, voos nunca estard inibido, contrafeito, nunca sofrert de qualquer espécie de medo ou falta de confianga ‘em si mesmo como artista. ( centro imaginério em seu peito tambs the daré a sensacio EXERCICIO3: noantes, execute fortes eam Jmentos com todo \gora dir para si mesmo: “A semelhange escultor, eu moldo o espago que me cerca. No ar deixo formas que parecem ser cinzeladas pelos mov eu corps formas fortes e definidas. Para fazer i de cada movimento que executa. Re novimento que cria forma” e, depois 1 forma af esta”. AC tentativa de exptessiva. Mas, para nao perder qualidade: imagine o ar A sua volta como oferece resisténcia. Procure também fazer os mesmos movimen- tos em diferentes cadéncias, ‘Tente em seguida reproduzir esses movimentos usando ap 10 Para o Ator diferentes partes do corpo: molde o ar sua volta somente com os fombros e as omoplatas, depois com as costas, cotovelos, joelho testa, maos, dedos, ete, Em todos esses movimentos preserve sensagio de forga e energia interior fluindo através ¢ para fora de seu corpo. Evite a desnecesséria tensao muscular. A bem da sim~ plieidade, faga os movirentos de modelagio primeiro sem imagi- parum centro no interior do peitoe, alguns momentos depo} o centro imaginado. ‘Agora, tal como no exereicio prévio, volte aos simples movimen- tos naturais e as tarefas cotidianas, usando 0 centro © nio s6 preservando, mas combinando também as sensagies de vigor, poder de'modelagem e forma. ‘Quando entrar em contato com diferentes objetos, tente vazar neles sua forga, enché-los com sua energia. Isso desenvolverd sua capacidade para manipular objetos (aderegos de mi ‘com suprema periciae desenvoltura. Do mesmo modo, apret testender essa force aos seus parceiros em cena (mesmo a dist ‘cia; isso se tornaré um dos meios mais simples de estabelecer verdadeiros e firmes contatos com quem esté no pal Constitui uma importante parte da técnica de que nos ocuparemos: la sua energia prodigamente; ela ¢ inexau- juanto mais der, mais ela se acumulara em vocé. Conclua este exercicio (assim como os Exercicios 4,5 ¢ 6) com ‘uma tentativa de treinamento separado de suas mdos e dedos. Faca qualquer série natural de movimentos: apanhe, desloque, levante, pouse, toque e transporte diferentes objetos, grandes squenos. Cuide que suas mios e dedos estejam cheios domesmo les criem formas com cada nto, Nao precisa exagerar imentos, nem tem por que ficar desencorajado pelo fato d eles possam parecer ligeiramente ineptos ¢ redundantes. As maos e os dedos: de um ator podern ser sumamente expressivos no paleo se fore dos, sensiveis e economicamente usados. suficiente técnica na execugio desses movi- ‘Tendo adqui mentos de modelagem e sentido prazer em executi-los, diga a seguir para si mesmo: "Cada movimento que fago é uma pequena obra de arte, estou fazendo-o como um artista, Meu corpo é um excelente instrumento para produzir movimentos de modelagem fe para a criagao de formas. Através do meu corpo, estou apto a transmitir ao espectador minha forca e minha energia interiores” Deixe esses pensamentos mergulharem fundo em seu corpo. I i | | i Corpo e psicologia do ator u Este exercicio habilitard constantemente o ator a criar formas para tudo o que fizer no paleo, O ator desenvolveri o gosto pela forma ficard artisticamente insatisfeito com quaisquer movimen- tos que forem vagos e informes, ou com gestos, falas, pensar tos, sentimentos ¢ impulsos volitivos amorfos, sempre que os encontrar em si mesmo e em outros durante o seu trabalho profis- sional, Entenderé e ficaré convencido de que a vacuidade © a informidade nao tém lugar na arte. EXERCICIO4: Repetir os movimentos largos e amplos dos exercicios prévios, utilizando o corpo todo; depois mude paraos simples movimentos naturals e, finalmente, exercite-se somente com as mios © os dedos. Mas, agora, desperte em si mesmo ainda um outro pensamento: “Os meus movimentos estio flutuando no espaco, fundindo-se suave e belamente uns nos ouizos”. Tal como no exercieio prévio, todos os movimentos devem ser simples e bem modelados. Deixe que eles fluam e refluam como grandes ondas. Tal como anterior- inente, evite a desnecesséria tensio muscular, mas, por outro lado, nio deixe que os movimentos se tomnem fracos, vagos, incompl fitica que osustentae facilmente. Mude as cadéncias, Faga uma pausa de tempos em tempos, Considere seus movimentos como pequenas pecas d tal como em todos os demais exereicios sugeridos Uma sensacio de calma, estabilidade e conforto psics a sua recompensa, Preserve essas sensagbes © deixe que elas tomem todo o seu corpo. 10 uma superfiete ‘tona da qual seus movimentos deslizam EXERCICIOS: Se voce ja observou pissaros voando, podera facilmente apreender @ idéia subentendida nestes proximos movimentos, imagine todo o seu corpo voando através do espago. Tal como nos cxereicios prévios, seus movimentos devem fundir-se entre si sem se tornarem informes. No presi le seus movimentos pode aumentar ou diminuir de acordo como seu 12 Para o Ator mas nunea deveni desaparecer por completo. Psicologica- deveré manter constante seu vigor. Pode ficar numa posigio esstitica exteriormente, mas, no intimo, deve conservar seu senti- salturas. Imagine 0 ara sua volta que instiga seus movimentas de vo. O seu desejo deve ser superar o peso de seu corpo, combater a lei da gravidade, Enquanto se movimenta, altere as cadéncias, Uma sensagio de ubilosa leveza e desenvoltura impregnard todo 0 seu cor como sempre, com os movimentos vastos révios; passe entio para os movimentos naturais, sugeridos a seguir. Erga o brago, abaine-o, tenda-o paraa frente, para o lado; caminhe pelo quarto, deite-se, sente-se, levante-se, etc., mas, continuamente e de antemio, envie os raios de seu corpo para 0 espago sua volta, na diregao do ‘movimento que estiver fazendo, e depois do movimento ter sido executads Talvez v e pergunte, intrigado, como poderi co! lo, sentando-se, depois de ter estado realmente s sposta é simples, se se lembrar de que se sen’ batido, Seu corpo fisico adotou, ¢ certo, essa posigto final, mas, psicologicamente, voeé continuaré a “‘sentar-se” enquanto irra. iar que esta se sentando. Vocé experimenta essa radiagio na sensagio de fruir de seu relaxamento. O mesmo se dé com 0 movimento de levantar-se enquanto se imagina extenuado e aba- tido: seu corpo resistiré e, muito antes de vocé realmente se levantar, jé o estard fazendo interiormente; estara irradiando “le~ vantar-se” e continuard levantando-se quando jé se encontra realmente de pé. E claro, isto ndo pretende sugerir que voce deva “representar” ou fingir que esti cansado durante este exemplo. E ‘meramente uma ilustragio do que poderia acontecer numa dada ccircunstiineia da vida real. Neste exercicio, isso deve ser feito com todos os movimentos que redundem numa posigio fisicamente estitica, A irradiagdo deve preceder e seguir-se a todos os movi- ‘mentos reais Corpo e psicologia do ator 13 Enquanto estiver irradiando, esforce-se, por assim dizer, para sair muito além das fronteiras de seu corpo. Envie seus raios em diferentes diregies desde seu corpo todo, imediatamente, e de Estar igualmente atento para as sutis dif wentos de véo ede inradiagio, até evidentes, Imagine que 0 (8 tome facilmente convincentemente imagina que esti emitindo imaginagio conduzi-lo-d gradual e fielmente a0 processo real de irradiagio, de existéncia genuina e de sign no, e quando estio em cena conti do que o necessirio em seus meios meramente externos de ex- pressio. 0 uso. ssbes exteriores 6 prova gritante decom alguns toes esquecer ow ignoram que as personagens ue eles retratam possuem uma alma viva, e que essa alma s6 pode tomarse manifesta e convinvente atavés de poderose irradi ‘edo. De fato, nada existe na esfera de nossa psicologia que ni inradiado, sages que 0 ator experimentani serio as de liber- iad ‘muito mai impregnam 0 e receptivo, (Co encontrados no final deste capitulo.) sntarios adicionais sobre Irradiagio podem ser EXERCICIOT: Quando 0 ator estiver espécies de mo. V8 € Fae diagdo}e apto a execu to reprodu- s unicamente em sua imaginagio. Repetiri isso até poder yente duplicar as mesmas sensagdes psicolégicas e fisicas que experimentou enquanto se movimentava realmente. “4 Para o Ator Em toda pega de arte grande e verdadeira encontra- remos sempre quatro qualidades que o artista colocou em sua criagao: Desenvoltura, Forma, Beleza ¢ Inte- gridade. Estas quatro qualidades também devem ser desenvolvidas pelo ator; seu corpo e sua fala devem estar dotados delas, porque so os tinicos instrumen- tos de que ele dispde no palco. Seu corpo deve tor- nar-se uma pega de arte em si mesmo, deve adquirir essas quatro qualidades, deve vivencié-las interior- mente. Tratemos primeiro da qualidade da Desenvoltura. Enquanto se representa, 0s movimentos pesados e a fala inflexivel sio capazes de deprimire até de repelit uma platéia. O peso num artista é uma forga nao-cria- tiva. No palco, pode existir somente como um tema, ‘mas nunca como uma maneira de atuar. “Ea leveza de toque que mais do que qualquer outra coisa faz 0 artista”, disse Edward Eggleston. Por outras palavras, a personagem no paleo pode ser pesada, canhestra nos movimentos e inarticulada na fala; mas aquele que a interpreta, como artista, deve sempre usar le- veza e desenvoltura, Nunca se confundirio as quali- dades da personagem com as do préprio intérprete como artista, se este tiver aprendido a distinguir entre 0 que representa (0 tema, a personagem)e como fazé- Jo (0 modo, a maneira de representar). A desenvoltura relaxa 0 corpo ¢ 0 espirito; por- tanto, é também muito semelhante ao humor. Alguns comediantes recorrem a um meio pesado de expres- sao humoristica, como ficar com o rosto vermelho como um pimentio, fazer caretas, contorcer 0 corpo e castigar as cordas vocais... e, no entanto, 0s risos néo surgem. Outros comediantes usam os mesmos recur- sos pesados, mas com desembarago e fineza, e sao Corpo e psicologia do ator 15 coroados de éxito, Uma ilustragao ainda melhor é um excelente palhago que cai “pesadamente” no c mas com tanta elegancia e desenvoltura artistica que é impossivel deixarmos de rir. Os exemplos supremos ¢ incomparaveis sao, é claro, a maneira facil, desen- volta, por tras dos gestos pesadamente grotescos de um Charlie Chaplin ou de um palhago como Grock. ‘A qualidade de Desenvoltura é melhor adquirida através dos exercicios nos movimentos de véo e irra- diagdo, que por agora jé the sao familiares. De importancia semelhante € 0 senso da Forma. Um ator pode ser convocado para interpretar uma personagem que 0 autor escreveu como um tipo inde finido, tibio, de pessoa, on poderd ter que fazer um tipo perplexo, desorientado, cadtico de homem, sem senso de forma, com uma fala confusa e mesmo gague- jante, Mas tal personagem s6 deve ser considerada tematicamente como o que 0 ator esta interpretando. Como este o interpreta dependerd de até que ponto é completo e perfeito o seu sentimento de forma. A tendéncia para a clareza de forma é evidente mesmo nas obras inacabadas e nos sketches dos grandes mes~ tres. Criar com formas nitidas, precisas, é uma habili- dade que os artistas em todas as éreas podem e devem necessariamente desenvolver em alto grau. Os exercicios nos movimentos de modelagem sao os que melhor podem servir ao ator para adquirir a qua- lidade da Forma. E quanto a Beleza? Afirma-se com freqiiéncia que a belezaé o resultado de uma conglomeragao de muitos elementos psicofisicos. Isso é verdade, sem divida. Mas 0 ator que tenta exercicios em beleza nao deve procurar experimentar a beleza analitica ou indireta~ mente, mas, pelo contrario, de um modo instantneo e 16 Para o Ator intuitivo. Pois o ator que concebe e entende a beleza como sendo unicamente uma confluéncia de varios elementos seri levado a muita confusio, 0 que iré resultar em imimeros erros de treinamento. Antes de comecar a exercitar-se na beleza, 0 ator deve pensar nela como sendo dotada de aspectos bons © maus, certos ¢ errados, pertinentes e inadequados. Pois a beleza, como todas as coisas positivas, tem seus lados sombrios. Se a audécia é uma virtude, a temeri- dade irrefletida, a fanfarronada insensata so 0 seu lado negativo; se a cautela, a prudéncia, sio qualidades positivas, o medo cego é o seu negativo e assim por diante.O mesmo deve ser dito da beleza. A verdadeira beleza tem suas raizes no intimo do ser humano, a0 passo que a falsa beleza esta apenas no exterior. O “exibicionismo” é 0 lado negativo da beleza, assim como o sentimentalismo, a docura, a egolatria e outras vaidades tais. Um ator que desenvolve um senso de beleza simplesmente para comprazer-se, para seu proprio deleite, cria apenas uma aparéncia enganosa, um brilho superficial, um fragil verniz, Sua finalidade deve ser adquirir esse senso unicamente para a sua arte. Se for capaz de extrair de seu senso de beleza o ferrio do egofsmo, estaré fora de perigo. Mas poderio perguntar: “Como poderei desempe- nhar situagdes feias e personagens repulsivas se a minha criagao tem que ser bela? Essa beleza nao me privaré da expressividade?” A resposta, em principio, continua sendo a mesma que para distinguir entre 0 que © como, entre 0 tema e 0 modo de interpreté-lo, entre a personagem ou a situagdo e o artista com um bom senso bem desenvolvido de beleza e bom gosto. A fealdade expressa no paleo por meios inestéticos irrita 0s nervos do piiblico. O efeito de tal desem- Corpo e psicologia do ator 17 penho é mais fisioldgico do que psicolégico. A in- fluéncia inspiradora da arte fica paralisada em tais, casos. Mas, esteticamente interpretado, um tema, per- sonagem ou situagio desagradavel preserva 0 poder de enaltecimento e inspiragao no publico. A beleza com que semelhante tema é interpretado transforma a fealdade em sua idéia; por tras do particular assoma entio o arquétipo e este apela principalmente, de imediato, para a mente e o espirito do espectador, em vez de Ihe destemperar os nervos, Uma ilustragio adequada disso poderiam ser as falas do Rei Lear em que amaldigoa suas filhas, amon- toando maldigdes umas sobre as outras. Tomadas sepa- radamente, elas certamente nao pertencem ao reino da beleza, mas, no contexto de todas elas, criam a impressio de um segmento da pega executado com superlativa beleza. Ai vemos 0 génio de Shakespeare aplicando belos meios (como) para tratar um tema altamente desagradavel (0 que). Este exemplo clis- sico explica-nos, por si s6, mais do que qualquer nu- mero de palavras poderia fazé-lo, o significado e os usos da beleza histriénica. Com estas explicagdes em mente, podernos come- car fazendo os seguintes e simples exercicios em Be- leza. EXERCICIOS: omegnr com observagies de todos os tipos de beleza em seres humanos pondo deladoa sensuaidade como negative) naartee taatnezy por mais oscars insignias abe pow se neles as caracterstens belas. Depois pergunte a st mesmo: "Por Jai impretigna como belo? Por eusa de sa forma? Haro nia? Sinceridade ? Simplicidade? Cor? Valor moral ? Forga? Delt Calera? Significagio? Originalidade? Ingenuidade? Desprendi mento altraista? Idealism? Dominio?” Ete 18 Para o Ator Em consegiiéncia d «pacientes processos de observa ‘so, vocé notari que um senso de verdadeira beleza artistico vai gradualmente se despertando {que sua mentee seu corpoacumularam belezae q) capacidade para capté-la em toda parte, Isso espécie de hibito, Agora, esta pronto para prosseguir com 0 guinte exereicio: ‘Comegar, como antes, com movimentos simples e amplos, ten- tando executi-los coma beleza que surge do intimo, até que todoo seu corpo esteja impregnado delae comece a sentir uma satisfagao estética, Nao faga os seus exercicios defronte de um espelho; isso tender a enfatizar a beleza como sendo apenas uma qualidade superficial, quando a intengdo é sondé-la no mais profundedo seu ser.E jovimentos de danga. Depois, movimente-se com 0 centeo imaginario dentro de seu peito. Repita as quatro espécies de movimentos: modelagem, flutuagio, vio, irradiagdo. Profira algumas palavras. Faga entio movimentos do dia-a-dia e coisas simples, E mesmo em sua vida cotidiana evite cuidadosamente os movimentos deselegantes, felos ¢ as falas grosseiras. Resista & tentagio de parecer belo. Passemos agora a tiltima das quatro qualidades ine- rentes Aarte do ator, aIntegridade. O ator que representa o seu papel como tantos mo- mentos separados e sem relagio entre cada entrada e saida, sem levar em conta o que fez em suas cenas prévias e o que estara fazendo nas cenas seguintes, jamais entenderé ou interpretara seu papel como um todo ou em sua integridade. O malogro ou a incapaci- dade para relacionar uma parte com o todo poderé tomar o papel inarmonioso e incompreensivel 20 es- peetador. Por outro lado, se no comego ou a partir de sua primeira entrada o ator j4 possuir uma visao de si mesmo interpretando (ou ensaiando) suas tltimas cenas — e, inversamente, se recordar as primeiras cenas quando interpretar (ou ensaiar)as altimas cenas — estar muito mais apto a ver todo o seu papel em Corpo e psicologia do ator 19 cada detalhe, como se o estivesse vendo em perspec- tiva desde alguma elevagio. A capacidade para avaliar os detalhes dentro do papel como um todo bem inte~ grado habilitara também o ator a interpretar cada um desses detalhes como pequenas entidades que se combinam harmoniosamente numa integridade abrangente ‘Que novas qualidades sua interpretagio obterd em virtude desse sentimento de integridade? Enfatizara intuitivamente os aspectos essenciais de sua persona- gem e seguiré a principal linha de acontecimentos, assim retendo com firmeza a atengio do publico. A atuagao tornar-se- mais poderosa. Também 0 ajudara desde 0 comego a apreender sua personagem sem muitas vacilagdes, EXERCICIOS: Recapitular mentalmente os eventos do dia que acabou de pas- sar, tentando destacar aqueles perfodos que sio completos em si ‘mesmos, Fazer de conta que sio cenas separadas de uma peca, Definir inicio ¢ o final de cada uma delas. Recapitulélas repeti damente em sua meméria, até que cada uma delas se destaque ‘como uma entidade e, no entanto, combine com as outras como uma integridade. Fazer 9 mesmo com perfodas mais longos de toda a sua vida pregressae, finalmente, tentar prevero futuro em relagio aos seus planos, ideais ¢ objetivos. Fazero mesmo em relagio as vidas de personagens histéricas e seus destinos. E fazer a mesma coisa com pegas de teatro. -se agora para coisas e objetos que se apresentam diante de ° os como formas inteiras per se. Descubra entao dentro delas partes separadas, as quais podem destacar-se como peque~ nos quadros completos. Imagine-as como sendo colocadas em juras, de modo que se assemelhem a fotos instantineas ou segies de um filme. 20 Para o Ator © ator poder também fazer isso com 0 seu sentido auditivo, Escute uma composigdo musical e tente perceber suas frases sepa- radas como unidades mais ou menos separadas. A relacio da variagdo dentro de cada unidade com o tema todo, a semelhanca do parentesco das cenas separadas de uma peca, tornar-se-4 ime- diatamente evidente. Concluir 0 exereicio da seguinte maneira: Dividir a sala onde estio sendo feitos os exereiclos em duas partes, Passar de uma parte, que representa os bastidores, para outra, que representa o proprio palco, ¢ tentar estabelecer o momento de aparigio diante do pablico imaginario como um comego significativo. Manter-se imével diante do “pablico” e dizerumaou duas frases, fazendo de conta que esti representando um papel; depois, sair do “palco' como se o desaparecimento fosse um final definitive. Apreender todo o processo de aparigio e desaparecimento como uma integri- dade em si mesma, ‘Um senso agudo no comegoe no final constitui apenas um meio de desenvolver o sentimento de integridade. Um outro meio con- siste em conceber a sua personagem como imutdvel em seu ni- cleo, apesar de todas as transformagées que possa sofrer na peca. Esse aspecto do exereicio ser abordado nos ultimé quando nos ocuparmos do Gesto Psicolégico e da Composigio do Des ‘Cumpre fazer aqui alguns comentarios suplementa- res sobre irradiagdo. Inradiar no palco significa dar, transmitir a outrem. Sua contraparte é receber. A verdadeira atuagéo é um constante intercambio de ambas as coisas. Nao exis- tem momentos no palco em que um ator possa permi- tir-se — ou melhor, permitir A sua personagem — manter-se passivo nesse sentido sem correr 0 risco de enfraquecer a atencao do pablico e de criara sensagao de um vacuo psicolégico. Sabemos como 0 ator irradia e por qué, mas 0 que deve ele (a personagem) receber, quando e como? Ele pode receber a presenca de seus parceiros em cena, as agoes ¢ palavras destes, ou pode receber seu Corpo e psicologia do ator 21 ambiente circundante, especificamente ou em geral, segundo seja requerido pela pega. Também pode re- ceber a atmosfera em que se encontra, ou receber coisas ou eventos. Em suma, recebe tudo o que gere uma impresséo nele como personagem, de acordo com o significado do momento. Quando o ator deve receber ou irradiar depende do contetido da cena, das sugestoes do diretor, da livre escolha do proprio ator ou, talvez. de uma combinagio desses fatores No que se refere a como a recepgao deve ser execu- tada e sentida, o ator deve ter em mente 0 fato de que se trata de algo mais do que meramente uma questao de olhar e ouvir no paleo. Receber realmente significa atrair para 0 nosso proprio eu, com 0 maximo de poder interior, as coisas, pessoas ou eventos da situacao. Mesmo que seus parceiros nao conhegam esta técnica, oator nunca deve, a bem de seu proprio desempenho, parar de receber deles sempre que decida fazé-lo. Descobrira que os seus préprios esforgos despertarao. intuitivamente os outros atores € os inspirarao para que colaborem, Assim, nos nossos primeiros nove exercicios langa- mos as bases para a realizacao dos quatro requisitos que sio fundamentais para a técnica do ator. Mediante os exercicios psicofisicos sugeridos, o ator pode au- mentar seu vigor interior, desenvolver suas aptidées para irradiar e receber, adquirir um sutil sentido de forma, enriquecer seus sentimentos de liberdade, de- senvoltura, calma e beleza, vivenciar 0 significado de seu ser interior e aprender as ver as coisas e os proces- sos em sua integridade. Se os exercicios sugeridos forem pacientemente cumpridos, essas e todas as ou- tras qualidades e capacidades mencionadas impreg- 22 Para o Ator nardo 0 corpo do ator, tornando-o mais sutil e mais sensivel, enriquecerio a sua psicologia e, ao mesmo tempo, dar-lhe-do, mesmo neste estigio de seu de- senvolvimento, um certo grau de dominio sobre aque- las. Capitulo 2 Imaginagao e incorporagao de imagens A eriagdo néo se inspira naguilo que é, mas no que pode ser: ndo no real, mas no possivel RUDOLF STEINER Sao altas horas da noite. Apés um longo dia, apés muito trabalho e muitas impressdes, experiéncias, agées e palavras, vocé deixa seus nervos fatigados descansarem, Senta-se tranqiiilamente e fecha os olhos. © que é que aparece, no fundo da escuridio, diante dos olhos de sua mente? Os rostos das pes- soas com quem se encontrou durante o dia, suas vozes, seus movimentos, seus tragos caracteristicos ou cémicos. Vocé percorre de novo as ruas, passa por casas familiares, 1é os cartazes. Passi as imagens multicores de sua meméria. Sem perceber, vocé deu um passo atras e transpés as fronteiras de hoje: e, em sua imaginagio, surgem len- tamente visdes e fracassos de sua vida passada, Dese- jos, devaneios, objetivos de vida, éxitos e fracassos, esquecidos e vagamente recordados, aparecem como imagens em sua mente. E certo que nao sao tao fiéis aos fatos quanto as recordagoes do dia que acabou de passar. Agora, em retrospecto, estio levemente mu- dados. Mas vocé ainda os reconhece. Com os olhos da mente, segue-os agora com maior interesse, com a mente, segue 24 Para o Ator atengio mais desperta, porque estio mudados, porque contém alguns tragos de imaginagio. ‘Mas acontece muito mais do que isso. Em meio 3s visées do passado, eis que surgem como lampejos, aqui e ali, imagens que lhe sio totalmente desconhe- cidas, Sao produtos puros de sua Imaginagao Cria- tiva. Aparecem, desaparecem, voltam de novo, tra- zendo com elas novas criaturas que lhe sao estranhas. Nao tarda que elas se relacionem entre si. Comecem a ‘atuar”, “representar”, diante de seu olhar fascinado, Vocé passa a seguir suas vidas até entio desconheci- das. Vocé é absorvido, atraido para estranhos estados de espirito, insdlitas atmosferas, para o amor, édio, felicidade e infelicidade desses hospedes imaginé- rios. Sua mente esta agora inteiramente desperta e ativa. Suas proprias reminiscéncias empalidecem cada vez mais; as novas imagens sao muito mais fortes do que aquelas. Diverte-o o fato de que essas novas imagens possuam suas préprias vidas independentes; espanta-o que elas aparegam sem que as tenha convi- dado, Finalmente, esses recém-chegados forgam-no a observa-los com maior penetragao do que as simples imagens da meméria cotidiana; esses fascinantes hés- pedes, que surgem do nada, que vivem suas proprias vidas plenas de emogoes, despertam seus sentimen- tos —e ocorre uma reagao. Vocé ri e chora com eles. Como magicos, suscitam em vocé um desejo irrefrea- vel de tornar-se.um deles, Entabula conversas com cles, vé-se agora entre eles, quer atuar —e atua, De um estado de espirito passivo, levaram-no a um estado criativo. Eis o poder da imaginagio. ‘Atores e diretores, como todos os artistas criativos, estio muito familiarizados com esse poder. “Estou sempre cercado de imagens”, disse Max Reinhardt. Imaginagao e incorporagdo de imagens 25 ‘Ao longo de toda uma manha, escreveu Dickens, ele sentou-se em seu gabinete de trabalho esperando que Oliver Twist aparecesse. Goethe observou que ima- gens inspiradoras surgem diante de nés por sua pré- pria iniciativa, exclamando: “Aqui estamos!” Rafael viu uma imagem passar diante dele em seu quarto € essa foi a Madonna da Sistina. Michelangelo excla~ mou, em desespero, que imagens o perseguiam e 0 forgavam a esculpir suas figuras na pedra. Mas, embora as Imagens Criativas sejam indepen- dentes e mutiveis em si mesmas, embora sejam reple- tas de emogdes e desejos, 0 ator, enquanto trabalhaem seus papéis, néo deve pensar que elas Ihe surgirio inteiramente desenvolvidas e realizadas. Nao. Para se completarem, para atingirem 0 grau de expressivi- dade que satisfaga ao ator, elas exigiréo a sua colabo- racio ativa. Que deve o ator fazer para aperfeigodlas? Deve fazer perguntas a essas imagens, como as faria a ‘um amigo. Por vezes, tera até de Thes dar ordens rigo- rosas. Modificando-se e completando-se sob a in- fluéncia de suas perguntas e ordens, elas dario res- postas visiveis & sua visio interior. Eis um exemplo: Suponhamos que vocé vai interpretar Malvolio em Voite de Reis. Suponhamos que vocé quer estudar 0 momento em que Malvolio se acerca de Olivia no jardim, apés ter recebido uma carta misteriosa que ele ‘supée ser “dela”. E nesse ponto que vocé comeca a fazer perguntas como: “Mostre-me, Malvolio: como transporia vocé os portdes do jardim e, com um sor~ riso, avancaria na diregao de sua “doce amada’?” A pergunta incita imediatamente a imagem de Malvolio dagio. Vocé o vé a distancia. Ele esconde apressada- mente a carta sob sua capa, para mostré-la mais tarde com triunfante efeito! O pescogo estendido, o rosto 26 Para o Ator profundamente sério, procura Olivia. Ai esta ela! Como 0 sorriso distorce o rosto de Malvolio! Nao lhe escreveu ela: “Teus sorrisos ficam-te bem...”? Mas seus olhos, sorririo também? Oh, néo! Eles estio alarmados, ansiosos e vigilantes! Eles espreitam por tras da mascara de um louco! Sua preocupacio é seu paso, sett belo modo de andar! Suas meias amarelas com ligas parecem-he fascinantes ¢ sedutoras. Mas, que é isso? Maria! Essa criatura intrometida, essa peste também est aqui, espiando-o do canto de seus olhos maliciosos! © sorriso dissipa-se do rosto dele, ‘esquece suas pernas por um momento e seus joelhos dobram-se levemente, involuntariamente, e toda a fi- gura trai seu corpo nao tao jovem. O rancor brilha agora em seu olhar! Mas 0 tempo é curto, Sua ‘doce dama” aguarda! Sinais de amor, de apaixonado desejo, devem ser-lhe dados sem delongas! Sua capa mais, apertada, seu passo mais rapido, acerca-se dela! Len- tamente, secretamente, tentadoramente, uma ponta da carta “dela” aparece por sob a capa... Seré que ela nao a vé? Nao, ela olha-o no rosto... Oh, 0 sorriso! Foi esquecido e agora ressurge quando ela o recebe com: “Que significa isto, Malvolio” “Doce dama, oh, oh!” “Tu sorris... que foi que Malvolio Ihe ofereceu neste pequeno “desempenho”? Foi a sua primeira resposta a sua interrogagao. Mas vocé pode sentir-se insatisfeito. Nao lhe parece ser a coisa certa; o “desempenho” deixou-o frio. Faz mais perguntas: Nesse momento, Malvolio no deveria mostrar uma postura mais digna? Seu “desempenho” nfo carregava demais na caricatura? Nao era velho demais? Nao seria prefer’ vel “vé-lo” como uma figura algo patética? Ou talvez Imaginagao e incorporagao de imagens 27 nesse momento, quando ele acredita ter alcangado 0 grande objetivo de toda a sua vida, ele atinja o ponto em que sua mente é abalada, sacudida, e fica beirada loucura, Talvez ele devesse parecer-se mais com um bufio. Nao deveria ser ainda mais velho e ridiculo? Seus desejos libidinosos nao deveriam ser mais subli- nhados? Ou talvez sua entrada fosse valorizada se Malvolio caussase uma impressao algo jocosa. Que tal se ele lembrasse uma crianga ingénua e um tanto inocente? Esta inteiramente desconcertado ou ainda é capaz de conservar os sentidos sob controle? Muitas perguntas como estas podem surgir na mente do ator enquanto trabalha um papel. Ai comega, a colaboragao dele com a imagem. Vocé orienta ¢ constréi sua personagem fazendo novas perguntas, ordenando-lhe que lhe mostre diferentes variagoes de possiveis modos de atuar, de acordo com o seu gosto (ou com a interpretagio dada a personagem pelo dire~ tor). A imagem muda sob 0 seu olhar indagador, trans- forma-se repetidas vezes, até que, gradualmente (ou subitamente), vocé se sente satisfeito com ela. A partir desse instante, sentira suas emocies estimuladas e 0 desejo de interpretar 0 papel acende-se em voce! Trabalhando desse modo, estard apto a estudar e criar a sua personagem mais profundamente (e mais rapidamente, também); nao estara confiando apenas no pensamento comum, em lugar de “ver” esses pe- quenos “desempenhos”. O raciocinio seco mata a imaginagao. Quanto mais vocé sondar e aprofundar sua mente analitica, mais silenciosos se tornario os seus sentimentos, mais fraca a sua vontade e mais pobres as oportunidades propiciadas a inspiragio. Nao existe pergunta que nao possa ser respondida desse modo. E claro, nem todas as perguntas serao 28 Para o Ator respondidas imediatamente, algumas sao mais intrin- cadas, mais complexas do que outras. Se vocé pergun- tar, por exemplo, qual 6 0 relacionamento entre sua personagem e as outras da pega, a resposta certa nem sempre vird de imediato. Por vezes, horas, ou mesmo dias serio precisos para que vocé “veja” a sua perso- nagem nessas diferentes relagées. Quanto mais o ator trabalha em cima de sua imagi- nagio, robustecendo-a por meio de exercicios, mais cedo surgiré em seu intimo uma sensagio que poder descrever comoalgo assim: “As imagens que vejo com 0 olho da mente tém sua propria psicologia, a seme- Ihanga das pessoas que me rodeiam em minha vida cotidiana. Entretanto, hé uma diferenga: na vida coti- diana, vendo as pessoas somente por suas manifesta- des exteriores e nada vislumbrando por tris de suas expressées faciais, movimentos, gestos, vozes e ento- nagées, eu poderia julgar erroneamente suas vidas interiores, Mas isso nao ocorre com as minhas ima- gens criativas. A vida interior delas esta completa- mente aberta 4 minha contemplagio. Stio-me revela- das todas as suas emogées, todos os seus sentimentos, paixdes, pensamentos, seus propésitos e desejos mais intimos. Através da manifestacio exterior de minha imagem — ou seja, da personagem que estou traba- Thando por meio da minha imaginagio —, vejo sua vida interior”. Quanto mais amitide e mais atentamente vocé olhar dentro de sua imagem, mais depressa ela despertara em vocé aqueles sentimentos, emogdes ¢ impulsos volitivos téo necessérios & sua interpretacao da perso- nagem. Esse “olhar” e “ver” nada mais é sendo en- saiar por meio de sua bem-desenvolvida e flexivel imaginagio. Michelangelo, ao criar 0 seu Moisés, nao Imaginagdo e incorporagao de imagens 29 36 “viu" os miisculos, o ondulado da barba, as pregas da roupagem mas, indubitavelmente, “viu" tambéma forca interior de Moisés que tinha criado esses mis culos, veias, barba, dobras da roupagem e toda a com- posigéo ritmica. Leonardo da Vinci era atormentado pela ardente vida interior das imagens que “via”. Essa € uma das mais valiosas e importantes fungdes da imaginagao, desde que o artista se esforce por desen- volvé-la em alto grau, Comegard por aprecié-la assim que se apeceber de que nao necessita “espremer” seus sentimentos para extrai-los de seu eu, de que eles surgirao por si mesmos do seu intimo, sem esforgo, com desembaraco, assim que vocé aprender a “ver” a psicologia, a vida interior de suas imagens. E, assim como Michelangelo “viu" a forga interior que criou a aparéncia externa de Moisés, também vocé, se “vir” e vivenciar a vida interior de sua personagem, sera sempre instigado a encontrar novos, mais originais, mais corretos e mais adequados meios de expressivi- dade exterior no paleo. Quanto mais desenvolvida é a sua imaginagio, atra- de exercicios sistematicos, mais flexivel e agil ela se torna. As imagens sucedem-se com rapidez cres~ cente: formar-se-do e desaparecero depressa demais, em fugaz seqiiéncia. Disso pode resultar que vocé as percaantes de elas poderem despertar seus sentimen- tos. Vocé deve possuir suficiente forca de vontade, mais do que normalmente exerce nas atividades coti- ianas, para conservé-las diante dos olhos da mente por tempo suficiente para que elas afetem e desper- tem seus préprios sentimentos. E em que consiste essa adicional forga de vontade? No poder de concentragao. Antecipo-me 4 sua pergunta: “Por que devo dar-me 30 Para o Ator a0 laborioso esforgo de desenvolver a minha imagina- cio e aplicé-1a ao trabalho em pecas modernas, natura~ listas, quando todas as personagens sio tio dbvias € ficeis de entender; quando as falas e as situagbes fornecidas pelo autor cuidaram de tudo?” Se essa éa sua pergunta, permita-me discordar. O que o autor Ihe entregou, na forma de uma pega escrita, é a criagao dele, no a sua; ele aplicou o talento dele, nao 0 seu Mas qual é a sua contribuigao para a obra do autor? Em meu entender, é, ou deve ser, a descoberta da profundidade psicolégica da personagem que The é dada na pega. Nao existe um ser humano que seja Sbvio e ficil de compreender. O verdadeiro ator nao deslizara pela superficie das personagens que inter- preta nem lhes impora seus maneirismos pessoais e invaridveis. Sei perfeitamente bem ser esse 0 costume Targamente reconhecido e praticado, hoje em dia, em nossa profissio. Mas, seja qual for a impresséo que isso possa causar-lhe, permita-me a liberdade de ex- pressar-me sem restrigGes sobre esse ponto. E um crime acorrentar e aprisionar um ator dentro dos limites de sua (assim chamada) “personalidade”, convertendo-o assim mais num trabalhador escravi. zado do que num artista, Onde esta a liberdade dele? Como pode ele usar sua propria criatividade e origina lidade? Por que deve ele aparecer sempre diante do publico como uma marionete compelida a fazer a mesma espécie de movimentos quando os cordéis sto puxados? O fato de que os autores, publico, criticos e ‘até os proprios atores modernos tenham se habituado a.essa degradagao do ator-artista nao torna a acusacgao menos verdadeira nem o mal menos execravel. ‘Um dos mais decepcionantes resultados provenien tes desse tratamento habitual do ator foi fazer dele um Imaginagao ¢ incorporagao de imagens 31 ser humano menos interessante no palco do que inva- riavelmente o é na vida privada. (Seria infinitamente melhor para o teatro se o inverso prevalecesse.) Suas ‘criagbes” nao sao dignas dele proprio. Usando so- mente os seus maneirismos, o ator acaba destituido de imaginacao; todas as personagens tornam-se a mesma para ele. Criar, na acepgao real, significa descobrir e mostrar novas coisas. Mas que novidade existe nos afetados maneirismos e clichés do ator agrilhoado? O profun- damente escondido e, hoje em dia, quase completa- mente esquecido desejo de todo verdadeiro ator expressar-se, afirmar seu proprio ego, por intermédio de seus papéis. Mas como podera fazer isso, se € encorajado, solicitado, na maioria dos casos, a recorrer aos seus maneirisinos, em vez de A sua imaginagao criativa? Nao pode, uma vez que a imaginagio criativa 6 um dos principais canais através dos quais 0 artista existente nele encontra o modo de expressar sua pré- pria interpretagao individual (e, portanto, sempre Gnica) das personagens que retrata, E como ira ele expressar sua individualidade criativa se nao penetra, ou nao pode penetrar, profundamente na vida interior das préprias personagens, por meio de sua imaginacéo criativa? Estou inteiramente preparado para encontrar certa discordineia com esses pontos de vista; é um sinal, pelo menos, de que 0 ator esta dedicando alguma reflexio ao problema. Nao obstante, no interesse da argumentagio, providenciando o melhor arbitro Neste caso, recomendo o proprio poder da imagina- gio. Comece fazendo os exercicios sugeridos que se seguem ¢ vocé podera mudar de idéia depois de vere sentir até que ponto desenvolve sua capacidade de 32 Para o Ator penetragio enquanto trabalha seus papéis; como suas personagens Ihe vao parecer interessantes e comple xas, a0 passo que antes Ihe pareciam tao ordinérias, desenxabidas ¢ dbvias; como Ihe revelariéo muitas caracteristicas psicolégicas novas, humanas e inespe- radas, e como, por conseguinte, sua interpretagio se tornar cada vez menos mondtonal EXERCICIO 10; Inicie 0 seu exereicio com recordagies de eventos simples © impessoais (ndo de suas proprias emogdes ou experiéncias intimas dda vida eal). Tente recordar o maior nimero possivel de detalhe: Concentre-se nessas recordagées, procurande nao romper ofluxo sua concentragi Simultaneamente com esse exercicio, comece treinando-se em capturar a primeira imagem no proprio momento em que ela aparece aos olhos de sua mente. Faga-o do seguinte modo: apanhe um liv, abra-o numa pagina ao acaso, leia uma palavrae veja que imagem essa palavra faz surgir em seu espirit. Isso 4 imaginar coisas, em vez de se limitar as concepgSes abstratas, inanimadas, dessas coisas. As abstragées sio de muito pouca util dade para um artista eriativo. Depois de um pouco de prti notard que cada palavra, mesmo palavras como “ma “porque”, ete, evocari certas imagens, algumas delas, talvez, estranhas e fantisticas. Fixe a sua atengio nessas palavras por um momento, depois prossiga no seu exercicio do mesmo modo, com novas palavras ‘Apés um certo tempo, passe etapa seguinte do exercicio: captado uma imagem, observe-a ¢ aguarde até que cla comece a movimentar-se, a mudara falar @““atuar" por sis6. Atente para 0 fato de que cada imagem tem sua propria vida independente. Nao interfira nessa vida, mas acompanhe-a pelo menos por alguns minutos. O passo seguinte erie de novo uma imagem e deixe-a desenvol- ver sua vida independente. Depois, passados alguns instantes, ymece a interfer nela fazendo perguntas ou dando fuer mostrar-me como voeé se senta? Como se levanta? Como caminha? Como sobe e desce uma eseada? Como se encontra com Imaginagao ¢ incorporagdo de imagens 33 outras pessoas?” E assim por diante. Se a vida independente da 1agem adquire forca excessiva e a imagem se tora obstinada (como ocorre freqienteme: tages em or- dens. Prossiga com perguntas e ordens, agora de uma natureza mais psicol6gica: “Que aparéncia toma quando esta desesperado? Bem-humorado?... Dé boas-vindas cordiais a um amigo. Encontre um inimigo, Mostre-se desconfiado, pensativo. Ris, Chore”. E. muttas outras perguntas ¢ ordens semelhantes. Faga a mesma pergunta quantas vezes ach: conveniente, até que a sua imagem Ihe mostre o que vocé quer “ver”. Repita o mesmo procedimento por tanto tempo quanto considerar desejavel continuar seus exer- cicios. Enquanto estiver interferindomna vida independente de sua iamgem, vocé poders t -écla em situagdes diferentes, Ihe que mude sua aparéncia exterior he liberdade por virias vezes e depois. e perguntas, Escolha uina cena curta de uma pega, com poucas personagens, Interprete a cena com todos as suas personagens por virias veres iaginagio, Depois, formule as personagens uma série de perguntas e dé-lhes um certo niimero de sugestdes — "Como. atuariam se a atmosfera da cena fosse diferente?” — virias atmosferas distintas. Observe as reagses ordene: “Agora, mudem o ritmo da cena”. Faga-lhes sugesties para que representem a cena com mais reserva, ou com mais, abandono. Peca-Ihes que déem mais forga a certos sentimentos, gue tornem outros mais fracos e vice-versa. Interpole algummas nnovas pausas ou descarte as anteriores. Mude-Ihes a encenagio, a sr coisa que propicie uma interpretagio dife- se depois é aprender a colaborar com a sua imagem criativa santo trabalha o seu papel. Por um lado, habituar-se-da aceitar '§ que a sua personagem (como imagem) the dé, 20 asso que, por outro, mediante suas perguntas e ordens, elaboraré a personagem ¢ levi-la-a a perfeigio, de acordo com seu préprio gosto e desejo (e os de seu diretor), ‘Agora, como etapa seguinte de seu exercicio, tente aprender a penetrar, através das manifestagées exteriores de uma imagem, em sua vida interior. Em nossa existéncia cotidiana, nio é raro observar de perto & com extrema atengio pessoas ao nosso redor e, no entanto, ser 34 Para o Ator incapaz de penetrar em suas vidas intimas com suficiente profun- didade. Algumas Areas da psicologia delas serio sempre obscuras para nés;haverd sempre alguns segredos que ndo seremos capazes Qe descobrir. Mas isso nao ocorre com as suas imagens; estas no podem ter segredos para vocé. Por qué? Porque, por muito novas ¢ jnesperadas que suas imagens possam ser, elas sio, no fim de ‘contas, suas préprias criages; as experiéncias delas sio as suas proprias. E certo que, com freqiiéncia, elas Ihe revelam sentimen- fos, emogdes e desejos de que vocé nao tinha um conhecimento masciente antes de comegar a usar sua imaginagio criativa, mas, Seja qual for o nivel profundo de sua vida subeonseiente donde tenham emergido, tais sentimentos, emogdes e desejos sio, de qualquer modo, seus, Portanto, treine-se em observar as imagens Gor todo o tempo que for necessério, até sex afetado por essas res, desejos, sentimentos e tudoo mais que elas tém a ofere- Corthe; ou seja, até que vacé mesmo comece a sentir e desejar 0 ue a sua imagem sente e deseja. Esta 6 uma das maneiras despertar e animar seus sentimentos sem ter que “extraiclo Jaboriosa e penosamente de si mesmo, do seu préprio eu. No ‘comeso, escalha simples momentos psicologicos. ‘Em soguida, passe a0 exercicio destinado a desenvolver aflexi- bilidade de sua imaginagao. Escolha uma imagem e estude-a em detalhe, Depois, faca-a transformar-se lentamente numa outra imagem. Por exemplo: um homem torna-se gradualmente velho e vice-versa; um rebento de uma planta desenvolve-se lentamente, até converter-se numa enorme e frondosa érvore; uma paisagem de inverno transforma-se fluentemente numa de primavera, verio fe outono. Faca esse mesmo exercicio com imagens de fantasia, Faga um castelo encantado transformar-se numa pobre choupana e vice- Versa; uma velha feiticeira converte-se numa jovem ¢ bela prin- esa; umm lobo transforma-se num formos ipe. De mece a trabalhar com imagens em mi Je cavalciros, um crescente incéndio numa floresta, uma multidio fexcitada, um salao de baile cheio de pares dancando ou uma fabrica em plenaatividade. Tente ouvir as vores e os sons de suas imagens, Nao permita que sua atengio seja distraida ou salte de juma cena para outra e assim perca as cenas de transigao. A trans formagio de imagens deve ser um fluxo regular € continuo, como um filme. ‘Crie om seguida uma personagem inteiramente por si mesmo. ] Imaginagao e incorporagdo de imagens 35 Comece a desenvolvé-la e elabori-la em detalhe; trabalhe em cima dela durante muitos dias ou mesmo semanas, fazendo per- ‘guntas e obtendo respostas visiveis. Coloque-a em situagées dife rentes, ambientes distintos, e observe as reagdes dessa persona~ em; desenvolwa-lhe os tragos mais caracteristicos ¢ as peculiar dades. Depois peca-the que fale e acompanhe suas emoc desejos, s tos, pensamentos, abra-se com ela, para ‘vida interior dessa personagem influencie a sua prépria vida inte- Hor. Colabo tando as suas “sugestées” se gostar delas. rie personagens tanto draméticas quanto cémicas. ‘com ela, act ‘Trabalhando desse modo, pode chegar o momento, a qualquer instante, em que a sua imagem se tomara tao poderosa que vocé seré incapaz de resistir a0 de- sejo de incorporé-la, de representé-la, mesmo que seja apenas um fragmento de uma cena curta. Quando esse desejo se acender em voeg, nao resista ale, mas, pelo contrario, atue livremente pelo tempo que quiser. Esse desejo saudavel de incorporar sua imagem pode ser sistematicamente cultivado por meio de um exercicio especial, qual Ihe fornecera a técnica de incorporagdo. EXERCICIO M1: Imagine-se fazendo, erguer um brago, por Estude esse moviment m sha imagis ‘assim dizer, 0 mais fielmente que notar que 0 seu movimento real ndo € exatamente aquele que viu em sua imaginagéo, estude-o de novo na imas (io e procure depois repeti-lo, até se considerarsatisfeito por tenfim, copiado fielmente. Repita este exervicio até estar ce Seu corpo obedece em todos os detalhes, mesmo os mais insig- nificantes, ao que foi por vocé desenvolvido quando imaginow esse movimento, Contine o exercicio com mo cada vex mais complicados, mesmo exercfefo para imaginar uma personagem de dev 1ee, comegando com movimentos, agoes 36 Para o Ator se leay En ee or a desvia, por vezes, Este exerefcio estabelecera gradualmente aquelas delicadas ligagbes to necessérias para vincular sua vivida imaginagao ao seu corpo, voz.e psicologia. As~ sim, os seus meios de expressio tomar-se-io flexiveis lientes ao seu comando, . . fons trabalha desse modo a personagem que iri interpretar no paleo, vocé poder, para comecar, esc0 Ther apenas uma caracteristica dentre todas as que se apresentam A sua visao interior. Assim fazendo, vocé nunca conhecerd o choque (que os atores conhecem bem demais!) resutante da tentativa de incorporar a imagem toda de uma sé vez, num avido trago. E esse choque sufocante que freaiientemente fora um ator abandonar os esforgos imaginativos e a cair em clichés e velhos e cedigos habitos teatrais. Voeé sabe que seu corpo, voz e toda a compleicao psicolgica nem sempre sao capazes de ajustar-se em curto prazo asua visio. Trabalhar a imagem pouco a pouco evitard essa dificuldade. Habilita seus meios de expressio a pro- cessarem trangiilamente a necessiria transformaséo ase prepararem para anuir As respectivas tarefas que terdo de cumprir. Vocé estara mais apto a incorporar a personagem inteira em que esta trabalhando se o fizer gradualmente. Acontece as vezes que, depois de ape- nas meia diizia de tentativas para incorporar suas ca- Se Imaginagdo e incorporagdo de imagens 37 racteristicas separadas, a personagem da subitamente um salto a frente e incorpora-se como um todo Enquanto incorpora assim a sua personagem, quer exercitando-se, quer trabalhando profissionalmente, adicione & sua imaginagio todas as coisas que nio anteviu e agora sé encontra na realidade — novas agées, os modos de atuar de seus parceiros de cena, ritmos sugeridos pelo diretor e outras contingéncias que tais. Com esses novos aditamentos, “ensaie” a cena que esti estudando em sua imaginagao e depois incorpore-a de novo no palco ou enquanto estiver realizando os exercicios. Estes exercicios destinados a incorporar suas ima- gens nio tardario em provar que constituem 0 meio mais eficaz para desenvolver também o seu corpo. Com efeito, no processo de incorporacao de imagens fortes e bem elaboradas, vocé molda seu corpo desde dentro, por assim dizer, e impregna-o literalmente de sentimentos, emogies e impulsos volitivos artisticos Assim, o corpo torna-se cada vez mais a “membrana sensivel” previamente descrita. Quanto mais tempo e esforco vocé dedicar ao tra- balho consciente para desenvolvera forca de sua ima~ ginagao e a técnica de incorporagao de imagens, mais cedo a sua imaginagao o servira subconscientemente, sem que vocé note sequer que ela esta funcionando, Suas personagens crescerao e desenvolver-se-ao por si mesmas enquanto, aparent mente, vocé nao esta pensando nelas ou enquanto esta dormindo sem so- nhos & noite, ou mesmo em seus sonhos. Também notara que centelhas de inspiragao o atingem cada vez mais freqiientemente e com maior precisio. Resumindo os exercicios sobre Imaginacao: 38 Para o Ator 1. Capte a primeira imagem. . 2, Aprendaa seguira vida independente dessa ima- gem. 3. Colabore com ela, fazendo perguntas ¢ dando ordens. a 4. Penetre na vida interior da imagem. 5, Desenvolvaa flexibilidade de sua imaginagio. 6. Tente criar personagens inteiramente por si mesmo. ; 7, Estude a técnica de incorporagio de persona- gens Capitulo 3 Improvisagao e conjunto Somente artistas unidos por verdadetra impatia num Conjunto Improvivador podem conhecer¢alegria da criagao ‘desinteressada e comum Conforme sublinhamos nos capitulos precedentes, 0 objeto final e supremo de todo verdadeiro artista, seja qual for o seu particular ramo de arte, pode ser defi nido como o desejo de expressar-se livre e completa- mente. Cada um de nés possui suas préprias conviegées, sua prépria visio do mundo, seus préprios ideais € atitude ética perante a vida. Esses credos profunda- mente enraizados e, com freqiiéncia, inconscientes constituem parte da individualidade do homem e de seu grande anseio de livre expressao. Pensadores profundos, impelidos a expressarem- se, criaram seus préprios sistemas filoséficos. Do mesmo modo, um artista que se esforca por expressar suas convicgdes mais intimas trata de aperfeigoar seus proprios instrumentos de expresso, sua forma parti- cular de arte. O mesmo, sem excegio, deve ser dito da arte do ator: seu desejo irrefredvel e seu mais alto propésito também s6 podem ser satisfeitos por meio da livre improvisagao. Se um ator se limita meramente a declamar as falas fornecidas pelo autor e a executar o “negécio” orde- nado pelo diretor, nio procurando qualquer oportu- 40 Para o Ator nidade para improvisar independentemente, ele se tora um escravo das eriagdes de outros e sua profissio The foi simplesmente emprestada. E um erro ele acre~ ditar que o autor o diretor ja improvisaram para ele ¢ que sobra muito pouco espago para a livre expressio de sua propria individualidade criativa, Essa atitude, lamentavelmente, predomina entre grande mimero de nossos atores atuai: Entretanto, cada papel oferece a um ator a oportu- nidade de improvisagio, de colaboragao e, na ver- dade, de co-criagao com o autore o diretor. Esta suges- tio nao implica, é claro, improvisar novas falas ou substituir por outros os objetivos estabelecidos pelo diretor, Pelo contrario. As falas confiadas a um papel e as instrugdes e orientagdes do diretor constituem as bases firmes em cima das quais 0 ator deve e pode desenvolver suas improvisagdes. Como ele declama suas falas e como cumpre as instrugGes sao as portas abertas para um vasto campo de improvisagao. Os “como” de suas falas e instrugées so os caminhos através dos quais ele pode expressar-se livremente, Mais do que isso, existem outros e intimeros mo- mentos entre as falas ¢ as orientagdes em que o ator pode criar maravilhosas transigdes psicolégicas e adornar e ampliar por conta prépria o seu desem- penho, em que que pode exibir seu verdadeiro en- genho artistico. Sua interpretagio da personagem como um todo, até as infimas caracteristicas, ofe- rece um vasto campo para suas improvisagées. Ele precisa apenas comegar por recusar a representar-se a si mesmo em vez de representar uma personagem, ou por rejeitar o recurso a clichés cedigos. Se ele sim- plesmente deixar de considerar todos 0s seus papéis ‘como “lineares” e tentar descobrir alguma boa carac- Improvisagao e conjunto 41 terizagdo para cada um deles, também teré dado um passo gratificante no sentido da improvisacao. O ator que nio sentiu a pura alegria de se transformar no palco a cada novo papel que interpreta, dificilmente pode conhecer o significado real e eriativo da impro- visagio. Além disso, logo que um ator desenvolve a capaci dade para improvisar e descobre em si mesmo o ine- xaurivel manancial donde toda a improvisacio 6 ex- traida, ele desfrutara de uma sensacao de liberdade até entio desconhecida e sentir-se-4 muito mais rico interiormente Os exercicios seguintes destinam-se ao desenvol- vimento da capacidade de improvisagio. Procure manté-los tio simples quanto so aqui apresentados, EXERCICIO 12 (para trabalho individu imroisgio, Dever sr sezmnenos bem defines de eo. No 0, porexemplo, voe® pod levantarse rapidamente eum som fiers de tome ges ce “Suet oats 0 final pode deitarse, abrir um liv ¢ comegar ler mente. Ou podera comegar vestindo aleuree apressads sobretud, chance avas como ce petenane sl tmas, Ou ainda comegar alhando por uinajanela com expressao de oou grande apreensio, entanda esconder-se avi de coting € depois, exclamando “Aestécle de novo!” revuardajeneta; pars © momento final, podert tocar piano fstado de espirito muito feliz e ate Quanto maior foro contnste entre melhor Nao tente prever o que ira fazer dos. Nao procure encontrar qu pata os propos i Escolha quaisquer 4 mente o terminar sentando-se com ar deprimido e talvez até corn ws que The venham pri- 42 Para o Ator meiro & eabega, © néo porque sugerem ou enquadram uma boa Improvisagio. Apenas um comego ¢ um final contrastantes, nada Nao tente definir o tema ov 0 enredo. Defina somente o estado de espirito ou os sentimentos nesse intcio e nesse final. Depois fentregue-se a quaisquer sugestées momentineas que Ihe ocorram So pura e simples, Assim, quando vocé se levantar jm’ — se for esse 0 inicio que escolheu —, comecari livremente e com plena confianga em ruar” de acordo prineipalmente com seus sentim« de espirit. “A parte intermédia, toda a transigio do ponto de partida para o de chegada, & 0 que voe# improvisari. Deixe que cada momento sucess tum resultado psicoldgico (nio légico!) do momento que o prece: eu, Assim, sem qualquer tema previamente cogitado, voc’ avan- gari do momento inicial para o final improvisando o tempo todo, ‘Assim procedendo, passaré por toda a gama de diferentes sensa- ‘gees, emogbes, estados de Animo, desejos, impulsos interiores, Situagdes, tudo isso descoberto por vocé espontaneamente, no proprio instante, por assim dizer. Talvez. voeé fique indignado, Jepois pensativo, logo irritado, talvez passe pelas fases de indife- Tenge, humor, alegria, ou talvez escreva uma carta, tomedo de: grande agitaglo, ou va até o telefone e fale com alguém, ou qualquer outra coisa. “Toda ¢ qualquer possibilidade Ihe esta aberta, de acordo com o seu estado de animo num dado momento ou de acordo com as de sua improvisagio seia Gio. Tudo 0 que tem a fazer é eseut Instiga todas as mudangas de sua psicol agbes a {que recorre, O seu subsconsciente sugerini coisas que nao poder ‘mesmo por vor’, se obede improvisador. Como momento yoo! nio ficaré andando a deriva intermi Constante e inexplicavelmente atraido para el (O desfecho avul- tard a sua frente como uma luz orientadora e magnética, Continue exercitando-se desse modo, estabelecendo de cada vezum novo comego ¢ um novo fim, até sentir plenaconfianga em Si mesmo, até néo preeisar mais parar e conjeturar acerca das coisas afazer entre o inicio ¢ 0 final. Improvisagao e conjunto 43 comego € 0 fim desse exercicio, ser laramente definidos logo de esta fazendo, ou a posicéo do seu no final, enquanto a improvisagio intermedisiria é permitido que flua espontaneamente? Porque a real e verdadeira iberdade na improvisagio deve basear-se sempre na necessidade; caso contré~ rio, nao tardard a degenerar em arbitrariedade ou indecisio. 5 tum comego definido para impelir suas agbes e sem um nido para completi-las, vocé ficaria apenas divagando a deriva. O seu senso de liberdade seria destituide de qualquer significado, sem um lugar de partida ou sem rumo ou destino. ‘Quando ensaia uma pega, vocé se depara naturalmente com um irctor, o desempenho dos outros isso determina as necessidades e a duragio entre elas, a que vocé deveri ac preparar para tais estar apto a adaptarse a elas, voce di estabelecendo necessidades 0 No inicio, além dos momentos exatos de coms também como uma das necessidades a duragio apro ‘ercicio, Para o trabalho sozinho, cerea de cinco minutos sio ntes para cada improvisagio. Em seguida, a ‘one aos mesmos pontos de partidac c nntimento, estado de Animo ou inicio e o fi. Agora avance do vomego para esse ponto intermé pparao final, do mesmo modo que vocé uniu os dois pontos ant res, mas tente nao gastar neles mais tempo do que antes: nnados, quanto sere realize a sua improvisagio passando agora pelos quatro pontos, aproxima- damente na mesma quantidade de tempo que levou para passar 44 Para o Ator improvisadora Mas nesta variagio do exerciclo nfo adote, de cada ver, um novo comeso e umn novo final “Fendoassim acumulado um suficente némero de pontose feito asus liggiosatislatoia como outros tantos pasos entre ocomecd to desfecho da improvisagi, voce pode comecar agoraaimpor-se novas necersidades ainda de um outro modo: tente interpreta a Primeira parte num ritmo lent altima parte num ritmo pido; Sitentecdaruma cetaatmosferaasuavoltse mantel, sjamama Segio escolhida, sla na improviugiointeia ‘Poderientioacumular mal necessidades na improvisagio me dante uso de diferentes qualidades, como os movimentos de modeler, oer, futuar ou radia, separadsmente ov em qualquer Combinagio que deseje rar para st mesmo; ou poderd atétentara Improvisagio com vérias caactrizagbes, Mats tarde, pode imaginar um cendrio definido em que tem de improvisar: depois, lealzagie do pablicose,enfm, decidir sea fan improvisagio & tragedia, drama, comédia ow farsa. Tent im- Droviurtambem como se estivesse representando tna pega de Epes e, neste eso, vist uma roupa imaginéria do peviodoesco- thido, Fodas essa coisas serviio como necessidadesadielonals, tabaie das quais desenvalver sua livre Improvisagio. des que wood intwodua, um certo padrio de enredo se insinue thevttavelmente em suaimprovisagao, Par eltar que iss ocorra dhrante os seus exercielon voce pode, depots de algum tempo, tentar tanspor o comego ¢ o final; mals tarde, poderd mudar também orden des pontos ase ntrmedia, Mando liver esgotado ess serie de combinagBes,reeomece tafe crerelco com um novo principio e fim, © cor todas at apéetes de necessidades, e, como antes, sem qualquer enzedo premeditad, O rerullado deste exereeio & que vocé desenvolve a pseolota dicum ator inprovisador, Retort essa picaogia enquanto asst por todas as necessidades que esclhen para a soa improvisegio, Trdependente do numero delas Mats adiante, quando ¢ desempennar seu papel no paleo, sentrs que asf Giver as colsas que tem defer e toda as Sto tmpostas pelo ator e-o dvetor, esté pelo enredo da pesa,© Juswao diigrd, tl como as necesridades que encontou pare o seu exerciio. Nao notard nenhuma dferengesubstantal nite o eneeico eo seu trabalho profesional. Assim, aeabarh Improvisagao e conjunto 45 vendo corroborada a sua conviegéo de que a arte draméticn nada mais € do que improvisagdo constante, de que nio existem ‘momentos no paleo em que um ator possa ser privado do seu direito de improvisar. Vocé estard apto a preencher fielmente todas as necessidades que Ihe sto impostas €, 20 mesmo tempo, a reservar seu espirito de um ator improvisador. A recompensa para todos os seus esforgos sera uma nova e gratificante sensa¢ de completa confianca em si mesmo, a par de uma sensagio de iberdade e riqueza interior. Os exercicios para o desenvolvimento da capaci- dade de improvisagio também podem e devem ser empregados em conjuntos de dois, trés ou mais colegas de elenco. E, embora esses exercicios sejam, em prin- cipio, 0s mesmos que para o individuo, existe, entre- tanto, uma diferenga essencial a ser considerada, Aarte dramiatica é uma arte coletiva e, portanto, por mais talentoso que sejao ator, ele sera incapaz de fazer pleno uso de sua capacidade para improvisar se se isolar doensemble, do grupo formado por seus colegas de elenco, E claro, existem muitos impulsos unificadores no palco, como a atmosfera da pega, seu estilo, uma per- formance bem executada ou uma encenagio excep- cionalmente impecavel. E, no entanto, um verdadeiro conjunto teatral necesita de algo mais que essas con- solidagées ordinérias. O ator deve desenvolver em seu intimo uma sensibilidade para os impulsos criati- vos dos outros Umensemble, um conjunto improvisador, vive num constante processo de dar e receber. Uma pequena indicacao de um parceiro — um olhar, uma pausa, uma entonacéo nova ou inesperada, um moviment suspiro ou mesmo uma mudanga quase imperceptivel de ritmo — pode converter-se num impulso criativo, num convite aos outros para que improvisem. ———_—__— 46 Para o Ator Portanto, antes de iniciarem os exercfcios sobre im- provisagio em grupo, recomenda-se aos membros que se concentrem por algum tempo num exercicio prepa qatorio destinado a desenvolver 0 que chamaremos de sentimento de ensemble. EXERCICIO 13 (para um grupo): 1a membro do grupo comega por fazer um esforgo no sentido de se abrir interiormente, com a maior sinceridade possivel, bros, Procura estar conseiente da presenga igas. Esforca-se, metaforicamente fenele admitir todos os presentes, 1 amigos mais queridos. Esse pi ‘0 de receber, que descrevemnos no ‘9, cada membra do grupo devers dizer para! O conjunto criativo consiste em individuos € nu a deve ser por mim considerado como uma massa impessoal. Aprecto a exis- Roneia individual de cada um dos presentes nesta salae,em min! eles nao perdem sua identidade. Portanto, estando aqui ‘cus colegas, nego o conceito geral de ‘Eles é ou 'Nés'e,em oe Ela, ¢ Elae Eu’. Estou pronto para receber fs, mesmo as mais sutis, de cada um que parti estou pronto para reagir a essas ente’ comenstravelmente se ignorar todas as defi ‘antipaticas dos membros do grupo, tentand “descobrir seus aspectos atraentes © as Wralhores qualidades de seus caracteres. A fim de evitar desneces- wig embarago e artificialidade, ndo exagere essa atitude com Sihares prolongados e abertamente sentimentais, sorrisos exces Sivamente amistosos ou outros recursos dispensiveis. Me nenito natural que possa desenvolver uma atitude cordial, afetuosa, em relagio aos seus colegas de grupo, mas isso nao deve ats interpretado erroneamente como um convite para ficar ciret- Lando toa no grupo ou perder-se em sentimentos vagos.O exer cio tem, pelo contr jar os meios psicolégicos adequados ao estabi profissional com os seus parceitos. res assuint posigoes conta as paredes no centro da sala, Trés ow es definidas serio sojcento dsl Tes quo dest ages defini sero Ninguém deve ser informado sobre gual desses m ser feitas por u de ee nalinente se cheyariem concero’asgocomurm, Ainda inerente a esse i ou a eee melhor a receptividade. O objetivo é que 0 tempo, sem acordo prévio ou sugestio de q a eee 2 sensagio de estar intimamente tntloe pelo exer~ brica de algum tipo, participara d Se ereea festa socis Bae aaa jantara num restaurante ou brincara no carnaval? Seja qual ° ne ne nr ee acm Sole oan tema escolhido sugere. eee -ve ser permitido sucessio de eventos, 48 Para o Ator Nada mais do que os momentos iniciais e finais, com sua situacio inieial e correspondentes estados de dnimo, devem ser estabele~ tidos, tal eomo foi feito no exercicio individual. O grupo também deve concordar qua \proximada da improvisagio. ‘Nao usar um ntimero excessivo de palavras. Nao monopolizar 0 iélogo, mas falar somente quando é natural necessério fazé-l. ‘Além disso, a capacidade de melhorar ou ampliar 0 didlogo nao é fangio do ator e, portanto, nao deve desviar sua atengio da impro- ‘visagao com esforgos para criar falas perfeitas para o seu papel ou paraa sitvagio. O significado do exercicio néo sofrerd se as suas palavras nio tém valor literério e parecem, inclusive, deselegan- tes. ‘Com toda a probabilidade, a primeira tentativa de improvisagio ‘em grupo seri catica, apesarda sensibilidade agucada, aberturae Senso de unidade de todos os participantes. Mas cada um receberd tum certo nimero de impressdes oriundas de seus parceiros, Cada tam reconhecera as intengdes dos outros com o propésito de eriare desenvolver a situagio dada, sentir seus estados de espirito € i ‘epgdes deles sobre a cena imaginada. Também Conhecerd suas préprias intengdes nao concretizadas, seu fracasso ‘om amoldar-se ao enredo, seus parceiros, ete, Todas essas coisas, ndo devem ser discutidas; 0s membros do grupo fario imediatamente uma outra tentativa para realizar a mesma improvisagio, confiando ainda no senso de unidade e no contato que estabeleceram entre si. Nessa segunda vez, a improvisagio ass formato mais definido e muitas intengdes negligenciadas serao coneretizadas. O grupo deve repetir seus esforgos uma e outra vez, até que a improvisagao atinja o ponto em que comeca tendo o faspecto de um pequeno sketch hem ensaiado, Nesse meio tempo, apesar da inevitivel repeticéo de palavras, agbes e situagdes, aqui Cali, cada membro deve manter a psicologia de um artista impro- visador. ‘Nao se repita, se puder eviti-lo, mas tente, pelo contrério, ccontear ume nova maneira de interpretar a mesma situagio. Em- bora voeé tenha uma inelinagio natural para reter e repetir os melhores momentos de improvisagbes anteriores, nio hesite em Ovalterarou descartar se a sua “voz.interior” o incita aarrisear uma atitude mais expressiva ou uma interpretagio mais axtistice do fmomento, ou mesmo urha nova postura em relagio aos outros participantes. Seu gosto ¢ seu tato Ihe dirdo 0 que pode ser alte 4, sem davida, um Improvisagdo e conjunto 49 radoe quando, ¢ 0 que deve ser preservado a bem do conju enredo em desenvolvimento, Nio tardari aprender, por um lado, a ser generoso e desinteressado e, por 0 ‘empenho sua liberdade e desejos artistic Nao importa quantas vezes o grupo queira repetir a mesma mante- 0, a explorar com sages em grupo, cumpre lembrar, nao ha necessi dade de estabelecer quaisquer pontos adicfonais entre o principio € 0 firn, Bles serio gradualmente encontrados e cristalizados & nedida que a improvisagio pr na se estabelece © cbes, diferentes ritmos —, as quais podem ser todas introduzidas, r comecar a exereité-lo, prine clmento do contatoe unidade, tal como foi descrito no inicio deste © grupo esti agora pronto para o seguinte experimento: esco- Ther uma cen de uma pega que nenhum dos membros te vito ro paleo ou na tela nem atuado nela, Dist papéis. Esco- Ther um dos membros para “dire Ihe que encene exatan ego e o final da cena escolhida. Depois, conhe- cendo 0 contetido da cena, comecar improvisando toda’a parte intermédia. Nao se desvier demais da psicologia das persona- gens que esto interpretando. Nao decorem as falas, com excecio, talvex, das do comego e do final. Deix oda at mise-en-scéne decorram de sua propria iniciativa de Gio, como nos exercicios anteriores. 50 Para o Ator ‘Tendo assim chegado ao final da cena, pecam ao seu “diretor” que encene para voeés, uma vez mais exatamente, uma pequens Seoio da cena, mais ou menos no meio, Comecem entéo aimpro sagio de novo, de: cio até esse ponto intermédio “diri ido”, € prossigam dai até o final. Desse modo, preenchendo as Tacunas passo a passo, logo estario aptos a interpretar a cena inteira tal como foi escrita pelo autor, mantendo sempre apsicolo- gia do conjunto improvisador. Ficario cada vez mais convencidos dde que, mesmo trabalhando numa pega de verdade, com todas as sugesties (necessidades) do diretor e do autor, ainda as livees para improvisar criativamente, e logo essa conviegio se convertera em uma nova capacidade, em uma segunda natureze, por assim dizer. ‘O grupo pode comegar entio a desenvolver as curacterizagées. Este exereieio, como voeé certamente percebeu, tem o objetivo e 0 familiarizar com a riqueza de sua propria alma de ator. Ao concluir este capitulo, faz-se necessario acres- centar uma palavra de adverténcia. Se, enquanto im- provisa, vocé comeca a sentir que est ficando insin- cero ou afetado, pode ter a certeza de que isso resulta da interferéncia de sua “légica”’ ou do uso excessivo de palavras desnecessarias. Deve ter a coragem de confiar completamente em seu espirito improvisador. Sigaa sucessdo psicoldgica de eventos interiores (sen- timentos, emogdes, desejos ¢ outros impulsos )que Ihe falam desde as profundezas de sua individualidade criativa, e nao tardard em convencer-se de que essa “yoz interior” que possui nunca mente. ‘A par dos exercicios de grupo, é altamente aconse- Thavel continuar os exercicios individuais, porque ambos se complementam, nao se substituem entre si. Capitulo 4 Atmosfera e sentimentos individuais A idéla de uma pega produzida no paleo’ seu espiito:eua atmosfera éa sua alma; etudoo que é visivele audivel éo seu corp Nao penso que seja erréneo dizer que existem duas diferentes concepgdes entre atores a respeito do paleo em que investem todas as suas esperancas e no qual despenderio a maior parte de suas vidas. Para alguns deles, o paleo nada mais é sendo um espago vazio que, de tempos em tempos, se enche de atores, carpintei- +108 e maquinistas, cenirios e aderegos; paraeles, tudo o que ali aparece é apenas o visivel e 0 audivel. Para outros, 0 exiguo espaco do paleo é um mundo inteiro, impregnado de uma atmosfera tio forte, tio magné- tica que dificilmente suportam separar-se dele depois que 0 pano cai no final de uma apresentagao. Em tempos idos, quando uma aura de romance ainda envolvia a nossa profissao, os atores passavam freqiientemente noites encantadas em seus camarins vazios, ou entre pegas de cendrio, ou vagueando no paleo semi-iluminado, como o velho tragico em O Canto do Cisne, de Anton Chekhov. Suas experién- cias de tantos anos ligou-os indissoluvelmente a esse palco cheio de um encanto migico. Eles precisavam dessa atmosfera. Esta Ihes dava inspiracio e forca para suas futuras interpretagoes. 52 Para o Ator Mas as atmosferas sio ilimitadas ¢ podem ser en: contradas em toda parte. Cada paisagem, cada ru casa ou sala; uma biblioteca, um hospital, uma cate dral, um ruidoso restaurante, um museu; a manha, 0 entardecer, a noite; primavera, vero, outono e in verno — cada fendmeno e cada evento possui sua prépria atmosfera particular. Os atores que possuem ou recém-adquiriram amore compreensio pela atmosfera de uma performance sabem muitissimo bem que forte vinculo cla criaentre eles ¢ 0 espectador. Sendo também envolvido por ela, © proprio espectador comega “atuando” juntamente com 0s atores. Um desempenho coercivo, irresistivel resulta da agdo recéproca entre o ator e 0 espectador Se os atores, diretor, autor, cendgrafo e, com freqiién- cia, 0s mtisicos criaram verdadeiramente a atmosfera para a performance, o espectador nao serd capaz d The permanecer distante, mas, pelo contrario, reagi com inspiradoras ondas de amor e confianga. ‘Também é significativo o fato de que a atmosfer aprofunda a percepgao do espectador. Pergunte a mesmo de que modo, como espectador, perceberia a mesma cena se esta fosse interpretada diante de vocé de duas maneiras — uma sem atmosfera e a outra com ela, No primeiro caso, apreenderia indubitavelmente © contetido da cena com o seu intelecto, mas seri incapaz de penetrar em seus aspectos psicolégicos tio profundamente quanto o faria se deixasse a atmosfera da pega ajudé-lo. No segundo caso, com a atmosfera reinando no palco, seus sentimentos (e nao apenas seu intelecto) seriam acordados ¢ estimulados. Seriam sentidos 0 contetido e a propria esséncia da cena. A compreensio seria ampliada por esses sentimentos. 0 contetido da cena tornar-se-ia mais rico e mais signifi- Atmosfera e sentimentos individuais 53 cativo & sua percepeio. Que seria do contetido da cena de abertura vitalmente importante de O Inspetor Geral, de Gogol, se ela fosse percebida sem sua at- mosfera? Amenamente resumida, a cena consiste nos funcionarios corruptos preocupados em discutir for- nas de escapar 4 punigio que esperam com a chegada do inspetor de Petersburgo. Dotemos a cena de sua atmosfera propria e vé-la-emos e reagiremos a ela de um modo muito diferente; através da atmosfera, per- ceberemos o contetido dessa mesma cena como sendo 0 de catastrofe iminente, conspiracgao, depressio e horror quase “‘mistico”. Nao s6 a sutileza psicolégica da alma de um patife nos seri revelada através da atmosfera da cena de abertura, néo s6 0 humor dos agoites a que Gogol sentencion seus herdis (“Nao responsabilize 0 espelho quando é o seu prdprio rosto que esté contoreido”), mas todos os funcionarios as- sumiréo novo e maior significado, tornando-se simbo- los, retratando pecadores de todas as espécies, de todas as épocas e todos os lugares, sem que, ao mesmo tempo, deixem de ser carateres individuais com todos os seus tracos peculiares. On imagine-se Romeu dizendo suas belas palavras de amor a Julieta sem a atmosfera que deve rodear esses dois seres enamo dos. Poderemos ainda deleitar-nos com a incompara- vel poesia de Shakespeare, mas sentiremos definiti- vamente uma nitida auséncia de algo que é real, vital e inspirador. O qué? Nao € 0 proprio amor, aatmosfera de amor? Como espectador, vocé nunca teve essa peculiar sensagao de “estou olhando para um espaco psicolo- gicamente vazio”, enquanto assiste a uma cena repre- sentada no palco? Era uma cena destituida de atmos- fera. Nao recebemos também, muitos de nés, sensa- | B4 Para o Ator ges analogamente insatisfatdrias quando uma atmos: fera cénica errada falseou o verdadeiro contetido da cena? Recordo muito bem uma apresentagio do Ham. let em que, na cena da loucura de Ofélia, os atores criaram acidental mente uma atmosfera de leve medo, em vez de profunda tragédia e dor. Foi surpreendente ver quanto humor indeliberado essa atmosfera errada provocou em todos os movimentos, palavras e olhares, da pobre Ofélia! ‘A atmosfera exerce uma influéncia extremamente forte em nosso desempenho. Voce ja notou como, in voluntariamente, muda seus movimentos, fala, com portamento, pensamentos e sentimentos assim que cria uma atmosfera forte, contagiosa, e como a in- fluéncia dela aumenta se vocé a aceitar e render-se a ela de bom grado? Cada noite, enquanto atua, subme- tendo-se a atmosfera da peca ou da cena, vocé poder deliciar-se ao observar os novos detalhes e nuangas que surgem por si mesmos de sua interpretagao. Nao precisaré apegar-se covardemente aos clichés da atuagdo da véspera. O espaco, o ar em redor que vocé encheu de atmosfera sempre sustentara e despertar novos sentimentos ¢ impulsos criativos. A atmosfera incita-nos a atuar em harmonia com ela. Que é esse incitamento, donde provém ele? Em termos figurativos, provém da vontade, da forga di namica ou impulsora (chame-a como quiser) que vive na atmosfera. Experimentando, por exempl uma atmosfera de felicidade, descobriremos que sua vontade desperta em nds 0 desejo de expansio, de abertura, de desdobramento, de conquista de espago Suponha-se agora uma atmosfera de depressio ou Tuto. A vontade dessa atmosfera nao seré compl mente inversa? Nao sentiremos, nesse caso, um im: Atmosfera e sentimentos individuais 55 pulso de contragio, de fechamento, até de diminnicao do nosso proprio ser? Mas admita-se que desafiamos isso, por um mo- mento, com: “Em atmosferas fortes, dindmicas, tais como catastrofes, panico, dio, exultagio ouheroismo, avontade delas, seu poder instigador, é bastante 6b- vio, Mas que acontece a essa forga poderosa em meioa atmosferas calmas e pacificas, como um cemitério es- ‘quecido, a tranqiilidade de uma manha de verdo ouo silencioso mistério de uma velha floresta?” A explica- gio 6 simples: nesses casos, a vontade da atmosfera é aparentemente menos forte apenas porque nao é tio obviamente violenta. No entanto, ela esta presente e influencia-nos com tanta forga quanto qualquer outra atmosfera, Um nao-ator ou uma pessoa destituida de sensibilidade artistica manter-se- provavelmente passivo na atmosfera de uma tranaiiila noite enlua- rada; mas um ator que se entregue totalmente a ela ndo tarda em sentir uma espécie de atividade criativa ge- rada em seu intimo. Uma apés outra, apareceréo ima- gens diante dele que o atrairao gradualmente para a propria esfera delas. A vontade dessa noite tranqiiila logo se transformara em seres, eventos, palavras & movimentos, Nao foi a atmosfera de aconchego, en- canto € amor que cercava a lareira na pequena casa de John Piribingle (O Grilo na Lareira) que deu vida, na imaginagio de Dickens, ao obstinado bule de cha, & fada, & Little Dot e sua eterna companhia, Tilly Slow- boy, € até ao proprio Piribingle? Nao existe atmosfera desprovida de dinimica interior, vida e vontade. Tudo o que se precisa para obter inspiragao vindadela é abrirmo-nos ao seu influxo. Um pouco de pratica nos ensinara como fazé-lo. Para fins praticos, devemo agora enunciar dois fa- 56 Para o Ator tos, Primeiro, temos que fazer uma distingéo clara entre os sentimentos individuais das personagens eas atmosferas das cenas. Embora ambas as coisas perten- gam ao dominio dos sentimentos, sio inteiramente independentes umas das outras e podem existir multaneamente mesmo que formem completos con- trastes, Citemos alguns exemplos extraidos da vida. Tmagine-se uma catistrofe de rua. Um grupo nume- roso de pessoas cerca o lugar. Todas sentem a forte, deprimente, assustadora e torturante atmosfera da cena. O grupo esta todo envolvido por ela e, no en- tanto, 6 improvavel que encontremos sentimentos idénticos em dois individuos quaisquer dessa multi- dao. Um permanece frio e insensivel ao aconteci- mento, outro sente uma forte satisfagio egoista por nao ser a vitima; 0 terceiro (talvez.o policial) esté em plena atividade, dentro do espfrito de quem cuida de seu negécio, e o quarto mostra-se cheio de compaixao. Um ateu pode manter seus sentimentos céticos numa atmosfera de reveréncia e devogio religiosas, ‘um homem enlutado pode levar a dor em sua alma mesmo quando ingressa numa atmosfera de alegria e felicidade. Portanto, ao estabelecer uma distingio entre os dois, devemos chamar as atmosferas senti- mentos objetivos, em contraposicio aos sentimentos subjetivos individuais. Depois, devemos estar cons- cientes do principio de que duas diferentes atmosfe~ ras (sentimentos objetivos) ndo podem existir simul- taneamente. A atmosfera mais forte derrota inevital- mente a mais fraca. Voltemos a dar um exemplo. Imagine-se um velho castelo abandonado, onde o proprio tempo parece ter parado ha muitos séculos e preservado, em invisivel mas obcecante gldria, os pensamentos e as faganhas, as mégoas e as alegrias de Atmosfera e sentimentos individuais 57 seus habitantes ha muito esquecidos. Uma atmosfera misteriosa, tranquila, impregna esses saldes, corredo- res, porées e torres vazios. Um grupo de pessoas entra no castelo, trazendo consigo uma atmosfera ruidosa, alegre, despreocupada, a que nao faltam risos e garga- Ihadas. Que acontece agora? As duas atmosferas en- trechocam-se imediatamente num combate mortal, € nao tarda muito para que uma delas se revele a vito- rigsa. Ou o grupo de alegres pessoas, com sua atmos- fera, se submete a atmosfera solene e imponente do velho castelo, ou este se torna “morto” e “vazio”, despojado de seu antigo espfrito, ¢ deixa de contar sua historia sem palavras! Esses dois fatos, devidamente considerados, confe- rem aatores e diretores o meio pratico para criar certos efeitos no palco: 0 conflito entre duas atmosferas con- trastantes e a lenta ou siibita derrota de uma delas, ou os sentiments individuais de uma personagem tra- vam uma luta com a atmosfera hostil, resultando vit6ria ou derrota da atmosfera em face dos sentimen- tos individuais, Esses eventos psicoldgicos no paleo criarao sempre suspense para 0 publico, porque todos os contrastes, colisdes, combates, derrotas e vitrias que ali ocorrem devem ser levados & conta dos fortes, se nao os m fortes, efeitos dramaticos da performance. Os contras- tes no palco geram essa almejada tensio numa platéia, enquanto a vitéria ou derrota com que a luta termina proporciona ao piiblico uma forte satisfagio estética, que pode ser comparada & decorrente de um acorde musical resolvido. Muito pode ser feito em beneficio de uma pega desse modo, mesmo que as atmosferas sejam apenas ligeiramente sugeridas pelo autor. Existem numero- 58 Para o Ator sos meios, puramente teatrais, pelos quais se criam atmosferas no palco, ainda que ndo sejam indicados pelo autor: luzes, com suas sombras e cores; cenérios, ‘com seus contornos, aparéncias e formas de composi- ‘0; efeitos musicais e sonoros; agrupamento de ato- res, suas vozes, com toda uma variedade de timbres seus movimentos, pausas, mudangas de ritmo, todas as espécies de efeitos ritmicos, marcagdes e maneiras, de atuar. Praticamente tudo 0 que 0 ptblico percebe no palco pode servir ao propésito de realgar atmosfe- ras ou mesmo recrid-las. Sabe-se que o dominio da arte é, primordialmente, © dominio dos sentimentos. Uma boa e verdadeira definigdo seria que a atmosfera de cada pega de arte € ‘0 seu coragdo, sua alma sensivel. Por conseguinte, € também a alma, 0 coragao de todas e de cada perfor- mance no paleo. Para que isso fique claramente en- tendido, facamos uma comparacio. Sabemos que todo ser humano normal exerce trés principais fungées psi- colégicas: pensamentos, sentimentos e impulsos voli- tivos. Imaginemos agora, por um momento, um ser humano completamente desprovido da capacidade de sentir, um ser humano que possa ser qualificado de inteiramente “insensivel”. Imaginemos ainda que seus pensamentos, idéias e concepcoes intelectuais abstratas, por um lado, seus impulsos volitivos agdes, por outro, contatam mutuamente e se encon- tram sem qualquer elo interveniente, sem sentimen- tos entre si. Que espécie de impressao tal pessoa “in- sensivel” causa em vocé? Seria ainda um homem, um ser humano? Nao se apresentaria a seus olhos como uma “maquina”, um robé inteligente, refinado e ex- tremamente complexo? Semelhante maquina nao lhe pareceria estar num nivel inferior ao de um ser hu- Atmosfera e sentimentos individuais 59 mano, cujas trés fungdes (pensamentos, sentimentos e vontade) devem trabalhar em conjunto e em plena nonia entre si? Os nossos sentimentos harmonizam as nossas idéias ¢ impulsos volitivos. Nao apenas isso; eles modificam, controlam e aperfeigoam as idéias e os impulsos, tor- nando-os “humanos”. Uma tendéncia paraa destruigao surge nos seres humanos que sao destituidos de senti- mentos ou os negligenciam. Se quiserem exemplos, folhefem as paginas da histéria, Quantas idéias politi: cas ou diplomaticas convertidas em agio sem serem controladas, modificadas e purificadas pela influéncia de sentimentos merecem que Ihes chamemos huma- nas, benévolas on construtivas? Existem efeitos idénti- cos no dominio da arte. Uma performance desprovida de suas atmosferas gera a impresséo de um mecanismo. Mesmo que o piiblico seja capaz de apreciar a exce- lente técnica e habilidade dos artistas e 0 valor da peca, podera, nao obstante, permanecer frio, sem que todo o desempenho o impressione ou comova. A vida emo- cional das personagens no palco é somente, com raras excegdes, um substituto da atmosfera. Isso é especial- mente verdadeiro em nossa era intelectual e arida, em que tememos os nossos préprios sentimentos e os dos outros. No esquegamos que, no dominio da arte, no teatro, ndo ha desculpa para o banimento de atmosfe~ ras. Um individuo, se assim o desejar, pode prescindir de seus sentimentos por algum tempo em sua vida privada; mas as artes, e 0 teatro em particular, avizinham-se lentamente da morte se as atmosferas deixam de resplandecer através de suas criagdes. A grande missio do ator, assim como a do diretor e a do autor teatral, é salvar a alma do teatro e, concomitante- mente, 0 futuro da nossa profissio, 60 Para o Ator seje aumentar 0 seu senso de atmosfera € Saso de! mosfe 7 ‘erta técnica para crid-la a sua também adquirir uma certa 7 vontade, eis alguns exercicios sugeridos EXERCICIO 14: ® ‘Observe as pessoas enquanto estio ae Pow ws Ca es mmoster Ve Nmetem, lta contr ea ou em que medi The : indivi. ‘Apo am percoberatmoneres& Thee ano expe tndamente, procre sume rwindo mises, : seus propriossentime see e 8 falar em harmania Cormac encontrar, Depois, esol casos em yng atmosfera especifi, entando desenv rentox questo contrarios ae npo com atmosferas que en= owe escunstincas tert, Visualize, or cope , Superlativs Slaves e aspirada por uma cer B ren aguaan, erin de fore de oytade ser ex cavolstdor ena tose Bogut sere ulti o 10 do evento. Escute os uray dx multidao. Atente Paro Eset oo Baas de me eet Observe minuciosnmente od como se estivess Consinta que elas mobilize’ duais. Comece a moviment ‘por algum t yece a imaginar even! Atmosfera e sentimentos individuais 61 detalhes da cena e veja como a atmosfera imprime seu cimho em tudo © em todos nesse agitado acontecimento, Mude agora tum pouco a atmosfera e, uma vez sua “performance”. Desta vez, deixe que a atmosfera assuma o caniter de perversa e implacdvel crueldade. Veja com que poder e autoridade essa atmosfera alterada mudaré tudo 0 que esti aconte~ cendo na cela da prisio! Rostos, movimentos, vozes, grupos, tudo serd diferente agora, ra vontade vingativa da multidio, Seri uma “performance” diferente, embora o tema seja ‘omesmo, Mude a atmosfera uma vez mais. Faga com que ela seja arro- gante, digna e majestosa. Uma nova transformagio ters lugar. Aprenda agora a criar as atmosferas sem imaginar qualquer ocorréncia ou circunstdncia. Vocé pode fazé-lo imaginando 0 espago, oar em seu redor repleto de uma certa atmosfera, tal como iché-lo de luz, fragrineia, calor, frio, poeira ou fumaga. Imagine primeiramente qualquer atmosfera simples e tranqiila, como aconchego, respeito, solidéo, pressentimento, ete, Ndo se pergunte como € possivel imaginar um sentimento de respeito ou reveréneia ou qualquer outro sentimento flutuando no ar & sua volta, antes de realmente tenté-lo. Dois ou trés esforgos o conven cerio de que isso nao s6€ possivel, mas extremamente ficil. Neste icio eu apelo para a sua imaginagio, ¢ nio para a sua razio fia, analitica, Que é a nossa arte seniio uma bela “ficedo” baseada fem nossa imaginagao criativa? Faca este exercicio tio simples- mente quanto eu estou procurando transmiti-lo, Nao faga mais do que émaginar sentimentos que se propagam e se difundem a sua volta, enchendo o ar. Realize este exercicio com uma série de diferentes atmosferas. Dé agora o passo seguinte. Escolha uma atmosfera definida, ine-a propagando-se a sua volta no ar e depois descreva um novimento leve com 0 brago e a mao, Cuide que 0 movim observe a Ihe conduzira o brago ¢ a mio cautelosamente, Repita esse simples movimento até ter a sensa- sgio de que 0 brago © a mio foram impregnados da atmosfera escolhida. A atmosfera deve encherhe 0 brago e expressar-se completamente através do seu movimento, 1c dois possiveis erros. Nao seja impaciente em “desempe- har” ou “representar” a atmosfera com o seu movimento. Nao se 62 Para o Ator ade ness ofan no pier stmt ae rmosfere ‘Procure evitar esse esforgo. Vocé asentird a sua vol ine dentro de si logo que concentrar nela. adequadamente eee Siok ia desnecesséria e perturbadora de sua parte. Aconteceré : 1 yoo’ exatamente que acontece na vida: quando belt satnos e um desastre de rua, nao pode deixar de sentita, 2 gents nnlscomplcnen Ponba dene een i cunayres nlf ‘mesa, Esforce-se por obter os mesmos resultados See Se meson sconnnanet ae enon les Paras wes eve se PO Fe ePI one upapely“Derme esetm f favor" (um gesto de indicagao), Tal como antes, eS parce ease erie Comma tosfe 3 ters salting dap acon me. Utvemvlve esta ago, continuando a se guido pea atosten nto, com éxtase, desespero, panico, aversiio ov cardter mais VVolte a criarsua volta uma cert atmosfere,tendova vivido por algun tempo, tente imaginar circunstincias que se harm Tai pegas teatrais€ tente definis as respectivas atosfers maginando as conss Te 1 Fa cada eet, poders orzanza wm aaa ea dian datos ov cence dada po au erect a mesma atmosfera pode abranger maltas cenas ou mula Atmosfera e sentimentos individuais 63 Nao esqueca tampouco a atmosfora global da pega todo. Cada peca possui essa atmosfera geral de acord categoria de tragédia, drama, comédia ou farsa; ¢ cada pega além disso, uma certa atmosfera individual. Os exercicios sobre atmosfera podem ser feitos com mi por um grupo. No trabalho de grupo, a atmosfera mostrara seu poder unificador a todos os participantes. Além disso, o esforgo comum para criar uma atmosfera imagin: como impregnados de um muito mais forte do que se esse esforgo ‘um individuo, mito produz um efeito 1 exercido somente por Neste ponto retornamos a questi dos sentimentos individuais e de como os conduzir profissionalmente. Os sentimentos individuais de um ator séo, ou po- derio tornar-se a qualquer momento, muito instaveis € caprichosos. O ator no pode ordenar a si mesmo: “Agora sinta-se verdadeiramente triste ou alegre, amoroso ou odiento”. Os atores so compelidos, com excessiva freqiténcia, a fingir que estao sentindo no palco, e séo numerosas por demais as tentativas malo- gradas para fazer brotar esses sentimentos de seu in- timo. Na maioria dos casos, nao se trataria meramente de um “feliz acidente”, mais do que de um triunfo de habilidade técnica, quando umator é capaz de desper- tar seus sentimentos, sempre que quer ou deles ne- cessita ? Os verdadeiros sentimentos artisticos, caso se recusem a aparecer por si mesmos, devem ser induzi- dos por algum recurso téenico que faca o ator adquirir controle sobre eles. Parecem existir muitas maneiras de despertar sen- timentos criativos. J4 mencionamos uma imaginagao bem treinada e viver dentro de uma atmosfera. Con- sideremos agora um outro recurso e, passo a passo, 0 modo de concretizd-lo na pratica 64 Para o Ator Levante um brago. Abaixe-o. Que foi que vocé fez? Executou uma simples agao fisica, Fez um gesto. E 6 fez sem qualquer dificuldade. Por qué? Porque, como toda e qualquer agdo, esse gesto est completa~ mente dentro de sua vontade. Agora execute o mesmo testo, mas, desta vez, matize-o com uma certa quali- dade. Seja essa qualidade a cautela. Vocé faré 0 seu gesto, o seu movimento cautelosamente. Nao o fez com 0 mesmo desembarago? Repita-o varias vezes € veja entio o que acontece. Seu movimento, feito cau~ telosamente, deixou de ser mera agio fisica; agora ele adquiriu uma certa nuanga psicoldgica. Que é essa nuanga? E uma sensacdo de cautela que agora enche € im- pregna o seu braco. E uma sensagio psicofisica. Do mesmo modo, se movimentar seu corpo inteiro com a qualidade da cautela, entdo seu corpo todo seré natu- ralmente invadido por essa sensagio. ‘Asensacao é 0 vaso onde seus sentimentos artisticos genuinos sao despejados facilmente e por si mesmoss € uma espécie de magneto que atrai para si sentimen- tos e emogoes andlogos & qualidade, seja ela qual for, que vocé escolheu para 0 seu movimento. Pergunte-se agora se forou os seus sentimentos. Deu a si mesmo a ordem de “sentir-se cauteloso”? Nao. Vocé apenas fez. um movimento dotado de uma certa qualidade, criando assim uma sensagao de cau- tela através da qual despertou seus sentimentos. Re- pita esse mesmo movimento com varias outras quali Gades e o sentimento, 0 seu desejo, sera cada vez mais forte. Aqui est4, pois, o mais simples recurso téenico para despertar seus sentimentos se eles se tornarem obsti- nados, caprichosos ¢ se recusarem a funcionar exata Atmosfera e sentimentos individuais 65 mente q é mente quando vocé necessita deles em seu trabalho 1e DePots de alguma pritica voeé descobriré que, tendo escolhido uma cesta qualidade e tendo-a con. Yertide numa sensasio, obterd muito mais do que esperava de seus esforgs. A qualidade de cautele, para dar apenas um exemplo, poder despertar em ore io 6 tm sentimento de cautela mas também toda a gama de sentimentos afins dessa cautela, de acordo com as eireunstineias dadas na pegs. Como produto dessa qualidade cautelosa, voce pod sentir-se irritado ou alerta, como se enfrentasse um bel podera sentir-se consolador e terno, eas protevenee una Say fio e eee como se se tegesse ast ; ou algo aténito © curi pecan eerenty teeth : s de sentimentos, por variados ¢ estioligados a sensagio de cautela las, perguntard vocé, ¢ cs auand corp se encont em porigiesenutiad aualidades,cnatamente came acaheeey enue de . eXatamente como qualquer movimen elppeter contendere be cron ou fcar de pé, sentar-me ou deitar-me com esta ou aquela qualidade em meu corpo,” ea reagio vird ime- liatamente, convocando um caleidoscépio de ra oe desde o mais intimo de sua alma. © sents anhote feilmente acontecer que, enduanto trabalha dees am es nee em duvida sobre que quali- dade, que sensagio teri que escolher, Em face de tal Allema, nio hesite em adotar duas ou mesmo teés uslidades pars a sun aco. Pode experimentar una ap6s outra em busca daquela que sera a melhor, om iné-las todas de uma sé vez, Suponhamos que e sejam, 66 Para o Ator vocé adote a qualidade do abatimento ©, ao mesmo tempo, as qualidades de desespero, reflexio ou c6- Iera. Seja qual for o niimero de qualidades adequadas que selecione e combine, elas se fundirio sempre numa tinica sensagao para vocé, 4 semelhanga de um acorde dominante em misica. Assim que seus sentimentos forem estimulados, vocé ser arrebatado por eles, ¢ 0 seu exercicio, ensaio ou performance ters encontrado a verdadeira inspira- gio. EXERCICIO 15: vse de pé, s vezes, até que ta-a de certas qualidac alligio, agéo comas qualidades de modelagem, lutuagio seguida, staccato, legato, desenvalt seus sentimentos mnente. Procure ndo forgar seus sentimentosa se manifestarem, em vez de seguir e confiar na técniea sugerida, Nao se apresse e1 € largos, tal como no de movimento ou agio s. Profira essas palavras coma actescente-the duas ou trés pala sensagia que surge em voce. Caso se exercite com parveiros, faga se palavras. Pode improvisar um vend lente. Antes cle comegar, pareeiros i ‘Nao empregue um niimero excess rias enquanto se exercita com parceitos, As falas supérfluas levam-no freqiientemente a desor dio a impressio de que es iprovisagses simples & re um provivel idades que voces ras desnecessie Atmosfera e-sentimentos individuais 67 na agio e a substi conteiido intelectual das palavras. Assim, um exer ‘mente verbal degenera numa conversa vulgar e i rem pelo ida, Esses exercicios simples também desenvolverio uma forte sensagio de harmonia entre sua vida inte- rior e as manifestagdes exteriores desta, Talvez convenha resumir este capitulo sobre At- mosfera e Sentimentos Individuais com os seguintes destaques: 1. Aatmosfera inspira o ator. 2. Une o piblico € 0 ator, assim como os atores entre si. 3. Aprofunda a percepgao do espectador. 4. Nao podem coexistir duas atmosferas contras- es. Mas os sentimentos individuais das persona- gens, ainda que contrastem com a atmosfera, podem existir simultaneamente com ela. 5. A atmosfera é a alma da performance. 6. Observe a atmosfera na vida. 7. Imagine a mesma cena com diferentes atmosfe- 8. Crie atmosferas & sua volta, sem quaisquer cir- cunstancias dadas. 9. Movimente-se fale em harmonia com a atmos- fera que criou, seja ela qual for. 10. Imagine circunstancias adequadas para a atmos- fera que criow. 11, Organize numa “tabela” as atmosferas que cria 12. Concretize movimentos dotados de qualida- des-sensagdes-sentimentos. Capitulo 5 O gesto psicolégico A alma deseja habitar no corpo porque, semos membros do corpo, ela ndo pode ‘gir nem sentir “LEONARDO DA VINCI No capitulo anterior, disse que nao podemos contro- lar diretamente os nossos sentimentos, mas que po- demos instigé-los, provoci-los e induzi-los por certos meios indiretos. A mesma coisa deve ser dita acerca de nossas necessidades, desejos, anseios, caréncias, apetites, nostalgias e aspiragdes, que se geram, em- bora sempre misturados com sentimentos, na esfera de nossa forga de vontade. Nas qualidades e sensagdes encontramos a chave para o tesouro de nossos sentimentos. Mas existira tal chave para a nossa forga de vontade? Sim, e encontra- mo-la no movimento (agdo, gesto). Vocé pode mente provar isso para si mesmo tentando fazer um gesto forte, bem delineado, mas simples. Repita-o va- rias vezes e ver que, aps um certo tempo, a forga de vontade torna-se cada vez mais forte sob a influéncia desse gesto. Além disso, descobriré que aespécie de movimento que fizer dara sua forca de vontade umacerta diregao ou inclinagao; ou seja, despertaré e animara em vocé m definido desejo ou necessidade. ‘Assim, podemos dizer que 0 vigor do movimento instiga a nossa forca de vontade em geral; que a espé- 70 Para o Ator cie de movimento desperta em nés um definidodesejo correspondente, e que a qualidade desse mesmo mo- vimento evoca os nossos sentimentos Antes de ver como esses simples prineipios podem ser aplicados 4 nossa profisso, apresentemos alguns exemplos do proprio gesto, a fim de oferecer uma idéia geral de suas conotagées. Imagine que vocé vai interpretar uma personagem que, de acordo com a sua primeira impressao geral, possui uma vontade férrea e inquebrantavel, esta do- nada por desejos autoritérios, despéticos, e cheia de dio ¢ desprezo ou repulsa. Vocé trata de procurar um gesto global adequado que possa expressar tudo isso na personagem e talvez, apés algumas tentativas, descubra (ver Desenho 1), E forte e bem delineado. Quando repetido varias fortalecera sua vontade. A diregio de 2jo definido de dominagao e spética. As qualidades que enchem e im- pregnam cada misculo do corpo inteiro provocario dentro de vocé sentimentos de édio e desprezo ou repulsa. Assim, através do gesto, vocé penetra ¢ esti- as profundezas de sua prépria psicologia. Um outro exemplo Desta vez, vocé define o cariter como agressivo, talvez até fandtico, com uma vontade algo veemente, apaixonada. A personagem est4 completamente aberta a influéncias vindas do “alto” e obcecada pelo desejo de receber e até forcar “inspiragdes” oriundas dessas influéncias. Esta cheia de qualidades misticas, mas, a0 mesmo tempo, planta-se com firmeza no chio ¢ recebe influéncias igualmente fortes do mundo ter- O gesto psicolégico DESENHO 1 7 72 Para o Ator reno. Por conseguinte, é uma personagem capaz de reconciliar em si mesma influéncias de cima e de baixo (ver Desenho 2). Para 0 exemplo seguinte, escolheremos uma perso- nagem que, de certo modo, contrasta com a segunda, E inteiramente introspectiva, sem o menor desejo de entrar em contato com 0 mundo de cima ou de baixo, mas nao necessariamente um cariter fraco, Sen desejo de isolamento pode ser muito forte. Uma qualidade cismatica, melaneélica, impregna todo o seu ser. Pode gostar de sua solidio (ver Desenho 3). Para 0 exemplo que se segue, imagine um carter inteiramente ligado a um tipo terreno de vida, Sua vontade poderosa e egoista é constantemente atraida para baixo. Todos os seus apaixonados desejos e apeti- tes ostentam 0 cunho das qualidades baixas, i ou mesquinhas. Nao tem simpatia por nada nem nin- guém. Desconfianga, suspeita e reprovacao enchem toda a sua vida interior, introvertida Personagem nega um modo reto h optando sempre por caminhos sinuosos e desonestos E um tipo de pessoa egocéntrica e, por vezes, agres- siva (ver Desenho 4). la outro exemplo. Poderemos ver o vigor desse ua vontade negativa, contestadora. Sua principal qualidade poder parecer-nos 0 sofrime: talvez com 0 matiz da célera ou indignacao. Po lado, uma certa fraqueza impregna sua for (ver Desenho 5). Um altimo exemplo. Desta vez, a sua personage de novo um tipo fraco, ineapaz de protestar e de lutar ar caminho na vida; altamente sensivel, pro- pensa ao sofrimento e & autocomiseracao, com o forte O gesto psicoldgico DESENHO2 73 Para o Ator DESENHO 3 O gesto psicolégico DESENHO 4 76 Para o Ator DESENHO 5 O gesto psicologico 7 desejo de expressarse através de lamentacées ¢ quei- xumes (ver Desenho 6). Também neste caso, como estu dando ¢ exercitando os gestos e suas posigées finais, o ator sentira sua triplice influéncia sobre sua psicolo- sia, Recomendamos com insisténcia que tenha em mente o fato de todos os gestos e suas interpretagdes, tal como foram demonstrados, serem apenas exem. ‘0s possiveis, e ndo, em absoluto, obrigaté- u enfoque individual, quando estiver procurando gestos globais. Chamemo-lIhes Gestos Psicolégicos (doravante ci- tados como GPs), porque o objetivo deles é influen- ciar, instigar, moldar e sintonizar toda a sua vida inte~ rior com seus fins e propésitos artisticos Passamos agora ao problema de aplicar 0 GP ao trabalho profissional. Ha uma peca teatral escrita, que vocé tem diante dos olhos, com 0 papel que lhe foi destinado nela. Por enquanto é apenas uma obra literdria inanimada, E sua tarefa e dos seus companheiros de elenco trans- formé-la numa obra de arte teatral viva e cénica. Que ter de fazer para cumprir essa tarefa? Para comecar, tem que fazer uma primeira tentativa de investigagio da sua personagem, penetrar nela, a fim de saber quem é que vai interpretar no paleo, que espécie de pessoa ela é. Pode fazer isso usando sua mente analitica ou aplicando o GP. No primeirc 30, escolhe um longo e laborioso caminho, porque a mente racional, de um modo geral, nio é suficiente- mente imaginativa, é demasiado fria e abstrata para gue possa realizar um trabalho artistico, Podera faci mente enfraquecer e retardar por muito tempo sua 78 DESENHOS Para o Ator O gesto psicolégico capacidade de interpretacao. Talvez note que, quanto mais sua mente “conhece” a respeito da personagem, menos vocé esta apto a represen palco. Isso & ma lei psicolégica. Talvez. vocé saiba muito bem quais sao os sentimentos e desejos de sua pei gem, mas esse conhe , por si s6, naoo habilitaa satisfazer verdadeiramente aos inceramente os sentimentos dela no paleo. E como conhecer tudo a respeito de uma determinada ¢ ouarte, mas ignorar o fato de que essa intelig« se esta muito longe de significar proficiéncia nessa ciéncia ou arte, E claro, sua mente pode ser e seri muito util para que vocé avalie, corrija, verifique, faga aditamentos e oferega sugesties; entretanto, ela ndo fard nada disso antes que sua intuigdo se tenha afir- mado e falado plenamente. Isso nao quer dizer, em absoluto, que a razao (ouo intelecto) seja posta de a preparagio do papel, mas é uma adverténcia para que deposite nela suas esperan- as e para que, no inicio, ela seja mantida no back- ground, de modo que nao obstrua nem dificulte os vos. , se escolher um outro método, mais produtivo, se aplicar 0 GP a fim de estudar a sua personagem, recorrendo diretamente as suas forgas criativas fio se tornaré um ator “livresco” ou um que se limita ‘papaguear” seu papel mecanicamente. Mais de um ator me perguntou: “Como posso en- contrar o GP sem conhecer primeiro o carater da per- sonagem para a qual deve ser e1 do 0 GP, se 0 uso do intelecto nao é recomendado” Pelos resultados dos exercicios ater certamente que admitir que a sua si iva e visio artistic: éterd 80 Para o Ator sempre alguma idéia, pelo menos, do que é a sua personagem, mesmo nos primeiros contatos com ela, Pode ser apenas uma conjetura, um palpite, mas vocé pode confiar nele e usé-lo como trampolim para a sua primeira tentativa de construgao do GP. Pergunte a si mesmo qual poder ser 0 principal desejo da perso- nagem, e quando obtiver uma resposta, inesmo que seja tao-somente uma sugestio, comece construindo seu GP passo a passo, usando primeiroamdoe obrago apenas. Pode jogé-los para diante, agressivamente, apertar os punhos, se o desejo Ihe lembrar agarrar ou capturar (cobica, avareza, cupidez, ganancia, mesqui- nhez); ou poderd estendé-los lenta e cautelosamente, com reserva e prudéncia, se a personagem deseja ta- tear ou explorar de maneira ponderada e timida; ou podera dirigir ambas as maos e bragos para o alto, suave ¢ facilmente, com as palmas abertas, caso a sua intuigao Ihe diga que a sua personagem quer receber, implorar, suplicar com devogio; ou talvez vocé queira dirigi-las para baixo, bruscamente, com as palmas vol- tadas para o chao, os dedos retorcidos como garras, sea personagem anseia por dominar, possuir. Uma’ vez iniciado esse método, deixara de sentir qualquer difi- culdade (de fato, acontecera naturalmente) em am- pliar e ajustar seu gesto aos ombros, a0 pescogo, a posigao de sua cabeca e torso, pernas e pés, até que todo 0 seu corpo esteja assim ocupado. Trabalhando desse modo, nao tardara a descobrir se 0 seu primeiro palpite quanto ao primeiro desejo da personagem era correto ou nao. O préprio GP o conduzira a essa des- coberta, sem muita interferéncia por parte da mente racional. Em alguns casos, poder sentir a neces: dade de realizar 0 seu GP a partir de uma posigao que Ihe foi sugerida pela personagem, e nao de uma posi- O gesto psicolégico 81 cao neutra. Considere o nosso segundo GP (ver De- senho 2), onde se expressa uma completa abertura e expansao. A sua personagem pode ser introspectiva ou introvertida, e seu principal desejo poderia defi- nir-se como um impulso irresistivel para se mostrar aberta € receptiva as influéncias vindas de cima. Nesse caso vocé poderia partir de uma posigéo mais ‘ou menos fechada, em vez de neutra. Na escolha de uma posicio de partida, vocé é, evidentemente, tio livre quanto na criagdo de qualquer GP. Agora continue desenvolvendo 0 GP, corrigindo-oe melhorando-o, adicionando-the todas ‘as qualidades que encontra na personagem, levando-a lentamente até o estagio de perfeicio. Apés uma breve experién- cia, estara apto a encontrar o GP correto praticamente de imediato, e s6 tera que 0 aperfeigoar de acordo com 0 seu préprio gosto ou o do seu diretor, enquanto visaa sua versao final. Ao usar o GP como um meio de exploragao da per- sonagem, vocé faz realmente mais do que isso. Na verdade, prepara-se para interpreté-la, Elaborando, melhorando, aperfeicoando e exercitando 0 GP, a0 mesmo tempo vocé est se tornando cada vez mais a propria personagem. Sua vontade, seus sentimentos sio instigados e despertos em seu intimo, Quanto mais progredir nesse trabalho, mais o GP lhe revelaa personagem inteira em formacondensada, fazendo de océ o detentor e senhor de seu nticleo imutavel (a que aludimos no Capitulo 1). Assumir um GP significa, portanto, prepararo papel inteiro em sua esséncia, apés 0 que se tornara uma facil tarefa elaborar todos os detalhes nos ensaios rea- lizados no palco. Nao ter que vacilar ¢ tatear 0 ca- minho, como freqiientemente acontece quando o ator 82 Para o Ator comega vestindo um papel com came, sangue e ner- vos, sem ter descoberto primeiro sua coluna vertebral. O GP fomece-Ihe justamente essa coluna vertebral. E ‘o modo mais curto, mais fécil e mais artistico de trans- formar uma criagao literéria numa peca de arte cénica. ‘Até agora falei do GP como aplicvel & personagem inteira. Mas o ator pode igualmente usé-lo para qual- quer segmento do papel, para cenas ou falas separa- das, se assim o desejar, om até para frases separadas. 0 modo de o descobrir ¢ aplicar nesses casos mais bre- ves é exatamente 0 mesmo que para a personagem, toda. Se tiver quaisquer dividas sobre como reconciliar 0 GP global para o papel como um todo com GPs parti- culares, menores, para distintas cenas, a seguinte ilus- tragio serviri para esclarecer esse ponto. Imagine trés personagens diferentes: Hamlet, Fals- laff e Malvolio. Cada uma dessas personagens pode encolerizar-se, tornar-se pensativa ou comegar a rir. Mas nao fario nenhuma dessas coisas do mesmo modo, porquanto séo personagens diferentes. Suas diferencas influenciario sua célera, meditagio e riso © mesmo ocorre com GPs diferentes. Sendo uma esséncia da personagem toda, 0 GP global inflnen- ciard espontaueamente todos os GPs menores. A sen sibilidade bem desenvolvida do ator ao GP (ver 0 exercicio seguinte) mostrar-lhe-a intuitivamente que matizes devem ser elaborados em todos os GPs me- nores a fim de que condigam e se harmonizem com 0 GP maior. Quanto mais se trabalhar os GPs, mais se percebera como sio Mlexiveis, que possibilidades ili- mitadas oferecem para colori-los do modo que se qui- ser. O que pode parecer um problema insoltivel paraa mente estéril e calculista é resolvido com extrema O gesto psicolégico 83 simplicidade pela intuigio criativa e a imaginaca aueé donde promanao GP, | + mesma Por outro lado, podera usar esses GPs menores apenas enquanto precisar deles para estudar a sua cena, sua fala, ete., e depois abandon-los completa- mente. Mas 0 GP global para a personagem ficard sempre com voeé Uma outra pergunta que pode surgir no espirit lo sordasa Gaome at podgsur na etprtod minha personagem é 0 certo?” A resposta: “Sé vocé e ninguém mais”. E sua propria e livre 1 ‘iagao, através da qual a sua individualidade se expressa. Esta certa e the ae como artista. Entretanto, o diretor fem todo o direito de r alteragdes ao C) tem todo o dizeito de sugerralteragbes ao GP que 0 A tinica pergunta que o ator pode permitir-se a esse Tespeito é se executou o GP corretamente ou nao; isto é, se observou todas as condigdes necessérias para tal gesto. Investiguemos essas condigoes. Existem duas espécies de gestos, Uma que usamos tanto quando atuamos no paleo como na vida co! diana: sao os gestos naturais ¢ usuais. A outra espécie consiste no que poderiamos chamar de gestos arque- tipicos, aqueles que servem como modelo original para todos os gestos possiveis da mesma espécie, O GP pertence a este segundo tipo. Os gestos cotidianos sio incapazes de instigar a nossa vontade porque sio excessivamente limitados, fracos demais e particula- Hizados. Nao ocupam todo 0 nosso corpo, psicologia ¢ alma, ao passo que 0 GP, como arquétipo, apossa-se deles inteiramente. (Vocé se preparou para fazer ges- tos arquetipicos no Exercicio 1, quand aprendeu a executar movimentos largos e amplos, usando o mé- ximo de espago a sua volta.) 84 Para o Ator O GP deve ser forte, a fim de poder estimular aumentar a nossa forga de vontade, mas nunca deve ser produzido por meio de desnecessaria tenséo mus- cular (@ qual enfraquece 0 movimento, em vez de aumentar-lhe a forca). E claro, se o GP é de natureza violenta, como 0 escolhido para 0 nosso primeiro exemplo (ver Desenho 1), entio nao se pode evitar 0 uso do vigor muscular; mas até mesmo nesse caso a verdadeira forga do gesto é mais psicolégica do que fisica. Pense-se numa mie carinhosa apertando seu bebé contra o seio com toda a veeméncia do amor materno e, no entanto, com os miisculos quase com- pletamente descontraidos. Se vocé exercitou ade- quada e suficientemente os movimentos de molda- gem, flutuagéo, véo e irradiagdo (ver Capitulo 1), sa- bera que a verdadeira forca nada tem a ver com o excesso de tensio de seus misculos. Nos nossos dois iiltimos exemplos (5 e 6), supuse- mos que as personagens eram mais ou menos fracas, Porconseguinte, pode suscitar-se a pergunta sobre se, #0 apresentar-se uma personagem fraca, 0 proprio gesto ndo deve também perder sua forca. A resposta & nao, em absoluto. O GP deve Permanecer sempre forte, € a fraqueza deve ser encarada somente como sua qualidade. Assim, o vigor psicolégico do GP Pouco sofreré, seja ele apresentado com brandura, ternura, afeto, amor ou mesmo com qualidades como preguica ou cansago, combinadas com fraqueza. Além disso, é 0 ator, e nao a personagem, que produz um GP forte, e é a personagem, e nao o ator, que é indolente, cansada ou fraca, Ademais, 0 GP deve ser tao simples quanto possi- vel, porque a sua tarefa consiste em resumir a intrin- cada psicologia de uma personagem de forma facil- O gesto psicolégico 85 mente verificével, em comprimi-a na sua esséncia. Um GP complicado nao tem possibilidade alguma de © fazer. Um verdadeiro GP assemelha-se aos largos tragos a carvao na tela de um artista, antes deste come- gar a elaborar os detalhes. E, repetimos, 0 esqueleto em tomo do qual sera edificada toda a complicada construgiio arquitetural da personagem. O GP deve ainda ter uma forma muito clara e defi- ida. Qualquer imprecisao nele existente deve provar a0 ator que ainda nao € na esséncia, no cerne da psicologiada personagem que ele esta trabalhando. (O senso de forma, como recordardo, estava implicito no exercicio sobre movimentos de modelagem, flu- tuagio e outros, Capitulo 1.) Muito depende também do ritmo em que se exer- cita o GP, uma vez que este tenha sido encontrado, Todas as pessoas empregam na vida diferentes ritmos Isso depende principalmente do temperamento e do destino de cada um, Pode-se dizer o mesmo das per- sonagens de uma pega. O ritmo geral em que a perso- nagem vive depende largamente da interpretagdo ae o ator Ihe dé, Comparem-se os Desenhos 2 e 3. Vocé reconhece sente como o ritmo de vida é muito mais répido no primeiro? O mesmo GP realizado em ritmos diferentes pode ter mudadas suas qualidades, sua forga de vontade e sua suscetibilidade a diferentes nuangas. Tome qual- quer dos nossos exemplos de GP e tente produzi-los, primeiro em ritmos lentos, depois em ritmos répidos, Estude o gesto do primeiro desenho, por exemplo: reduzido 0 seu ritmo, ele evoca em nossa imaginagio uma personagem ditatorial, um tanto obstinada, sagaz, refletida, capaz de planejar e de conspirar e, de certo modo, paciente e autocontrolada; acelere o ritmo e a 86 Para o Ator personagem torna-se um caréter cruel, implacivel. criminosa, de uma vontade sem freios, ineapaz de qualquer conduta racional. Muitas transformagées por que pode passar uma personagem no decorrer da pega sao freqiientemente suscetiveis de expressar-se mediante uma simples mudanga de ritmo no mesmo GP que foi encontrado para 0 papel. (O problema de ritmo no palco sera discutido mais adiante em maior detalhe.) Tendo atingido o limite fisico do GP, quando 0 seu corpo é incapaz de amplid-lo mais, vocé devera ainda continuar a tentar por algum tempo (10 a 15 segun- dos), ultrapassando as fronteiras do seu corpo me- diante a irradiagdo de sua energia e qualidades na direcio indicada pelo GP. Essa irradiagao fortalecera imensamente a verdadeira forga psicoldgica do gesto, habilitando-a a produzir maior influéncia sobre a vida interior. ‘As poucas condigées precedentes siio aquelas que devem ser observadas a fim de se criar um correto G ‘Agora a sua tarefa sera desenvolver uma fina sensi bilidade para o gesto que executa. EXERCICIO 16: Adote como ilustragio 0 GP de ui Ensaie 0 gesto e a frase de vontade comes Depois, comece fazendo peg a posicio de O gesto psicolégico 87 MRS DESENHO7 88 Para o Ator Realize uma nova alteragio. Desta vez, dobre Jevemente o seu joelho direito, transferindo o peso do corpo para perma esquerda, ‘OGP poderé agora adquirir um matiz de rendncia, de capitulagao. 108 até o rosto e a qualidade de remtincia pode tornar-se eras nuangas de inevitabilidade e solidéo igue a cabeca para tris e feche os olhos: surgirio as qualidades desofrimento eempenho da palavra. Volte as palmas para fora: autodefesa. Incline a cabeca para um lad autocomiseragdo, Dobre os trés dedos do meio de cada mio poderd ocorrer uma leve sugestiio de humor. Com cada altera diga a mesma frase de modo que se harmonize com ela, Recorde-se de que estes exemplos também sio apenas algumas das possiveis experiéncias que o GP pode trazer-nos & mente: de fato, sua gama pode ser’ pretar todos os gestos wudlanca em seu gesto desenvolverd em voce Continue este exercicio até que seu corpo todo —a posigio de sua cabeca, ombros, pescoga, os movimentos de seus braces, aos, dedos, cotovelos, torso, pernas, pés, a diregio de seu olhat —desperte em voce reagies psicologicamente correspondentes. Escolha qualquer GP, exercite-o por algum tempo em ritmo into e depois aumente-o gradaticamente, até atingiro ritmo mais » possivel. Procure viveneiar a reagio psicolégica que cada ritmo suscita em vocé (poderé usar, como ponto de partida, os exemplos sugeridos), Para eada grau de ritmo encontre uma nova frase adequada e diga-a enquanto executa 0 seu gesto, Este exercicio sobre sensibilidade também aumentari conside- ravelmente o senso de harmonia entre seu corpo, psicologia fala, Desenvolvido em alto grau, voc’ deve estar apto a dizer ‘Sinto meu corpo e minha fala como continuagio direta de minha psicologia Sinto-s como partes visivels e audivels de minha vac cance eat nection Geveerret seu papel, declamando suas falas, fazendo gestos simples e natu ais, o GPesta, de algum modo, sempre presente no mais recondito de seu espirito, Ajuda-o e orienta-o como um diretor, amigo € guia ivel, que nunca deixa de o inspirar quando vocé mais neces: sita de inspiragao, Preserve a sua criagio numa forma condensada O gesto psicolégico 89 rida vida interior que voce P the propicia maior express Js econdmica e discreta que seja a sua atuagi ser sequer necessirio mencionar que 0 préprio GP nunca deve ser mostrado ao piblico, assizn como nio se espera ‘que um arquiteto mostre ao piblico os andaimes de seu edificio, em vez da obra-prima coneluida, Um GP é a armagio de seu papel e deve permanecer como um “segredo” técnica.) Se vocé se exercitar em grupo, faga improvisagies curtas, usando diferentes GPs para cada um dos participantes Além dos exercicios iniciados com 0 Desenho recomenda-se 0 seguinte Escolha uma frase curta e diga-a, adotando diferen- tes posigdes naturais ou fazendo distintos movimen- tos cotidianos (ndo-GPs). Podem consistir em sentar se, deitar-se, pér-se de pé, caminhar pela sala, encos- tar-se a uma parede, olhar por uma janela, abrir ou fechar uma porta, entrar ou sair de uma sala, apanhar um objeto e voltara colocé-lo onde estava, e assim por diante. Cada movimento ou posigio corporal, invo cando um certo estado psicolégico, sugerirlhe-& como dizer a sua frase, com que intensidade, qua dade e em que ritmo, Mude suas posigdes e movimen- tos, mas diga a mesma frase de tard em vocé 0 senso de logiae fala. Agora, tendo desenvolvido suficiente sensibili- dade, tente criar uma série de GPs para diferentes personagens, observando todas as condigées previa- mente descritas: arquétipo, vigor, simplicidade, etc No comego, escolha personagens de pegas teatrais, da literatura e da hist6ria; depois, descubra GPs para pessoas vivas que conheca bem; em seguida, para Pessoas que encontrou acidental e brevemente nas la vez, Isso aumen- urmonia entre corpo, psico- 90 Para o Ator Tuas. Finalmente, crie algumas personagens em sua imaginagao e encontre GPs para elas. Como passo seguinte deste exercicio, escolha uma personagem de uma pega que vocé nunea viu ou na qual nunca atuou. Encontre e desenvolva um GP para ela. Absorva-a completamente e entio procure ensaiar uma'cena muito curta da pega com base nesse GP. (Se possivel, faca-o com parceiros.) Cabe dizer aqui algumas palavras finais a respeito do ritmo. A nossa concepgao usual de ritmo no palco nao faz nenhuma distingdo entre as variedades interior e ex- terior. O ritmo interior pode ser definido como uma rapida ou lenta mudanga de pensamentos, imagens, sentimentos, impulsos volitivos, etc. O ritmo exterior expressa-se em agdes e falas répidas ou lentas. Ritmos interiores e exteriores contrastantes podem apresen- tar-se simultaneamente no paleo. Por exemplo, uma pessoa pode esperar algo ou alguém impaciente- mente; as imagens em sua mente desenrolam-se em rapida sucesso, pensamentos e desejos acendem-se- lhe no espirito, perseguindo-se uns aos outros, expul- sando-se mutuamente, aparecendo e desaparecendo; sua vontade é excitada ao maximo; e, no entanto, ao mesmo tempo, a pessoa pode controlar-se de modo que seu comportamento exterior, seus movimentos ¢ fala permanecam calmos ¢ em ritmo lento. Um ritmo lento exterior pode desenvolver-se concorrentemente com um ritmo interior lento e vice-versa. O efeito de dois ritmos contrastantes desenvolvendo-se simulta- neamente no palco produz inevitavelmente uma forte impressio no pablico. Nao se deve confundir ritmo lento com passividade on falta de energia no préprio ator. Seja qual for 0 O gesto psicoldgico 91 ritmo lento que vocé use no paleo, o seu eu como artista deve ser sempre ativo. Por outro lado, o ritmo rapido de sua performance nao deve converter-se em pressa bvia nem numa desnecessaria tensio psicol6 gica e fisica. Um corpo flexivel, bem treinado obe- diente e uma boa técnica declamatéria ajudam o ator a evitar esse erro e possibilitam a corregao e 0 uso si- multaneo de dois ritmos contrastantes. EXERCICIO 17: Faga uma série de improvisagées com ritmos interior eexterior contrastantes. Por exemplo: um grande hotel & noite. Mogos, com movimentos ripidos, eficientes, habituais,retiram bagagens dos elevadores, Separami-nas e carregam-nas até os automéveis que as aguardam e devem apressar-se para pegar o trem noturno. Oritmoexterior dos, mogos & ripido, mas eles sio indiferentes & excitagio dos héspe des que estio liquidando suas contas para sai. O ritmo interior ddos mogos é lento, Os héspedes que saem, pelo contrétio, ten~ fando conservar uma calma exterior, estao intimamente excitados, eceando perder 0 trem; 0 ritmo exterior deles é lento, mas © interior &répid Para mais exereicios sobre ritmos interiores eexteriores, podem serusados 05 exemplos contidos no Capitulo 12. Leia pecas teatrais com 0 propésito de tentar identificar dife- rentesrltmos em distintas combinagies Resumo sobre o Gesto Psicologico: 1.0 GP estimula a nossa forca de vontade, dithe uma diregio definida, desperta sentimentos ¢ ofere- ce-nos uma versio condensada da personagem. 2. O GP deve ser arquetipico, forte, simples e bem formado; deve irradiar e ser desempenhado no ritmo correto 3, Desenvolva a sensibilidade ao GP. 4. Saiba distinguir entre ritmos interiores e exterio- res. Capitulo 6 Personagem e caracterizacao Transformagio— els aquilo porque ‘anseia a natureza do ator,consciente ou subconsctentemente Consideremos agora o problema da criagio da Perso- nagem. \io existem papéis que possam ser considerados os chamados papéis “convencionais”, ou papéis em que oator mostra sempre ao piblicoo mesmo “tipo” —ele préprio, tal como é na vida privada. Ha muitas razdes ara as lamentaveis concepgécs crréncas sobre a ‘verdadeira arte dramética”, mas nao temos por que insistir nelas aqui. E suficiente sublinhar o tragico fato de que o teatro, como tal, nunca crescera nem se desenvolverd se a essa destrutiva atitude “sou eu mesmo” —jé profundamente enraizada —for consen- tido que prospere. Toda e qualquer arte serve ao pro- pésito de descobrir € revelar novos horizontes de vida e novas facetas nos seres humanos. Um ator nao pode dar ao seu piblico novas revelagdes se apenas se mos- tar invariavelmente ele mesmo no palco. Como ava- liar um autor teatral que em todas as suas pecas se imatizasse a si mesmo, persistentemente, como 0 protagonista, ou um pintor que s6 fosse capaz de criar auto-retratos ? Assim como nunca encontraremos duas pessoas precisamente iguais na vida, também nunca se encon- 94 Para o Ator trard dois papéis idénticos em pecas teatrais. Aquilo que constitui is diferengas faz deles personagens. E-serd um bom ponto de partida para um ator, a fim de aprender a idéia inicial acerca da personagem que ira interpretar no palco, perguntar a si mesmo: “Qui adiferenca —por mais sutil ou ligeira que essa dife- renca possa ser —entre mim e a personagem tal como foi descrita pelo autor?” ‘Assim fazendo, 0 ator nao s6 perderé 0 desejo de pintar o seu “auto-retrato” repetidamente, mas desco- briré as principais caracteristicas psicolégicas da sua personagem. Depois 0 ator defronta-se com a necessidade de incorporar essas caracteristicas que estabelecem a di- ferenga entre si mesmo ¢ a personagem. Como abor- dar essa tarefa? A abordagem mais curta, mais artistica (e divertida) consiste em encontrar um corpo imagindriv pura a sua personagem. Imagine, como caso ilustrativo, que voce tem que interpretar 0 papel de uma pessoa cujo carter é definido como indolente e desastrado (tanto psicolégica quanto fisicamente). Essas qu dades nao devem ser necessariamente pronunciadas ou enfaticamente expressas, como talvez na comédia, Poderao mostrar-se como meras indicagdes quase im- perceptiveis. E, no entanto, existem tragos tipicos de cariter que nao devem ser menosprezados. Assim que delinear essas caracteristicas e qualida- des do seu papel — ou seja, compard-las com as suas préprias —, tente imaginar que espécie de corpo essa pessoa preguicosa e inepta teria. Talvez vocé ache que ela poderia ter um corpo rechonchudo e atarr cado, com ombros deseaidos, pescogo grosso, long bracos pendentes e uma cabeca grande e maciga. Esse Personagem e caracterizagao 95 corpo, € claro, esté muito distante do seu préprio Entretanto, vocé deve parecer-se com ele e proceder como ele procede. Como trataré de efetuar uma ver- dadeira semelhanca? Assim: Vocé imaginard que no mesmo espaco que ocupa com seu proprio corpo real existe um outro corpo —0 corpo imagindrio de sua personagem, que voce aca- bou de criar em sua mente Vista-se, por assim dizer, com esse corpo; ponha-o como se fosse um trajo. Qual sera o resultado dessa “mascarada”? Pouco depois (ow talvez num abrir e se ea pen- sar-se como uma outra pessoa. Essa experiéncia muito semelhante a de uma verdadeira mascarada. Vocé jé notou, na vida cotidiana, como se sente dife- rente com roupas diferentes? Nao 6 uma outra pessoa quando veste um roupao ou um smoking ; quando esta dentro de um terno velho e puido ou de um novinho em folha? Mas “vestir 0 corpo de outrem” 6 mais do que qualquer traje ou costume. Essa adogao da forma fisica imaginaria da personagem influencia dez vezes mais fortemente a psicologia do ator do que qualquer roupa! O corpo imaginério situa-se, por assim dizer, entre 0 corpo real e a psicologia do ator, influenciando com igual forca um e outra. Passo a passo, comega a movi- mentar-se, a falar e a sentir de acordo com ele, dizer, a sua personagem vive agora dentro de vo! se prefere, vocé habita dentro dela). O vigor com que vocé expressa as qualidades de seu corpo imaginario enquanto atua dependera do tipo de pega e de seu prdprio gosto e desejo. Mas, em qual- quer caso, todo o seu ser, psicoldgica e fisicamente, sera mudado —eu nao hesitaria até em dizer possutdo 96 Para o Ator — pela personagem, Quando realmente assumido e exercitado, o corpo imaginario estimula a vontade e os sentimentos do ator; harmoniza-os com a fala e os movimentos caracteristicos, transforma o ator numa outra pessoa! Discutir meramente a personagem, ana- lisé-la mentalmente nao pode produzir esse desejado efeito, porque a mente racional, por muito agil que seja, é suscetivel de deixar 0 ator frio e passivo, a0 passo que o corpo imaginario tem o poder de recorrer diretamente a sua vontade e sentimentos. Considere a criagao e adogao de uma personagem como uma espécie de jogo simples e répido. “Jogue” com 0 corpo imagindrio, mudando-o e aperfeigoan- do-0.alé estar completamente satisfeito com sua reali- zagéo. Vocé nunca deixar de ganhar nesse jogo, a menos que a sua impaciéncia apresse 0 resultado; a sua natureza artistica no pode deixar de ser empol- gada por ele se nao o forcar, “interpretando” prematu- ramente 0 seu corpo imaginério. Aprenda a confiar nele com total confianga e nao sera traido. Nao exagere exteriormente, enfatizando, insistindo ¢ exagerando aquelas inspiragGes sutis que Ihe che- gam do seu “novo corpo”. E sé quando comegar a sentir-se absolutamente livre, verdadeiro e natural no uso dele é que deverd comegar a ensaiar a sua perso- nagem com suas falas e situagdes, seja em casa, seja no paleo. Em alguns casos, acharé suficiente usar apenas uma parte de seu corpo imaginario: bragos longos e pen- dentes, por exemplo, poderao subitamente mudar toda a’sua psicologia e dar ao seu proprio corpo a necessaria estatura. Mas cuide sempre que todo 0 seu ser se transforme na personagem que deve retratar. 0 efeito do corpo imaginario sera fortalecido e ad- Personagem e caracterizagao 97 quiriré muitos matizes inesperados se the for adicio- nado 0 centro imaginario (ver Capitulo 1). Enquanto o centro permanece no meio de seu peito {faga de conta que esté algumas polegadas para dentro), vocé sentiré que ainda é vocé mesmo e esta no absoluto controle da situagio, s6 que mais enérgica e harmoniosamente, com o seu corpo aproximando-se de um tipo “ideal”, Mas, assim que tenta mudar 0 centro para algum outro lugar, dentro ou fora de seu corpo, sentiré que toda a sua atitude psicoldgica e fisica muda, tal como muda quando vocé entra num. corpo imagindrio. Notara que o centro é capaz de atrair © concentrar todo 0 seu ser num lugar donde sua atividade emana e irradia, Se, para ilustrar este ponto, resolvesse mudar 0 centro do seu peito para acabeca, perceberia que o elemento intelectual comegou de- sempenhando um papel caracteristico em sua per- formance. Do seu lugar na cabega, 0 centro imagina- coordenard sibita ou gradualmente todos os seus movimentos, influenciara toda a atitude corporal, mo- tivard 0 seu comportamento, aco ¢ fala e sintonizaré sua psicologia de tal modo que voeé tera naturalmente asensagao de que o elemento intelectual é adequado e importante para o seu desempenho, Mas, onde quer que vocé escolha colocar 0 centro, cle produziré um efeito inteiramente diferente assim gue sua qualidade for mudada. Nao ¢ suficiente colo- cé-lo na cabeca, por exemplo, e deixé-lo ai para que faca seu proprio trabalho. Vocé’ devera estimuli-lo ainda mais, investindo-o com varias qualidades dese- jadas. Para um homem sabio, digamos, vocé deve imaginar 0 centro em sua cabeca como grande, bri- Ihante ¢ irradiante, a0 passo que, para um tipo esti- pido, fanatico ou intolerante de pessoa, imaginaria um a

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