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Benjamin Habermas Horkheimer Adorno Os PensadoréS ee Os PensadoréS Benjamin Tlabermas Tork heimer Adorno “Sempre foi uma das taretas ese ciais da ane a de suscitar detorminada indagagdo num tempo ainda no ma- duro para que se recebesse plea r posta.” WALTER BENJAMIN: A obra de one na Epoce de suas técnicas de reprodu- a0, *Separados da teoria o« conceltos perdem seu significado como ocore- fia com qualauer perte de uma cone- x30 vive. E plenamenie possivel que uma horda de bandidos desenvolva tra Gos positives de coletividade humana mas esta possibilidade aponta sempre as falhas da sociedacie mainr. na quel esse bando existe, Em uma sociedade injusla, 0» criminoses nao sie obrigato- rlamente sees humanos inferiores, Na Sociedade totalmente justa eles setion a0 mesnia tempo desumanos. O seni do correla de julzos isolados sobre as coisas humanas 56 € oblide na sua rela- go cam o todo." HORKHEIMER: Teoria tradicional & fearia critica “A.ane musical caja de ser obje- to'dé consume deve pagar prego de sua Comisténcia, © os eres que encer r& MG0 constitvem eros. ‘artisticos’, mas cada acorde falsamente compost ou retardatario expressa o cariter rea- Cionétio daqueles a cuja demanda a musica € adaptada. Uma musica de massas tecnicamente conseqlente, coerente © puriicada dos elementos de mé aparéncia, se translormaria em misica aftistica. © com iso mesmo perderia a ceracteristica que a forna aceita peias massa. THEODOR ADORNO: O. fotichiema na misica e 4 regress3o na audicso. __US Fensadores ‘CIP-Brasil. Catalogacio-na-Publicagio ‘C&amara Brasileira do Livro, SP 7336 ed. 83.0394 ‘Textos oxcothides / Walter Benjamin, Max Horkheinuer, ‘Theodor W, Adorno, Jirgen Ha'permas ; tradugdes de José Lino Grunewald... Jet al, —2. ed, — Siio Paulo : Abril Cultural, 1983, (Os pensadores) Inclui vidi € obra de Benjamin, Horkheimer, Adorno ¢ Habermas, Bibliogratia.. |. Ame ¢ sosiedade 2. Ane ~ Filosofia 3, Ciencia ¢ civilizagi 4, Cule wra S$, Filosofia alemi 6. Filésofos modernos 7, Tecnologia ¢ civilizagho I. Benjamin, Walter, 1892-1940, Il, Horkheimer, Max, 1995-1973. IIl. Ador. no, Theodor Wievengrunc, 1903-1969. 1V, Habermas, JUrgen, 1929- V. Se. vie 17.¢ 18, CDD-193 ie 18 301-2 17 “WL 18 301.243, 17.6 18 -700:301 17.0 18. “70 Indices para catdlogo sistematico: 1, Alemuanha ; Filosofia 193 (17. ¢ 18.) 2. Ante : Filosofia 701 (17. 18) 3. Arte € sociedade 700:301 (17. ¢ 18.) 4. Cigncia ¢ tecnologia : Sociologia 301.34 (17,) 301, 243 (18.) 8, Cultura : Sociologia 301.2 (17, ¢ 18. 6, Filosofia alemd 195 (17, ¢ 18.) . Fildsatos alemaes 193 (17. @ 18.) 8. Tecnologia © ciéneia : Sociologia 301.24 (17.) 301.243 (18) WALTER BENJAMIN MAX HORKHEIMER THEODOR W. ADORNO JURGEN HABERMAS TEXTOS ESCOLHIDOS 1983 EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titalos originals: “Textas de Benjamin: “Dus Kunsrwerk in Zeitlter seiner ischnaschers Reprechsslerbarkeit™ (de Atienénationen) Ueber einige Motiven bei Baudelaire” (cle uminarionen) “Der Exzaeter"” (de Veber Literatur) “Der Surrealisnws"” (de Veber Literatur) ‘Texto de Horkhelmer ¢ Marcase: “Begeitl der Aufktarung’” (de Dinkokk der Auflarung Philosophische Fragment) ‘Texto de Horkhelmer: Tradisioneste und Kritische Theorie nd eran Oe Herkimer « Maree: “Philosophic und Kritische Theurie'” (de Zeicrchrifs fir Sottalforschung. v. 6) Tein dation ~ Anabyuisehe Wissenschu‘ts Theorie und! Dialektk™ (de Der Positivésmassiret in der deutschen Sozioto gies “Erkewutais-und Inferesse "(de Teclinih wal Wissenschaft als Ideolagle") *"Techaik und Wissemschalt als Meclowic"™ te} Copyright dest edigio, Abel S.A, Calcural, Sio Pauls, 1980 — 2-*edigdo 1983, ‘Texto publioudes sob lieengt de: Subrkamp Verlag, Frankiurt-um-Maim (liar pare a Sociologia da Mfésica, 1959 Hosigdo do Nurrucler Cansempordneo, 1938; Conferéncia Sobre Lirica ¢ Soceedaae: A Obra de Arte ne Epoce Ue suas Téenicus de Reproduce. Sobre Alguns Femas em Bundelaire: 0? Narradar: 0 Surreati Conhacimento « tateresse: Ténica ¢ Cidncia EnqucatoYdcologla"’) LLuchterhand Verlag, Darmetidt usd Newwied, 1969 (areaturdo d Camrovérsia Sobee 1 Positiviama na Sacintogia Alemed: Teoriv Analitica da Cééncta + Diatéicn), Vandeahoeck und Ruprecht, Goettingsa (0 Fetichiame na Masica «1 Regresstio da Audit). . Placher Verlag. Feinkfurt-art-Main ¢ Bditora Perwpoctive 8... Sto Paul (Feoria Trauiciona! ¢ Teoria Cra), $8. Phocher Verlig, Peankft-ani-Main (Cancett de Hldminisina, 1909: Piiosopas ¢ Teoria Chica, 1987). ‘Traduyao publicada sob licengs de José Lino Grinnewakd, Rio de Inneiro VA Obra de Arw ma Epsea de suas Thenicat de Repronlucdo. Direitox exelusivos sobre at domais tridugaes dete vohaias, Abvil S.A, Cultural, Sis Paulo, ‘Direitos exctusivos subse“ BENIAMIN, HORKHEIMER, ADORNO, HABERMAS — Vida @ Obra”, Abril S.A. Cultural, So Paulo, ADORNO HABERMAS VIDA E OBRA Consultoria! Paulo Eduardo Arantes um dia qualquer de 1940, no lado espanhol da fronteira en- tre a Franca é a Espanha, um funciondrio da alfandega, cumprindo ordens supertores, impediu a entrada de um grupo de inte- lectuais alemSes que fugia da Gestapo, a temivel corporagao nazista, Um dos integrantes do grupo, homem de quarenta e Gite anos de ida- de, que estampava no rosto sinais de profunda melancolia, mas ao mesmo tempo transmitia a impressio de um intelecto privilegiada, ndo resistiu a tensdo psicoldgica e suicidou-se, © fato poderia ser visto apenas a luz da psicologia individual, mas na verdade transcende esses limites e adquire dimensdo social ¢ cultural mais ampla, © intelectual em questio era Walter Benjamin, ‘um dos principais representantes da chamada Escola de Frankfurt. As idéias dessa corrente de pensamento encontram-se, em gran- de parte, nas paginas da Revista de Pesquisa Social, um dos documen- tos mais importantes para a compreensio do espirito ouropeu dao sécu- lo XX, Seus colaboradores estiverarn sempre na primeira linha da ro- flexao critica sobre os principais aspectos da economia, da sociedade eda cullura de seu tempo; em alguns casos chegaram mesmo a par cipar da militanga politica, Por tudo isso, foram alvo de perseguigde dos meios conservadores, responsdveis pela ascensio e apogeu dos regimes totalitérias europeus da época. Fundado em 1924, o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, do qual a revista era porta-voz, foi obrigado, com a ascensio ae po- der na Alemanha do nacional-socialismo, em 1933, a transferir-se pa- ra Genebra, depois para Paris, e, finalmente, para Neva York. Nesta cidade a revista passou a ser publicada com o titulo de Estudos de Fi- fosofia e Ciéneias Socials. Com a vitéria dos aliados na Segunda Guer- ra Mundial, os principais diretores da revista puderam regressar a Ale~ manha e reorganizar 0 Instituto em 1950, Alfred Schmidt, que se dedicou a investigagao da importincia ¢ da influ@ncia da Revista de Pesquisa Social, afirma que nela se fune dem, de maneira dnica, a autonomia intelectual, a andlise critica e o protesto humanistic, Os colaboradores da revista opunham-se aos periddicos e@ instituigdes de carter académico, desenvolvendo um pensamento comum nese sentide, sem que isso, contudo, anulasse interesses @ erientagoes individuais e, sobretudo, sem que fossem pos tas de lado as exigéncias de rigor cientifico. Gian Enrico Rusconi, ou- tro estudioso da Escola de Frankfurt, chama a atengio para o fato de vit BENJAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS que o pensamento dese grupo nao pede ser comprecndide sem ser vinculado @ tradigdo da esquerda alema. Para Rusconi, o significado historico € politico das reflex6es encontradas na Revista de Pesquisa Social reside em sua continuidade em relacio ao marxismo € 3 cién- cia social anticapitalista. Essa posigaa tedrica foi desenvolvida endo como pano de fundo as experiéneias terriveis e contraditérias da rept blica de Weimar, do nazismo, do estalinismo e da guerra {ria Ainda segundo Rusconi, a “teoria critica” — como costuma ser chamado 0 ‘canjunto dos trabalhos da Escola.de Frankfurt — 6 uma expressao da crise tedrica e politica do século XX, refletinda sobre os scus proble- mas com uma radicalidade sem paralelo. Por isso, os trabalhos de seus pensadores exerceram grande influtncia, direta em alguns casos, indireta noutras, sobre a> movimentos estudantis, sobretudo na Ale- manha ¢ nos Estados Unides, nos fins da década de 60. A histéria desse grupo de pensadores pode ser iniciada com a fundagdo do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, sob diregao de Carl Grunberg, que permaneceu no cargo até 1927. Grinberg abria a primeira némero do Arquivo de Histéria de Secialismo e do Mavi- mento Operirio (publicacic que fundou em 1911), salientanda a ne- cessidade de nao se csiabtlecer privilégio especial para esta ou aque- la concepgio, orientagio cientifica ou apinida de partidy. Grinberg estava convencido de que qualquer unidade de pontos de vista entre 98 colaboradores prejudicaria es fins criticos e intelectuais da propria iniciativa, Posteriormente, ji na diregio da Revista de Pesquisa So- cial, ele proprio se consideraria um marxista, mas entendendo essa posica n4o em seu sentido apenas politicospartidario, mas em seu significado cientifico; © conceito ‘‘marxismo’’ servia-the para descri- a0 de um sistema econémico, de uma determinada cosmovisda e de um método de pesquisa bem definido. Essa postura inicial de Griin- berg — vinculada a uma “escola” de pensamento, mas ao mesmo tempo entendenda-a em sua dimensdo critica e coma perspectiva aberta — constitui, de modo geral, a ténica do pensamento dos ele- mentos do grupo dé Frankfurt, Entre os colaboradores da Revista, contam-se figuras muito co- nhecidas de um pdblico mais ampla, como Herbert Marcuse (1896-1979), autor de Eros @ Civilizagdo © O Homem Unidimensio- nal (au Ideologia da Sociedade Industria), ¢ Erich Fromm (1900-1980), que se dedicou a estudos de psicologia sacial, nos quais procura vincular a psicandlise criada por Freud (1856-1939) as idélas marxistas. Outros s40 menos conheciclos, como Siegiried Kra~ cauer, autor de umn clissico estudo sobre o cinema alemao (De Caliga- nv a Hitler, ou Leo Léwenthal, que se dedicou a reilexdes estéticas e de sociologia da arte. Ao grupo da Revista pertenceram também Wittfogel, F. Pollock ¢ Grossmann, autores de importantes estudas de economia politica. Os homens e suas obras Entre todos os elementos vinculados ao grupo de Frankfurt, sa- lientam-se, por razdes diversas, os nomes de Walter Benjamin, Thec- dor Wiesengrund-Adorno e Max Horkheimer, aos quais se pode ligar VIDAEOORA = IX @ pensamente de Jlirgen Habermas. Esses autores formaram um grupo Mais Coeso € em suas. Obras encontrasse um pensamento dotado de maior unidade teérica, ‘Os tacos biogrificos © 0 perfil humano de Walter Benjamin sao os mais conhecidos entre esses quatra pensaderes de Franklurt; sua morte, quando era ainda relativamente maco {48 anos) ¢ em ¢ircuns- Wncias tragicas, deixou marca indelével entre os amigos, fazendo Cam que surgissem muitos depoimentos sobre sua vida e sobre sua personalidade. Para Adorno, Walter Benjamin era a personalidade mais enigmatica do grupe, s¢us interesses eram ireqdentemente con- traditérios & sua conduta oscilava entre a intransigéncia quase rispida © a polide oriental, Essa maneira de ser aparentava mais 0 tempera- mento vibrante de um artista do que a trangiilidade © a frieza racio- nal, normalmente esperadas de um {ilésofo. Seu pensamento parecia nascer de um impulse de natureza artistica, que, transformada em teo- ria — como diz ainda Adorno — “liberta-se da aparéncia e adquire incomparavel dignidade: a pramessa de felicidade"’, Qutro depoimenta que onriquece de significados o perfil intelec- tual ¢ humano de Walter Benjamin € 0 de Gerschom Scholem, seu companheiro desde a juventude. Scholem o conheceu na primavera de 1915, quase um ano apés 0 comego da Primeira Guerra Mundial, @ relata que nessa época ficau impressionada com a profunda sensa- gio de melancolia de que o amigo parecia estar permanentemenie possuido. Walter Benjamin nasceu em Berlim, em 1892, de ascendéacla is- raelita. Seus estudos superiores foram iniciados em 1913. realiza- dos em varias universidades, nas quais sempre exerceu intensa ativie dade politica ¢ cultural entre os colegas, Em 1917, casou-se © passou a viver em Berna (Suiga), em cuja universidade apresentou uma disser- tagao académica intitulada © Conceito de Critica de Arte po Romi tismo Alemio. Em 1921, publicou uma tradugao dos Quadres Pari- sienses de Baudelaire (1821-1867) © na ana seguinte @ pocta e drama- turgo Hugo Yon Hoimannsthal (1874-1929) @ conyidou para publicar na revista que dirigia (Novas Contributcdes Alemds) seu primeiro gran- de ensaio: As “Alinidades Eletivas" de Goethe, Em 1928, Walter Ben- jamin viu truncadas suay esperangas de uma carreira Universitaria, quando a universidade de Frankfurt recusou sua tese: As Origens da Tragédia Barroca na Alemanha, Para assegurar a sabrevivéncia, pas- ‘entio a dedicar-se a critica jornallstica e a tradugées, escrevendo ainda numerosos ensaios. Nessa época, fez uma das mais perfeitas tra- ducoes em lingua alema que se conhece: A Precura do Tempo Perdl- do, de Proust (1871-1922), Além disso, projetou uma grande obra de filosofia da historia, cujo titule deveria ser Paris, Capital do Século XIX e que ficou incompleta, A déeada de 1930 trouxe-Ihe outros intor- tinios: seus pais faleceram, teve de divorciar-se da esposa € viu as- cender 0 totalitarismo nazista, Sob a ditadura de Hitler, ainda conse- gulu publicar alguns trabalhos menores, recorrendo ao disfarce de pseudénimas, Em 1235, foi obrigado a refugiar-se em Paris, onde os Girigentes emigrados do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt re- ceberam-no como um dos seus colaboradores ¢ derany-lhe candigdes para esecever alguns de seus mais importantes trabalhos: A Obra de Arte na Epoca de suas Técnicas de Reproducao, Alguns Temas Baude- x BENIAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS: lairianos, O Narrador, Homens Alemées. Finalmente veio 2 falecer na fronteira entre Espanha e Franca, em circunstancias dranyaticas. Theodor Wiesengrund-Adoing nasceu em 1903, em Frankfurt, ci- dade once fez seus primeiros estudos e em cuja universidade se gra- duou em filosuiia, Em Viena, estudou composigao musical com Al- ban Berg (1885-1935), um dos maiores expoentes da revalucao must- cal do século XX. Em 1932, escreveu o ensaio A Situagdo Social da Mésica, tema de inGmeros outros estudos: Sobre o Jazz {1936}, Sobre © Cardter Fetichista da Musica © a Regressdo da Audicao (1938), Frag- mentos Sabre Wagner (1939) @ Sobre Mdsics Popular (1940-1941). Em 1933, com a tomada do poder pelos nazistas, Adorno foi obriga- do a refugiar-se na Inglaterra, onde passou a lecionar na Universida- de Oxford, ali permanecendo até 1937. Nesse ano, transferiu-se para 05 Estados Unidos, onde escreveria, em colaboracgéo com Horkhei- mer, a obra Dialética do Numinismo (1%47), Foi também nos Estados Unidos que Adorno realizou, em colaboragao com outros pesquisado- res, um estudo considerado posteriormente como um modelo de so- cidlogia empirica; A Personalidade Autoritaria. Esta obra foi publica- da em 1950, ano em que Adorno péde regressar a terra natal ¢ reorga- nizar o Instituta de Pesquisas Sociais de Frankfurt. Entre outras obras publicadas por Adorno, antes de sua morte ocorrida em 1969, saliens tam-se ainda Para a Metacritica de Teoria do Conhecimento - Estudos Sobre Husser! ¢ as Antinomias Fenomenoldgicas (1956), Dissondn- cias (1956), Ensaios de Literatura J, Il @ i (1958 a 1965), Dialética Ne- rae (1966), Teoria Estdtica (1968) ¢ Trts Estudos Sobre Hegel Max Horkheimer, © principal director da Revista de Pesquisa So- cial desde o afastamento de Gronberg nos fins da década de 20, nas- ceu em Stuttgart, a 14 de fevereiro de 1895 e falecou em Nuremberg, a 9 de julho de 1973. Em 1930, tornou-se professor em Frankfurt, on= de permaneceu até 1934, quando teve de se refugiar, como os de- mais campanheiros. Nesse ano transferiu-se para os Estados Unidos, passando a lecionar na Universidade de Coltimbia. Nos Estados Uni- des, Horkheimer permaneceu até 1949, ano em que pode regressar a Frankturt e reorganizar o Instituto de Pesquisas Sociais, com Adamo. A maior parte dos escritos de Herkheimer encontra-se nas pagi- nas da Revista de Pesquisa Social, Entre os mais importantes contam= se: Inicios da Filosofia Burguesa da Historia (1930), Um Novo Cancei- to de Ideologia (1930), Materialismo e Metafisica (1930), Materialis- mo e Moral (1933), Sobre a Polémica.da Racianalismo na Filosofia Atual (1934), O Problema da Verdade (1935), © Ultimo Ataque 4 Me~ taffsica (1937) & Teoria Tradicional e Teoria Critica (1937), JGrgen Habermas ¢ considerado um herdeiro direta da escola de Frankfurt. Nascido em 1929, em Gummershach, Habermas ficen- ciou-se em 1954, com um trabalho sobre Schelling (1775-1854), inti- tulado G Absolute e ¢ Histéria, De 1956 a 195%, colaborou estreita- mente com Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, Em 1968, transferiu-se para Nova York, passando a lecionar na New Yor- ker New School for Social Research. Entre suas obras principals, con- lam-se Frire a Filosofia e a Ci@ncia - O Marxismo como Critica (1960), Reflexdes Sobre o Conceito de Participegéo Publica {publica- do em 1961, juntamente com trabalhos de outros autores, com o titu- VIDAEOBRA XI lo geral de O Estudante © a Politica), Evolugao Esteutural da Vida Pd- bitca (1962), Tearia e Praxis (1963), Logica das Ciancias Sociais (1967), Técnica e Ciéncia coma Ideologia (1968), e Conhecimento € Interesse (1968), Benjamim: cinema € revolugio Os miiltiplos interesses dos pensadores de Franklurt © © fato de ndo constituirem uma escola no sentido tradicional do terme, mas uma postura de andlise critica e uma perspectiva aberta para todos os problemas da cultura do sécula XX, torna dificil a sistematizacao. de seu pensamento. Podese, no entanto, salientar alguns de seus temas, chegando-se a compor um quacro de suas principais idéias. De Wal- ter Benjamin, devem-se destacar refloxées sobre as técnicas de repro- dugéo da obra de arte, particularmente do cinema, © as consequén- eias sociais @ paliticas resultantes; de Adorna, 0 conceito de “indts- tria cultural” @ a fungio da obra de arte; de Horkheimer, os funda- mentos epistemoldgicos da posicae filestfica de todo o grupo de Frankfurt, tal como se encontram tormulados em sua “teoria critica’; 2, finalmente, de Habermas, as idéias sabre a ciéncia ¢ a tecnica co- mo ideologia. Benjamin tinha seu ensaio A Obra de Arte na Epoca de suas Téc- nicas de Reprodugao na conta de primeira grande teoria materialista da arte. © ponto central desse estudo encontra-se na andlise das cau- gas @ conseqiidncias da destrui¢ao da aura’ que envolve as obras de arte, enquante objetos individualizades & unicos, Com 0 progresso- das técnicas de reprodugao, sobretudo do cinema, a aura, dissolven- dose nas varias reprodugdes do original, destituiria a abra de arte de seu status de raridade, Para Benjamin, a partir do momento em que a obra fiea excluida da atmosfera aristocratica ¢ religiosa, que fazem de- la uma coisa para poucos ¢ um objeto de culto, a dissolugdo da aura atinge dimensdes sociais. Essas dimensdes seriam resultantes da estrei- ta relacao existente entre as transformacées técnicas da sociedade e as medificagdes da percepgo estética. A perda da aura ¢ as conse- gdéncias socials resultantes desse fato sao particularmente sensiveis no cinema, no qual a reproduc3a de uma obra de arte carrega consi- g0 a possibilidade de uma radical mudanca qualitativa na ralaco das massas com a arte. Embora o cinema — diz Walter Benjamin — exija © uso de toda a personalidade viva do homem, este priva-se de sua aura. Se, no teatro, a aura de um Macbeth, por exemplo, liga-se indis- soluvelmente 3 aura do atar que o representa, tal como essa aura é santida pelo piblico, 0 mesmo nao acontece no cinema, no qual a aura dos intérpretes desaparece com a substituicso do poblico pelo aparelho. Na medida em que o ator se torna acessorio da cena, nao € rato que os priprios acessérios desempenhem o papel de atores, Benjamin considera ainda que a natureza vista pelos olhos difere da natureza vista pela camara, @ esta, ao substituir o espago onde o hamem age conscientemente por outro onde sua agao ¢ inconscien- te, possibilita a experitncia do inconsciente visual, do mesmo modo que a pratica psicanalitica possibilita 2 experi@ncia do inconsciente instintiva. Fxibindo, assim, a reciprocidade de agio entre a matéria xil BENIAMIN - ADORNO - HORKHFIMER - HABERMAS 9 homem, 9 cinema seria de grande valia pata um pensamento mate- fialista, Adaptado adequadamente ao proletariada que se prepararia para tomar © poder, @ cinema tornar-se-ia, em conseqténcia, porta: dor de uma extraordinaria esperanga histérica. Fm suma, a-anélise de Benjamin mostra que as técnicas de repro- dugdo das obras de arte, provecando a queda da aura, promovem a li- quidacao do elemento tradicional! da heranga cultural; mas, por outro lado, esse processo contém um germe positive, na medida em que possibilita outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz de renevacgao das estruturas sociais. Trata- se de uma postura otimista, que foi objeto de reflexae critica por par- te de Adorno. Adorno: a industria cultural Para Adorna, a postura otimista de Benjamin no que diz respeito 4 funcao possivelmente revolucionaria do cinema desconsidera certos elementas fundamentais, que desviam sua argumentagao para conclu- ses ingénuas. Embora devendo a maior parte de suas reflexdes a Ben- jamin, Adorno procura mostrar a falta de sustentagdo de suas teses, na medida em que elas ndo trazem § luz o antagonismo que reside no proprio interior do conceito de “técnica”, Segundo Adamo, pas: sou despercebide a Benjamin que a técnica &e define em dois oiveis: primeira “enquanto qualquer coisa determinada intra-csteticamente” @, segunde, “enquanto desenvelyimeme exterior as obras de arte’, conceito de técnica néo deve ser pensado de maneira absoluta: ele postui uma origem histérica & pode desaparecer. Ao visarem a produs gdo em série ¢ & homogeneizacao, ay técnicas de repredugao sacrifi- cam a distingdo entre o carater da prépria obra de arte ¢ do sistema social. Por consuguinte, se a técnica passa a exercer imenso poder so- bre a sociedade, tal ocorre, segundo Adorno, gragas, em grande par- te, ao fato de que as circunstancias que favorecem tal pader sao ardul- tetadas pelo poder dos econcmicamente mais fortes sobre a prépria sociedade, Em decoréncia, & racionalidade da técnica iden se com a racionalidace de proprio dominio, Essas consideragoes eviden- Giariam que, ndo s6 0 cinema, come também 0 radio, ndo devem ser tomados como arte, "O fato de ndo serem mais que negdcias — es creve Adorno — basta-lhes como ideologia.” Enquanto negdcios, seus fins comerciais s80 realizades par meio. de sistemética ¢ progra: mada exploragéo de bens considerados culturais, Tal exploracde Adorno chana de “indastria cultural”. © termo foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da publicagéo da Dialética do Muminismo, de Horkheimer e Adorno. Es- te ditime, numa série de conferéncias radiofénieas, pronunciadas em 1962, explicou que a expresszo “inddstria cultural!” visa a substituir “cultura de massa’, pois esta induz ao engodo que salisiaz os interes- ses dos detentores dos veiculos de comunicagaa de massa. Os deien- sores da expresso “cultura de massa” querem dar a eniender que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das pré- prias massas. Para Adorno, que diverge frontalmente dessa interpreta- Gdo, a industria cultural, ao aspirar 8 integracda vertical de seus con= MIDAEOBRA XII sumidores, nao apenas adapta seus produtos ao consume das massas, mas, em larga medida, determina © proprio consumo, Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a inddstria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um de seus elementos, as condig&es que representam seus interesses, industria cultural traz em seu boja todos os elementos caracteristicas do mundo industrial moderno e@ nele exerce um papel especitico, qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorga sen- tido a todo o sistema. Aliada a ideologia capitalista, c sua cumplice, a inddéstria cultural contribui eficazmente para falsificar as relacbes en- tre os hamens, bem como dos homens com a natureza; de tal forma que © resultado final constitui uma espécie de antiiluminismo. Consi- derando-se — diz Adorno — que o iiuminismo tem como finalidade libectar as homens do medo, ternando-os senhores ¢ liberando o mun- do da magia e do mito, e admitindo-se que essa finalidade gode ser atingida por meio da ciéncia e da tecnologia, tude levaria a crer que 0 Hluminismo instauraria o poder do homem sabre a ciéncia ¢ sobre a técnica. Mas ao invés disso, liberto do meda magico, o homem tor- nou-se vitima de novo engodo: 0 progresso da dominacao técnica. Es- Se progresso transformau-se em podcroso instrumenty utilizado pela inddstria cultural pata conter 9 desenvolvimento da consciéncia das massas. A inddstria cultural — nas palavras do. proprio Adamo — “impede a formagdo de individuus aulnomes, independentes, capa zes de julgar e de decidir conscientemente”. O praprio dcio de ho- mem ¢ utilizado pela inddstria cultural com o fito de mecanizi-lo, de tal modo que, sob © capitalism, er suas formas mais avancadas, a diversio eo lazer tornan-se um profongamento do trabalho. Pata ‘Adomo, a diversio é buscada pelos que desejam esquivar-se ao pro: cesso de trabalho mecanizado para colocar-se, novamente, em condi Ges de se submeterem a cle. A mecanizagao conquistou tamanho po- der sobre 0 homem, durante 0 tempo livre, e sobre sua felicidade, de+ terminando tao completamente a labricagdo dos pradutos para a dis- tragio, que o homem mio tem acesso senao a copias e reproducdes do préprio trabalho. © suposte conteddo nao é mais que uma pilida fachada: o que realmeme the @ dado ¢@ a sucessdo automdtica de ope- ragées reguladas. Em suma, diz Adorno, ''s6 se pode escapar ao pro- vess0 de trabalho na fabrica e na oficina, adequando-se a cle no cio”, Tolhendo a consciéncia das massas @ instaurando o poder da me~ canizagae sobre o hemem, a inddstria cultural cria condigdes cada vez mais favoraveis para a implantagao do seu comércio fraudulento, no qual os consumidares sio continuamente enganados em relacio a0 que Ihes é prometida mas néo cumprido, Exemplo disso encontra- se nas situagdes ertticas apresentadas pelo cinema. Nelas, o descjo suscitado ou sugerido pelas imagens, a¢ Invés de encontrar uma satic- fagdo correspondente 4 promessa nelas envolvida, acaba sendo satis: feito com o simples elogio da ratina, Nao conseguinde, come preten- dia, escapar a esta ditima, o desojo divorcia-se de sua realizagao que, suloeada @ transformada em negagao, convene o proprio desejo em privagao. A inddstria cultural nao sublima o instinte sexual, como nas verdadeiras obras de arte, mas o reprime © sufoca. Ao expor sempre como nove © objeto de deseja (0 seia sob o suéter oy 0 dorsa nu do xIV BENJAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS heréi desportivo), a inddstria cultural no faz mais que excilar o pra- zer preliminar nao sublimado que, pelo habito da privagao, converte- se em conduta masoquista. Assim, prometer © nao cumprir, ou seja, oferecer e privar, sao um Gnico ¢ mesmo ato da inddstria cultural A situagae erdética, conclui Adore, une “2 alusaa © a excitacao, a ad- verténcia precisa de que nao se deve, jamais, chegar a esse ponto”’. Tal adveréncia evidencia como a industria cultural administra o mun- do social. Criando “necessidaces’ ao consumidor (que deve contentar-se com o que the ¢ oferecido}, a industria cultural organiza-se para que ele compreenda sua condicio de mero consumidor, ou seja, ele 6 apenas € 140-somente um objeto daquela industria. Desse modo, ins- laura-se a dominagao natural ¢ ideolégica. Tal dominacao, como diz Max Jiménez, comentador de Adorno, tem sua mola motora no dese- jo de posse constantemente renovado pelo progresso técnico e cientl« fico, € sabiamente controlado pela indistria cultural, Nesse sentido, © universe social, além de configurar-se como um universe de “coi- sas", Constituiria um espaco hermeticamente fechado. Nele, tadas as tentativas de liberacao estan condenadas ao fracassa. Contudo, Adorno ndo desembeca numa visao inteiramente pessi- mista, © procura mostrar que é possivel encontrar-se uma via de salva- cao. Esse tema aparece desenvolvido em sua Gltima obra, intitulada Teoria Estética. A obra de arte © a praxis Em Teoria Estética — nas palavras do comentador Kothe — “Adorno oscila entre negar a possibilidade de produzir ane depais de Auschwitz @ buscar nela refiigio ante um mundo que chocava, mas que ele ndo podia deixar de olhar e denominar'’. Essa postura foi ex- tremamente criticada pelos movimentos de contestagdo radical, que 9 acusavam de buscar refiglo na pura teoria ou na Criagao artistica, esquivando-se assim da pridxis politica, A seus detratores, Adorno res- ponde que, embora plausivel para muitos, © argumento de que con+ tra a totalidade barbara néo surtem efcito sendo os meios barkaras, na verdade ndo releva que, apesar disse, atinge-se um valor limite. violéncia que ha cinqdenta anos podia parecer legitima aqueles que hutrissem a esperanga abstrata e a ilusdo de uma transformagdo total esta, apds a oxperiéneia do nazismo e do horror estalinista, inestrica- velmente imbricada naguilo que deveria ser modificado: “ou a huma- nidade renuncia a violéncia da lei de talido, ou a pretendida praxis politica radical renova o terrar do pasado" Criticando a praxis brutal da sobrevivéncia, a obra de arte, para Adorno, apresenta-se, sovialmente, como antitese da sociedade, cu- jas antinamias e antagonismos nela reaparecem camo problemas in- ternos de sua forma. Por outro lado, entre autor, obra e publico, a obra adquire prioridade epistemoldgica, afirmancdo-se como ente au- lonomo, Esse duplo cardier vincula-se a propria natureza desdobrada da arte, que se Constitui come aparéneia. Ela é aparéncia por sua dife- renca em relacdo @ realidade, pelo cardter aparente da realidade que Pretende retratar, pelo carater anarente da espirito de qual ela é uma VIDA E OBRA xv manifestacdo; @ arte é até mesmo aparéncia de sl propria na medida em que pretende ser o que nao pode ser: algo perfeito num munda imperfeito, por se apresentar como um ente definitivo, quande na ver dade 6 algo feito e tornado coma 6. Horkeimer: ciéncia e totalitarismo A expresso “teoria critica” é empregada para designar 0 conjun- ta das cancepgées da Escola de Frankfurt. Horkheimer delineia seus tragos principais, tomando como ponto de partida o marxismo € opondo-se aquilo que ele designa pela expressao “teoria tradicio- nal". Para Horkheimer, o tfpica da teoria marxista é, por um lado, nao pretender qualquer visio concludente da totalidade e, por outro, preocupar-se com a desenvolvimento concreto do pensamento. Des- s¢ modo, as categorias marxistas mao sao entendidas camo conceitos definitivos, mas come indicagées para investigages ulteriores, cujos resultados tetroajam sobre elas prprias. Quando se vale, nos mais di- yersos contextos, da expressao ““materialismo" Horkheimer ndo repe- le ou Wanscreve simplesmente o material codificado nas obras de Marx e Engels, mas fefiete esse materialismo segundo a dptica dos momentos subjetives e objetives que devem entrar na interpretagao desses autores. Por teoria tradicional Horkheimer entendé uma certa concepgao de ciancia resultante do longo procesto de desenvolvimento que re- monta ao Discurso da Método de Descartes (1596-1650), Doscartes — diz Horkheimer — fundamentou o ideal de ciéncia Como sister dedutive, no qual todas as proposigdes referentes a determinado eam po deveriam ser ligadas de tal modo que a maior parte delas pudesse ser derivada de algumas poucas, Estas formariam os principios gerais que tornariam mais completa a teorla, quanto menar tosse sev_niime- ro. A exigencia fundamental dos sistemas tedricos construidos dessa maneira seria a de que todos os elementos assim ligados o fossem de modo direto ¢ nao contraditério, transformando-se em puro sistema matematico de signos. Por outro lade, a teoria tradicional encontrou amplas justificativas para um tal tipo de ciéncia no fata de que 0s sis- temas assim construidos sdo extremamente aptos 3 utilizagso operati- va, isto é, sua aplicabilidade pratica ¢ muito vasta. Horkheimer admite a legitimidade e a validez de tal concepgao, reconhecendo © quanto els contribuiu para o controle técnico da na- tureza, transformando-se, como diz Marx, em “forga produtiva ime- diata"’. Mas o reverso da moeda é negativo. Para Horkheimer, o traba~ tho do especialista, dentro dos moldes da teoria tradicional, realiza- se desvinculado dos demals, permanecendo alheio a conexgo global dos setores da produgao. Nasce assim a aparéneia ideoldgica de uma autonomia dos processes de trabatho, cuja dirego deve ser deduzida da natureza interna de seu objeto. O pensamento cientifista contenta- se com a organizagae da experiéncia, a qual se di sobre a base de de- terminadas aluagOcs sociais, mas 0 que estas significam para o todo social nao entra nas categorias da “teoria tradicional”. Em outros ter~ mos, a teoria tradicional nic se ocupa da génese social dos proble- mas, das situacdes reais nas quais a ciéncia € usada € dos escopos pa- xvi BENJAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS fa 63 quais é usada, Chega-se, assim, ao paradoxo de gue a ciéncia tradicional, exatamente porque pretende © maior rigor — para que seus resultados alcancem a maior aplicabilidade pratica —, acaba por se tornar mais abstrata, muito mais estranha 4 realidade (enquan- fo conexéo mediatizada da praxis global de uma época) do que a teo- tia critica. Esta, dando relevancia social 4 ciéncia, nao canclui que o conheciments deva ser pragmitico, ao contririo, faverece a reflexdo autonoma, segundo a qual 2 verificagao pratica de uma idéia e sua verdade nao sao coisas idénticas. A teoria eritica ultrapassa, assim, 0 subjetivismo © 0 realismo da concep¢ao positivista, expressio mais acabada da teoria tradicional, © subjetivismo, segundo Horkheimer, apresenta-se nitidamente quan- do os positivistas conferem preponderancia explicita ao metodo, des- prezando os dades em favor de uma estrutura anterior que os enqua- draria, Por outro lado, mesmo quando os positivistas atribuem maior pese aos dados, esses acabam sendo selecionados pela metodolo; utlizada. E esta atribui maior relevo a ceterminadas aspectos dos da- dos, em detrimenta de outros, A teorla critica, ao contririo, pretende ultrapassar tal subjetivis- mo, visando a descobrir 0 contetdo cognoscitive da praxis histérica. ‘Os fatos sensiveis, por exemplo, vistos pelos positivistas como passui- dores de um valor irredutivel, sao, para Horkheimer, “préformados socialmente de dois modos: pelo cardter histérice de objeto percebi- do e pelo cardter histérico do Grgao que percebe”. Outros elementos de critica ao positivismo, sobretude os aspec- tos politicos nele envolvidos, encontram-se em uma conferéncia de Horkheimer, em 1951, com o titulo. Sobre o Conceito de Raziv. Nes sa conferéncia, ele afirma que 0 positivismo caracteriza-se por conce- ber um tipo de razao subjetiva, formal ¢ instrumental, cujo unica cri- \ério de verdade ¢ seu valor operative, cu soja, seu papel na domina- cao do homem ¢ da natureza. Desse panto de vista, 05 conceitos née mais expressam, como tais, qualidades das coisas, mas servem ape- nas para a organizacéo de um material da saber para aqueles que po- dem dispor habitualmente dele; assim, os conceitos sio considerados como meras abreviaturas de muitas coisas singulares, como ficcdos destinadas a melhor sujeité-las; j§ nfo 340 subjugados mediante um duro trabalho concreto, tedrico € politico, mas explicadas abstrata e sumariamente, através daguila que se poderia chamar um decreto filo- s6tico. Dentro dessas coordenadas, a razdo desembaraga-se da refle- xao sobre os fins ¢ torna-se incapaz de dizer que um sistema politica ‘OU econdmico é irracional. Por cruel e despético que ele possa ser, contanto que funcione, a razdo positivista o aceita e ndo deixa ao ho- mem outra escolha a nao ser a resignagao, A teoria justa, ao contréric — escreve Horkheimer —, "nasce da consideragSo das homens de tempos em tempos, vivendo sob condicdes determinadas ¢ que con- servam sua prdpria vida com a ajuda dos instrumentos de trabalho". Ao considerar que a existéncia social age como determinante da cons- iéncia, a teorta critica néo esté anunciande sua vissa do mundo, mas diagnosticanco uma situacao que deveria ser superada Em suma, a teoria critica de Horkheimer protende que os ho- mens protestem contra a aceitagso resignada da ordem tolalitaria, A “raz3o polémica” de Horkheimer, ao se epor a razao instrumental ¢ subjetiva dos positivistas, nao evidencia somente uma divergéncia de ordem tedrica. Ao tentar superar a razao formal positivisia, Horkhei mer nde visa suprimir a discérdia entre razao subjetiva e objetiva atra- vés de um grocesso puramente teGrico. Essa dissociagao somente de- sapareceré quando as relagdes entre os seres humanos, € destes com a natureza, vierem a configurar-se de maneira diversa da quo se ins taura na dominagao. A unido das duas razbes cxige o trabalho da tota- lidade social, ou seja, a praxis histérica. Habermas: tecnicismo ¢ ideologia Jurgen Habermas desenvolve sua teoria no mesmo sentido de Horkheimer. Para ele, a teoria deve ser critica, engajada nas lutas po- lfticas do presente, ¢ construir-sc cm nome do future revolucionsrio para o qual trabalha; € exame tedrico e critico da ideologia, mas tam- bém critica revolucianaria do presente. © prajeto filosdfico de Habermas pode ser sintetizado em termos de urna critica de positivismo e, sobretudo, da ideologia dele resultan- te, ou seja, o tecnicismo. Para Habermas, o tecnicismo ¢ a ideslogia que consiste na tentativa de fazer funcionar na pritica, e 3 qualquer cuso, @ saber cientifico e a técnica que dele possa resultar. Nesse sentido, pode-se falar de um imbricamento entre ciéncia e técnica pois esta, embora dependa da primeira, retroage sobre ela, determi- pando seus rumos. Essa vinculagdo, mostra Habermas, & particular mente sensivel nos Estados Unides (na URSS, por suposic’o ocorreria algo andlego), onde a Secretaria de Defesa ¢ a NASA sie os mais im- portantes Comanditarios em matéria de pesquisa cientifica. Na medi- da em que se considera o complexa militar industrial, particularmon- te observavel nos Estados Unidos, ¢ na medida em que se releva aque- la comandita, tem-se como conseqdéncia um hava complexe que deria ser referido como complexo ciéncia-técnica-indistria-exército- adminisiragao. Nesse complexo, o proceso de mdtua vinculagiio en- tte ciéncia e técnica amplia-se tornanda-se um processo generalizado. de realimentagio recfproca que Habermas compara a um sistema de vasos comunicantes. Desse modo, ciéncia ¢ técnica tornam-se a pri- meica “a produtiva, subordinando todas as demais. Para Haber- mas, “sia os clemtistas ¢ os técnicos que, gragas a seu saber daquilo que ocorre num mundo nie vivide de abstragdes e de dedugdes, ad- quiriram imensa e crescente poténcia (...), dirigindo e madificande o riundo ne qual os homens possuem, simultaneamente, o privilégio & a obrigagdo de viverem’. Assim, esse Contexto, ndo apenas técnico= cientifico, mas também econdmico-politico, passa a ser a conatacio da técnica. Nesse sentido, 0 autor ataca a ilusio objetivista das citn- cias. Contra a ilusao da teoria pura, Habermas procura trazer 4 tona a5 raizes antropolégicas ca pratica teérico-cientifica @ evidenciar os interesses, que esté0 no principia de conhecimento, particularmente ‘60 conhecimento cientifico. No plano da filosofia social, Habermas critica 0 objetivismo onto- Idgico ¢ contemplative da filosofia tedrica tradicional. Para ele, em henhum caso a filosofia paderia ser propriamenté uma ciencia exata, © as pretensées que ela pode (e poder} manifestar nesse sentido no XII BENJAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS fazem sendo testemunhar sua contaminacgdo pelo objetivismo positi- vista das ciéncias; nesse contexto ela no é mais que uma especialida- de entre outras, no seio da instituigio universitaria, colocando-se “unto as ciéncias” e afastada das preocupagdes de um publico leigo, devido a seus refinamentos tedricos. A critica do positivismo cientitico e filoséfico, empreendida por Habermas, 6 inseparivel de sua luta contra © objetivismo tecnocrati- co, O positivismo € ¢ tecnicismo nao passam, para ele, de duas faces da mesma e ilusdria moeda idealogica: tanto um, como outro, nao se- riam mais que “manchas turvas no harizente da racionalidade’”. CRONOLOGIA 1892 — Em Berlim, nasce Walter Benjamin. 1914 — Tem inicio. Primeira Guerra Mundial. 1918 — Benjamin gradua-se no Universidade de Berna com a dissertagit so~ bree Nocdo de Critica de Arte ne Primeiro Romantismo. 1921 — Adorno conhece Max Harkheimer, a0 qual se liga por profimda ami- ade. 1924 — Fundagio do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankturt, 1928 — Benjamin vé rejeitada sue tese sobre As Origens da Tragédia Barroca na Alemanha, 1929 — Nasce jiinges Habermas. 1933 — O Instituto de Pesquisas Sociais transfere-se para Genebra. 1936 — Benjamin publica em francés A Obra de Arte na Era de sua Reprodu- tibilidadle Técnica 1938 — Adorno viaja pers os Estadas Unidos, $953, — Publica Fragmentos sobre Wagner. Eclade a Segunda Guerra Mun- lia 1940 — Benjamin suicide-se. Na mesma ano, sie publicadas suas Teses s0- bre a Filosofia da Historia, 1947 — Adorno © Hovkheimer empregaim peli primeira vex 0 temo india cukural. 1950 — Reorganizagio do Instituto de Pesquisas Sociats, na Alemanha. Ador- no publica seu estuda sobre a Personalidade Autoritaria, 1951 — Horkheimer pronuncia conferéncies Sobre o Conceito de Razin, 1954 — Habermas licencia-se com uma tese sobre Schelling: O Adsoluto ¢ a Histéeia, 1955 — Publicacio do original alemia de & Obra de Arte na Era de sua Re- produribilidade Técnica, de Benjamin, 1956 - 1959 — Habermas colabara com Adorno. 1956 — Adorno publica Para a Metacritica da Teoria do Conhecimenta — Es- tudos sobre Husserl eas Antinamias Fenomenaldgicas. 1958 - 1965 — Publics os Ensaios de Literatura |, Ie Ill. 1961 — Inicia a Teoria Estetica. 1962 — Publicacdo de Evolucaa Estrutural da Vida POblica, tese de doutora- mente de Habermas. 1963 — Habermas publica Teoria e Praxis. 1966 — Adorno publica a Dialética Negativa 1968 — Conclui a primeira versdo da Teoria Estética. Habermas publica Téc- nica e Ciencia. como “Ideologia’”. e transfere-se para Nova York, 1969 — A 6 de agosto, com 66 anos, falece Theodor Wiesengrind-Adamo. 1973 — 4 9 de julio, com 78 anos de dade, morre Max Horkheimer, VIDAEOBRA XIX BIBLIOGRAFIA Scroum, G: Welter Benjani, Mon Ami, in Les Letires Nouvelles, Paris, maio-junho 1972_ Agewor H: Walter Benjamin: 1892-1940, in Men in Dark Times, da mesma autora, Penguin Books, Middlesex, 1968. Aovano, T.W.: Prafilo di Walter Benjamin, in Prismi, do mesmo autor, Giulio Einaudi Editore, Torino, 1972. Scrmanr, A. e Ruscow., G.E: Le Scuoia di Francojorte, De Donato editore, Ba- ni, 1972. Hastinias, Anckso @ autres: Comunicapao e Industria Cultural, uranizade por G. Cohn, Companhia Editora Nacional ¢ Gditora da Universidade de S40 Paulo, $80 Paulo, 1971 ‘Andano, Posren € outros: La Disputa del Positivismo em fa Sociologia Alema- na, Ediciones Grijallto, Barcelona-Cidade da Méxica, 1973. 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A OBRA DE ARTE NA EPOCA DE SUAS TECNICAS DE REPRODUGAO* Nossas belas-artes foram institufdas, assim come os seus tipos ¢ praticas foram fixados, nur: tempo bem diferente do NOSSO, por homens cujo poder de acde sobre as coisas era insignificante face dquete que possuimos. Mas @ admirdvel ineremento de nossos meios, a flexibilidade e preeisdo que alcangam, as idélas ¢ os habitos que introduzem, assegu- ramnos modificagdes préximas ¢ muito profindas na vetha indistria do belo. Existe, em todas as artes, uma patte fisica que nde pode mais ser encarada nem tratada come antes, que néo pode mais ser elidida das iniciativas do conkecimento ¢ das potencialidades modernas. Nem a matéria, num o espage, nem o tempo, ainda sdo, decorridos vinte anos, @ que eles sempre foram. E preciso estar clenre de que. se essas (do imensas inovagdes transformant toda a técnica das artes e, nesse sentido, atuam sobre a propria invengdo, deve, passivelmente, tr alé ao panto de modifi cara prépria nocao de arte, de mada admiravel. (Paul Valéty, Pidees sur MAr1, Paris, 1934: “Conquéte de 'Ubiquité", pp. 103, 104.) * ‘Trduridey do original alemao: “Dax Kunstwerk im Zeitalter seiner techaisehen Renrodciertuarkelt", em Kidurvirartoner, Frankfurt am Main, 1961, Subrkamp Verlag. pp. 148 184. A prescnte tradue’0 foi publicads ‘an obca A Lidia db Cinema, Riv de Jansico, Tditora Civilizagio Brasileira, pp. $$ 95. Predmbulo Na época em que Marx empreendeu a sua analise. o modo de produgdo capi- talista ainda estava cm scus primOrdios. Maca soube orientar sua pesquisa de modo a lhe cenferir um valor de progndstico. Remontande as relagdes fundamen- tais, pode prever.o futuro do capitalismo, Chegou 4 conclusao de que, se a explo- raga do proletariado continuasse cada vez mais rigorosa. o capitalismo cstaria preparando, a0 mesmo tempo, as condigies de sua propria supressao. Como as superestruturas evoluem bem mais lentamente do que as infra-es~ truturas, foi preciso mais de meio saculo para que & mudanca advinda nas condi- gGes de produgio fizesse sentir seus efeitos em todas as Areas culturais. Verifi- camos hoje apenas as formas que elas podstiam ter tamado. Dessas constatagdes, deve-se extrair determinados prognésticos, menos, no entanto, dos aspectos da arte proletiiria, apés a tomada do poder pela classe operaria — a fortiori, ne sociedade sem classes — do que a respeito das tendéncias evolutivas da arte den- tro das condigdes atuais da produgdo. A dialética dessas condigdes est também mais nitida aa superestrutura do que na economia. Setia erréneo, em conse: qiéncia, subestimar © valor combativo das teses que, aqui, apresentamos. Elas renunciam ao uso de um grande niimero de nogées lradicionais — tais como poder criativo © genialidade. valor de eternidade ¢ mistério — cuja aplicagio incontrolada (e, no momento. dificilmente controlavel) na elaboragdo de dados concretws toma-se passivel de justificar interpretagdes fascistas. O que distingue as concepgdes que empregamos aqui — e que so novidades na teoria da arte — das nogdes em voga, é que elas ndo podem servir a qualquer projeto fascista. Sie. em contrapartida, utilizfvels no sentido de formular as exigéncias revoluciondrias dentro da politica da arte. A obra de arte, por principio, foi sempre suscetivel de reprodugao. O que al- guns homens fizeram podia ser refcite por outros. Assistiu-se, em todos os tem pos, a diseipulos copiarem obras de arte, a titulo de exereicio, os mestres reprodu- zirem-nas a fim de garantir a sua difusdo e os falsarios imiti-las com o fim de extrair proveito material. As técnicas de reprodugdo so, todavia, um fendmeno novo, de fato. que nasceu ¢ se desenvolycu no curso da histéria, mediante saltos sucessivos, separados por longos intervatos, mas num ritmo cada vez mais rapido, Os pregos sé conheciam dois processos técnicos de reprodugao: a fundigdo ¢ a 6 BENJAMIN cunhagem, Os bronzes, as (erracotas ¢ as moedas foram as dnivas obras de arte que cles puderam reproduzir em série. As demais apenas comportavam um tmico exemplar ¢ nfo serviam a nenhuma técnica de reprodugao. Com a gravura na madcira, conseguiu-se, pela primeira vez, a reprodugao do desenhe, muito tempo antes de a imprensa permitir a multiplicagan da eserita, Sabe-se das imensas transformagées introduzidas ma literatura devido 4 tipografia, pela reprodugdo téenica da eserita. Qualquer que seja a sua importincia excepcional, essa desco- berta é somente um aspecto isolado do fendmeno geral que aqui encaramos a0 nivel da histéria muadial. A propria Ldade Média viria aduzir, 4 madeira, o cobre © a agua-forte ¢, 0 inicio do século XIX. a litografia, Com a litografia, as téenicas de reprodugio marearam um progresso decisi vo, Esse processo, muito mais fiel — que submete o desenho & pedra calearia, em vee de entalhi-lo na madeira ou de grava-lo no metal — permite pela primeira vee As artes grificas ndo apenas entregat-se ao comércio das reprodugdes em série, mas produzir. diariamente, obras novas. Assim. doravante, pode o desenho ilus- trar a atualidade cotidiana. B nisso ele tornou-se intimo colaborader da imprensa. Porém, decerridas apenas algumas dezenas de anas apés essa descoberta, a foto- grafia viria a suplanta-lo em tal papel. Com ela, pela primeira vez. no tocante a reprodugio de imagens, a mo encontrou-se demitida das tarefas artisticas essen- ciais que, da em diante, foram reservadas ao olho fixo sobre a abjetiva. Como, todavia, o oho capta mais rapidamente do que a mao ao desenhar, a reprodugio das imagens, a partir de entio, pode se concretizar num ritmo tio acelerado que chegou a seguir a propria cadéneia das palaveas. O fotgrafo, graeas aos apare Ihos rotativos, fixa as imagens no estidio de modo Lao veloz como o que o ator enuncia as palayras. A litografia abria perspectivas para 0 jornal ilustrado; a foto- grafia ja continha © germe do cinema falado. No fim do século passado, atacava- s¢ © problema colocado pela reprodugao dos sons. Todos esses esforgos conver- gentes facultavam prever uma situagio assim caracterizada por Valéry: “Tal como a agua. o gas e a corrente elétrica vémn de longe para as nossas casas, aten- der as nossas necestidades por meio de um esforgo quase nulo, assim seremas alimentados de imagens visuais ¢ auditivas, passiveis de surgir e desaparecer ao menor gesto, quase que a um sinal™,* Com 9 advente do século XX, as teenicas de reprodugio atingiram tal nivel que, em decorréncia, ficaram em condigdes ndo upenas de se dedicar a todas as obras de arte do passado ¢ de modificar de modo bem profundo os seus meios de influéncia, mas de elas proprias se imporem, coma formas originais de arte. Com respeito a isso, nada é mais esclarecedor do que © critério pelo qual duas de suas manifestagées diferentes — a reprodugio da obra de arte e a arte cinematografica — reagiram sobre as formas cradicionais de arte. * \Valiéty, Pidees sur PH re,*Conquite de TUpiquité™. p 195. A OBRA DE ARTE 7 nl A mais perfeita reprodugdo falta sempre algo: o hic et nwic da obra de arte, a unidade de sua presenga no proprio Ioeal onde se encontra, fa esta presenga. ‘mica no entanto, ¢ sé aela que se acha vinculada toda a sua histéria, Falando de histéria. lembramo-nos também das alteragdes materinis que a obra pode sofrer de acordo com 2 sucesso de seus possuidores.? © vestigio das alteragées mate- tiais 8 fica desvendado om virtude das analises fisico quimicas, impossiveis de serem feitas numa reproducao; a fim de determinar-as sucessivas maos pelas quais passou a obra, deve-se seguir toda uma tradigao, a partir do propric local onde foi eriada. 0 hic et nunc do original constitui aquilo que se chama de sua autentici- dade. Para se estabelecer a autenticidade de um bronze, torna-se, as vezes, neces- sfirio recorrer a andlises quimicas da sua patina; para clemonstrar a autenticidade deum manuscrito medieval € preciso, as vezes, determinar a sua real proveniéneia de um depdsito de arquivos do século XV. A prépria nogdo de autenticidade nao ‘em sentido para uma reprodugdo, seja (éenica ou ndo.? Mas. diante da reprodu- ¢do feita pela mao do homem e, em principia. considerada como uma falsificagao, © original mantém w plena autoridade; ndo ocorre 0 mesmo no que concerne a reprodugio técnica, E isto por dois motivos. De um lado, a reprodugio técnica esta mais independente do original. No caso da fotografia. ¢ capaz de ressaltar aspectos do original que escapam ao olho ¢ so apenas passiveis de serem apreen- didos por uma objetiva que se desloque livremente a fim de obter diversos fingulos de visdo: gragas a métodos como a ampliagdo ou a desaceleragdo. pode-se atingir a realidades ignoradas pela visdo natural. Ao me&mo tempo, a técnica pode levar f reprodugao de situagdes, onde o prdéprio original jamais seria encontrado. Sob a forma de fotografia ou de disco permite sobretudo a maior aproximagao da obra ao espectador ou ao ouvinte, A catedral abandona sua localizagao real a fim dese situar no estidio de um amador; 0 musicOmano pode escutar a domicilio 0 coro executado numa sula de concerto ou ae ar livre. Pode ser que as novas condigdes assim eriadas pelas téenieas de reprodugio, em paralelo, deixem intacto o contelido da obra de arts; mas, de qualquer manei- ra, desvalorizam sev Ave e¢ rune. Acontece o mesmo, som divida, com outras coi sas além da obra de arte, por exemplo, com a paisagem representada na pelicula cinematografica; porém, quando se trata da obra de arte, tal desvalorizagao atin- + Hivigente que hist e' uma Obra de arte ni se limita a ees dats elementos: da Gloconda, pot exem plo, deve tambées evar ext conta a siancira.com que # capiaraay nos sbeulos NVI. XVIEL ¢ XIX ¢ a quanti dade de ais eopias, * E precisamente porque i autentiticiads escapa a toda reprodugao que 0 Uesenvolvimentd intensive de al MINS processes téenicoy dé reprodugdo permitiram fixar grams ¢ diferonciagées demtro da prSpria autentici dade, Com esspeito a 0,0 eommércio du arte dese penhou papel impertanse. Mediaate 9 Jlesesberta ds pen ‘vara em madeira, pode se dizer que 4 autenticidade das obras fai atc rn raiz,rmces mesmo dealing im loresser que deveria mais ainda enriquect-ta. Na realidade. na ¢poca em que fol feita, uma Virgem da Kade Média ainda ny ea “auléntica”: ela assim s¢ tomou no decurrer dos steulos seguiates, tilvez, sobretudo, no seule XIX. 8 BENJAMIN ge-a no panto mais sensivel, onde cla vulneravel come nao o sae os objetos natu rais: em sua autenticidade. O que caracteriza a autenticidade de uma coisa ¢ tudo aquilo que ela coniém ¢ é originalmente traasmissivel, desde sua duragao material até seu poder de testemunho histérico. Como este propria testemunho basgia-se naquela duracaa. na hipotese da reprodugiio, onde o primeiro elemento (duracaio) éscapa aos homens, o segundo — o testemunho histories da coisa — fica identi camente abalado. Nada demais certamente. mas 0 que fica assim abalado é a pro- pria autoridade da coisa. * Poder-se-ia resumir todas essas falhas, reeorrendo-se 4 nogao de aura, ¢ dizer: na época das téenicus de reproducdo, 0 que € atingide na obra de arte é 2 sua aura. Esse processo tem valor de sintoma, sua significagao vai além do terre no da arte. Seria impossivel dizer, de modo geral, que as técnicas de reprodugio scpararam ¢ objeto reproduzide do ambite du tradigao, Multiplicando as edpias. elas transformam o evento produzido apenas uma vex num fendmeno de massas. Permitinde a0 objeto reproduzido oferecer-se a visio e A audigac, em quaisquer circunslancias, conferem-lhe atualidade permanente, Esses dois processos condu zem aum abalo consideravel da realidade transmitida — a um abalo da tradicao, que se constitui na contrapartida da crise por que passa a humanidade e a sua renovagdio atual. Estdo em estreita correlagio com os movimentos de massa hoje produzidos, Seu agente mais eficaz é o cinema. Mesmo considerado sob forma mais positiva — ¢ até precisamente seb essa forma — nav se pode aprender a significagio social do cinema, caso seja negligenciado o seu aspecto destrutivo ¢ catdrtico: a liquidagdo do elemento tradicional deatro da heranga cultural. Tal fendmeno é peculiarmente sensivel nos grandes filmes histéticos ¢ quando Abel Gance, em 1927, bradava com entusiamo: “Shakespeare, Rembrandt, Beethoven fardo cinema. . Todas as legendas, toda a mitolojtia e tados os mitos, todos os fundadores de religides ¢ todas as proprias retigioes. . . aguardam sua ressurrei¢do luminosa ¢ os herdis se empurrarst dlante das nossas portas para entrar”* convidava-nos, sem saber, @ uma liquidagio geral, il No decorrer dos grandes periodos histiricos, com relagdo ao meio de vida das comunidades. humanas,. via-se, igualmente, modifiear-se o seu modo de sentir e de perceber. A forma orginica que é adotada pela sensibilidade humana — 0 meio na qual cla se realiza — nao depende apenas da natureza, mas também da histria. Na ¢poca das grandes invasées, entre os artistas do Baixo Império, entre © por represeniagia de Faust, norm Watro do provincia, ji ® superior 9 um Gline sobre‘@ mesmo tems. naguilo em que ela, pelo menos, rivaliza com a apresentagio oficial de Weimar. Toda w suhstines tradi ional sugerida a a0 pelo cesempentia dos atores se esvazia, na tela, ’e todo valor, © Abel Gance: “Le Temps de "Image est Venu". (‘orl Cinématographiane, '1, Paris, 1427, pp. 94-30), A OBRA DE ARTE 4 8s autores da Génese de Viena. nfo § apenas uma arte diversa daqucla dos antigos que se encontra, mas uma outra maneira de perceber. Os sabios da Escola Viener se, Riegel ¢ Wicekhoff, ao se eporem a (odo o peso da tradigdo classica que havia desprezado essa arte. foram os pri a tere a idéia de extrair as inferéncias quanto a0 modo de percepgao proprio aa tempo 20 qual se relacionava. Fosse qual fosse a dimensio du descoberta. ela ficou reduzida porque os pesquisadores contentaram-se em esclarecer as caracteristicas formais tfpicas da pereepgdo do Baixo Império. Ndo se preocuparam em mostrar — o que, sem diivida, excederia todas as suas esperangas — as transformagdes saciais, das quais essas mudancas do modo de percepgdo niio eram mais do que a expressio. Hoje, estamos melhor situades do que eles para:comprcender isso. E, se é verdade que as madifieagbes 4 que assistimos no meio onde opera a percepgo podem se exprimir como um declinio da aura, permanecemos em condigées de indicar as causas sociais que conduziram a tal declinio E ags objetos historicos que aplicariamos mais amplamente essa nogio de aura, porém, para melhor clucidagio, seria nesessdrio considerar a aura de um Sdjeto natural. Poder-se-ia defini-la como a tnica apsrigdo de uma realidade longinqua, por mais proxima que esieja. Num fim de tarde de verdo, caso se siga com os olhos uma linha de montanhus ao longo do horizonte ou a de um galho, cuja sombra pousa sobre o nosso estado contemplative, sente-se a aura dessns montanhas, desse gallo. Tal evoougau permite entender, sem dificuldades, os fato- fes sociais que provocaram a decadéncia atual da aura. Liga-se ela a duas circuns: Vaneias, uma ¢ outca correlatas com o papel crescente desempenhado pelas massas na vide presente. Encontramos hoje, com efeito, dentro das massas, duas tendén- cias igualmente fortes: exigem. de um lado, que as coisas se lhe tornem. tanto hu mana como espacialmente, “mais prdximas” ®, de outro lado, acolhendo as repro- dugées, tendem a depreciar o cariter daquilo que & dado apenas uma vez, Dia a dia, impoe se gradativamente a necessidade de assumir o dominio mais préximo possivel do objeto, através de sua imagem e, mais ainda, em sua o6pia ou reprodu- Gio. A reprodugiio de objeto. tal como a fornecem o jomal ilustrade ¢ a revista semanal, ¢ incontestavelmente uma cvisa bem diversa de uma imagem, A imagem associa de modo bem estreite as duas feigées da obra de arte: a sua unidade ¢ a duragios wo pusso que a fot da atualidade, as duas feigdes opostas: aquelas de uma realidade fugidia e que se pode reproduzir indefinidumente, Despojar 0 objc- to de seu véu, destruir a sua aura, eis 0 que assinala de imediato a presenga de una percepgan, tio atenta dquilo que “se repete identicamente pelo mundo”, que, gragas @ reprodugdo, consegue até estandardizar aquilo que existe uma sd vez. Afirma-se assim, no terreno intuitivo, uni fendmeno andlogo aguele que, no plano da teoria, é representado pela importancia crescente da estatistica, O alinhamento * Dizer que as ovis oe iornam “humanamente mis prokimas” pode signifiear que pio se leva mais em coma a sua fungin social, Nadi garante Gi im retratisia contemporianda — quand representa um cirurgida eeicbre rzendo uma refeigdo ov centra do seu ciseuto familiar — apreenda mais exatamente a ua Fungbo wo cal do que am pinta’ do séeule XVI, gue, gomo-© Reinbrendt, da Lieda.de Anutomia, apresentava un po blico sess Sposa ox midioes av proprio exereiciv Ue sua art, 10 BENJAMIN da realidade pelas massas. o alinhamento conexo das massas pela realidade, cons~ tituem um proceso de alcunce indefinido, tanto para o pensamento. como para a intuigao. Vv A unicidade da obra de arte néio difere de sua integragao Hesse sonjunte de afinidades que se denomina tradigfio. Sem divida, a propria tradicao é uma reali dade bem viva ¢ extremamente mutavel. Uma estatua antiga de Vénus, por exem- plo, pertencia a complexos tradicionais diversos, entre os gregos — que dela fa- ziam objeto de culta — e os clérigos da Idade Média, que a enearavam como um idolo maléfico, Restava, contudo, entre essas duas perspectivas epostas, um ee- mente comum: gregos ¢ medievais tomavam em conta essa Vénus pelo que ela encerrava de Gnico, sentiam a sua aura. No comeca, era o culto que exprimia a incorporagio da obra de arte num conjunto de relagdes tradicionais. Sabe-se que as obras de arte mais antigas nasceram a service de um ritual, primeiro magico, depois religioso, Entao, trata-se de um fato de importancia decisiva a perda neces- siria de sua aura, quando, na obra de arte, nao resta mais nenhum vestigio de sua “fungiio ritualistica. ? Em outras palavras: 0 valor de unicidade, tipica da abra de arte auténtica, funda-se sobre esse ritual que, de inicio, foi o suporte do scu velho valor utilitario, Qualquer que seja o numero de intermediariag, essa lipagio funda- mental € ainda reconhecivel — tal como um ritual secularizado — através do culto dedicado & beleza, mesmo soh as formas mais profanas.® Aparecide na €poca da Renascenga, esse culto da beleza, predominante no decorrer de trés sécu- Jos, guarda hoje a marca reconhecivel dessa origem, a despeito do primeiro abalo grave que sofreu desde entio. Quando surgiu a primeira técnica de reprodugao verdadeiramente revolucionaria — a fotogravia, que € contemporiinea des primér s do socialismo — og artistas pressentiram a aproximagio de uma crise que ninguém — cem anos depois — poderd negar. Eles reagiram, professando “a arte pela arte", ou seja, uma teologia da arte, Essa doutrina — da qual, em primeiro lugar, Mallarmé deveria extrair todas as conseqiéncias no ambito literério — conduzia diretamente a uma teologia negativa: tecminava-se. cfetivamente, por 1 Ao definir # aura como “8 dnica’apari¢io de uma réulidade longingus, par mais pedals que ele excoja", fie, simplemente, fizemi a lransposigie pire us eutegorias do expage ¢ de temps da Rrmuia que designe © vor do culls da obra de arte, Longinqua opéo-se a prixio. O queesté esencialmence longe€ iatingive. De fate, 2 quatidads principal de uma imagem quc sctve para o eulto € de ser inacingivel. Devido & sua pro [rik matursza, si oth Aompte “longlagua, por aiais prbxima yue pease esluit Made se aprunimur Je sua rea Ndade materiat, mas sem s aleangar carter lon ping que cla conserva. a partir de quando aparece, 1 Na medida em que 9 valor de cultn a imagem oe seouliriza, reprerents-se de rtode ainda ayaie indletorni ado 0 euibstyes do qual ese five urns eealdedk, que € dado apsnas uma vex. Cada vex mais, 0 expectador 3c nina a subatiuir a unieidaide dos fnmenos do minantes na imagem de cuite pela usicidade empicica us anita © Je gua atividude crladora, A substivuieio nunca & Integtel. sem diviea a nogdo de autenticidade ja ‘mais c6s5a de so rometer a algo mais do que simples zarantia de originalidad (a cxcmplo mais xignificativa ¢ aguele do cokcionador que s¢ paces sempre com um adorudor ée fetichek e que, mediame a pripria posse div ebro dle ane, punicina de seq poder de celto). Apesar de tuo, © papel do sonceite de autenticldade no ‘campo da arte ambiguo: com a Seculariza¢do dosta dima, a auteaicidace torna-se o sabslituia da valor de euito. A OBRA DE ARTE uM coneeber uma arte pura, que reeusa, nado apenas” desempenhar qualquer pape! essencial, mas até submeter-s¢ as condigdes sempre impostas por uma matéria objetiva. A fim de se estudar a obra de arte na época das técnions de reprodugao, & preciso levar na maior conta case conjunto de relucdes. Elas colocam em evidén- cia um fato verdadeiramente decisive ¢ o qual vemos aqui aparecer pela primeira vez na histéria do mundo: a emancipagao da obra de arte com relagdo A exis- téncia parasitaria que Ihe era imposta pelo sew papel ritualistico, Reproduzem-se cada vex mais obras de arte, que foram feitas justamente para serem reproduzi das. Da chapa forogrifica pade-se tirar um grande numero de provas: seria absurdo indagar qual delas é a auténtica. Mas, desde que © ¢ritério de autentici- dade nao ¢ mais aplicavel 4 produgao artistica, toda a fungao da arte fica subver- tida. Em lugar de se basear sobre o ritual, ela se funda, doravante, sobre uma outra forma de praxis: a politica. ¥v Caso se considerem os diversos modos pelos quais uma obra de arte pode ser acolhida, a énfase é dada. ora sobre um fator, ora sobre outro. Entre esses fatores existem dois que se oper diametralmente: o valor da obra como abjeto de culto € 9 seu valor como realidade exibivel.19 A produgdo artistica inicia-se mediante ® De made divers do que ocarre, em Hiteratura ou em plncura, a téenioa de repruciugao no & pata o filme uma simples condigée. exterior a facultur sus difusn muicipa: a sua tSenica kt produgio funda ditctamenve ‘sua técnien de reprodegio, Ela mio apenas permite, de modo mais imediaio, a difusio magica do filme, mas Saige. As despesas ile produgiia x80 ted altas que impedém ao individuo adguirit um Alms. como se sore prasse um quacro. Os ealeulos-demonstrarim que, em 1927. 0 amortizagso de una grande fitn implicava aa un exibigfio para nave muhGes se eapectacdares, De inicio, & ceri. a Invengdo ud cinema falido diminisiy Provisoriamente a difusio dos filmes por causa das fhoptelras linglisticas aa pebpria tpoca em que o fee seme insistia os intcresses nacionais. Em rocessio. em breve atequada peta dublucer, deve smpurtar-inos fiemps de que 9 seu do com o fascism, Os dois fanSmenos $80: kimullaneos porque eatin lipados a erie eeonbmiea. As mesmas perturhagiies que, a groxsy modo, condziram & procura Jos mies de garantir, pela Forga..o estatata la propriedadc, upreiwaram 05 capitalistns do einema a eancrelizarem o névento do filme Falaco, Essa escobera trouxe thes um desefogo pansageiro, contribuindo part propiciar as miaccas 0 esto pete cinema ¢ sobvelals, vinculando os capitais cess indisiria nos noves capitals proveniente> da indkistria slétnca, Assim, visto de fora, @ cinema filaco favoreceu aos interestex nazionals, mas, isto de dentro. prove cou win maior internscionalizn ** Essn aposizdo eseana névessariamente a uma estitied idealinta; a ildia de beleza, desta tiltinia, somente admite tna dualidade indeterminada — s,m comseuaincia, roousi-se a qualquer dovisio. Hegel, no enian snireviu @ problema, tanta quanto Ihe perminia seu ideslismo. Disse, em Voriesuigen wher dic Phitoxophte der Geschichte: As imams existem ji hit muito. A piedade xompre as exigie tomo objetos de dexum’ia, mas 150 tinha Ascessicade alguma se imayem elas, A Imagem Béla comtem, assim, um elemento éxtctior, porém na medida on que & belasius o seu mum altar mor de imapons exposias ne decorrer de fonerais, Tal prescrigle tisau tim puico do valor eornercini desta obra dt Rafael, A Tin he, mo cuanto, vendé-la pelo au valor, a Cirin rasolveu tolerar tacitumence que os compeadores pu des sem expla oum altar mor, Come nao se desejava a repercussao do fata, enviau-se'o quadro a wns Irades, ‘wma provincia afastads, 1 Bm nivel diveeso, Brecht npresents:consilerigtes andkogas: "aide qie a aba de ar xe tam mercado Fin, ema nogiio (de obra de acta) ja nao Ke Ihe pode mais ser aplicadk; assim vendo, devettas, com pri.déncia = precauydo mas sem vecoly —— renuaiy & Rug Ge obra de arte. vaso desejemos prescrvat su LunGaD dentro da priprla coisa come tal designs. Trala-se de ume fase mecssséria de ser airavéssada ecm dissiny logdes: essa vind lo ¢ eraKuita, eld conduz & Uma transfarmacao (indamental do chiete © que soaga seu passado 2 (al ponte. que, caso anova nogia devs reencontrar seu uso — ¢ por que aio? — nav evocara mais ‘apalqucr ds lembrangas winculadas ‘sua antiga miynificagso" AOBRA DE ARTE 13 MI Com a fotografia, o valor de exibigdio comega'a empurrar o valor de culto em todos os centidos — para segundo plano. Este ultimo. todavia, ndo cede sem resistencia — sua trincheira final é @ rosto humana. Nao se trata, de forma algu ma, dy um acaso se o retrato desempenhou papel central nos primeiras tempos da fotografia. Dentro do culto da recorda¢ao dedicada aos seres queridos, afastados ou desaparecidos, 0 valor de culto da imagem encontra © scu Ultimo refiigie. Na expressio fugitiva de um rosto de homem, as fotos antigas, por Gltima vez. substi- tuem a aura. & o que thes confere essa belcza melancélica, incomparavel com qualquer outra. Mas, desde que 0 homem esti ausente da fotogratia, o valor de exibicao sobrepde'se decididamente ao valor de cult. A importincia excepcional dos efichés, tomados por Atget. no século XIX, nas ruas vavias de Paris, existe justamente porque ele fixou localmente essa evolugiio. Declarou se. com razao, que ele fotografou essas ruas tal como se fotografa o local de um crime. O local de um erime também & deserto — v cliché que dele se tira nao tem outro objetive sendo o de descerrar os indicios. Para a evolucao, aqueles legados por Atget con: lituem verdadeitas pegas de conviegdo, Assim sendy, cles tém uma significagio politica sccreta. Ja exigem serem acolhidos aum certo settide, Nao se prestam mais a uma consideragao isolada. Inquictam aquele que os olha: a tim de capt os, 0 espectador prevé que Ihe é necessiirio seguir um determinado caminho. Ao mesmo tempo. os jorais ilustrados comegam a se apresentar a ele como indica. dores de itineririv, Verdadeiros ou falsos, pouco importa, Com esse género de fotos, a legenda tornou-se, pela primeira vez. necessaria. E tais legendas dotém. evidentemente, um carater bem diverse da titulo de um quadro, As orientagdes que 0 texto dos jomais ilustrados impde Aqueles que olham as imagens far-se-io logo ainda mais precisas e imperativas mediante o advento do filme, onde. pelo visto, no se pode captar nenhume imagem isolada sem se levar em conta a suces 10 de todas as que a precedem. vin A polémica que s¢ desenvolvcu no decurse do século XIX. entre os pintores e os fotégrafos, quanto ao valor respective de suas obras. da-nos hoje a impressio de responder a um falso problema ¢ de se basear numa confusiio. Longe de. nisso, centestar a sua importancia, tal circunstancia s6 faz enfatiza-la, Essa polémica traduzia de fato uma perturbagdo de significado historico nu estructura do universo ¢ nenhum dos dois grupos adversdrios teve consciéneia dela, Despregada de suas bases ritualisticas pelas técnicas de reproducao, a arte, em decorréncia, nao mais podia manter seus aspectos de independéncia, Mas o século que assistia a essa cvolugio foi incapaz de perecher a alteragdo funcional que ela gerava para a arte, F tal conseaiiéneia, ate durante longo tempo, escapou ao século XX, que, no entanto, viu o cinema nascer ese desea volver. Gastaram-se vas sutilezas a fim de se decidir se a fotografia era ou nao arte. 14 BENJAMIN porém nao se indagou antes se essa prdpria invengdo nio teansformaria o caraier geral da arte; os tedricos do cinema sucumbiriam no mesmo erro. Contudo, os problemas que a fotografia colocara para a estética tradicional nao eram mais que brincadeiras infantis em comparagdo com aqueles que o filme iria levantar. D. essa violencia cega que caracteriza os primeiros tebricos do cinema. Abel Gance, por exemplo, compara o filme 4 excritura hierogtifies: “Bis-nos, devido a um fabuloso retorno no tempo, de volta sobre o plano de expressdo dos egipcios. .. A linguagem das imagens ainda nav chegou @ maturidade porque ndo estamos ainda feitos para elas. Inexiste ainda aten¢do suficience, culto por aguilo que elas exprimem".** ‘Séverin Mars escreveu: “Que arte teve um sonko mais elevado. .. matis postico ¢, em paratelo, mais real? Assim considerado, 0 cirematéigrafo tornar-se-ia um meio de expressdo de fato excepcional e em sua etmosfera somente deveriam maver-se personagens de pensamento superior, nos momentos mais per feitos ¢ misteriosos de sua existéncia”.'* Alexandre Amoux, por s¢u turno, ao término de uma fantasia a respeito do cinema mudo, nao teme conciui m Suma, todos o8 termos aleawrios que aca- bamos de empregar nao definem a prece”?** E bem significativo que 0 desejo de conferir ao cinema 2 dignidade de uma arte obriga seus tedricos a nele intraduzir, através de suas préprias interpretagdes ¢ com uma inegiivel temeridade. elementos de carater cultural. E. no entanto, na mesma época em que publicavam suas especulagdes, jd se podiam ver aas telas ubras como A Homan of Paris (Casa- mento ou Luxe?) e The Gold Rusk (Em Busea do Ouro}. O que nao impedia Abel Gance de se artiscar na comparagdo com os hierdglifos ¢ Séverin Mars de falar sobre cinema no tom adequado as pinturas de Fra Angelico! E ainda caracte- ristica hoje em dia a tentativa dos autores especialmente reacionarios de inter~ pretar o cinema dentro de uma perspectiva de género idéntico ¢-a continuarem & Ihe atribuir, sendo um valor exatamente sagrado, pelo menos um sentido sobrena tural, A propésito da adapragdo cinemalografica de A Midsummer Night's Dream (Senko de Uma Noite de Verda) feita por Max Reinhardt, Franz Werfel afirma que apenas, ¢ sem divida, a cOpia estéril do mundo exterior, com suas Tuas, seus interiores, suas estagdes, seus restaurantes, seus automdveis ¢ suas praias impediram até agora ao cinema ascender ao nivel da arte: “O cinema ainda néo aprenden seu verdadeiro sentido, suas verda deiras possibilidades... Elas consistem no poder que ele detém intrinse- camente de exprimiz, por melos naturals. e com uma incompandvel capa cidade de persuasdo, 0 feérico, o meravilhosa, o sobrenatural’.'* '? Abel Gance, (ow. cit., p. 100 5, ‘'* Séverin Mars, citudo por Abel 166, lar. cH, Py 100, 1* Algnandre Arnoux, Curemea, Paris, 1929, p. 28. +8 Franz Werfel: “Ein Sommemmachistaum". Mewes Whver-Fourral, nov. 1935. A OBRA DE ARTE 15 VU No teatro é, ent definitive, 9 ator em pessoa que apresenta. diante do piiblico. a sua atuagio artistica; jd a do ator de cinema requer a mediagio de todo um meeanismo. Disso, resultam duas conseqiiéncias. O conjunto de sparelhos que transmite a performance do artista ao pibtico no esta abrigado a respeiti-la integralmente, Sob a diregdo do foideralo, na medida em que se executa o filme, os aparelhos perfazem tomadas com relagao a essa performance. Essas tomadas sucessivas constituem os materiais com que. em seguida. 0 montador realizaré a montagem definitiva do filme. Ele coatém determinado numero de elementos mé- veis que a camara levara em consideragdo, sem falar de dispositivos especiais como os primeiros planes. A atuagio do intérprete encontra-se, assim..submetida 4 uma série de testes Spticos. Essa € a primeira das duas conseqiiéncias a gerar a mediagdo nevessiria dos aparelhos entre a performance do ator € o piblice. A outra refere-se a0 fato de que 0 intérprete do filme. ndo apresentando ele propria a sua performance, no tem, como © ator do teatro, a possibilidade de adaptar a sua atuagao As reagdes dos espectadores no decorrer da representagdo. O pliblica acha-se, assim, na situagdo de um perito cujo julgamento nao fica perturbado por qualquer contato pessoal com 0 intérprete. Sé consegue penetrar intropaticamente no ator se penetrar intropaticamente no aparelho. Toma, assim, a mesma atitude do aparelho: examina um teste.’ * Nao se trata de atitude 4 qual se possa submeter os valores Ue culto. IX No cinema, é menos importante o intérprete apresentar ao piblico uma outra personagem do que apresentar-se a si proprio. Pirandello foi um dos primeiros a sentir essa modificagio que se impée a0 ator: a experiéncia do teste. O fate de se limitarem a sublinhar o aspecto negativo da coisa nao elimina em quase nada © valor de suas observagdes que podem ser lidas em seu romance: Si Gira. Menos ainda © fato de ai se tratar apenas do filme mudo, pois o cinema falado, no tocante a isso, ndo traz nenhuma modificagdo fundamental: “Os atores de cinema” — escreveu Pirandello —, “sentem-se como se estivessem no exilio. Exiiados nao sé da cena, mas deles mesmos. Notam 14-0 filme... prapisia (sodésia progioiar), ait nd detalne, conclusées titele a respeito das eonduas hum. fas, A partie do carkter de um Romam nfo se pode deduzir nonhum cox eux motives de comportameto. a vida interior das possoax nunca & essencial o, raramentc. cla consiste no resultado, mci importante de suas ssondutay” (Brecht, Forsuche, Der Dreizrosetmeperpvozess). Ampliango 0 campo do teste, © papel dav apa relhes. na representagio dus filmes. desempena. para © individu, uma angio andloga Aguela eo conyunie dle eiceunstincias econdmicas que aumentaram de modo extraordinario o> terrenas onde ele pode ser testad, Vorifica ae, avsim, quc 08 tastes de arientagao sofissional. dia a cia. gankam rtais impartancia. Cossistem nur detcrminde nimero de sesupsicens das peolormances do incividesn, Tamsdas cineratngrdficns, provas ds arientagao prefissionsl, ambas s¢ descavolwent dante ds uns arsspago de téenicos, Q diretae encontra-se em seu estidie exalamente ma mesma situayae gue o comrofadur de testes, por ocasido do cxame de erientagio prafistional. 16 BENJAMIN confisamente, com uma sunsagdo de despeito, o vazio indefinido e até de decadéncia, & quv OS sens corpos sd» quase volatilizados, suprimidos e privedos de sua realidade, de sua vida, desua yor edo riido que produ- rem para se deslocar, para se tornarem wma imagem muda que tremula wn instante na tela e desaparece em siléncio... A pequena maquina atword diante do pitblico mediante as suas imagens ¢ eles devem se con tentar de atuar diante dela".** Existe af uma situagae passivel de ser assim caraeterizada: pela primeira vez. € em decorréneia da obra do cinema, o homem deve agir com toda a sua persona- lidade viva, mas privado da aura. Pois sua aura depende de seu hie er mre. Ela nao sofre nenhuma reprodugao. No teatro. a aura de Macheth & inseparavel da aura do ator que desempenha esse papel tal como a sente o piblico vivo, A toma- da no estidio tem a capacidade peculiar de substituir o publico pelo aparelho, A aura dos intérpretes desaparece necessariamente ¢, com ela, a das personagens que eles representam. Nao se deve ficar surpreso que, precisamente um dramaturgo como Piran dello, através de sua andlise do cinema, atinja de modo involuntario aquilo que é basico na crise atual do teatro. Nada se opoe mais radicalmente do que o teatro 4 obra inteiramente concebida do ponto de vista das técnicas de reprodugao, ou melhor, aquela que, como o cinema, nasceu dessas proprias técnicas, Isso se con- firma mediante qualquer estudo sério do problema. Desde muito tempo. ox bons conhecedores admitem, como escrevia Amheim em 1932, que, no cinema, “& quaye sempre interpretando © minime que se obtém mais efeito, ., A dltima vsea~ la do progresso consiste em reduzir o ator a um acessorio esealhice pels suas caructeristicas. .. ¢ que se utiliza funcionalmente™.** QOutra cireunstAncia ligase a esta de modo mais estreito: se ator teatral ontra na pele da personagera repre- sentada por ele, & muito raro que o intérprete do filme passa tomar idéntica atitu de, Ele nfo desempenha o papel ininterruptamente. ¢ sim numa série de + Luigi Pirandello, Oe Zaurne, tudo por Lion Pierre Quins, graphique, VW. Paris 1927, pp. 14 6), ‘© Rudolf Arahoim: Fidii als Kane, Bertin 1932. pp. 1764, Dentro devia perspectivi. certas particular. dades aparentemente socumdiias, que distinguem a diregse clnematogtifica © 0 expertaento watral wort vo munis: imteressantes: entre outran, @ teatutiva de wlguns dirctors: — Dreyer em sua foumie (Ane — de suprimur i maquilagem dos sinres, Dreyer dertorou meses para consezulr Feu os quaremia interpretes uue deveriam tepresemiar os juizes na prosesso da inquisigae, Sya busca parecla a procura de acessichos diflcety dle carer obi Dreyer emnpreerde ox maivr exforgis fl de ceitar que houvesse ents esses imirpvstes 8 monor semethanga de ida. de vstatura We fsionamia. Quanda v ator se gorma weed da eon, tara que, em decorrencia. 0% prdprios acessorios desem seahem 0 gapel Jeauwrs. Pelo meng NaS € IASI que 0 filme Ihes tenha um papeta contiar, Em ver de invecar quaisquer exemples extraidas da grande massa, hagueles que se npresentim. fixemonos om um. especialmente lustrativo, A. presenga no paleo de a rekigha ‘2m Aunclanamesta ceria sermpee intl. Inesists hogar aa toate para hud Feng que GA Ak Mahar S Sm Mesmo nur poy realisi.© tempo astrondmicg estaria em diseordincia com @ tempo cénice, Nessas condi sabes chi mai importiavia para o cinema poder cispor de um rehigio & Ti uk assinalar @ eemmpe real, Esse um dos dades qué melhor indicam que, numa cireunstineia delsrminada, cada aeessirio pre desempenior ‘um papel desisivo, Estamay agui hen prdimas ala afirmaséo de Puaiovikin, sezunde a qual "0 desempenha As um hors vineaacn a tm oho 6 sepa Sipnification die Candia” (2. A1rr Cinemaro: akie, .. nonnpee canatitut Lrw dos mais geiteruaon ree ios de que disp o cinema”, 0 filme. entio, ¢0 jrimeito meio artistico eapar de mostrar a reciprocidade de agin ‘entre # maigria s a homem, Meise ventid, le-pade xervir com muita efiedeta a tim pensamenta rraterialises, A OBRA DE ARTI a seqiiéncias isoladas. Independente das circunstancias acidentais — localizagao do estidio, afazeres dos atores, que sO esto disponiveis a determinadas horas, pro- blemas de cenagrafia, etc. — as necessidades elementares da téeniea de operar dissociam. eles proprias. 0 desempenho do ator numa mapsddia de episdios a par- tir da qual deve-se, em seguida, realizar a montagem. Pensamos sebretudo na iluminagéo cujas instalagSes obrigam o produtor — a fim de representar uma agdo que se desenrolari na tela de modo rapido © continuo — a dividir as toma- das, as quais, algumas vezes, padem durar longas horas. Isso, sem falar de deter- minadas montagens cujo caso é mais agudo: se o ator deve saltar por uma janela, faz-se com que ele salte no estiidio, gragas as construgdes artificiais; mas a figa que sucede a esse salto talvez 36 seja rodada, exteriormente, muitas semanas apés. Encontrar-se-4 facilmente exemplos ainda mais paradoxais. Acontece, por exem- plo; que, de acardo com o roteiro, um intérprete deve se sobressaltar, ao ouvir baterem 4 porta ¢ que o diretor niio esteja satisteito com 0 modo pelo qual ele atua nesta cena. Aproveitard, entdo, da presenga ocasional do mesmo ator no palco de filmagem e. sem prevenito. mandaré que déem um tiro as suas costas. Havendo a cdmara registrado sua rcagio de susto, 36 resta introduzir, na montagem do filme, a imagem obtida de surpresa. Nada demonstra melhor que a arte abando- nou o terreno da bela aparéncia, fora do qual acreditou-se muito tempo que ela ficaria destinada a definhar, x Como notou Pirandello, o intérprete do filme sente-se estranho frente 4 sua propria imagem que lhe apresenta a camara, De inicio, tal sentimento se parece com 0 de todas as pessoas, quando se olham no espelho, Mas, dai em diante, a sua imagem no cspelho separa-se do individuo ¢ torna-se transportavel, E aonde a levarn’? Para o piblico.'® Trata-se de um fato do qual o ator cinematogrifico per- manece sempre consciente. Diante do aparelho registrador, sabe que — em altima instancia — é com © péblico que tem do se comunicar. Nesse mercado dentro do. qual nfo vende apenas a sua forga de trabalho, mas também a sun pele ¢ seus cabclos, seu coragdo ¢ seus rins, quando cncerra um determinado trabalho ele fica nas mesmas condigdes de qualquer produto fubricada, Esta &, sem davida, uma ** Poe se conitatae, 20 plans potiice. uma mudanga andinga mo modo: de exposigla «que — de forwa ‘dentics — cepende das réonicas de rsprodugio. A cise atual dus democracias Durvucias esta vincpiada uma crise day Couuigdes que deverminam & pripria apreventag Gos governantes, As democracias apresen- aim deus yovermantes de moxio direta.em Carne ¢ aso, diance dos deputadns, O parlamento constit seu pir blica, Com a Hugie des aparelhos, que permite a um niimero indefinide de ouvintes escutar 0 discurse do prador, no proprio momento em quc le Tala, ¢ de, pote depois, diferuir @ see imagem a unia quantidade indefinida de qpectavores,o essenieial se transfor na apsexentagio do komen politico dianve da apareiho fem si, Hayn nova téenien eseazia Os pariamentas, assim comp esvaaia os ters, O radio ¢ 0 cinema nio :nodifieam apenas a fungi éo aioe profrsional. mas — de mancira vemelhants — a de qualquer um,como ean slo povernante. que se anzexente Bante da mieratone wa da efmar, Levande se em canta 9 diferent de objcuvos,0 imerprete de um ilime ¢ u eotidius sofrer wanaturmugicy purkletes cum relago & 50, a canseguem, em determinadas condigdes sociais, aproximi-los do piblico. Dai a cxisténcia de uma nova sele 0, diante do uperstho: 0s que saem vencedores so a vedete eo ditador, 18 BENJAMIN das causas da opressiio que o domina, diante do aparelho. dessa forma nova de angistia assinalada por Pirandello. Na medida om que restringe o papel da aura, 9 cinema constréi artificialmente, fora do estidio, a “personalidade do ator”; o cult do astro, que favorece ao capitalisma dos produtores ¢ cuja magia é garan- tida pela personalidade que, j4 de h4 muito, reduziu-se ao encanto corrompide de seu valor de mercadoria, Enquanto capitalismo conduz © jogo, 0 tinice servigo que se deve esperar do cinema em favor da revolugio ¢ 0 fato de ele permitir uma critica revolucionaria das concepgoes antigas de arte. Nao contestamos, entre- tanto, que, em certos casos particulares, possa ir ainda mais longe ¢ venha a favo. Tecer uma critica revolucionaria das relagGes sociais, quiga do proprio principio da propriedade. Mas isso ndo traduz 0 objeto principal do nosso estudo nem a contribuicdo essencial da producio cinematografies na Buropa Ocidental, A técnica do cinema assemelha-se aquela do esporte, no sentide de que todos 8 espectadores so, nos dois casos, semi-especialistas, Basta, para isso ficar convincente, haver escutado algum dia um grupo de jovens vendedores de jornais que, apoiados sobre suas bicicletas, comentam os resultados de uma competigiio de ciclismo. Nao @ sem razdo que os editores de jornais organizam competigoes reservadas a seus empregados jovens, Tais corridas despertam um imenso inte- resse entre aqueles que delas participam, pois o vencedor tem a oportimnidade de deixar a venda de jornais pela situagdo de corredor profissienal. De modo idénti- co, gracas aos filmes de atualidades, qualquer pessoa tem a sua chance de apare- cet na tela. Pode ser mesmo que venha a ocasie de aparecer numa verdadeira obra de arte, como Tri Pesni o Leninie (Trés Canticos a Lenin), de Vertov, ou numa fita de Joris Ivens, Nao h4 ninguém hoje em dia afastado da pretensfio de ser filmado e, a fim de melhor entender essa pretensio. vale considerar a situagio atual dos eseritores. Durante séeulos, um pequeno niimero de escritores encontrava-se em confront com varios milhares de leitores, No fim do século passado, a situagio mudou. Mediante a ampliagao da imprensa, que colocava sempre a disposig¢ao do piblico novos Grgaos politicos, religiosos. cientificos, profissionais, regionais, viu-se um numero crescente de leiteres — de inicio, ccasionalmente — desinteressar-se dos escritores. A coisa comegou quando os jomais abriram suas colunas a um “cor- reio dos leitores” ¢, dai em diante, inexiste hoje em dia qualquer europeu, seja qual for a sua ocupagio, que, em principio, no tenha a garantia de uma tribuna para narrar a sua experiéncia profissiondl, expor suas queixas, publicar uma feportagem ou algum estude do mesmo género, Entre 0 autor € 0 piblico, a dife Fenga, portanto, esti em vias de se tornar cada ver menos fundamental, Ela 6 ape- nas funcional ¢ pode variar segundo as cireunstancias. Com a especializacao cres- cente do trabalho, cada individuo, mal ou bem, est4 fadado @ se tornar um perito em sua matéria, seja ela de somenos importancia; e tal qualificacdo confere-lhe uma dada autoridade. Na Unido Soviética, até o trabalho tem voz: e a sua repre sentagao verbal constitui uma parte do poder requisitada pelo seu proprio exerci cio. A competéncia literdria nlio mais se baseia sobre formagao especializada, A OBRA DE ARTE 19 mas sobre uma muttiplicidade de técnicas e, assim, cla 9¢ transforma num bem comum.?° Tudo isso aplica-se ao cinema sem reservas. onde os deslocamentos de pers- pectiva. que exigiram séculos no campo literario, realizaram-se em dez. anos, Pods, na pratica cinematografica — sobretudo na Riissia — a evolugdo ja estd parcial mente consumada. Iniimeros intérpretes do cinema soviético ndo sdo mais atores dentro da acepeao da palavra. ¢ sim pessoas que desempenham o:seu proprio papel, mormente cm sua atividade profissional, Na Europa Ocidental, a explora. ¢do capitaliste da indistria cinematogrffica recusa-se a satisfazer as pretensdes do homem contemporaneo de yer @ sua imagem reproduzida. Dentro dessas condigdes, os produtores de filmes tém intéresse em estimular a ateagdo das mas- Sas para representagdes ilusérins eespeticulas equivacos, Xi A confecgao de um filme, sobretudo quando é falado, propicia um espetacule impossivel de se imaginar antigamente. Representa um conjunto de atividades impossivel de ser encaradg sob qualquer perspectiva, sem que se imponham & vista todas as espécies de elementos estcanhos ao desenrolar da agiio: maquinas de filmar, aparelhos de iluminagao, estado-maior de assistentes, etc. (para que 0 espectador abstraisse isso, era necess4rio que 0 seu olho sc confundisse com a objetiva da cdmara). Mais do que qualquer outra, essa circunstincia torna superfi- ciais ¢ sem importancia todas as analogias que se poderiam erguer entre a filma- gem de uma cena em estidio © a sun execugao no teatro. Por principio, o teatro conhece o local onde basta se situar a fim de que o espetdculo funcione. Nada 29.0 cariter privilegiado das téenicas correspondentes fica assim. arruinado, Aldous Huxley escreveu: “Os progrewson tacnicos. ... gondizliam A vulgarizngdio. ..A& tdeniens de reprodugdo e 0 aso das rotarivas dox Joenais pecmisiram uma multiplicagio do imagem e-da eseritn que vltrapusaa todas as previwics, A instrugiio Ubrigakiria ¢ o relative aumento de niveis de vida eriaram wm publico multe grande, capa ds ler ¢ #0 valet da ioitura cass Imagens.” fim de saitslazer a tal demanda, foi necesshrio organizar ures indstria impor tante, Mag o dom artitico ¢ uma coisa raras remelia din... qué por loos 03 lads a preKlugaO aratica, era su grande parte, foi de pouco valor. Mas. hoje. ® percentagom de fracaiios.a conjunt da produgio esteti ea, ainda € maior do que nunca, .. Trata sc. aise wm simples problema aritmética, No deeorrer do séeulo ppassado, a populagio da Europa Ocidenial erescas ale do dobro, porem,no que € passive ealeular o mate. Fal de Ieitura ede imagens aumentou, Ho minime, de um para dez. talvez, de um para cingéenta ou com, So ie admite que uma populagao de x millies de habitentes comporta un numéro rt de pessoas dotackss artist ceamante. of taleatos serio de 2n para uma populace de 2x milhges. Pade-ss assim reviamic a situagio: onde, ha conv amos pobliewvarse anna pigina iapressa. com texto ou imagens, publicam se, hoje, vints, sede com. Onde, por ouito lado, cxista wm aloo artstico, exisiem, hej, Sols, Admilo yue, ern Gonseqdancia da ensing ‘obrigatirio, am grande numero de talentos virtua, outtoea impedides de desenvolver os seus dons, paue hoje se exprestar. Supomhamos, por conscruinic..... que hoje existam tris ou mesmeo quatre talentos para cach um de-quirara. De qualquer forma, 9 cansiima de textos ¢ d= imagsas superoa & produio normal de eserito- Tea ¢ devenhistin bem dotados. Ooorre » mesmo no terrane dow Sons. A prosperidads, o gramolone ©0 rldio pace parecer yruerirs: Mas, dune @ demanstta 0 exemplo do graitde lwérice Leonatik) Ds Vinela ohservagies dessa aatuceza poder set adequndas a seu tempo, Comparando sia epintusa, dix, Leonardo: “A superiuridace da pinturs sobre a misicm existe pelo Fito de que, a partie do Aomenia em que cla & convocada para viver, inexiste motive para que Yonhn 4 morrer. coma ao cumrario, fs caso da pobre miisica... A minicu sz evapora depots de se: weada; peranizada pelo uso do verniz.a pin lurwsehsisie” 2 BENJAMIN XIU que caracteriza 0 cinema niio é apenas ¢ modo pelo qual o homem se apre- senta ao aparetho, @ também a mancira pela qual, gragas a esse aparelho, ee representa para si o mundo que o rodeia. Um exame da psicologia da performance mostrou-nos que o aparelho pode desempenhar um papel de teste. Um olhar sobre a psicandlise nos fomecerd um outro exemplo. De fato, o cinema enriqueceu a nossa atengio através de métodos que vém esclarecer @ an4lise freudiana. Ha cin- qiienta anos, ndo se prestava quas¢ etengao a um lapso ocarrido no desenrolar de uma conversa, A capacidade desse lapso de, num sé lance. abrir perspectivas pro- fundas sobre uma conversa que parecia decorrer do modo mais normal, era enea- rada, talvez, como uma simples anomalia. Porém, depois de Psychopathalogie des Allagslebens (Psicopatologia da Vide Cotidiana), as coisas mudaram muito. Ao mesmo tempo que as isolava, o método de Freud facultava a andlise de realidades, até ento, inadvertidamente perdidas no vasto fluxo das coisas perecbidas. Alar- gando o mundo dos objetos dos quais tomamos conhecimento, tanto no sentide visual como no auditivo, o cinema acarretou, om conscqGéncia, um aprofunda- mento:da percepeao. E em decorréncia disso que as suas realizagdes podem ser analisadas de forma bem mais cxata ¢ com nimero bem maior de perspectivas do que aquelas oferecidas pelo teatro ou a pintura, Com relagdo 4 pintura, a superio. ridade do cinema se justifica naq que Ihe permite melhor analisar a contetido, dos filmes ¢ pelo fato de fornecer cle, ussim, um levantamento da realidade incom paravelmente mais preciso. Com relagao ao teatro, porque é capaz de isolar ni- mero bem maior de elementos constituintes. Esse fato — ¢ ¢ dai que prove a sua importancia capital — tende a favorecer a miitua compenctragao da arte ¢ da ciéncia, Na realidade, quando se considera uma estrutura perfeitamente ajustada a0 fmago de determinada situagdo (como © miisculo no corpo), néo se pode esti pular sea coesao refere-s¢ principalmente ao seu valor artistico, ou a exploragio: cientifica passivel de ser concretizada, Gragus ao cinema — e¢ ai esté uma das suas fungSes revoluciondrias — pode-se reconhever, doravante, a identidade entre © aspecto artistico da fowgrafia ¢ 0 seu uso cienufico, are entio amide divergentes.?9 Procedendo a0 levantamento das realidades através de seus primeiros pla- nos que também sublinham os detalhes ocultos nos acessdrios familiares, perscru- tando as ambiéneias banais sob a diregiio engenhosa da objetiva, se 0 cinema, de um: lado, nos faz enxergar melhor as necessidades dominantes sabre nassa vida, consegue, de outro, abrir imenso campo de ago de qual nao suspeltévamos. Os 2 Com relagdo a isto, s pintues da Renasceniea formece nos analogia bem instrutiva, Nola tembém encon lraimos una arc, cuje descnvolvimemo ¢ imporianeia lacompuréveis bascieun ae, cam grande pans, sobre-o fato de que ela smiegra um grande nimero dk eéneias novas. ov, no minima, novos ads extraidos dessas cigncias. Reivindica a analomia ¢ & perspective, as matematicas, w metconologia € w tesria das cores, Coma Vablry fee observar, nada ost mais distante de nds do que ea surpecendente pretense im Tonal it via na pintura & ancta suprema ¢ @ main eleviala demonstragin de saber, pois cstava convencide ae que cle requeria a ciéncia universal ¢ ele proprio nao recuava diante dé uma anilise tetrica, cuja preciso ¢ profuadi dade desconeeram mos hoje em cha A OBRA DE ARTE. B bares e as ruas de nossas grandes cidades. nossos gabinétes ¢ aposentos mabilia- dos, as estagdes ¢ usinas pareciam aprisionar-nos sem esperanga de libertagfo. Entdo veio © cinema ¢, gragas a dinamica de seus decimos de segundo, destruiu esse umiverso concentracionario. sc bem que agora abandonados no meio dos seus restos projetados ao longe. passemos a empreender viagens aventurosas, Gragas a0 primeira plano, é 0 espago que se alarga: gragas ao ralensi. & 0 movimento que assume novas dimensdes. Tal como o engrandecimento das coisas — cujo obje- tivo no € apenas tomar mais clare aquilo que sem ele seria confuso, mas de des- vendar novas estruturas da matéria — 0 ralenti nao confere simplesmente relevo as formas do movimento ja conhecidas por nés, mas, sim, descobre nelas outras formas, totalmente desconhecidas, “que nio representam de modo algum retar- damento de movimentos rapidos ¢ geram, mais do que isso, 0 efeito de movimen- tos escorregadios, aéreos ¢ supraterrestres”.? * Fica hem claro. em conseqiéncia, que a natureza que fala a cfimara ¢ completamente diversa da que fala aos olhas, mormente porque cla substitui o es- pago onde o homem age conscientemente por um outro onde sua agdo ¢ incons- ciente. Se ¢ banal analisar, pelo menos globalmente, a mancira de andar dos homens, nada se sabe com certeza de seu estar durante a fragdo de segundo em que estica a paso, Conhecemos em bruto o gesto que fazemos para apanhar um fucil ou uma cother, mas ignoramos quase todo o jogo que sc desenrola realmente entre a mao ¢ o metal, e com mais forte razao ainda devido as alteracdes introdu- zidas nesses gestos pelas Nutuagdes de nossas diversos estados de espirito. E nesse terreno que penetra a cAmara, com todos os seus recursos ausiliares de imergir ¢ de emergir, seus cortes ¢ seus isolamentos, suas extensdes do campo e suas acele- ragdes, seus engrandecimentos ¢ suas redugdes. Ela nos abre, pela primeira vez, a experiéncia do inconsciente visual, assim como a psicandlise nos abre a expe- riéncia do inconsciente instintivo- XIV Sempre foi uma das tarefas essenciais da arte a de suscitar determinada inda- gagdo num tempo ainda néo madura para que se recebesse plena resposta.£? A #9 Rudot! Amhelm, loc. cl p- 138 Segundo André Breton, # obra de arte ad tem valor ma medida em yue agile o6 reNexos do futuro. De fato, toga forma de arte acabade situa se no cruzamento de 12s lishas cvolativas. Em primoire lugar, sl elabora atheniea que a sl mpria convém, Antes do cincma, havin essas colegSes de fotos que, sub a pressio do pale {ar,sucediam se fapidammente dianse dos othos e que coafsriar a vindo de uras tuta de boxe ou de um joo de ténis vendiamse ns Iojas uns brinquédos automiticos, onde'o desenrolae das imagens cra peavocado pela rotagao de umn manivela, km segundo Inga, ela labora ax Krmas de arte tradicsanais, no diversos csliigios de seu desenvolvimento, com 0 objetivo d& aplics tas nos efeitos que. cm sends, sero desemibara- gadamente visados pels forma nowa de sete. Antes de o filme ser aceitn. os dadaistas, através de suas manifes- Tagées, procurseam Introdusir junto ao piblicn um movimento, o qual Chaplin, logo apis, viria e exscjar de modo sais natural, Em tetceiro legar. clu prepara, de mancira amide inviivel, as modifeagies socias. tranmsformando os métodos de accthida a fim Ge adapta-los as formas novax de art. Antes te 0 Eunenau hast comepack a formar o seu piblicn, outro pibiles xe reaia no Panorama Fmperal, fim de ver as imagens (que jf haviam deizado de ser imaveis), Este piblico achava s¢ defronte de ara biombo, onde emereoscdpios estuvam instalados, cada um deles vollade para um dos espectadores, Diante desses aparelhos surgiam a BENJAMIN historia de cada forma de erte comporta épocas criticas. onde ela vende a preduzir efeitos que 50 podem ser livremente obtidos em decorrincia de modificagio do nivel técnico, quer dizer. mediante uma nova forma de arte. Dai porque as extra- yagancias © exageros que manifestam aos periodes de suposta decadéncia nascem, na verdade, daquilo que constitui, 10 Amago da arte. mais rico centro de forgas. Ainda bem recentemente vimos os dadaistas a se comprazerem com manifesta ges barbaras. $6 hoje compreendemas o que visava esse esforgo: 0 dadaismo buscava produzir, através da pintura (ou da literatura), os proprios efsitas que 0 publico hoje solicita do cinema. Cada vez que surge uma indagacéo fundamentalmente nova abrindo o futuro aos nossos clhos, ela ultrapassa seu propdsito. Isso foi tao verdadeiro no caso dos dadaistas que, em favor das intengoes — das quais nao estavam, cvidentemente, tdo conscichtes dentro Ga forma que descreverios — eles sacrificaram os valores comerciais que assumiram, desde entio, importancia tao grande para o cinema. Os dadaistas davam muito menos valor a utilizagdo mereantil de suas obras do que ao fato de que ndo se podia fazer delas objetos de contemplagao. Um de seus métodos mais habituais para atingir esse objeto foi o aviltamento sistematico da propria matéria de suas obras, Seus poemas sdo saleday de pafavras, comtém obscenickdes ¢ tudo que se possa imaginar de detritos verbais. [gualmente os scus quadros, sobre os quais eles colavam botées ¢ bilhetes de passagens de Onibus, irens, etc. Chegaram ao ponte de privar radicalmente de qualquer aucc as produ gGes as quais infligiam o estigma da-reprodugao. Diante de um quadro de Arp ou de um poema de Stramm, nio sc tem — como diante de ums tela de Derain ou um poema de Rilke — o lazer da concentragdo para fazer um julgamento. Para uma burguesia degencrada. © recntrar em si mesmo lomnouse uma escola de comportamento associal; com o dadaismo, a diversio tornou-se um exercicio de comportamento social.? 6 Suas manifestagdes, com efeito, produzitam uma diver. géncia muita violenta, fazendo-se da obra de arte um objeto de escandalo. O intento era, antes de tudo, chocar a opiniao publica. De espetaculo atraente para 0 olho e de sonoridade sedutora para o ouvide, a obra de arte, mediante o dadais- mo, transformou-se em choguc. Ela feria o espectador ou o ouvintes adquiriu poder traumatizante, E, dentro disso, favorecen 0 gosto pelo cinema, que também possui um carater de diversionismo pelos choques provocades no espectadar devi- do as mudangus de lugares ¢ de ambientes. Pensar em toda a diferenga que separa automaticamente imagens succssivas que se demmosavam um instante ¢ logo'davam lygar a Outre seyuiate, Fi ainda vom meios anilyges que Edison exibiu a pequone grape de epectndares a primeira ptiowta fikmada (antes que se deseabriste a tola e a projec): « malig olhava con sxtu por o apaireba, dant do qual ae deseneolavam an imagens, A principio, o espeliculo apreventacio ne Panorama fmperial iraduria de maneica especialmente clams uma vialiuien dy dewn yolvimenty. Bows terph tanta. kes catsma permis wma ens, gragad a cow sistema de estercosaipio, ago vaido de moda, © que ainuie rrevale cau for 4 visio individual, com 3 moxma forga da contemplagaio da imayem divina touts por um padre numa cela. 0 cowie a comseincia div evar a wi com Bis. Nits jntca ska buryuesia, es obeowiGuie tarMeN @ hevnen sufloientemente forte para sacudlit a atela da greja; na Gpoca desu docadéncia..s mesma eonsciéncia deveria favorecer, quanta a0 individuo, uma tendn ela seereta de privar 8 comunidade das forgas que ele aeiona em sui ndagio pessoal com sex Dieu, a tela na qual se desenrolao filme ea tela onde se fixa a pintura! A pintura convi da 4 contemplagdo; em sua presenga. aS pessoas s¢ entregam 4 associagao de idéias. Nada disso ocorre ne cinema: mal o olho cupla uma imagens, esta ja cede lugar a outra e 0 olho jamais consegue se fixar. Mesmo detestando o cinema ¢ nada entendendo do seu significado. Duhamel pereebeu bem varios aspectos de sua estrutura ¢ enfatiza isto quando escreve: “Ja nda posso meditar no que vejo. ‘As imagens em movimento substituem os meus priprios pensamentos™.?? De fato, a sucessao de imagens impede qualquer associagdo ne espirito do especta. dor. Dai é que vem a sua influéncia traumatizante; como tudo que choca, o filme somente pode ser apreendido mediante um esforgo maior de atengaa.2* Mediante a sua técnica. 0 cinema libertou @ efcito de choque fisieg daquela ganga moral, onde o dadaismo o havia encerrado de certa forma.** XV ‘A massa ¢ matriz de onde emana, no momento atual, todo um conjunto de ntitudes nevas com relagdo 4 arte. A quantidade tornou-se qualidade. © cresci mento maciga do mimero de participanies transformou 0 seu modo de participa- gio, O observador niio deve se iludir com o fato de tal participagdio surgir, a prin- cipio. sob forma depreciada. Muitos, no entanto, sio aqueles que. ndo havendo ainda ukrapnssado esse uspecto superficial das coisus, denunciaram-na vigorose mente. As criticas de Duhamel sio.as mais radicais. O que ele conserva do filme &0 modo de participagao que o cinema desperta nos espectadores. Assim diz: “Trata-se de una diverse de parias, um passatempo para analfabetos, de pessoas miserdveis, aturdidas por seu trabalho e suas preocupa cGes... win espeidculo que rido requer nenkum esforge, que nao pressu- pée neniiuma implicagdo de idétas, no levanta nenhuma indagagdo, que néo aborda seriamente qualquer problema, ndo ilumina paixda alguma, ndo desperta nenhuma iuz no fundo dos coragdes, que ndo excita quat- quer esperanca a ndo ser aguela, ridfeula de, um dia, virar star em Los Angeles "2° 27 wubamal, Scenes de tHe Pucarg, Paris, 1930, p.32- 24 Seelnema’éa forma de are que eommesperide a vidn cada vez mais erigosa, dvtinada 36 homer de Roe. A necessiade de se submeler efetos de cheque constiui uma adaptagae do hamem nos perigon que 0 fineagam, O eizema cyuivake a modificagies profirmius sw aparstho perceptive, aquclas mehmat que vive ‘usimenie. no curso da ealsiéncla peinada, o primeird anseunte surgido Mumm Tua de grande cidade e; no carso da hisgria, qualquer eldaddo de um Edo vortemporanen, 29 Sco cinema ve Jescerra, & lus do dadaismo, também: 0 fax de mode substancal, tux do cudieme ¢ co Futurism, Eason dois morimentos aparkeer, com centabes inufietentes da arte a fim de skim. mane tru aes uparalio sho dt realhinds, Contrariamants ao cinema. eles io fapacelbos para confer Ua tepresentagdo ortien do rex: ambos, sobretudo.alirars a vepresentagio da real aquela di aparelhagem, Assim se expiea 0 pape prepanderente que deseripeabam, no cubism0 1 pressentimento de vina consieugio dessa aparebagem, repauranda wobre une efeno dtieo € no fularsmo, 6 Prescentiments eh ofa desea njarsthagem, to! come 3 cloema ax valorizaria, gragas ao projet ripid da pelook ## Duhamel, be, cie, ps $8. 26 BENJAMIN Vé-se bem que reencontramos, ao fim de contas, a vella recriminagio: as massus procuram a diversdo, mas a arte exige a concentragdo. Trata-se de um lugar comum: resta perguntar se ele oferece uma boa perspectiva para se entender © cinema. Necessario, assim, esmiugar o assunto, A fim de traduzir a cposigao entre diversio e concentracao. poder-se-ia dizer isto: aquele que se concentra, diante de uma obra de arte. mergulha dentro dela, penetra-a como aquele pintor chinés euja lenda narra haver-se perdido dentro da paisagem que acabara de pin- tar, Pelo contrario. no caso da diversao, é a obra de arte que penetra na massa. Nada de mais significativo com relagdo a isso do que um edificio. Em todos os tempos, a arquitetura nos apresentov modelos de obra de arte que 56 so acolhi- dos pela diversio coletiva. As leis de tal acothida sio das mais ricas em ensinamentos. Desde 2 pré-histéria. os homens sao construtores. Muitas formas de arte nas ceram ¢, em seguida, desupareceram, A tragédia surgiu com os gregos a fim de morrer som eles e apenas reaparecer longes séculos mais tarde, sob a forma de “regras”. O poema épico, que data da juventude dos povos atuais, desapareceu na Europa pelo fim da Renascenga. O quadro nasceu na Idade Média ¢ nao ha nada a garantir a sua duragao infinita, Mas a necessidade que tém os homens de morar é permanente. A arquitctura nunca parou. A sua historia é mais longa do que a de qualquer outra arte endo se deve perder de vista o seu modo de ago, quando se deseja tomar conheeimento da relagio que liga as massas a obra de arte, Existem duas maneiras de acolher um edificio: pode-se utiliza-lo ¢ pode-se fita-lo, Em ter- mos mais precisos, a acolhida pode ser titil ou visual. Desconhece-se totalmente o sentido dessa acolhida, se nde se toma em consideragdo, por exemplo, a atitude concentrada adotada pela maioria dos viajantes, quando visitam monumentos cé- lebres, No ambito tatil, nada existe, deveras, que corresponda ao que é a contem plagdo no dmbito visual. A acolhida tétil far-ne menos pela atengao do que pelo habito. No tocante 4 arquitetura, é esse habito que, em larga escala. determina igualmente a acolhida visual. Esta ultima, de saida, consiste muito menos num esforgo de atencao do que numa tomada de conseiéncia acessdria. Porém, em cer~ tas circunst&neias, éssa espécie de acolhida ganhou forga de norma, As tarefas que, com efeito, ae impSem nos érgiios receptivos do homem, na oeasifo das gran- des conjunturas da histéria, ndo se consumam de modo algum na estcira visual, em suma, pelo modo de contemplagio. A fim de se chegar a terma, pouco a pouco, ¢ preciso recorrer a acolhida tatil, ao habito. Mas o homem que se diverte pode também assimilar habitos; diga-se mai: claro que cle ndo pode efetuar determinadas atribuigdes, num estado de distragao, a nao ser que elas se Ihe tenham tomado habituais. Por essa espécie de diverti- mento, pelo qual ela tem o objetivo de nes instigar, a arte nos confirma tacita- mente que 0 nosso modo de percepeao esta hoje apto a responder a novas tarefas E como, nao obstante, o individuo alimenta a tentagdo de recusar essas tarefas, a arte se entrega Aquelas que sio mais dificeis e importantes, desde que possa mobi lizar as massas. E. o que ela faz agora, gragns ao cinema, Essa forma de acolhida pela seara da diversio, cada vez mais sensivel nos dias de hoje, em todos os cam-

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