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PENELOPE FAZER E DESFAZER A HISTORIA PUBLICAGAO QUADRIMESTRAL — N? 9/10 + 1993 DIRECTOR A.M. HESPANHA REDACCAO, Atvaro Ferreira da Silva (Fe-un.); Amélia Aguiar Andrade (Fcst-uxi); Antonio Costa Pinto (ceHce- -iscTe); Ant6nio M. Hespanha (Ics); Bernardo Vasconcelos e Sousa (rest-unt); Carlos Fabio (Fut); Fernando Rosas (Fcsi-unt); Helder A. Fonseca (ue); José Manuel Sobral (ics); Lufs Krus (rost- unt); Lufs Ramathosa Guerreiro; Mafalda Soares da Cunha (ue); Maria Alexandre Lousada (Fu); Nuno Gongalo Monteiro (ics); Nuno Severiano Teixeira (ue/ucr); Rui Ramos (ics); Valentim Alexandre (ics); Vitor Serréo (ruc); Secretério da Redaccéo: Joao Carlos Cardoso Propriedade do titulo: Cooperativa Penélope. Fazer e Desfazer a Historia Subsidios Redacc&o da J.N.I.C.T. @ S.E.C. Os originais recebidos, mesmo quando solicitados, nao serao devolvides. Na capa: «Monarchia de Espaiia», Dialogo Hamado Phelippino, ms. éa Biblioteca do Escorial. © Epicoes Cosmos © Cooperativa Penélope Reservados todos os direitos de acordo com a legislagao em vigor Capa Fotolitos: Joerma - Antes Grificas, Ld® Impressao: Litografia Amorim Impressao e acabamentos: Eicdes Cosmos } edigio: Fevereiro de 1993 Depésito Legal: 49152/91 ISSN: 0871-7486 Difusio Distribuigao Livraria Arco-fris Epicoes Cosmos Ay. Jélio Dinis, 6-A Lojas 23 € 30 —P 1000 Lisboa Rua da Emenda, 111-12 — 1200 Lisboa Telefones: 795 51 40 (6 linhas) ‘Telefones: 342 20 50 + 346 82 O1 Fax: (1) 796 97 13 + Telex 62393 versus-P Fax: (1) 796 97 13 A «Restauracao» Portuguesa nos Capitulos das Cortes de Lisboa de 1641 Anténio Manuel Hespanha ICS da Universidade de Lisboa 1. A Historiografia da Restauracio O balanco critico da historiografia da «Restaura¢do» esté hoje feito, com suficiente detalhe. Jorge Borges de Macedo! e, depois, Luis Reis Torgal’ mostraram como os contextos politicos da sua produgdo passaram sobre os seus resultados. Varios destes contextos, embora por razes diversas, promoveram os factores expli- cativos nacionalistas. No século passado, a reacgio anti-iberista, de que é tributdria a obra de Rebelo da Silva, acentuou a carga anticastelhana da revolta. O romantismo historiogr4fico sublinhou o seu cardcter popular, no que também estava em con- sondncia com o fundo ideoldgico e republicanism, tendente a desvalorizar, face a0 cardcter colectivo do movimento, 0 relevo da ac¢dio do «centro», que girava em torno da figura do primeiro dos Braganga. O pathos nacionalista dos anos 40 do nosso século — quando se comemoraram, num registo de exaltago nacional, os centend- rios da Fundag’io e da Restauracdo de Portugal (1940) — vincou ainda estes ingredientes, embora os estudos’ ento feitos sobre 0 pensamento politico «da Res- tauragdo» (que, na verdade, tinha um Ambito muito mais vasto, coincidindo afinal com 0 pensamento italo-hispano-portugués da Contra-Reforma) tenham destacado 0 modo como a justificago mais profunda do movimento se vinculava a temas poli- ticos muito menos conjunturais € apontava para oposigdes que no se situavam no plano dos sentimentos «nacionais» mas antes na contraposigdo entre paradigmas opostos quanto aos fins, organizagiio e exercicio do poder. As préprias fontes (sobretudo as fontes «literdrias», com que a maior parte desses autores tinha lidado) favoreciam esta perspectiva. De facto, a Restauragao foi ‘a ocasifio da mais imponente empresa de atracg’io da opiniao publica, nacional e internacional, de todo o século XVII portugués. Combateu-se, de facto, tanto com as armas como com as letras, e, nos primeiros anos, mesmo mais com estas do que com as primeiras. A historiografia, a literatura politica ¢ juridica, as gazetas, os panfletos e «cartazes», a orat6ria sagrada, tudo isso foi posto ao servigo da propaganda da causa portuguesa, Por outro lado, estes circulos intelectuais que escreviam eram tam- bém aqueles em que uma consciéncia protonacional (e proto-estadual) estava, porventura, mais avangada. 29 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HISTORIA Nos anos 60 — na sequéncia de um artigo ja anterior de Jaime Cortestio* —, Eduardo d'Oliveira Franca’, Joel Serrio‘ e, sobretudo, Vitorino Magalhaes Godinho’ polarizam a questo noutro plano, em torno das transformagGes, ocorridas entre 1580 e 1640, nos espagos econdmicos, nomeadamente do comércio ultramarino, 0 que teria provocado reequilibrios de diferentes grupos sociais ¢ dos respectivos interesses na unidio com Espanha. Em vez de um grande actor colectivo — 0 «povo portugués», dominado por um sentimento também geral, a «consciéncia nacional» — surgem actores, também colectivos, é certo, mas prosseguindo estratégias particulares e de perfil varidvel, em fungo, nomeadamente, das conjunturas relativas aos comércios asidtico e americano, as fontes de abastecimento e aos circuitos de diferentes meios de pagamento internacional e A sua popularidade relativa nos diferentes mercados do Extremo Oriente. Um passo suplementar na dilucidagdo deste campo variado e conflitual de interesses, em torno da Unido e da Restauragio, foi dado por Luis Reis Torgal" e, sobretudo, por Fernando Bouza Alvarez’. Mas, agora, do campo de observacio pas- sam a fazer parte também outros estratos, nomeadamente a Igreja e a nobreza (e, dentro destes, subgrupos e fracgdes, como os jesuitas, os «populares», os letrados, etc.) com interesses préprios, eventualmente contraditérios, e, sobretudo, dificil- mente redutiveis a um interesse «nacional», tanto mais que, ao sabor das conjuntu- ras, entre 1580 ¢ 1640, se inclinaram quer no sentido da Unitio — de um certo modelo constitucional da «unitio» — quer no da Restauragio. Ao mesmo tempo, Antdnio de Oliveira prosseguia nos estudos sobre as revoltas locais dos anos 30 do século XVII, que classifica globalmente como antifiscais, «traduzindo ao mesmo tempo uma luta contra os poderes que as suscitaram pelas suas opressGes e humilhages, as suas violéncias ¢ a sua insoléncia»'®. O caracter muito matizado dos trabalhos de Anténio de Oliveira — onde um profundo conhe- cimento da época e das fontes permite detectar pontos de ruptura entre os diversos grupos sociais e politicos — e da sua atengdo, sobretudo nos seus tiltimos trabalhos, a problematica das fracgdes e dos grupos, nem sempre afastou de todo um conceito por vezes demasiado agregado de «fiscalidade» que poderd ter obscurecido o facto de, mesmo a este propésito, haver interesses contraditérios, acontecendo frequente- mente que uns, para salvar os seus cabedais, alvitravam medidas alternativas que iam ofender os interesses de outros''. E, com isto, algo se tera reforgado no sentido de atribuir ao movimento de 1640 uma forte componente popular”. De qualquer modo, os trabalhos de Anténio de Oliveira, ao integrar a contestagao antifiscal do periodo olivarista na das épocas anteriores e, sobretudo, seguintes, contribufam seguramente para a critica das perspectivas «nacionalistas» na interpretagio de 1640. A mesma ideia de diversificagio e de conflitualidade interna da sociedade portuguesa no periodo da Restaura¢ao encontra-se no panorama histérico que abre a investigagao de Jodo Marques sobre a parenética’?. Na sua explicacdo de 1640 interpenetram-se os motivos fiscais, as reacgGes fomentadas pelos eclesidsticos, a Politica regalista de Olivares, as dificuldades, sentidas sobretudo pela nobreza de 30 Estupos servico, em obter mercés dada a auséncia do rei, o declinio do comércio atlantico, provocado pelo bloqueio dos inimigos da Espanha e pela interdig’io de comerciar com os paises do Norte (cf. pp. 30/31). Ao insistir na importancia do pilpito na empresa da Restaura¢o, 0 autor nao faz outra coisa sendo mostrar como, embora explorando um fundo anticastelhano que j4 vinha muito de tras, o patriotismo Precisou de ser bastante estimulado, com base, sobretudo, na mobilizagao de uma meméria histérica que estava longe de ser patriménio de todos. Sem este estimulo 0 projecto secessionista poderia ter-se ficado por um tradicional projecto de reforma do governo nos quadros da dinastia reinante; projecto que, de resto, foi, até muito tarde, a estratégia predominante dos «populares», até porque muitos grupos diri- gentes (desde a nobreza e oficialato aos financeiros) continuavam a ter interesses bem ancorados na unido com Espanha (cf. p. 31). Foi justamente nesta questio do «bom governo» —- entendido como manu- teng4o da constituic¢do tradicional do reino — que insisti no meu artigo sobre a reacedio portuguesa A politica de Olivares'*. Com isto procurei revalorizar uma ideia j4 antiga — destacada jé pelos historiadores do pensamento politico da Restauracio dos anos 40 — de que o cimento que uniu os diferentes grupos sociais foi a referéncia A «tirania», entendida como a violagdo da justiga e dos privilégios estabelecidos, ponto em que, por diversas raz6es, todos estavam de acordo. Tratava-se de um conceito formal, a que cada grupo dava um contetido préprio; que nao podia nem visava compatibilizar interesses, irremediavelmente contraditérios numa sociedade corporativa; que nem sequer destacava sobremaneira um «interesse geral», pois este, nos quadros deste paradigma de governo, no era mais do que a melhor sintese dos interesses particulares estabelecidos. Este mote de um governo passivo e baseado na «quietagiio» era, além disso, a antitese perfeita do modelo «activo», «reformista», «politico», do conde-duque; que ameagava nao apenas os foros dos reinos € as competéncias dos Orgios e oficiais estabelecidos mas também os dessas «reptblicas» de que, no dizer de Jofio Pinto Ribeiro, os reinos se compunham, Em trabalho anterior procurei mostrar como, de facto, 0 sistema politico portugués da época se coadunava a esta imagem de um reino que era, de facto, uma constelago de poderes. Se isto for verdade, se 0 centro for tio pouco activo e se as periferias viverem tio sobre si como procurei demonstrar, isso hd-de transparecer nas reacgdes dos bragos do reino nas cortes da Restauragaio. Nao apenas no facto de as propostas politicas haverem de ter como principal ponto de encontro um governo «habitual», fundado no respeito dos privilégios do reino e dos corpos e nos direitos dos particulares, mas ainda no de visarem, antes de tudo, questdes particulares, sem consubstanciarem estratégias politicas globais. E isso que iremos tentar ver. 2. As Cortes de 1641. Os Factos. As cortes de 1641 foram convocadas logo apés 0 levantamento do novo rei, em Dezembro de 1641, para 20 de Janeiro seguinte, em Lisboa. A 28 do mesmo més tém 31 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HISTORIA a sua sesso inaugural, em que, depois de uma oragao de D. Manuel da Cunha, bispo de Elvas, se procede ao juramento do rei. No dia seguinte, na primeira sessdo de trabalho, o mesmo prelado faz 0 discurso de proposig4o das cortes: anuncia 0 levan- tamento dos impostos lancados pelos reis de Espanha; pondera a insuficiéncia do patrim6nio real e da fazenda da coroa para as necessidades da guerra e apela para a contribuigdo dos stibditos. Responde-lhe, como era tradicional, um dos procuradores por Lisboa, Francisco Rebello Homem, que se congratula com a generosidade do rei promete o auxilio preciso. A primeira reuniao dos estados (separados) tem lugar no dia 30.01.1641. Os estados separam-se, entao, para elaborar os seus capitulos e assentar na contribuigdo para a guerra'®. Segundo o conde da Ericeira, «depois de algumas con- feréncias, que de uma parte a outra se comunicavam, manejando os trinta da nobreza, que sempre se costumam eleger, facilmente todas as matérias», se chegou a acordo. Assentou-se na contribui¢do para a guerra (1 800 000 crz. por trés anos, soma logo elevada para 2 000 000 crz.), na forma de a realizar (as décimas gerais sobre todas as fazendas, exceptuadas as eclesidsticas, tendo o clero oferecido um subsidio voluntério) e na criagio de uma Junta dos Trés Estados — integrada, desde logo, pelo conde da Vidigueira, por D. Ant6nio de Alcagova ¢ pelo bispo de Targa, secretariado por Afonso de Barros Caminha — encarregada de a administrar"’. Um dos tiltimos actos das cortes, provavelmente da autoria de Sebastiaio César de Meneses, secretario do brago da nobreza, ¢ assinado a 5 de Marco pelos procuradores dos trés estados, € 0 «assento» em que se justifica doutrinalmente o levantamento do novo rei'*. A constituigio das cortes era a tradicional, em trés bracos. O brago do clero era constitufdo pelos arcebispos e bispos'®. O brago da nobreza era integrado pelos duques”, marqueses”', condes”, conselheiros”, senhores de terras e alcaides mores™. Dos que estavam em Lisboa, pois uma boa parte da alta nobreza portuguesa encontrava-se em Madrid’. No entanto, a lista dos definidores € bastante mais reduzida™*. O braco popular congregava as cerca de 90 terras (cidades, vilas e simples concelhos) que integravam 0 conjunto, muito estével desde os finais do século XV, das terras com voto em cortes (V. Anexo 1). E util notar, porque isso ter importancia na avaliag30 do peso dos problemas trazidos a cortes pelas terras do reino, que, nesse conjunto, 0 Alentejo (e, nomea- damente, o Alentejo raiano) — ou seja, aquilo que iria ser o principal teatro da guer- ra — tinha um peso proporcionalmente muito elevado. Cerca de 1/3 das terras com assento em cortes pertenciam, de facto, a esta zona raiana, cujas comarcas (Portale- gre, Vila Vicosa, Elvas, Aviz, Evora, Beja e Tavira) apenas representavam bastante menos de 10% do conjunto das terras do reino. Mas esta afirmacdo vale, em geral, para as terras de fronteira (terreste ou maritima). Esto presentes em cortes mais oito importantes terras de fronteira beird e quatro da transmontana; quatro pragas da fronteira minhota; e, quanto ao litoral previsivelmente mais exposto, ést4o presentes cinco destacadas terras do litoral algarvio e quatro da costa ao norte do Douro. No 32 Estupos conjunto, mais de metade das terras representadas em cortes— que, em todo 0 caso, Tepresentavam pouco mais de 5% dos concelhos do reino — estava particularmente envolvida no contexto bélico que a Restauragao iria abrir (V. Mapa no Apéndice II), Ou seja, vistas as coisas por este prisma, a representacdio do brago popular nas cortes constitufa uma poderosa caixa de ressondncia das preocupagGes dos povos que, neste plano das relag6es com Espanha e nesta conjuntura de uma guerra com 0 reino vizinho, seriam afectadas directamente, nao apenas como parte do reino mas sobretudo no seu tecido humano, social e econémico proprio. A leigfio de definidores, sobre quem impendia, afinal, a redac¢o dos capitulos gerais, modifica substancialmente esse equilibrio, pois daf resulta que, para além dos procuradores das terras do primeiro banco, se escolhem definidores que representam as comarcas e as principais ouvidorias do reino (das ordens militares e das casas ducais de Braganga e Aveiro)”. 3. Problematica Constitucional (remissive) As cortes de 1641 foram j4 objecto de estudo, na perspectiva da histéria constitucional. Enquanto uns as viram como exemplares modelos institucionais de representacio orginica do reino, destacando a sua eficécia na defesa das «liber- dades» tradicionais, outros encaram-nas como manifestagdes proto-parlamentares embrides de democracia. Do ponto de vista da histéria constitucional, o tratamento tradicional revela-se, frequentemente, anacrénico, fortemente embebido nas polémicas constitucionais dos séculos XIX e XX. Ou vendo nas cortes de 1641 (€ na literatura teérica que as prepara € as acompanha) a mais clara manifestagao «parlamentarista» da histéria do Antigo Regime, ou procurando torn4-las num exemplo, também exemplar de uma «monarquia orginica», em que a representagao do reino adquire todo o vigor sem que, para isso, tenha que adoptar as formas demo-parlamentares da nossa época. Por outro lado, quer numa quer na outra perspectiva — os ingredientes nacionalistas so, a meu ver, hipervalorizados. Por razées ideolégicas — das quais realgo as contaminag6es «nacionalistas» da hist6ria da «Restauracdio», a que ja alu- di — mas também por razées metodoldgicas. De facto, a atengiio dos historiadores tem sido atrafda pelos vistosos textos do «assento» (e da sua glosa, na obra de Francisco Valasco de Gouveia) ¢ de alguns dos mais notariamente «constitucionais» capitulos gerais, mas tem desprezado a maior parte dos restantes capitulos, nomea- damente do quase milhar de capftulos particulares das cerca de 90 terras presentes em cortes, como tem deixado de relacionar este capitulo com a mais imediata tradi- ¢40 anterior dos pedidos dos povos, nomeadamente a das cortes de 1619. Num estudo anterior, procurei j4 situar 0 significado constitucional das cortes no contexto doutrinal que lhes é proprio e que, de resto, era complexo. A isso nio voltarei agora’, limitando-me a retomar aqui a conclusio de ento de que o revi- goramento das cortes logo apés a Restauragao se articula segundo dois eixos. Sendo © primeiro o da reafirmagio das atribuig6es fiscais das cortes que, tendo sido 33 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HisTORIA ilegitimamente usurpadas durante a unido dindstica, agora no podiam deixar de obter 0 mais pontual respeito, E 0 segundo, o da antiga problematica da represen- taciio do reino, agora ainda reforcada pela ideia de que, no caso de tirania e de deposigao do tirano, As cortes compete escolher (ou, pelo menos, aclamar) um novo rei, Representacio, porém, de novo na antiga acep¢do «atomista» (ou «participa- tiva») do conjunto de todos os bragos e de todas as terras com voto em cortes, em unio com o rei, recompondo a anterior ideia de um «corpo mistico» da repiblica, visibilizado na reunido das cortes com o seu rei, dos membros com a cabega”. O Principal tedrico da Restauragao, Francisco Valasco de Gouveia®, adopta antigas formulagées, que realgam de novo a natureza participativa das cortes: «Assi vemos que no ajuntamento de cortes a cidades, e vilas, que nelas tem voto, fazem com 0 mesmo Rei um corpo em nome dos povos, que representam, conforme 0 que escreve Ramirez, De lege regia, n° 25 e 26. Esta unido e parentesco significa aquela corres- pondéncia, reciprocidade do juramento que os Reis fazem aos estados, e os estados aos Reis»*!. Daqui que 0 reino apareca como um conjunto atomistico de pequenas tepiiblicas: «Todas estas Republicas particulares (as cidades, vilas e con-celhos com voto em cortes) concorrem juntas para que representando-se nos trés estados do Reino, acima 0 apontamos, fizessem uma Republica. Desta Republica maior, e universal, deram ao Principe 0 governo, ¢ senhorio, para que Ihes administrasse justiga e os regesse em paz, e concordia (...)» (54-55). Como ento disse, este auge das cortes ndo representa, fundamentalmente, uma vaga de «parlamentarismo», mas antes uma vaga, mais geral e com outras incidén- cias, de constitucionalismo. Pois, como dissemos noutro lado", a Restauragiio constitui um movimento de revolta contra um novo estilo e revolta contra um novo estilo de governar — introduzido sobretudo, durante 0 governo de Olivares — e que se concretizou, em Portugal como em todos os outros reinos de Espanha (Castela incluida), por uma politica reformista que nao podia deixar de atentar contra as constituigées dos reinos, A Restauracdo é, assim, mais do que uma restauracdo dindstica ou nacional, uma restauracdo constitucional, sob 0 signo do paradigma tradicional de uma sociedade politica particularista em que o bem comum nijo tem um alcance muito mais eminente do que a harmonizacio dos bens particulares, no respeito das miltiplas autonomias politicas coexistentes no reino, e em que o «interesse geral», se j4 obtém alguma tradugdo auténoma, disputa ainda duramente, em todo o caso, a primazia sobre os interesses particulares, que frequentemente acabam por triunfar. A leitura integral dos capftulos de cortes torna tudo isto, como €speramos mostrar, muito claro. 4. Os Capitulos Gerais. Os capitulos gerais das cortes de 1641 estdo publicados e foram j4 objecto de alguma andlise™, que frequentemente se tém limitado a uma enumeragiio, as vezes nao excessivamente elaborada, dos temas a que respeitam. H4 em todo 0 caso algo mais a dizer a este propésito. Por um lado, uma andlise tematica mais reflectida pode 34 Estupos dar resultados suplementares. Por outro, os temas destes capitulos podem ser rela- cionados com os das cortes de 1619. Por fim, 0 confronto entre a tematica dos capitulos gerais (sobretudo dos povos) e a dos particulares também pode esclarecer até que ponto os primeiros (e, logo, as «recomendagées» das cortes) reflectem as preocupagées — nao diremos do «pais real», porque isso suporia uma representati- vidade do conjunto dos procuradores dos concelhos que est4 muito longe de poder ser comprovada — mas, pelo menos, dos enviados das terras. ‘Comecemos pelo primeiro ponto. E de destacar, desde logo, o mimero reduzido de capitulos que tratam das maté- rias a que hoje chamariamos «nacionalistas» ou «constitucionais». Podemos, € certo, dizer que elas tinham sido abordadas no «assento» e que, nessa medida, estavam esgotadas, pouco mais havendo a acrescentar. Mas 0 «assento», que se elabora ape- nas no encerramento das cortes, no pode explicar 0 siléncio dos capitulos que, nessa estavam feitos. De facto, os estados pouco se ocupam destas matérias. No registo «naciona- lista» pedem que se declare por lei que nenhum nao natural possa herdar a coroa do reino ou, pelo menos, que, sendo admitido a suceder na coroa, tenha que residir em Portugal e deixar este reino, apartadamente, ao seu filho segundo. Tal como pedem que se tomem medidas que inibam os direitos sucessérios provenientes de casamen- tos de membros da casa real com estrangeiros. E que estas leis se incorporem nas Ordenagées*. «Naturalidade» e «presenga» aparecem aqui como as primeiras garantias desse amor e dessa intimidade entre senhor e vassalos que estava na base do bom governo. Esta tecla — que hoje lemos, de bom grado, sob um registo «nacio- nalista» — ainda volta a ser tocada a propésito do «principio do indigenato» (para utilizarmos uma expresso entio usual na doutrina do direito) na atribuigao de mercés, de oficios, de bens da coroa e de beneficios eclesidsticos. Também aqui a reivindicagdo vinha de tras, pelo menos das mercés nelas outorgadas por Filipe le das cortes de 1581°*e; fora renovada, a propésito das violagdes cometidas, nas cortes de 1619". E agora, sem sentido aparente e quase como que por inércia, volta a ser insistentemente formulada, como se 0 rei no fosse portugués e nao tivesse cortado todas as amarras com os circulos estrangeiros a quem se temia que fossem distri- buidas as benesses a cujo monopélio os portugueses aspiravam. Assim, pede-se que a presidéncia dos tribunais, os oficios e os beneficios no se provejam em estrangeiros (cap. 98 dos povos), que os beneficios eclesidsticos nem lhes sejam dados nem neles se ponham pensées a seu favor (cap. 2 do clero e 32 da nobreza); que os bens da coroa apenas se déem a naturais (caps. 22 do clero ¢ 11 da nobreza); — como também ja fora pedido em 1619 (cap. 9 do clero), em face de subterfiigios utilizados para defraudar 0 «estatuto» de Tomar — que os estrangeiros ndo fossem naturalizados (cap. 32 da nobreza). Num registo «constitucionalista», clero e nobreza insistem num tépico «pactis- ta» que j4 vinha de trds, das cortes de 1581 (caps. 3 dos povos, 1 da nobreza e 1 do clero) e, sobretudo, das de 1619 (caps. 2 do clero, 3 dos povos e 49 da nobreza); que 35 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HisTORIA os reis jurem, antes de ser levantados, guardar os foros e privilégios do reino (caps. 1 do clero e 35 da nobreza); mas 0 povo vai mais longe e pede, sem tirar nem pér, que rei portugués jure as «mercés» concedidas nas cortes de Tomar de 1581... pelo tei espanhol (cap. 82 dos povos). E, na sequéncia, pede que se reformem, «como pede a conveniéncia ¢ a razdo de Estado», as Ordenagoes (cap. 83 dos povos). O contexto da Restauracio estava ainda presente noutros pontos dos capitulos. Na questo da guerra, naturalmente. A ela se referem intimeros capitulos, sobretudo da nobreza e dos povos, ja que o clero (significativamente) apenas insiste na defesa das conquistas. Os povos pedem que as autoridades da fronteira sejam de confianca (caps. 89 e 97); que haja coudelarias para as necessidades da guerra (cap. 96: também 0 pede a nobreza, no cap. 7); que haja artilheiros nas fortalezas (cap. 54). A nobreza pede que as tergas se apliquem ao seu destino, 0 reparo dos muros e fortificagdes, e que tenham administracaio separada (como acontecera com 0 conso- lado e como aconteceré com as décimas) (caps. 3 e 4); que se fabriquem armas do reino (cap. 8); que os corregedores mantenham um rol da gente de guerra, de pé e a cavalo, e das armas (caps. 9 ¢ 10). Na guerra ¢ no mar — que agora deveria passar a ser menos crucial — continua a pedir-se 0 que nas cortes passadas jé se pedia: que haja uma armada e galés para a defesa da costa (cap. 5 da nobreza) ¢ que a renda do consulado, do anil e dos direitos do pescado se gaste nessa armada e volte a ter administragdo separada (caps. 29 dos povos, 6 da nobreza e 17 do clero). Com a guerra se relacionava ainda a questiio do subsidio aprovado pelas cortes, em relagao ao qual os povos pedem — decerto lembrando o que acontecera com as sisas, contra as quais continuam a protestar sem éxito™, ou, mais moderadamente, com as pretensdes olivaristas da «renda fixa»*” — que o tributo agora concedido nao fique como exemplo para outros (cap. 107 dos povos). Mas também em questdes econdmicas. Tratava-se, sobretudo, do problema de abastecimento em cereais, em que Portugal era deficitario, ¢ para a resolugao do qual © trigo castelhano constituia um importante factor de equilibrio. Jé em 1580 esta questo era significativa, a ela se ligando a questiio da aboli¢ao dos portos secos® e 0 projecto de navegaciio do Tejo, do Toledo a Lisboa"; e, agora, volta a pér-se agu- damente, como o demonstram largamente os capitulos especiais e como 0 reco- nhecem, em geral, os povos, ao pedir a liberalizagdio da importagiio de trigo das ilhas ¢ do ultramar (cap. 55 dos povos). Mas tratava-se também do clissico problema da pentria em metais nobres e, correspondentemente, do acesso A prata mexicana. Enquanto os povos se limitam a pedir que se profba a fundigao ou safda de moeda (cap. 48), a nobreza aponta como causa da pentiria nao apenas as crises de fluxo de ouro da Mina, mas também a separagiio de Castela (cap. 13). E, paradoxalmente, Propée 0 incremento do comércio com todas as nagées, incluindo Castela, pois daf vir «ouro e prata e outras mercadorias» (cap. 12). De resto, apenas mais uma referéncia explicita A Restauragdio: 0 pedido de per- dio ¢ «restituicao» dos fidalgos e titulares que se encontravam em Madrid aquando da Restauragao (caps. 27 do clero ¢ 30 da nobreza). 36 Estupos No conjunto dos cerca de 170 capitulos gerais nao se pode dizer que a proble- matica da Restauragiio tenha obtido uma expresso quantitativa dominante ou, sequer, significativa. Mesmo nos capitulos gerais, nestes capitulos que abordam os interesses mais colectivos, elaborados numa corte que vivia a um més de uma ruptura dramitica, os problemas mais presentes nao so estes, mas OS problemas classicos do poder numa sociedade tradicional de antigo regime. Dos capitulos gerais resulta, acima de tudo, 0 desejo do regresso a um governo «quicto» e «habitual», que mantenha a translaticia constituigdo da sociedade, que salvaguarde os foros e liberdades de cada estado tradicional ¢ os direitos dos parti- culares, que atalhe as inovagGes ¢ repristine as antigas formas de vida, que impega que uns grupos cresgam sobre os outros, distorcendo equilfbrios estabelecidos. No centro deste programa politico esté, naturalmente, a justi¢a, garantia da estabilidade dos reinos*, causa da sua conservaciio ou perdigio (caps. 14 da nobreza e 87 dos povos). Mas esto também quest6es como a da alteragao dos equilfbrios sociais tradicionais por aquilo que se cria ser um aumento desproporcionado do poder da Igreja e dos eclesidsticos ou a «invasiio» dos cristdos-novos. A centralidade da justiga assim, entendida, explica o elevado numero € capitulos que the stio dedicados, sobretudo pelos povos (17 capitulos) mas também pela nobreza (cinco capitulos)". Mais, proporcionalmente, do que nas cortes de 1581 e, sobretudo, nas de 1619. Surge a questo da lentiddio do curso das causas (caps. 20 da nobreza e 86 dos povos), dos abusos dos salirios e propinas (caps. 38 dos povos € 17 da nobreza), do clientelismo (cap. 68 dos povos) e, principalmente, insindica- bilidade dos letrados e, em geral, do mundo judicidrio (caps. 15 da nobreza e 92 dos povos). A este propésito, de novo, a reclamagio de sindicdncias rigorosas aos tribu- nais, juizes € oficiais de justica (caps. 19, 20, 30 ¢ 60 dos povos), retomando-se as propostas, feitas nas cortes de 1581 (caps. 5 do clero, 18 e 21 da nobreza e 21 dos povos) e de 1619 (cap. 36 da nobreza)“ de que elas se fagam, de trés em trés anos, por niio letrados (caps. 19, 20, 30 ¢ 60 dos povos)**; tal como de redugiio do niimero dos letrados e do rigor nas suas promogGes (cap. 15 da nobreza). Mas, mais radical- mente, a proposta de que se fechem todas as faculdades ¢ universidades do reino, com excepcdio da de Coimbra, por cinco anos € que o dinheiro que ai se gasta seja dedicado a guerra (cap. 80 dos povos)**. Relacionada com a anterior, outra questéio quente — a dos conflitos de juris- digo. Principalmente com as justicas eclesidsticas, tanto do ordindrio (caps. 23 do clero, 21 da nobreza e 5, 14 e 84 dos povos) como das religides (cap. 14 dos povos) ¢ das ordens militares (cap. 81 dos povos)”. Mas também como as de outros privilegiados, antes de todos, os contratadores das rendas reais. Pega-chave na poli- tica fiscal dos Austrias“ — sobretudo nos anos de aperto financeiro das décadas de 20 e de 30 —, os rendeiros, contratadores ou assentistas, tinham visto multiplicar os privilégios jurisdicionais inclufdos nos seus contratos, que iam desde o privilégio do foro até privilégios processuais na cobranga dos seus créditos. O tema suscita, por- tanto, um outro importantissimo nucleo de capitulos, tanto gerais como particulares, 37 PENELOPE - Fazer E DESFAZER A HISTORIA que — como 0 rei nao deixa de lembrar nas suas respostas (dadas bastante mais tarde) — levaram a extingdo das conservatérias dos contratadores por uma medida legislativa de D. Joo IV (D. 20.4.1641; res. 26.6.1641 (e, depois, lei VI das cortes, de 28.4.1647). Os povos reclamam contra intimeros absurdos dos contratadores (caps. 93 a 95) mas, sobretudo, denunciam o facto de eles se acolherem aos seus privilégios jurisdicionais para escapar a justi¢a (cap. 21 dos povos), € os seus conser- vadores prorrogarem indefinidamente a sua jurisdicfio a matérias em que niio tinham Privilégios de foro (cap. 22), de nao darem recurso ou de o darem para juizes também especiais (caps. 23 e 24), de comprarem créditos para os fazer executar mais facil e expeditamente, nos termos dos seus privilégios contratuais (cap. 37 dos povos). O clero e a nobreza acompanham os pedidos (caps. 19 do clero e 18 da nobreza), embora num tom mais moderado, porque, ainda que se tratasse de classes em geral no tributadas, sofriam também os efeitos dos privilégios jurisdicionais dados aos assentistas. A ideia de que a igreja estava a ponto de se assenhoriar do reino vinha a desen- volver-se, pelo menos desde as cortes de 1581. Ja af se pede que se limitem os dotes das professas e que os mosteiros sejam obrigados, nos termos das Ordenagdes (Ord. Man., II, 8), a vender os bens de raiz que recebam, pois, doutro modo, o patriménio temporal se consumiria em breve (cap. 15 da nobreza). Nas cortes de 1619, a questo do aumento das rendas ¢ bens de raiz dos mosteiros é tratada em nada menos do que em cinco capitulos dos povos (caps. 31 a 35) e um da nobreza (cap. 27). Mas tanto anobreza como o proprio estado eclesidstico mostram-se mais sensiveis aos aspectos nao patrimoniais deste crescimento, pedindo antes que nado fundem novos mosteiros € que se taxe 0 ntimero de ingressos de cada um (cap. 27 da nobreza e 20 do clero). Na década de 20, a coroa aproveita-se deste sentimento antiamortizador para fazer pressio sobre a igreja — de quem pretendia obter recursos fiscais —, ameagando com a aplicagao estrita das leis que a impediam de adquirir bens iméveis (Ord. Fil., II, 18). Em 1641, os capftulos gerais manifestam preocupagées pelo crescimento tanto pessoal como patrimonial do estado eclesidstico. Os povos e a nobreza pedem que se tomem previdéncias para «que os Prelados nao ordenem tantos clerigos inca- pazes de o serem, & que na guerra poderio servir, & a aproveitar com 0 credito que para 0 estado Eclesidstico nao grangedo» (cap. 99 dos povos) e que, para evitar que se admitam mais religiosos do que aqueles que as rendas dos conventos podem manter®, se fixe um mimero certo ¢ conveniente de ingressos em cada religidio (cap. 100 dos povos e 34 da nobreza); e, quanto a amortizacao de bens de raiz nas igrejas € conventos, 0s povos apresentam dois capitulos semelhantes aos de 1619, pedindo a moderaciio dos dotes das freiras e a proibigdo de as instituig6es eclesidsticas rece- berem herangas, tanto por sucessdes legitimas como testamentdria (caps. 7 e 8 dos povos). Diferente é, naturalmente, a posi¢do do clero, que — no pondo em causa a vigéncia das leis de desamortizagio contidas nas Ordenagdes, mas recordando ainda a dura luta travada com Filipe III a esse propésito — pede que nio se insista numa sua aplicacao muito escrupulosa, que abrange as dotacées de capelas ou as 38 Estupos deixas para missas de sufragio das almas, antes se tomando nisto uma «justa deter- Minacdo com maduro conselho, pera que nem as Igrejas fiquem offendidas, nem a Regalia de V. Mag. se perca no que for licito, & justo» (cap. 24 do clero, a que corresponde, quase ipsis verbis, o cap. 22 da nobreza). Um outro sentimento de ruptura da boa ordem da comunidade era o da progres- siva infiltragdo dos crist4os-novos nas familias «limpas» do reino e nos cargos da reptiblica. Esta sensagdo j4 vinha de trés, tendo estado presente nos capitulos das cortes de 1581, onde tanto os povos como a nobreza pedem que 0s cristos-novos néio tenham acesso aos cargos de justica e fazenda nem aos governos das cidades e vilas (cf. caps. 17 da nobreza e 13 dos povos), sem contudo obterem do rei resposta Satis-fatoria®'. A questo ganha, porém, uma dimensio muito superior nas cortes de 1619, onde se pede a expulsiio dos cristZios-novos (caps. 37 do clero e 30 da nobreza°); a proibi¢dio do seu acesso aos lugares de letras, de ministros da justica, de advogados, de médicos e de boticérios (caps. 38 do clero, 38 da nobreza e 52 a 54 dos povos); de contratados (cap. 40 do clero) ou, em geral, a quaisquer lugares da Tepublica (caps. 38 do clero, 38 da nobreza e 52 a 54 dos povo: proibigaio de seguirem estu-dos universitérios ou de ocuparem quaisquer posigdes de destaque (cap. 53 dos povos); a interdigio de passarem As conquistas (cap. 41 do clero); a condenacio dos que casarem com cristdos-novos (cap. 43 do clero e 33 da nobreza™); para além de se insinuar que a prépria Nunciatura e as relagdes com a ctiria romana estavam domi-nadas por gente de nacio (caps. 27 e 42 do clero, 25 dos povos). Em 1641, os sentimentos antijudaicos expressos nos capitulos gerais atenuam- -se um pouco. Jé nao se pede a sua expulsiio. Mas continua a pedir-se o cumprimento rigoroso das normas que Ihes vedam 0 acesso aos cargos da reptiblica (caps. 21 do clero, 25 e 59 dos povos), ao estado ecl tico (cap. 99 dos povos), aos beneficios eclesidsticos (cap. 17 dos povos), as religides (cap. 6 dos povos), aos habitos das ordens (caps. 25 do clero e 59 dos povos). Note-se, apenas, este sentimento antiju- daico € menos visivel nos capitulos da nobreza, que apenas insiste em que sejam inabilitados para foros de fidalgo e para comendas os fidalgos que casem com cristds-novas (cap. 31 da nobreza); mas que, em contrapartida, pede que seja conser- vada e protegida a mais que suspeita «praca dos homens de negécio» de Lisboa, «para que, fazendo-lhe os favores quer forem justos, torne ao estado de menos de quarenta anos a esta parte, em que nelle havia mais de concoenta milhdes de ouro, com que se enriquecido as Alfandegas, & se achavio nellas promptos os socorros necessarios» (cap. 12 da nobreza). Um e outro destes dois capitulos podem iniciar dois aspectos de uma possivel situagao do grupo nobilidirquico com voz nas cortes na conjuntura da Restaurag’io —- envidado, sofrendo, nas suas tencas e juros, da gravis- sima situagao das rendas em que eles estavam «situados», tentando por dotes sedu- tores oferecidos pelo grupo cristio-novo portugués que, com a quebra genovesa de 1627 e com a protec¢4io de Olivares, vira crescer indubitavelmente o seu peso poli- tico e econdémico, mesmo no centro na Monarquia Catélica. Relacionada com a questio judaica est4 a animosidade das cortes em relagdo aos estudos; chegando a propor-se 0 encerramento das escolas e universidades, que 39 PENELOPE - Fazer & DesFAZER A HisTORIA ndo fossem a de Coimbra (cap. 80 dos povos). A medida — que, agora, aparente- mente se aplicaria apenas a Evora — nfo visava apenas os letrados juristas mas também os estudantes em geral. Nas cortes de 1619 a questiio dos estudos — que fora objecto de uma consulta no governo do marqués de Castelo Rodrigo e de uma devassa no periodo filipino — fora abordada pelos povos (cap. 27) ¢ pela nobreza (cap. 28), que j4 se queixavam de que, dada a atracgdo suscitada pelos estudos, havia letrados desocupados e clérigos mendigando, enquanto faltavam oficiais e gente de guerra. Pelo que pediam o fecho de todas as escolas de latim, salvo Coimbra e Evora, apenas admitindo nestas pessoas nobres, com exclusao de gente de nagiio, de meca- nicos e dos criados dos estudantes. Esta tiltima referéncia aos cristdios-novos, que se repete frequentemente em relagio a varias profissdes letradas, nomeadamente aos médicos e boticarios, remete para um imagindrio da época, associando os letrados e 0s seus saberes herméticos a uma vasta conjura da gente de nagdo contra os cristios- -velhos. Dai que se procurasse impedir 0 acesso de cristdos-novos aos estudos, as escrivaninhas e oficios de justica, aos lugares de médico, cirurgifio e boticario (cap. 38 € 39 do clero de 1619*; caps. 52 a 54 dos povos de 1619; cap. 38 da nobreza de 1619; cap. 43 dos povos de 1641); que se obrigasse a que estes tiltimos receitassem em verndculo (cap. 42 dos povos de 1641); e que se obrigasse as cimaras a contribuir para a formacao universitéria de médicos cristdos-velhos (cf. cap. 55 dos povos de 1619 € CRs. 27.11.1613, 8.12.1621, 20.10.1632 e 24.8.1633), o que nem sempre era bem aceite (cf. caps. de Alter do Chao, Montermor-o-Novo, Borba, Olivenga, Nisa, Mourio, Torre de Moncorvo, Santarém e Penamacor, das cortes de 1641). De resto, nestes capitulos gerais, temas mais de detalhe, relacionados com reformas da administragio local* ou central®, com a disciplina eclesidstica”, com o regime dos bens da coroa*, com a defesa das conquistas (caps. 17 do clero e 29 da nobreza), com 0 luxo (caps. 56 a 58 dos povos). Perante a riqueza destes temas de politica interna ¢ a énfase neles posta, bem como perante as continuidades tematicas verificadas entre as cortes filipinas e estas primeiras brigantinas, mais se apouca o relevo da temitica restauracionista. Resta, agora, ver como se apresentam as coisas, quando confrontados os capitulos especiais. 5. Os Capitulos Especiais. Como se pode verificar pelo Apéndice I, conservam-se os capitulos especiais da generalidade das terras chamadas a cortes (cerca de 90%), num total de cerca de 900 capitulos. Neste conjunto, os capitulos que invocam a conjuntura politica global da Res- tauragdo so surpreendentemente poucos. Uma tinica terra — a Guarda (nos capitulos especiais dos seus mesteres) — manifesta a sua congratulagio com o levantamento de D. Jodo IV como rei, a0 mesmo tempo que lhe recomenda que se faca guardar bem, que reprima os inimigos € faca lei sobre a sucesso no trono de tal modo que nenhum estrangeiro possa voltar 40 Estupos a herd4-la®. Castelo Branco também apresenta um capitulo sobre a lei de sucessio da coroa, pedindo a exclusao de infantas que casem com estrangeiros, acrescentando ‘outro em que pede que, mesmo que haja guerras e batalhas, o rei njo v4 a elas. Coimbra e Evora limitam-se a pedir que o rei as honre com a sua presenca®. Guimaraes pede a substituic¢do do corregedor, que nao tinha acudido a cidade aquando do levantamento do novo rei, pelo juiz de fora; e Leiria requer a substi- tuigdio do governador do bispado, confidente do antigo bispo que fugira para Castela e era motivo de escAndalo, por outra pessoa®. Em contrapartida, os procuradores de Tavira pedem que se perdoe aos que esto em Castela e se Ihes permita que voltem em paz. O rei, porém, indefere este excesso de generosidade, decerto motivado por relages de parentesco ou amizade com os homiziados. ‘Algumas terras lembram opresses do periodo filipino e justificam os seus pedidos invocando que as situagSes que querem alterar se devem a inovagées fili- pinas. Lamego pede que os oficios que foram tirados aos seus proprietirios e vendi- dos em Castela sejam restitufdos e declarada nula a sua venda no tempo dos reis de Castela. A resposta real € desconcertante, mas absolutamente tipica: nao se pode deferir 0 pedido, em geral, por dele resultar prejuizo de terceiros®. Freixo de Espada & Cinta também invoca, a propdsito de umas pretens6es relativas ao regime de certos Oficiais da terra, que pretendia voltar ao estado anterior 4s mudangas operadas no tempo do «rei de Castela». Mas isso nao the dé direito a respostas mais entusidsticas do que a de que, num caso, hd que ouvir o corregedor para se saber da justificagaio do que pedem ou, no outro, de que se defere o pedido conforme as Ordenagées”. O mesmo faz a Covilha, ao pretender anular uma determinagio filipina e que 0 juiz dos 6rfios (e nao o vereador mais velho) substitufsse 0 juiz de fora. E 0 rei, de novo, acha que «ndio convém alterar»®, Grandola, por sua vez, pede que se restaure 0 pagamento a quem mate lobos, como acontecia «antes de D. Filipe». Mas o rei, ainda aqui, louva-se na decisao do seu antecessor, ¢ no defere™. Loulé, por fim, pede que certa quinta do termo volte a ser couto de cavalos e nao se semeie, como mandaram os areis de Castela»; 0 rei, serenamente, manda que, seguindo as vias ordindrias, 0 provedor da comarca informe 0 Desembargo do Pago”. Em contrapartida, Moura pede que se confirme a lei do «rei de Castela» segundo a qual todos devem pagar as coimas igualmente. O rei, neste caso, opta pela manuteng¢iio dos privilégios, que diz serem tio poucos que nao valia a pena alterar a situag’o”'. A Restaurag’o pode ainda ser sentida como 0 momento azado para resolver velhas querelas. Moura, que sustentava uma antiga «contenda» sobre certas terras com os castelhanos da raia, pergunta ao rei se ndio poderao, agora que ha guerra, dar rédea solta as suas pretenses ou se, pelo contrario, deverio continuar a respeitar a conc6rdia do tempo de D. Manuel. Com alivio, recebem do rei a resposta de que, havendo guerra, podem defender os seus direitos como hes for possivel... E claro que outros procuradores mostram estar conscientes de que algo mudou no reino e de que isso se reflecte na vida das terras. Desde logo, nos tributos. E, de facto, longa a lista de terras que pedem que «se tirem os tributos». Em alguns casos, trata-se de tributos que nada tém a ver com a 41 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HISTORIA dominacio filipina, como os antigos «direitos lendérios» e lutuosas, a que se refere Guimaraes. Ou as portagens, cujo levantamento é pedido por Arraiolos, Borba e Grandola. Ou as nunca bem aceites sisas, de que algumas terras (Vieiros, Lagos, Viana do Alentejo, Freixo de Espada 4 Cinta, Monsanto, Monforte, Tavira, Grando- la) pretendem-se eximir, a varios titulos (nomeadamente o de estarem na fronteira). Outros, porém, tinham uma clara marca de novidade filipina. Era 0 que se passava com os «tributos levantados novamente» do quarto de cabegdio das sisas, do real d'4gua e das meias anatas, de que falam capitulos de Guimaries, Castelo Branco, Lamego, Pombal, Borba, Viana do Alentejo, Albufeira, Loulé, Abrantes, Penamacor ou Pinhel; ou com 0 novo imposto sobre o sal, cujo levantamento € pedido por Alcdcer do Sal e Castro Marim. Outras terras pedem que, em geral, se aliviem os impostos (Arraiolos, Covilha), que tributos ou imposigées perpétuas se nao possam Dér sendio em cortes gerais (Viseu) e que para eles contribuam todos em geral, no excepcionando nem 0 clero (Porto) nem a nobreza (Castelo Branco)”, No entanto, sente-se que a Restauragaio pode ser também uma fonte de novos problemas. Um deles € 0 problema do abastecimento cerealifero, j4 abordado em capttulos gerais, mas que é também levantado por algumas terras. Monforte pede que 6s lavradores com mais fazenda contribuam para um celeiro comum, porque falta o trigo que vem de Castela”, Portel requer (sem éxito) que a um depésito de trigo se apliquem as rendas dos baldios™. Aproximadamente o mesmo pede Tavira’’. A Covi- 1h, por sua vez, quer que se obriguem os lavradores a semear as terras de piio, 0 que © rei, porém, entende nao poder ser feito senio seguindo as vias ordindrias, por provisiio do Desembargo do Paco’. Enquanto, no Norte, Viana do Lima e Vila do Conde pedem a liberagio de direitos de todo o pao que entre pela barra, privilégio de que, de resto, a primeira j4 usara temporariamente. O rei Prorroga temporaria- -mente 0 privilégio de Viana, mas ndo 0 concede de novo a Vila do Conde”, Outro, € 0 problema da guerra que se adivinha. As terras da raia ou das suas imediagdes, quase sem excepgiio, sentem-no bem e pedem, mais ou menos dramaticamente, a construgiio, ou reparo, das fortifi ‘icagdes € 0 envio de armas. E 0 caso de Valenga, Vila Nova de Cerveira, Freixo de Espada a Cinta, Trancoso, Guarda (capitulo dos mesteres), Covilha, Castelo Branco, Mon- santo, Penamacor, Arronches, Alter do Chao, Monforte, Arraiolos, Elvas, Olivenga, Mourio, Evora, Veiros, Moura, Castro Marim, Loulé e Tavira. O mesmo pedem algumas terras da costa norte, como Vila do Conde; ¢ outras, amuralhadas, do interior, como Barcelos, Vila Real, Lamego, Pombal, Santarém e Grindola. Mas Guimaraes, Trancoso, Castelo Branco, Monsanto acham que, antes de mais, se devem aplicar as tergas a este fim, o que acaba por constar, como vimos, de capitulos gerais. J4 Freixo de Espada a Cinta, Castelo Branco, Monsanto e Moura pedem isen- ¢40 ou alivio nos tributos, por serem terras de fronteira. E terras da costa, como Mon¢io ¢ Tavira, insistem na organizagio de uma armada de costa”, no que siio acompanhadas, como vimos, por capitulos gerais. Outras terras da raia pedem que se fomente a sua Povoagao, nomeadamente dando privilégios de infangdo, tengas e moradias aos vizinhos ou estabelecendo 42 Estupbos coutos de homiziados. E 0 caso de Caminha, Freixo de Espada 4 Cinta, Monsanto, Castelo Branco, Castelo de Vide, Moura e Olivenga. Esta ultima terra pede, além disso, que os donos das fazendas tomadas pelos castelhanos possam ser compensados pelas dos castelhanos existentes em Portugal. Tratava-se de um principio de direito, © das represdlias; mas, apesar disso, 0 rei nio defere. Como também pede, no seu exaustivo «plano de crise», que os seus vizinhos (bem como os de outros lugares de fronteira) que sejam foreiros no sejam obrigados a pagar foros enquanto durar a guerra; ainda aqui, o rei remete para o direito geral”. Finalmente, a questdo das coudelarias, necessdrias & criagio de cavalos de sela e tiro, mas opressivas para os povos. Pede-as Castelo Branco. Arraiolos aceita-as, desde que também as haja nas terras do ducado de Braganca. Mas Monforte pede que se tirem®. Realmente, a propria percepgdio da guerra era mutdvel. Era naturalmente aguda nas terras da raia, que eram forgadas a mobilizar-se para ela e que entendiam ser cre- doras da solidariedade da coroa ¢ do reino, Mas atenuava-se muito nas terras do inte- rior que, pelo contrario, procuravam evitar que 0 peso da guerra hes caisse em cima. Assim, Leiria pede que o rei néo mande tomar homens para a guerra no seu termo, pois seriam precisos para 0 corte e fabrica da madeira que ia para a ribeira das Naus; ¢ 0 rei promete ter lembranga disso. Braga requer, em nome de um alegado contrato celebrado entre os reis ¢ os arcebispos, que nao haja presidios de soldados na cidade, 0 mesmo requerendo Almada; em ambos os casos, sem éxito. Atouguia da Baleia procura que 0 ordenado do sargento-mor seja repartido com outras terras da comarca, ao passo que Veiros pede que o lugar se extinga de todo em todo na comarca de Aviz. Porto de Més, que jd tentara eximir-se do regime da criagdo de cavalos, pede também que o capitiio-mor de Ourém nao se intrometa nas questées da capitania mor do seu porto™'. E, sobre a Restaurag4o, € tudo quanto se encontra. Em suma, ligeirissimas expresses de um sentimento global da mudanga politica fundamental; alguns pro- testos antifiscais, de variada natureza, e que nao configuram, de modo algum, uma vaga de fundo contra os novos tributos; uma aguda sensagao de perigo militar iminente nas terras de fronteira. No resto, os capitulos ocupam-se de problemas de variadissima natureza, a que voltaremos. Esta pronunciada insensibilidade 4 mudanga, manifestada pelos capitulos especiais de cortes, corrobora e amplia ainda uma sensacdo que ja tinhamos expres- sado a propésito dos capitulos gerais e que destoa profundamente da visio tradicio- nal da Restauragiio, como «levantamento nacional». Poder-se-4 dizer que, tendo sido tratadas as questées de alta politica, quer no «assento» das cortes quer nos capitulos gerais, nao se justificaria j4 apresent4-las nos capitulos particulares. Isto pressuporia, no entanto, que a elaboracdio destes tenha tido em conta quer a existéncia do «assento» quer 0 «teor» dos capitulos gerais. E, ainda que 0 estado actual dos conhecimentos apenas permita datar rigorosamente 0 Uiltimo, subscrito no termo das cortes, parece quase impossivel que isso se tenha 43 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HISTORIA verificado. Cremos que, na generalidade dos concelhos, as cAmaras se limitaram a eleger os procuradores sem que os tenham instrufdo precisa e formalmente sobre 0 contetido dos capftulos particulares a apresentar. Ou seja, os procuradores nao os traziam das terras, prontos ¢ acabados; mas t&io-pouco € provavel que os tenham ela- borado no fim da aprovagdo dos capitulos gerais: primeiro, porque os que nio ficaram como definidores voltaram As suas terras antes da aprovagao destes; depois, porque, tanto quanto sabemos, aprovados os capitulos gerais e 0 «assento», as cortes foram logo dissolvidas. De resto, muitos dos capitulos particulares poem questées que vieram a ser tratadas e resolvidas em geral. O caso mais tipico €, por ventura, 0 dos capitulos que pediam o levantamento dos novos impostos, o qual fora anun- ciado logo no inicio das cortes por D. Manuel da Cunha. Dir-se-4 também que, tal como na corte, se vivia ainda na incerteza do desfecho final da sucessdo e que, nessas condi¢ées, era prudente no arriscar o futuro em manifestagdes muito exuberantes de jibilo, de ruptura radical ou de entusiasmo belicista; que, de resto, a coroa parecia nao incentivar demasiadamente. Como também se poder dizer que, a dois meses do levantamento, ainda nao tinha produ- zido efeito a intensa campanha de sensibilizacio que ser4 posta em marcha, nomeadamente através dos sermGes, a favor da sucessio e do novo rei*?. Mas isto mesmo prova que a imagem e uma explosiio espontiinea e generalizada, a todo o pais € a todos os estratos populacionais, de fervor restauracionista, deve ser problemati- zada®, O que, sobretudo, € preciso notar — para avaliar devidamente o significado destes capitulos — é que as fontes que usamos neste trabalho valem 0 que valem. Nomeadamente porque se sabe que os procuradores as cortes, tal como os governos das cfimaras, eram, pelo menos nas terras grandes e médias (que siio as que, nesta altura, tém voto em cortes), monopolizadas por um ntimero muito restrito de privi- legiados, decorados com a ordem da nobreza; cujo estatuto se distinguia, em pontos fundamentais, do estatuto do povo mitido. Gozavam de isengdes fiscais (embora geralmente referidas apenas aos impostos mais tradicionais). Embora sujeitos a sisa (e, por isso, aos aumentos dos quartos do cabeg’o™ decididos no periodo filipino e aos «reais»", hem como As segundas sisas ou imposig6es"), controlavam directa ou indirectamente a repartigdo do cabe¢ao, tal como o faziam com a das fintas; que, por isso mesmo, fontes da época nos dizem recairem integralmente sobre os pequenos. Nao escapavam, porém, ao imposto do sal*’ e as meias anatas*. Se as revoltas fiscais seiscentistas foram «revoltas da fome» (J. Romero de Magalhies), estes procura- dores nao pertencem, claramente, aos grupos dos esfomeados. Estes tiltimos ter-se- iam exprimido, antes, nas revoltas que pontuaram a segunda metade da década de 30 e que, segundo os estudos do seu mais eminente historiador, nem sempre contaram com 0 apoio das elites locais®. Da solidariedade entre procuradores e gente da governanga ou oficiais das cAmaras hA nas nossas fontes muitos sinais. Uma série grande de terras pedem que as eleigées da camara (eventualmente da Misericérdia) s6 recaiam em «cidaddos 44 Estupos naturais» (com o significado restrito que a palavra entdo tem), «nobres», seus filhos e netos, com exclusio de mecinicos. B 0 caso de Estremoz, Viana do Alentejo, Loulé, Torre de Moncorvo, Abrantes, Lamego, Viseu, Braga, Guimaraes, embora, aqui, se admitam a votar os 12 mesteres, Montemor-o-Novo, Coimbra, Olivenga, Barcelos, Guarda, Porto, Viseu e Alvito. Outras pedem para vereadores e oficiais privilégios varios, desde lugares de destaque nas prociss6es e cadeiras na Igreja (Lamego, Guarda, Castro Marim, Ourém, Torres Vedras), até aumentos nas propinas (Monforte e Guarda) ou concessio de foro de fidalgo (Estremoz, Moura). Outras, ainda, pedem que os almotacés levem almotagaria: Alcdcer, Borba, Ourém, Castelo de Vide, Mourio, Veiros, Obidos, Torres Vedras, Almada, Guimaries”. Como se pede, mais em geral, o prémio a pessoas nobres que sirvam 0 rei 4 sua custa, tal como se tratasse de servico militar ou nas armadas (Vila Nova de Cerveira). Embora, em sentido contrério, encontramos pedidos de restituigdo de baldios e pastos comuns apropriados por poderosos ou distribuidos pelas ciimaras (Obidos, Penamacor, Monsanto, Atouguia, Grindola, Alter do Chao, Borba, Nisa, e mesteres de Evora)”'; reclamagGes contra os privilégios de coimas (Santarém e Covilha). Ou, mais radicalmente, 0 pedido de que se queimem as posturas (Abrantes)”. O estudo de alguns casos pontuais poderia ser ilustrativo. Todavia, isto exigiria investigacGes de natureza prosopografica, conduzidas a nivel local, que esto fora da economia deste estudo. Aqui, neste plano, apenas se pode avangar por uma leitura sintomal dos textos dos capitulos, escolhendo alguns que possam permitir uma leitura nesta perspectiva que acabamos de invocar. Tomemos, por exemplo, os capitulos dos mesteres. que existem, separados, em Evora e na Guarda. No primeiro caso, relacionados com a Restauragio ou com os motivos tradicionalmente apontados para o sentimento anti-espanhol, apenas existe © pedido de redugdio do «cabeciio dos vinhos»® e de uma sua distribuigao geral™ (a que o rei nao acede). Na Guarda, as coisas so diferentes, pois os capitulos dos mes- teres sio um exemplo raro de consciéncia da mudanga politica global. Os mesteres congratulam-se com o levantamento do novo rei, pedem-lhe que se faga guardar por ministros fiéis, que reprima os inimigos e que se faga lei que exclua do trono os estrangeiros e requerem que lhes sejam mandadas armas para a defesa da terra; embora, 8 parte estas propostas no plano da «grande politica», ndo se queixem, por exemplo, da tributagdo filipina”. Os capitulos da Covilha constituem outro exemplo porventura interessante. Demonstram uma consciéncia nitida da ruptura, pedido que volte 3 cAmara o provi- mento de certos oficios, que se revogue um alvaré do «rei de Castela» sob a substituigdo do juiz de fora pelo juiz dos drfaos, que se restitua uma soma de 250 000 rs. que fora extorquida & camara aquando de uma devassa mandada fazer pelo mesmo rei sobre os levantamentos que houve na vila ¢ nos lugares do termo, que se aliviem os impostos e que os vizinhos nfo paguem sisa em Castelo Branco. E, a0 memos tempo, estdo atentos as necessidades decorrentes da Restaurag3o: pedindo que obriguem os moradores a semear pio, que se repare a fortaleza, que se comprem 45 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HisTORIA bandeiras e tambores para os soldados. Ora, por outro lado, os capitulos parecem ser da lavra de gente que no pertence ao governo da terra. De facto, procuram (em dois capitulos) restringir abusos dos vereadores e oficiais da cimara quanto aos direitos de trazer gado nos pastos comuns, pedem que os vereadores niio gastem mais do que as rendas do concelho, requerem que os poderosos nao se eximam ao pagamento das coimas. Ao mesmo tempo que pedem que quem seja nomeado procurador dos mes- teres nao seja molestado com encargos penosos dos concelhos (como ser recebedor ou tesoureiro) e que confirmem os privilégios de certos oficios (como os tintureiros, Os paneiros e os mercadores)”™. Outra representagio aparentemente «popular» € a de Penamacor, terra real, Tepresentada nestas cortes por dois eminentes juristas, Domingos Antunes Portugal e Manuel Rodrigues Leitiio. Também demonstram grande afinco nas providéncias bélicas, pedindo a nomeagio de um alcaide-mor, a reparagio da fortaleza (a custa das tergas), armas e artilharia. Mas, por outro lado, a guerra em que pensam € a «sua» guerra, pelo que pedem que os moradores da vila ndo sejam obrigados a acudir a operagées militares fora da fronteira e que, em contrapartida, os dos lugares vizinhos os devam ajudar. E, por outro, sentem-se no direito de nao contribuir para a finta geral do reino e de cessar as contribuigdes que enviavam para a Universidade de Coimbra e para o Convento da Piedade. Ha indicios de que, também aqui, se tratava de pessoas que nfio dominavam certos aspectos da vida concelhia, como a atribuigiio indevida dos pastos comuns ou de terrenos concelhios feita por oficiais da camara (trés capitulos), reclamando ainda contra os abusos de salérios dos mesmo oficiais. Mas é menos clara a animosidade contra a propria camara”. 6. As «Repiblicas da Republica». Mas, se nao tratam sobretudo da Restauragiio, de que tratam, afinal, os capitulos dos povos As cortes? De intimeros problemas inerentes a vida local, pequenos ¢ gran- des, claramente comuns ou absolutamente especificos. Tracemos deste conjunto uma breve panoramica. Questdes de alcance geral, relativas ao governo geral do reino, muito poucas. As que mais se aproximam desta categoria sao as relativas a justiga e ao estatuto da Igreja. A justia est4, naturalmente, presente como preocupacio. Pede-se que se fagam sindicAncias aos magistrados e seus oficiais (Porto, Lamego, Braga, Guimaraes, Lei- ria e Aveiro), especificando alguma terra (Guimaries) que sejam feitas por leigos. Pombal pede que os juizes saibam ler e escrever. Outras terras propdem medidas que diminuam o numero de oficiais de justiga, nomeadamente da justiga letrada e paga: pede-se que nao haja jufzes de fora, pelo menos durante o tempo de guerra (Moncao, Vila Nova de Cerveira, Tavira), que se acumulem os cargos de corregedor e de pro- vedor (Estremoz, Leiria, Guarda, Tavira), que se reduzam os oficios supérfluos (Lagos, Albufeira, Porto). Insiste-se, tal como nos capitulos gerais, em que se extin- gam as serventias (Guimaraes, Viana do Alentejo, Loulé, Porto). Sobre a vantagem 46 Estupos das devassas, no esto todos de acordo: uns pedem que se extingam, por serem fonte de vexagdes (Vila Real, Moura e Mouriio); mas outros reclamam-nas, sobretudo con- tra os ladrées formigueiros, os falsos testemunhos e as mulheres Puiblicas (Castelo Branco, Lamego e Monsanto). Frequentes so os sinais de uma desconfianga endémica em relagdo aos escrivaes™ (Alter do Chao, Olivenga, Viana do Alentejo, Torre de Moncorvo). Objecto de antipatia geral so a obrigacao de manter cadeias e de fazer levas de presos, propondo-se solug6es mais expeditas, como 0 alistamento na guerra, o degredo ou... 0 perdio geral; de qualquer modo, que as despesas inerentes sejam da conta dos alcaides e da coroa (Castelo Branco, Lamego, Gui- mardes, Mongiio, Grindola, Ourém, Olivenga, Nisa, Guarda, Tavira). O estatuto da Igreja e dos eclesidstico suscita, também, alguns capitulos sobre temas que encontraremos, depois, nos capitulos gerais. Mas que, aqui, obtém um relevo muito menor. O procurador da coroa na Guarda — que elabora uma lista de capitulos particulares que se destacam pelo seu tom «politico», generalizante e «regalista» em matéria de politica eclesidistica — foca o do ntimero excessivo de clé- rigos, bem como a questi de amortizagaio dos abusos das visitas eclesidsticas e, em geral, das jurisdic6es eclesidsticas. Este ultimo tema 6, de resto, apresentado por varias terras (Monsanto, Evora, Guarda, Braga). Problemas de apresentaciio de bene- ficios (Arronches, Alvito, Olivenga, Guarda), de conservagaio dos bispos em fungdes Ppastorais (Braga). As queixas contra os senhorios sfio menos frequentes do que © que se poderia esperar. Existem em Cela de Alcobaga, onde se poem os pesos dos tributos exigidos pelo Mosteiro de Alcobaga ¢ as exac¢Ges e abusos que os acompanhavam. Braga pede que a coroa recupere a jurisdi¢dio temporal da cidade. Aveiro, que donatdrio restitua 4 cAmara os offcios que usurpou. Borba pede que as apelagdes das suas justicas vaio directamente para a relagiio real ¢ no para o ouvidor da Casa de Braganga”. Mon- forte procura eximir-se ao pagamento de certas arrobas de cera, tanto ao rei como aos duques de Braganga. Castro Marim pede que 0 ouvidor da Ordem de Santiago nio conhega causas sendo por apelagao, nos termos da Ordenagilo. Serta pede que o ouvi- dor de Abrantes nao faca, no seu termo, a derrama das sisas. Em contrapartida, os procuradores de Alvito pedem que se alargue a jurisdigaio do ouvidor da baronia, autorizando-o a passar cartas de seguro, como os corregedores, e os de Santarém pedem que o corregedor da cidade nio viole aj jurisdigéio dos senhores da Azambuja em Montargil, de que eram donatarios', As respostas do rei sio, em geral, muito cautelosas, protegendo, quase sempre, os interesses dos donatérios. Outros concelhos pedem, em geral, que os bens doados voltem 2 coroa: € 0 caso de Alenquer, que sus- tentava, hd décadas, uma demanda com o seu donatério filipino neste sentido"; e de Obidos que, se pede que certas vezes tone & coroa, também pretende que a terra se mantenha na casa das rainhas, O que sobreleva francamente no todo € 0 conjunto dos temas de pura incidéncia local. Muitas terras pedem a confirmagio dos seus privilégios antigos (cerca de um terco). Outras pedem novos privilégios, como o titulo de notdvel (Abrantes ou Pena- 47 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HISTORIA macor, que nao obtém provimento), os privilégios do Porto (Guarda que tem uma resposta condicionada ao seu comportamento na guerra), ou um avango nos bancos de cortes (como Viseu e Viana, que nao obtém provimento). Castelo Novo e Alpe- drinha, que no tém lugar em cortes, pedem, sem éxito, que Ihes seja concedido. Uns pedem alteragées dos termos concelhios ou comarciios: Lamego (que quer integrar os pequenos concelhos limitrofes de Sande, Moledo, Magueija, Gozende e Bretiande), Mongdo (que pede que se quebrem os pequenos coutos que tem encra- vados no seu territério), a exigua Vila do Conde, Grandola (que quer reaver uma mata do termo de Aledcer), Cabeco de Vide (que pede privilégios de pasto no termo de Alter Pedroso), Lagos (que pretende anexar aldeias de Silves), Santarém (que con- tinua a protestar contra a progressiva autonomizagdo de antigas aldeias do seu extenso termo, neste caso da Golega, Zambujeira e Azinhaga), Olivenga (que pre- tende alargar-se até a0 Guadiana), Abrantes e Torres Vedras (que querem ter comarca), Guarda (que sugere uma nova divistio de comarcas), Covilha e Penamacor (que quer uma maior integragao das aldeias limitadas do termo), Porto (que pretende integrar 0 couto de Barbosa) e Coimbra (que quer integrar as sisas de Ceira no seu cabegiio). Outros (Abrantes, Guarda e Torre do Moncorvo) reclamam contra a divi- sto dos bispados". Outros, finalmente, pedem uma repartigZo por todos das fintas ou despesas (com pontes ou defesas da costa) do interesse de varios concelhos (Vila Real, Vila do Conde, Alc4cer do Sal, Albufeira). Em todos estes casos, 0 rei ou indefere, pelo exemplo que daria, ou manda ouvir 0 Desembargo do Pago. Outros concelhos apresentam problemas relativos ao governo local. Protestam contra os privilégios que isentam dos cargos concelhios, nomeadamente os de mam- posteiros dos cativos, os desembargadores, os artifices do Mosteiro da Batalha (Guarda, Obidos, Alc4cer, Monsanto, Leiria). Reclamam que oficios concelhios sejam dados (ou voltem a ser dados) pela cdimara (Arraiolos, Barcelos, Moura, Estre- moz, Torres Vedras, Penamacor, Castelo Branco, Aveiro), contra apropriagdes indevidas pela coroa ou pelos senhores"®, Que os filhos dos oficiais herdem os oficios dos pais, de acordo com uma pratica geral no reino (Freixo de Espada 4 Cinta, Mongiio)™, A situagaio econémica das cimaras — que devem ter sido atingidas, sobretudo, pelos aumentos dos quartos do cabegiio das sisas e pelos pedidos do ultimo periodo filipino — est4 também muito presente. Muitos concelhos pedem provisdes para deixarem de efectuar certas despesas a que se tinham (ou a que as tinham) obrigago ‘ou, entio, que tais despesas se incluam na quantia a pagar & coroa a titulo de cabegao das sisas, arcando 0 rei com as respectivas despesas: despesas com subsidios & Universidade de Coimbra para a formaciio de médicos e boticdrios (Montemor-o- -Novo), despesas com partidos médicos (Atouguia, Castro Marim, Guarda), com procissdes (Atouguia, Obidos), com funciondrios (v. g. recebedores), com subsidios a.conventos (Penamacor). Sempre que se trata de sobrecarregar a soma a entregar 3 coroa, esta indefere"’. Outros concelhos ainda se sentem, no entanto, com forgas para pedir que se fagam novas obras puiblicas: agudes (Barcelos), pontes (de Lamego, 48 Estupos Alcdcer do Sal, Atouguia, Veiros, Santarém'® Torres Vedras, Guarda e Vila do Conde), molhes (Vila do Conde), encanamentos de Agua (Elvas), melhoramentos na cadeia (Veiros). Em todo 0 caso, muitos destes e outros esperam do rei a autorizagio de fintas ou imposigdes para estas e outras despesas, nomeadamente com actos de culto: € 0 caso de Viana do Lima, Mongio, Caminha (imposi¢do do sal, vinho e azeite) e Guimaries (sobre o vinho e o peixe)'”’. Embora se requeira que estas e outras fintas (nomeadamente as derramas dos cabegGes das sisas) sejam langadas com a presenga dos cidadaos do concelho (Arraiolos, Aronches, Guimaries, Oli- venga, Ourém, Viana do Alentejo, Veiros, Cortel, Santarém)'*. Os rendeiros e contratadores, nomeadamente, das tercas e coimas, s‘io eventualmente objecto de queixas (Castelo Branco e Vila Nova de Cerveira), traduzidas em capitulos gerais, como vimos. Depois, questdes relacionadas com a vida quotidiana das terras. Assim, muito gerais sdio os pedidos relativos a problemas de pastos e coimas. Pede-se que se acabe com a pratica do provedor proceder & revisiio das coimas, ten- tando, a favor da fazenda real, evitar conluios entre os encoimadores e os encoima- dos (Castelo Branco, Serta, Moncorvo, Obidos, Guarda e Penamacor), 0 que € deferido por capitulo geral. Pede-se, frequentemente, que se ponha fim aos privilé- gios de pasto dos pastores serranos, nas suas canadas para o sul, para os montados de Campo de Ourique (Castelo Branco, Nisa, Penamacor), ou que se possa matar livremente gado «de unha fendida» encontrado a pastar em terras particulares, tal como fora concedido a Evora por proviso (Montemor-o-Novo, Alcacer do Sal, Borba). Num caso ou noutro o rei indefere, por envolver ofensa de direitos'. Em geral, o problema dos pastos, dos gados e das coimas ou do desmatamento (Veiros, Pinhel, Monsanto, Monforte) est presente, de uma forma ou de outra, em quase todos os capitulos. Pede-se, em fim, a criagdo de feiras e mercados (Castelo Branco, Barcelos, Alcacer, Elvas, Atouguia, Estremoz, Lagos, Albufeira, Vila Nova de Cerveira, Obidos, Guarda, Covilha e Tavira). Menos frequente, 0 pedido de medidas sobre 0 abastecimento, qualidade e prego do sabio (Castelo Branco, Ourém, Estremoz, Abrantes, Porto, Coimbra). J da necessidade de atalhar os exageros e novidades nos trajes e costumes, que fora objecto de capitulo geral, s6 fala a Guarda". Feito este balango, a imagem de Joao Pinto Ribeiro do reino como uma «reptiblica de repiblicas» ganha um enorme realismo. Mas, paralelamente, tornam- se bastante mais problematicas todas as visdes historiogrdficas que tendem a retro- datar a emergéncia de um sentimento «nacional» generalizado' nela, por exemplo, © mébil e o sucesso da Restauraciio. 7. Conclusio A andlise do quase milhar de capitulos da centena de terras com assento nas cortes de 1641 tem, para quem vem da leitura da historiografia corrente sobre a Res- tauragdio — ou mesmo das fontes literdrias da época — um efeito de anti-climax. 49 PeNELopE - FAZER E DESFAZER A HISTORIA Na verdade, nfo apenas esto dai quase ausentes as manifestagdes de jtibilo pela restitui¢dio da nova dinastia portuguesa como quase nao se manifestam propostas de reformas globais do sistema de governo do reino. Mesmo os protestos antifiscais — que a literatura «restauracionista» tanto glosou— tém, nos capitulos, uma expres- s4o modesta, mesmo se descontarmos o facto de aqui estarmos a incluir referéncias tanto aos tributos tradicionais (lutuosas, sisas ou portagens) como aos novos tributos («reais», quartos de cabegio, sal, etc.). A parte a preocupaciio com a guerra iminente — que € clara, sobretudo nos concelhos da raia (que compdem um tergo do mimero de terras com assento em cortes) —, as pretensdes dos povos visam, antes de mais, aumentar ou recuperar pri- vilégios locais e resolver problemas comunitérios, no plano de uma micro-politica, em que os problemas globais do reino mal cabem. Eo proprio rei — fundando-se na consulta constante e decisiva do procurador da coroa, Tomé Pinheiro da Veiga, cuja letra, mitda e meticulosa, glosa a massa dos capitulos e das respostas, contidos nos cademos originais conservados — parece nao desejar outra coisa que nao fosse um governo «habitual», em que «nado convém inovar», em que os direitos adquiridos constituem obstdculos intransponiveis (mesmo quando os seus titulares so castelhanos [Olivenca}, ou os proprietirios das casas arrimadas aos muros das pragas de guerra, prejudicando a sua defesa [Monforte], ou os beneficidrios daquelas vendas de oficios que toda a literatura da Restauragiio acusa de escandalosas [Lamego]), em que as vias e os 6rgdos dos gover- nos ordinarios devem ser pontualmente respeitados. Em que, em suma, o sentido da ruptura da ordem politica nio é suficiente para justificar os abalos da ordem juridica. Se estiver certa a interpretagdo que, em artigo anterior, dei a0 movimento da Restauragio — 0 de um movimento sobretudo «constitucionalista», contra um governo que, em nome da politica e do reformismo, atentava contra os equilfbrios da constituigdo tradicional/natural do reino —, entZo esta leitura dos capitulos das cortes de 1641 e das respostas que lhe sdio dadas nada tem de surpreendente. Rei e reino (este ultimo, de resto, muito desigualmente abalado pelo que se passava no «centro») procuram reentrar no curso de um paradigma politico profundamente enraizado, mas que 0 olivarismo viera — em Portugal, como Aragao, na Catalunha ou, mesmo, em Castela — abruptamente subverter. Cf. Jorge Borges de Macedo, «A Histéria de Portugal nos sécs. XVII € XVIII € 0 seu autor, em L, A. Rebello da Silva, Historia... cit., 1, 1-130. L.R. Torgal, A Restauracao. Breves reflexes sobre a sua historiografia, Coimbra 1976; Ideologia politica..., 1, 36-54; Historia e ideologia, Coimbra 1989, 43-68. Politica ¢ ideologicamente também bastante comprometidos desde as intervengdes de sentido conservador de Luis Cabral de Moncada («1640. Restauracio do pensamento politico portugués», em Bol. Fac. Dir. Coimbra, 9 (1926); remodelado, atenuando a carga ideolégica, em Estudos de histéria do direito, Coimbra 1948), Jodo Francisco Aires de 50 2 B “4 1s 16 ” 18 19 2 Estupos Campos («A origem do poe real eas cores de 1641», em Anais da Academia Portuguesa 1 4 (1949) até As de pendor «democrdticon, como a de Mario Soares («A Susttieagao juridica da Restauragao e a teoria da origem popular do poder politico», Jornal do foro, 18 (1954), passando mesmo pelas mais distanciadas, como a de Manuel Paulo Meréa (0 poder real e as cortes, Coimbra 1923) e de Joaquim Pedro Martins, «A doutrina da soberania popular segundo as cortes de 1641 e os teéricos da Restauragon, Memdrias da Academia das Ciéncias de Lisboa, Lisboa 1937. Com o seu artigo «A economia da Restauragio», Congresso do Mundo Portugués. Publicagées, VU, Lisboa 1940, 669 ss.. Cf. bibl. final. Cf. bibl. final. CE. 0 seu artigo. Em Ideologia polttica... Em Portugal... ci V. bibliografia final, mas, sobretudo, a sintese «Soulévements ...», 44. Isto é particularmente claro, por exemplo, a propésito das alternativas colocadas, em 1632, para obter as somas que a coroa reclamava — retengo de quartéis de juros, tengas e salé- rios, «renda fixan, «tributo do sal». Os varios grupos — oficiais, titulares de juros e tengas, eclesidsticos, cimaras — lutam porventura mais, separadamente, por conseguir 0 meio fiscal que Ihes seja mais favoravel, do que, conjuntamente, para se oporem ao agravamento fiscal (v. A.M, Hespanha, «Portugal y la politica de Olivares ...», cit.). Comentando a tese de Armando de Castro de um «papel libertador das cl em 1580-1640», face A «dominagio castelhana», Ant6nio de Oliveria considera justo que «se privilegie a presenga popular no Primeiro de Dezembro de 1640» («Soulévements ...», 43). Cf. Jodo Marques, A parenética portuguesa ¢ a Restauragao..., cit. 25 ss. A.M. Hespanha, «Portugal y la politica de Olivares...», cit. A.M. Hespanha, As vésperas..., cit. Para uma descri¢o sucinta da marcha das cortes, v. Conde da Ericeira, Histéria de Portugal restaurado, I, parte 1, liv. 3 (ed. cons., Porto, Livraria Civilizagio, 1945). Mas faltam ainda muitos elementos concretos sobre a sua pequena hist Para a sua hist6ria ulterior, A. M. Hespanha, Visperas..., 186-187. Cf. Assento.... cit.. Arcebispo de Lisboa, bispo de Targa (dedo da capela real), bispo inquisidor geral, bispos de Coimbra, Lamego, Algarve c Elvas e arcebispo de Braga (v. lista em JJAS, 1641, 212). Estava em Madrid 0 arcebispo de Evora e os bispos do Porto (bispo eleito) e de Portalegre. S6 0 duque de Caminha, pois o de Braganga subira ao trono € 0 outro, o de Aveiro, estava em Madrid, No juramento aparecem os de Gouveia ¢ de Vila Real; mas na assinatura do «assento» (J. J. Lopes Praga, Collecgao..., cit., I, 256/7) aparece mais o de Ferreira, Havia ainda os marqueses de Alenquer, de Montalvo, de Montebelo (titulo estrangeiro) e de Porto Seguro, que estavam em Madrid, ¢ 0 marqués de Castelo Rodrigo, que era embaixador em ‘oma. De Odemira montemo-mor)*, de Monsanto (fronteiro-mor ¢ vedor-mor)*, de Canta- nhede*, do Redondo (cagador-mor)*, da Calheta, dos Arcos, da Visigueira (almirante- -mor)*, de S. Miguel, de Vale de Reis, da Torre, da Atouguia, de Unhao*, de Armamar, de S. Lourenco (regedor)*. Os titulares marcados com * assinam também o «assent», como definidores na nobreza. Faltavam, por estar ausentes em Madrid ou fora do pais a0 servigo do rei de Espanha, os condes de Assumar (embaixador na Alemanha e vice-rei da Sicilia), de Basto, de Castelo Melhor (na América), de Castro, da Feira (enviado na Flan- dres), de Ficalho, de Figueir6, de Linhares, do Lumiar, de Miranda, do Prado, do Principe, do Sabugal (meirinho-mor), de Santa Cruz, de S. Joao de Vila Flor, de Vila Nova e Sor- telha, Ver fontes na nota 25. 51 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HISTORIA B V. a lista (de 40) em AS, 18/19. 2% Lista em JJAS, 1641, 19, Estavam em Madrid os senhores de Angeja, de Pemambuco, de Ponte da Barca; ¢ os alcaides-mores de Almourol, de Palmela (prior-mor) e de Aviz (comendador-mor). 25 Cf. Manuel Severim de Faria, Relac@o..., cit., 348; outra lista pode ver-se em conde da Ericeira, Histéria..., cit., I, pt. 1, liv. 1, nota D (ed. cons., 1, 488). 2 Vinte ¢ sete definidores, entre os quais trés marqueses, sete condes, um visconde, trés senhores de terras, sete alcaides-mores ¢ mais seis altos oficiais da corte (cf. J. J. Lopes mn Praga; Colecedo... cit 1, 256/7. Sio eleitos — pelo que se depreende das assinaturas do «assento» final das cortes — 39 definidores do povo: os procuradores por Lisboa (2), Evora (2), Coimbra (2), Porto (2), Santarém (2), Elvas, Esgueira, um procurador de Monforte (que era também definidor da ouvidoria de Vila Vigosa), um procurador de Olivenga (que também era definidor por Mourio e Campo Maior), um definidor da comarca de Miranda, outro definidor por Campo Maior (representando a comarca de Portalegre?), um definidor da ouvidoria de Porto de Més (do duque de Braganca), um definidor da comarca de Guimaraes, um procu- rador de Castelo Branco, definidores das comarcas de Lamego, Beja, Leiria, Lagos, Torre do Moncorvo, um procurador de Alenquer (que também era definidor das terras da Casa de Aveiro da ouvidoria de Santiago), definidores da ouvidoria de Aviz, da comarca de Tomar, da ouvidoria de Pombal (da Ordem de Cristo), da ouvidoria de Montemor-o- Velho (do duque de Aveiro), da ouvidoria de Braga (dos arcebispos), das comarcas de Pinhel, Viana, Setibal, Castelo Branco (um dos quais era o procurador de Penamacor, o,célebre jurista Domingos Antunes Portugal), da ouvidoria de Nisa (da Ordem de Cristo), comarca ‘de Torres Vedras, procurador de Vila do Conde e definidor da ouvidoria de Barcelos (0 duque de Braganga) ¢ da ouvidoria de Braganga. 28 Antonio Manuel Hespanha, «As cortes ¢ 0 reino...», cit.. 29 Veja-se o sentido destas expressdes no citado artigo, onde se destaca como esta concep¢ao pouco tem a ver com a ideia de «dualismo» ou de «pactismo», to utilizado em anteriores €pocas da historiografia das cortes. 30 Sobre o qual v. L.R. Torgal, [deologia... Il, 304-307. 3! Tres rellacoes..., «Rellagao segunda», B 45. 32 E, assim, 0 mero acentimento isolado dos concelhos com voto em cortes supre a sua reuniio em 1649 (cf. JJAS; 1648 — 1656, p. 45 — CR. 12.06.1649; Res. 22.07.1649). No «assento», naturalmente, a exceléncia da representagao do reino pelas cortes surge mais vincada, porque € 0 préprio assento o elemento fundador da nova dinastia: «os trés estados destes Reinos de Portugal juntos nestas cortes onde representao os mesmos Reinos, ¢ tem todo o poder, que nelles ha, resolverao, que por principio dellas devido fazer assento por escrito, firamdo por todos, como o direito de ser Rey, ¢ Senhor delles pertencia, ¢ pertence a0 muito alto e muito poderoso Senhor D. Jo30 04 (...). Assentardo que seria coonveniente pera maior perpetuidade, e solemnidade de sua felic acclamagao, ¢ restituigio ao Reino, sendo agora juntos tomem e nome do mesmo Reino fazer este assento por escrito, em que ‘oconhecem, ¢ obedecem, por seu legitimo Rey, ¢ Senhor, e lhe restituem o Reino, que era de seu Pay, € avé, usando nisto 0 poder que o mesmo Reino tem pera assim o fazer, determinar, e declarar de justica», Assento..., cit.). «O governo dos Austrias...» 51 ss.. 3 Por exemplo a (detalhada, mas superficial) andlise de Luis Augusto Rebello da Silva, Historia de Portugal nos sécs. XVII e XVIII, IV, Lisboa 1869, 259-279. CE. caps. 14 do clero; 1 € 2 da nobreza ¢ 2 ¢ 3 dos povos. Cf. Marcés cap. trés (vice-reis, governadores), quatro (cargos de justiga, fazenda e governo), cinco (oficios da casa real), seis (outros cargos), sete (cargos ¢ contratos do ultramar), nove (beneficios eclesiasticos ¢ pensées sobre cles), dez (doagdes de bens da coroa); cortes de 1581, cap. 2 da nobreza ¢ 31 dos povos. 37 CE. caps. 3, 4, 9, 26 do clero; 8 do povo; 5, 7, 10, 11 ¢ 12 da nobreza. 52 38 39 a 4s 4a 49 so Bn 2 Estupbos Cf. cap. 77. Cf. Hespanha, «Portugal y la politica...», cit. CE. Rebello da Silva, Histéria..., cit TI, 234, Cf. Fernando Bouza, Portugal... 110 ss.. «A Recta administraga0 da Tustuiga faz dos Reynos atraveis, & perpetuos, ¢ dos Reys aceitos a Deos nosso Senhor, & poderosos na terra» (cap. 14 da nobreza). ‘Ao clero, em contrapartida, estas questdes eram estranhas, pois gozava de foro especial. Orei responde, entio, negativamente, ponderando— lembrando, de certo, da que ordenara em 1612 — que as visitas gerais no dariam bons resultados. A nobreza propée, pelo contrario, que se tomem informagées secretas € continuadas dos tribunais endo devassas em tempo certo (cap. 16). V. infra. O tema ja vinha das anteriores cortes de 1581, 1619. Nas primeiras, dera origem a um capitulo do clero (18); nas segundas, oito capitulos do clero (21, 23, 36, 45 49), um da nobreza (26) e quarto dos povos (41 44). Mas a igreja parece dispor, entio, da iniciativa. Enquanto, nas cortes de 1641, assume uma posigo cautelosa e defensiva («ficando sempre salvo a Regalia de V. Mag. nas occcassides em que como Rey, & Senhor deve acudir & oppressio dos vassals» (cap. 23 do clero, retomado ipsis verbis pela nobreza) que contrasta com o vigor ¢ abundancia das queixas populare Cf., por todos, Felipe Ruiz Martin, «La Banca de Espafia hasta 1782», em El Banco de Espafia. Una histéria econdmica, Madrid, 1970, Max. 59 — 152; Antonio Dominguez Or- tiz, Politica y Hacienda de Felipe IV, Madrid, Pegasos, 19832, 83 — 150. Assim, a questo nao surge ainda nas cortes de 1581 (onde apenas se pede que no arrendem as tengas, cf. cap. 34 dos povos); mas jé surge nas de 1619 (caps. 43 da nobreza ¢ 107 dos povos). Em 1611 (alv. 30.7) renova-se a proibigdo das Ordenagées fixando-se um prazo para a revenda dos bens comprados, prazo prorrogado em 1612 (1. 13.8; alv. 23.11) e 1613 (alv. 20.4). Em 1622 volta a tentar aplicar-se a lei, elaborando-se titulos executivos contra as instituig6es religiosas contraventoras, mas o Conselho de Portugal anula estes titulos (Ma- nuel Severim de Faria, Rellacdo..., cit., 181). Em 1636 retoma-se 0 projecto, iniciando- -se (em Lisboa, mas nao no resto do reino) 0 arrolamento dos bens da Igreja, adquiridos contra a lei, o que deu origem a problemas com o coleitor (ef. ibid., 330 ss.). Cf. o parecer sobre o tema em BNL, ms. 114863, 225-242 ¢ 243-250 v.. As medidas desamortizadoras sio retomadas, em termos que desconhe¢o, em 2.1.1641 (cf. 1641, ano resp., 13). 4. no enchendo os conventos de Religiosos, a cujo respeito ficio de ordinério impossibilitados para a devida sustentacdo, que os poem em obrigagio de usarem de grangearias, & tratarem de herangas, cb que em breve tempo os seculares virio a néo ter nada de seu, & tudo ficar no estado Ecclesiastico» (cap. 100). Ou por escriipulos de consciéncia ou pelo peso da comunidade cristi-nova, Filipe I — tal como aconteceré com os seus sucessores — no se inclinou para a satisfago destes Peiidos, endo antes manifestado bastantes dvi a este respeito. Cf CR. 15-10-1590, ib. Ajuda 44-xiii-52, n. 215 e 44-xiv-n. 132 (dividas do rei, 19-10-1590). Sobre o tema, of. A M. Hespanha, As Vésperas.J,425,ns. 84a 86; sustiga ¢administragao... et, 170 a. Em termos priticos, o que se petia era uma expulsfo com confisco, pos se Ihes dave 0 termo certo para vender a sua fazenda de raiz, mas nao se lhes consentia que levassem do reino ouro, pratas ou dinheiro em soma mais do que a limitada (cap. 30 da nobreza). Os povos acrescentavam que, para impedir conluios em que os crist4os-novos, a contas com © fisco da Inquisi¢fo, se confessassem falsamente devedores e fizessem executar 0 seu patrim6nio por credores simulados seus aderentes, se vigiassem cuidadosamente as execugdes dos bens de gente da nagao (cap. 57). O assunto é ventilado numa junta reunida em Tomar em 1629. Cf. sobre ela, Anténio de Oliveira, «Motim...» e «Contestagio fiscal...»; L.R. Torgal, Ideologia politica..., 1,400 (onde cita um interessante texto de Jodo Pedro Ribeiro sobre o tema, 6 «Discurso sobre se ex uily justo desterrar de los reynos de Portugal o lo cristianos nuevos», B. N. L., cod. 868, 167 v.-187, c. 1630). 53 Penélope FAzeR & DESFAZER A HISTORIA 53 A ligagao feita neste capitulo entre o montante dos dotes ¢ a proibigo de que fidalgos casem com gente de nacao indicia que familias cristas-novas procuravam «apurar o san- gue», valendo-se do seu poder econémico e acenando com dotes vultuosos a familias fidalgas cristis-velhas, provavelmente individadas. 54 E quando por alguns respeitos V. Magde. nao for servido de se resolver nesta expulsio geral considerando-se os males que tem feito nas Igrejas e nas Religiées ¢ apostando Conegos, Parochos, frades e freiras usando mal do estado ecclesiatico ¢ dos divinos sacramentos, e sendo Letrados ver a ser cathedraticos e ministros de justiga, Advogados, medicos e boticarios € a outros cargos na republica em grande prejuizo dellas. Pedimos a V. Magde. que nenhum desta nagdo seja admitido a estudar latim nem sciencia algua, e que para os evitar se fagdo as diligencias necessarias, ¢ quc os que neste Reino enganosa- mente estudarem, ou de fora delle trouxerem alguns graos, ¢ usarem delles sejao castigados com as penas que parecer...». 55 Destaca-se, neste ambito, 0 cap. 46 dos povos, pedindo que as cmaras sejam obrigadas a reformar as posturas, para evitar o arbitrio dos almotacés ¢ mais ministros concelhios. Sobre o tema, propde-se realmente muito pouco, a parte as pretensdes do braco da nobreza de ver reduzido 0 niimero de letrados no Conselho da Fazenda («por quanto as materias da fazenda se entendem, & governio pelas pessoas que della tem experiencia, como serio 0 fidalgos que V. Magest. escolher para estes cargos) ¢ no Senado da Camara de Lisboa (caps. 23 ¢ 25 da nobreza). Quanto ao Senado, o mesmo afastamento dos letrados ¢ dos cargos perpétuos j4 fora pedido pelos povos em 1619 (cap. 61) Em diversos aspéctos: disciplina mondstica e sujeicao dos conventos ao ordinario (cf. caps. 7, 10 ¢ 11 do clero € 10 € 104 dos povos); restrigdes & rentincia aos beneficios eclesiasticos a favor de terceiros, com o que se «faziam hereditérios» (caps. 3 do clero 16 dos povos), com a presenga dos bispos nas dioceses (caps. 8 do clero, 33 da nobreza € 9 € 105 dos povos). Pedem-se, fundamentalmente, trés coisas. Que, na sucesso dos bens da coroa, haja direito de representagZo, como nos morgados, revogando a Ord. fil, II, 35, 1 (caps. 26 do clero 27 da nobreza, a que o rei parcialmente defere), pretensio classica (cf. A.M. Hespanha, Visper 9), que visava reforgar as expectativas da linha primogénita e, com isso, as possibilidades de casamentos mais vantajosos dos herdeiros das casas. Que nio se fizes- sem doagées imoderadas, nem a estrangeiros (caps. 22 do cleroe 11 da nobreza). Enquanto © povo, mais radicalmente, pedia que os bens da coroa, que fossem vagando, se incorporassem de novo na coroa (cap. 108 dos povos). Mas a nobreza insistia numa velha pretenso, que ja vinha das negociagdes de Tomar com Filipe I: a de que, vagando os bens ara a coroa, fossem dados a parentes dos anteriores donatarios (cap 28 da nobreza). Em 1581, Filipe I satisfizera este anseio no capitulo XI do «Memorial das gragas ¢ mercés» de Almeirim de 1580, confirmado na resposta ao cap. 4 da nobreza (v. F. Bouza, Portugal... 978); mas, pouco depois, declara que esta concessio nio prejudicaria a concessio dos bens a beneméritos que nao fossem parentes dos anteriores donatarios (cf. sobre o tema, Manuel Alvares Pegas, Commentaria ad Ordinationes....t. 10, p.514 ns. 71 ss.). Nas cortes de 1619, 0 estado da nobreza volta a pedir que, na altemativa parentes- beneméritos, fossem preferidos as familias e os apelidos; a0 que o rei responde que as. familias se conservam, sobretudo, servindo bem o rei (cap. 34). E este ainda o sentido do cap. 28 da nobreza nas cortes de 1641, que merece do rei uma resposta também parecida, salientando que o prémio dos servigos era um meio de conservacao da coroa, da qual dependia a sustentagdo da nobreza ¢ das casas. Na pritica, porém, a politica real quase que garantia as pretenses dos parentes dos donatérios, que chegavam a invocar quase que judicialmente os seus direitos, perante a passividade do rei, dura e amargamente censurada pelo procurador da coroa, Tomé Pinheiro da Veiga (cf. cod. 7627 da B.N.L., fl. 198). As Ginicas excepgées sao os de (Alegrete), Aviz, (Beja), (Braganga), Campo Maior, Castelo Rodrigo, Coruche, (Garvao), Lisboa, (Marvao), (Mértola), (Miranda do Douro), (Monsar- raz), (Montemor-o-Velho), (Ourique), (Palmela), (Panoias), (Penela), Ponte de Lima, Portalegre, Santiago de Cacém, (Serpa), (Setiibal), (Silves), (Sintra), (Tomar), Torres 56 7 38 59 54 a 2 83 Estupos Novas ¢ (Vila Vigosa). Entre paréntesis, as terras de que aparecem capitulos para as cortes de 1642. Dado que os capitulos de 1641 e 1642 foram distribuidos conjuntamente a varias juntas e respondidos também conjuntamente ¢ que os cadernos em que se contém nio so originariamente datados, nao é impossivel que alguns capitulos que aparecem, nos magos de cortes, como de 1642, sejam, de facto, de 1641. Sobre a problematica dos capitulos das cortes de 1641 a 1645 v. Pedro Anténio Cardim, «Teoria e pritica politica no séc. XVII. O contexto das cortes de 1645-1616», em publicagao nas actas do «Encontro sobre a Restauraeao e a sua época», organizado pela Fundagao das Casas de Fronteira e Alorna, Lisboa, Junho de 1990. ANTT, Magos de Cortes, mg. 9, cad. 4, fl. 18 ANTT, Magos de Cortes, mg. ANTT, Maos de Cortes, mg. ANTT, Macos de Cortes, mg. ANTI, Macos de Cortes, mg. ANTT, Macos de Cortes, mg. ANTT, Macos de Cortes, mg. ANTT, Macos de Cortes, m¢. ANTT, Macos de Cortes, mg. ANTT, Magos de Cortes, mg. ANTI, Macos de Cortes, mg. 9) cad. 9, fl. 1 9, cad. 1, fl. 2; mg. 11, cad. 1, 1.1 10, cad. 3, f1. 2 8, cad. 8, fl. 2 13, cad. 13, fl. 4 9 cad. 3, fl. 2 v; id., mg. 9, cad. 5, fl. 11. 10 cad. 16, fl. id. mg. 16, cad. 16, fl. 3 1g. 16, cad. ..., Al. 14. id. mg. 11, cad. 9, fl. 6. id. mg. 13, cad. 6, fl. 8. ANTT, Macos de Cortes, mg. 12, cad. 9, fl. 2 v.: id. mg. 12, cad. 9. fl. 6. Todos estes capitulos se encontram na mesma coleccao de Macos de Cortes, do ANTT, nos lugares que podem ser vistos em Joaquim Leitio, Cortes..., cit., 258 ss, ANTT, Macos de Cortes, mg. 12, cad. 8, f. 4. ANTT, Corpo Cronolégico, Ll m., 32 d., 53. ANTT, Macos de Cortes, me. 13, cad, 13, fl. ANTT, Macos de Cortes, mg. 9, cad. 7, fl. 2 v. ANTT, Macos de Cortes, mg. 10, cad. 4, fl. 2 1.9 v5 1. 15, Todos os capitulos podem ser vistos nos lugares indicados por J. Leitéo, Cortes. resp.. ANTT, Macos de Cortes, mg, 12, cad. 1, fl. 1 ¢ 4; fl. 14 € 15. Os restantes locais podem ser vistos em J. Leitio, Cortes’... cit., loc. resp.. Todos os capitulos podem ser vistos nos lugares indicados por J. Leitao, Cortes...,cit,, loc. resp. Todos os capitulos podem ser vistos nos lugares indicados por J. Leitdo, Cortes...,cit., loc. resp... Refiro-me ao movimento de justificagao da Restauragio por meio da pregagio, recente- mente estudado no belo livro de Joo Francisco Marques, A parenética..., cit.. De facto, de acordo com a geocronologia dos sermées ai apresentada — que, em todo o caso e como o autor refere, nao abrange senio os sermoes impressos, reunidos em colecgdes manuscri- tas (de algum modo, portanto, os sermdes «exemplares») ou de que ha noticia suficien- te—, a altura da abertura das cortes (20 de Janeiro de 1641), apenas se podem contar com 17 sermées, proferidos em Lisboa (6), Coimbra (7) Evora (1), Santarém (1), Tomar (1) € Castelo de Vide (1) (ob. cit., I, 92 e II, 461). Assim, por exemplo, Joao Marques (A'parenética portuguesa e a Restauracao..., 1, 81) refere que uma extensa documentagao di conta ao «regojizo popular» com a Restauragao, citando, nomeadamente, actas de vereagdes camarérias que, para «muitas terrasy, descrevem o levantamento solene do rei. Mas, para além de, de toda essa documentagio, se dever fazer uma leitura critica, as indicages dadas em nota apoiam suficientemente @ amplitude das afirmagées do texto. No que respeita ’s actas das muitas cimaras, apontam- -se, afinal, expressamente, apenas as de duas terras (Porto e Vila do Conde). aumento do quarto do cabegao das sisas decidido pela CR de 6.3.1635 (E. F. Oliveira, Elementos...,1V, 106), para desempenhamento das tencas pagas pela coroa. Sobre as sisas € seu encabegamento v. A. M. Hespanha, Visperas..., 121-7. id. mg. 9, cad. 7, fl. 14 v. fl. 9 (Vila do Conde); mg. 10, cad. 10, s loc. 55 PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HISTORIA 85 Qs reis d’4gua (sobre o vinho atabernado ¢ a came) existiam, em algumas terras (nomea- damente em Lisboa), desde ha muito. Eram uma renda segura c, assim, sobre cles se situaram frequentemente os juros dos empréstimos da coroa tomados em firme pela camara de Lisboa (desde 1612). Com isso se esgotaram; e, logo em 1628, aquando do pedido para socorro da fndia, a coroa sugere as cdmaras o langamento de um segundo real QJAS, ano resp. 173 ss.; Manuel Severim de Faria, Rellagdo..., 256 v.; E. F. Oliveira, Elementos..., lil, 477). Em 1635 langa-se um segundo real em Lisboa e estende-se 0 real d'Agua a todo o reino para o desempenhamento das tengas pagas pela coroa (CR. 3.6.1635; E.F. Oliveira, Elementos..., IV, 106). O facto de o real d'agua ter passado a ser um imposto real cobrado por agentes da coroa provocou entio uma grande reaceao (J. V. Serrao, Histéria..., IV, 126), tendo sido suspenso er 14.11.1637 (Manuel Severim de Faria, Rellacao.... 319 v.), depois das alteragdes de Evora. 86 Cf, A.M. Hespanha, As vésperas..., 1, 172; Visperas..., 104. Era um antigo imposto, criado antes do perfodo filipino (cf. A. M. Hespanha, Visperas..., 109). Mas em 1631 (alv. de 8.4) cria-se (por sugestao da camara de Lisboa ¢ enquanto 0 reino no concordasse em outros meios de realizar uma renda fixa) um estanco real, abastecido pela venda forgada & coroa de 1/3 do sal produzido (E.F. Oliveira, Elementos..., I, 350, 355, 376/7, 444, 455). Os novos governadores, conde de Vale de Reis e conde de Castro d'Aire, té-lo-do suspenso em 1632 (Manuel Severim de Faria, Rellagdo..., 273 v.. A sua reforma apenas se faz em 1641 (F. Mauro, Le Portugal..., 315). 88 Sobre este imposto, cf. A. M. Hespanha, Visperas..., 43 ss.. ®9 Cf. Anténio de Oliveira, bibl. citada a final (sintese em «Soulévements...» cit.). V. os lugares respectivos, indicados em J. Leitio, Cortes..., cit., loc. resp.. 91 V_ os lugares indicados em J. Leitio, Cortes..., cit., loc. resp.. Em geral, 0 rei indefere, invocando os direitos adquiridos. J4 os procuradores de Evora (contrastando com os mesteres), de Elvas e de Lagos pedem o arrendamento dos baldios ¢ pastos. V. os lugares indicados em J. Leitio, Cortes..., cit., loc. resp.. Tanto pode tratar-se do real d'agua como da imposi¢ao sobre os vinhos, que existia em Evora, desde 0 século XV, como compensagio da dispensa de aposentadoria (cf. A. M. Hespanha, As vésperas...,1, 172 ¢ bibl. ai citada). ANTT, Macos de Cortes, mg. 11, cad. 1, fl. 5 v4; 31 va ANTT, Macos de Cortes, mg. 9, cad. 4, fl. 18 ss.; fls. 23 ss.. ANTT, Magos de Cortes, mg. 9, cad. 7, fl. 1 ss.; fl. 14 ss. ANTT, Macos de Cortes, mg. 9, cad. 10, fl, 1 ss,; fls. 29 ss.. ‘Trata-se de um sentimento muito generalizado. Cf. A. M. Hespanha, «Justiga e adminis- tragio...», cit.. ‘As arrobas de cera eram pagas, com as sisas, nos almoxarifados Todos os capitulos podem ser vistos nos lugares indicados por J. Leitio, Cortes..., cit., loc. 8s 8 BSRaer 5 resp... 101 4, M. Hespanha, As vésperas..., Il, 110. 102 Todos os capitulos podem ser vistos nos lugares indicados por J. Leit&o, Cortes... cit., loc. resp... 103 Sobre a data dos oficios dos concelhos, v. A. M. Hespanha, As vésperas..., 1, 508; Visperas..., 304. 104 Cf. A. M. Hespanha, Visperas..., 424 ss... 185 Vos lugares indicados por J. Leitéo, Cortes. 15 Que pede uma medida geral para todo o encarreguem da reforma € construgao de pontes. 107 Ao que o rei responde, em geral, favoravelmente, embora mande ouvir o Desembargo do cit., loc. resp. 10, no sentido de que as comarcas se ago. 408 "os lugares indicados por J. Leitio, Cortes... ci 109 V" os lugares indicados por J. Leitio, Cortes..., cit., loc. resp.- 10 Todos os capitulos podem ser vistos nos lugares indicados por J. Leitio, Cortes...,cit., loc. resp.. 56 Estupos 111.0 ensaio mais acabado de comprovar uma precoce consciéncia nacional em Portugal € 0 de Martim de Albuquerque, A consciéncia..., cit., As restrigdes que entendo deverem ser postas as suas conclusdes sintetizei-as nas duas primeiras notas do meu artigo «Portugal y la politica de Olivares. Ensayo de analisis estructural», apresentado no Simposio Internacional sobre la Espana del Conde Duque de Olivares, Toro, 15-18 de Setembro de 1987, em cujas actas serd publicado (uma versio sintetizada foi publicada em Penélope. Fazer ¢ desfazer a hist6ria, 2 (1989) 49 ss.).. BIBLIOGRAFIA CITADA ALBUQUERQUE, Martim de, A consciéncia nacional portuguesa. Ensaio de histéria das ideias politicas, 1, Lisboa 1974. Assento feito em cortes pellos tres estados dos Reins de Portugal da acclamacdo, restituigdo, e juramento dos mesmos Reinos ao muito alto e muito poderoso Senhor Rey Dom Jodo 0 4° deste nome, publ., v. g., em J. J. Lopes Praga, Colleccdo..., 1, 247 ss.; a reedigao original impressa € de 1641, Lisboa, por Paulo Craesbeck. BOUZA ALVAREZ, Fernando, Portugal en la monarquia hispanica (1580-1640). Felipe Il, las cortes de Tomar y la genesis del Portugal catolico, Tese de doutoramento 4 Universidade Complutense, Madrid 1987, polic.. 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Lopes, Colleccdo de leis e subsidios para o estudo do direito constitucional portuguez, Coimbra 1893, 2 vols. PRESTAGE, Edgar, «O Conselho de Estado, D. Jotio IV e D. Lufsa de Gusmao», Arg. hist, portuguez, 1919. Abrantes Aceiceira Aguiar de Sousa e Refoios Albergaria Albufeira Alcécer do Sal Alegrete Alenquer Alfaiates Algarve Almada Almeida Alter do Chao Alvito Ancifies Angra Arraiolos Arronches Atalaia Atouguia da Baceia Aveiro Aviz Azambuja Barcelos Beja Borba Braga Braganga Buarcos Cabego de Vide Cabrela Caminha Campo Maior 1535 ° coco °° cooco ° APENDICE I Sécs. XIV-XV 1481 3 ° 1 1 1 ° 2 ° 1 ° ° 1 6 5 ° 1 2 ° 1 ° 2 ° 1 f 7 ° 5) o 1 ° 1 ° 1 ° 13 ° 4 ° 1 ° 1 4 1581 ° o00°0 1583 ° Co ° ° ° ° 2 e000 ° 1619 ° ° ooco eo © 00000 ° 1641 ot ° of o* of of o* o* PENELOPE - FAZER E DESFAZER A HisTORIA Sécs. XIV-XV 1481 1535 1581 1583 1619 1641 Caria Cartaxo Castelo Branco Castelo Novo ¢ Alpedrinha Castelo Mendo Castelo Rodrigo Castelo de Vide Castro Marim Cela de Alcobaga Chaves Coa Coimbra Coruche Covilha Crato Elvas Entre Douro e Minho Estremoz ivora Faro Fraido Freixo de Espada a Cinta Fronteira o © o o Garvio Gerez do Lima Grandola Guarda 13 Guimaraes 12 Jerumenha 1 Lagos 2 Lamego 17 Leiria 9 Lisboa 36 Loulé Lousa Marialva Marvao Mertola Miranda do Douro Mongao Monforte Monsanto Monsarraz Montemor-o-Novo Montemor-o-Velho Moura Mourao Muge wee ° ° of oo of #O ° woo of 0 Ree ° o0° ° + eocoo ©0000 eogo o0000 oo+00 a mr ONG RESET ERA ee ce eee as Sous oo geo acs eo es oc eo eee ces B% 84% 494 eocco eoo00 e000, eoc0° ego000 ° mawnon 2 8 Bees 000000000 oeaccoccece eccoggecoce oeccceccce oecccecece 44239249008 60 Estupos Sécs. XIV-XV 1481 1535 1581 1583 1619 1641 Nisa 1 CG GGG oe Nobrega 1 Obidos 6 ° ° ° ° ° oF Olivenga 6 ee Ouguela 1 Ourém f 0 © ©o© 0 of Ourique 0) 0) 6) ooo Palmela 1 Sooo oo Pandias 1 0 0 © oo 0 0 Penamacor 4 OOOO cet on ot Penela 1 O06 6 G6 Pinhel 9 Ge ooo ore Pombal ee Ponte do Lima 16 Co og oo Portalegre 3 Go 6 0 6 6 Portel ° ° o ° ° 7 Porto 46 Go oto ot oe Porto de Més foo ce Santarém 23 © 0 oo 0 0 of Santiago de Cacém 0) ooo 6 Serpa 4 or oro oto Serti ° ° ° ° o o* Setibal 8 Coto oot ot Te Silves 18 G6) 6 ooo Sintra 6 Ge 9676 66 0 Soajo 1 Tavira 12 Geo oe oe oe ot Tentibal 1 Terena 4 Tomar ° ° ° ° ° ° Torre de Moncorvo eo at os ot Torres Novas 3 Go 6G oe Torres Vedras 6 Oho) 0 oo ot ‘Trancoso 6 Be oF o oto ot Valdevez 1 Valenga 4 ° ° oF o* ° of Veiros 2 6) 6) oo ot Viana da Foz do Lima 7 OPO Oho 6 ot Viana do Alentejo fo 0 © 0 o oF Vila do Conde Oo ore ona ioe Vila Nova da Cerveira 2 fo ao ot Vila Real 6 6) 6 oo 5 ot Vila Vigosa 2 Coot oe org Viseu 2 O00 Of Gro ot Legenda: Col. 1 — niimero de presengas em cortes, avaliadas pelos capitulos conhecidos (1325-1490); 61 PenéLope - FAZER £ DesFazER A Historia o — presenga; f— presenga fora do banco (1481-1482); * — capitulos conhecidos. Fontes: Sécs. XIV-XV — Armindo de Sousa, As Cortes medievais portuguesas, Il, Porto, 1987, «Inventério das terras que participaram em cortes medievais [1325- -1490]», II, 45-86. 1481-2 — Alvaro Lopes de Chaves, Livro de Apontamentos (1538-1489), ed. pot ‘Anastisia Mestrinho Salgado e Abilio José Salgado, Lisboa, INCM, 1983, 116/119. 1535 — Visconde de Santarém, Histéria e theoria das cortes geraes..., ed. Cons. Lisboa «Provas», 88 ss. 1581 — Fernando Bouza Alvarez, Portugal en la Monarquia Catélica..., 1, 279. 1619 — Joao Baptista Lavanha, Viagem de Catholica Real Magestade del Rey D. Felipe [...] a0 Reyno de Portugal, Madrid 1622 {marcadas com 0] BNL Pomb. cod. 249, fis. 329-330 [marcados com +]. 1641 — JJAS, ano resp., 19 ss.. 62

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