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40) TRAGEDIA ACIDENTAL Coe WAN ote) DA MORTE DE ISABELE, DE VITIMA DE UM DISPARO FEITO POR SUA MELHOR AMIGA por Ullisses Campbell i Mas nao na camara ADVOGADA GERACAO PORTA DE SAIDA NA PANELA RECESSAO AEVOLUCAO DO ‘A FRITURA DE KARINA O FUTURO PROFISSIONAL = TRATAMENTO DA COVID KUFA, EX-QUERIDINHA DOS JOVENS QUE SO SEGUNDO DOIS MEDICOS DE BOLSONARO CONHECERAM A CRISE INFECTADOS nstanga Tatsch Martins Em seu 4° més, o Todos pela Satide é 0 principal doador para os projetos de adaptacao de duas fabricas de vacinas contra a Covid-19. Oltat Unibanco vem a publico novamente prestar contas sobre as atividades do Todos pela Satide. Confirao andamento dos projetos e as realizacGes do ultimo més. Cuidar Autonomia brasileira na producao de vacinas. R$ 100 milhdes doados. Investimento na Fiocruz eno Instituto Butantan permitiré produgdo de doses em larga escala, RS 50 milhées para a Fiocruz para adequacdes da sua fabrica de vacinas que ficard pronta R até o comeco de 2021 e tera capacidade para até 40 milhdes de doses por més. RS 50 milhées para o Instituto Butantan para atualizacao e expansdo da sua fabrica, que terd capacidade para até 20 milhdes de doses por més, Cuidar Expansdo da capacidade de testagem do pais. R$ 180 milhdes em novos Centros de Testagem para realizagao de exames laboratoriais em massa. Dois novos laboratérios em parceria com a Fiocruz —Uum inauguradona cidade do Rio e outro a inaugurar em Eusébio, CE— queampliargo a capacidadede testagem do Brasil em25 mill exames PCR e 24 mil ‘exames sorolégicos por dia Cuidar Assisténcia as populagdes vulneraveis da regido amazénica. R$ 45 milhGes investidos. ‘Ages realizadas em parceria coma Acnur—Agéncia da ONU para Refugiados - esto garantindo o funcionamento de um Hospital de Campanha com 174 leitos na cidade de Boa Vista, RR, etambém deum centro dealojamento com 1.000 leitos para populacGes locais, indigenas ede refugiados. Proteger Doacao de oximetros: equipamentos basicos de satide para todos os municipios brasileiros. R$ 11,8 milhées investidos. Doagao de mais de 105 mil oximetros a equipes de atencao priméria em todos os mais de mil municipios brasileiro, contemplando 100% das. equipes de satide e melhorando a infraestrutura das Unidades Bésicas de Satide (UBSs) em todas as regides do Brasil Retomar R Mapeamento da epidemia no Brasil. +deR$ 35 milhdes em pesquisas cientificas. Asinformagées -coletadas por algumas das maioresinstituigSes desatide do pais que receberam o auxilio—serdo fundamentais no planejamento de futuras estratégias de vacinagio e tratamentodadoenca Faca como diversas empresas, entidades e pessoas: junte-se a nds. Acesse: todospelasaude.org comm we Ofscrs B 2s rasa GB HX oe = fitesa © Ves fom piom mass SEY & % @ BB wcomu BP owe va ms _— VERDE VISAGIO. ZOOM todos Todos pela Satide. Do Itatipara todos. @ dh ome “DUELO DOS SUVs COMPACTOS” JORNAL DO CARRO TIGGO 5X VENCE 0 CHEVROLET TRACKER i FES AS a ¥ TIGGO 5X aT le ‘VENCEDOR DOS PRINCIPAIS COMPARATIVOS DESDE O LANCAMENTO BRILHOU NO “PREMIO CARRO DO ANO 2020” 138 COMPARATIVO JornaldoCarro a CHEVROLET Piao SS >< >. ( TRACER TRANSCRICAO DO JORNAL DO CARRO ACABAMENTO && SUV da Caoa Chery tem interior bastante caprichado, com couro para todo lado. 33 £6 No primeiro contato, a diferenca no acabamento ¢ gritante. 33 66 No Tracker, parte do revestimento de portas e painel traz 0 mesmo pléstico rigido da linha Onix, da qual 0 SUV deriva. 99 6 A cabine do Caoa Chery é mais moderna do que a do rival. 39 ESPACO INTERNO && © Tiggo 5X leva vantagem por causa dos 6 cm a mais no entre-eixos, que se traduz em maior espaco para as pernas dos ocupantes. 33 TECNOLOGIA 4 &6 Apenas 0 Caoa Chery tem cdmera de 360°, 93 i MOTORIZACAO 3 K& OTiggo 5X tem motor 15 - 150 ev, ante 012-183 cv do Tracker. 93 i SEGURANCA oi Kf Freio de estacionamento elétrico e discos (sélidos) nas rodas de trés 6 esto "no Caoa Chery. Isso garante maior seguranca nas frenagens bruscas. 93 66 © Tiggo 5X leva vantagem nas rodas aro 18”, ante as rodas aro'17” do Tracker, 33 GARANTIA £6. 0 Tiggo 5X levou a melhor por ser bem acabado, equipado e ter garantia de cinco anos, ante as trés do rival. 93 eT TABELA TAXA Novo: et 0. jou TAK Tieso 5S * 29=! FIPE %| | stean torn S020 PULL CONNECT PRIMEIRA PARCELA PARA 2021 ge ZS (0800-77754480 CAOQACHERY www. 5 O20 LD2IMOTORS.COM.BR —_QUALIDADE, TECHOLOGIA F OFSION NOVO TIG FATOS MARCANTES EM SUA VENCE O COMPARATIVO COM O Jeep CoMPASs. Uo) CeCTIETS RODAS RODAS TO nae CU TIGGO 7 REGISTRA A MENOR Dee L aN td Leech ao Cee ane ge eee nL ed olee eT coy 2. Hyundai New Tucson td Prmc Nev Lane terse eg aoa RISO Outen era SS LC) Peer) oer Peas od SOE Ou ase Ua ee eas) Parnes eee eh Gee Del aC Deane Moa ee asa ok eee Race) PS Cert eM PO Nea UU Nea el DTU a R Na Cae sna Oy CNT a USGL ae CU COUE Leo esha ae Cee er rt eee Ts aera tet CMU ae a mm LST Te eae) eur itr Cae ad Pata SIDA PARA O BANCO Gece Parents [EAJUSTE LOMBAR PARA Pecaterod PUstiecr eerte cy Crores 8 | oe ee — oe TRAJETORIA DE SUCESSO. TAXA 0% IPVA 2020 TOTAL E DOC. GRATIS Perey (Gre See TN ee ae ee Pala aE TS aie) See ree Peony ASSISTENTEDEPARTION AUTOMATICADEVELOCIDADE DE TELEFONE SOME PLOTO Eros oni Ko) a aa Aad [ele Pes ao) Eero Pees Rory Pree) dos editores ANTES QUE SEJA TARDE ntes de Sergio Moro se apropriar da frase, Mahatma Gandhi jé pregava que “fazer 0 certo” ésemprea melhor alternativa. O minis- tro Paulo Guedes embarcou na aventura de um governo Bolsonaro com planos de fazer 0 certo: controle de gastos, desburocratizacio, privatizacao e uma série de medidas que indi- cariam a busca de um equilibrio maior nas contas piiblicas, em frangalhos desde quea ex- presidente Dilma Rousseff decidiu usar suas habilidades econémicas para reger o pais. ‘Quase dois anos depois, o que era certo hoje vacila e 0 ministro se prepara para colocar sua assinatura em algo que nao condiz com o his- trico de ideias que expos no debate piiblico a0 longo dos anos. E plausivel que, num contexto de pandemia e uma crise econdmica que no se via desde 1929, medidas anticiclicas sejam im- plantadas para proteger os mais vulneriveis e as empresas que geram emprego. Coisa muito diferente é valer-se do advento do novo coro- navirus para lancar um pacote composto de medidas heterodoxas cujo objetivo nao é aju- dar os brasileiros mais pobres a navegar pela crise, mas patrocinar, com pagamento anteci- pado, o plano de reeleigo de Jair Bolsonaro. ‘A falta de recursos para que o Estado bras leiro amplie beneficios tem sua faceta mais re- veladora no plano de corte do abono salarial e do seguro-defeso, que garantem uma renda mi nima a setores carentes, e do Farmacia Popular, que permite a aquisigio de medicamentos de baixo custo e gratuites por 21 milhées de pes- ssoas, para garantir que 0 Renda Brasil seja tur- binado em RS 100. Ao rechacar o plano, Jair Bolsonaro resumiu bem o absurdo da ideia: “Nao vou tirar do pobre para dar ao paupérri- mo”. Ocorre que a escassez de dinheiro nao fez © presidente desistir do projeto de suplementar © Bolsa Familia bolsonarista. Paulo Guedes re- cebeu a missio de “dar um jeito” de encontrar espago para melhorar o beneficio, que atinge cirurgicamente um eleitorado que sempre foi petista e hoje viu sua vida ser transformada pelos RS 600, como explica 0 economista Mauricio Moura em entrevista a esta edig0 de EPOCA (leia na pag. 32). Mas, quando se olha em perspectiva, em que shoes as contas publicas para que seja nectssério 0 corte de beneficios que ajudam os mais carentes, para que outro seja melhorado, assistindo com maior eficiéncia os novos simpatizantes do presidente? A resposta est nos niimeros: neste ano a divida puiblica chegard a quase 100% do PIB e o déficit fiscal a R$ 900 bilhoes, Nao parece haver, portanto, ne- nhum espaco nas contas do Tesouro para pa- trocinar um governo mais generoso. Houve um tempo em que se praticava a contabilidade criativa no Brasil para que fosse cumprida artificialmente a meta de superdvit primario, Deu impeachment. Com 0 rombo fiscal préximo de RS 1 trilhdo, hoje o pais no pode mais se dar ao luxo de perseguir uma meta de economia fiscal no azul. A Gnica sina- lizacao de que o pais tem boa vontade em hon- rar suas obrigagdes com o Tesouro é a manu- tengao do teto de gasto, mecanismo sobre 0 qual Jair Bolsonaro jé titubeou. Resta, portan- to, a0 ministro Guedes, voltar a suas reflexdes do passado e “fazer 0 que é certo” Eatribuidaa Tancredo Nevesa frase “nao se faz politica sem vitimas”. Jair Bolsonaro comecou a fazer politica mirando 2022. Se nada mudar, as vitimas dessa fatura seremos todos nés. Industria em debate INFRAESTRUTURA & RETOMADA DA ECONOMIA Os investimentos em infraestrutura e as Parcerias Publico-Privadas (PPP) serfio decisivos para o Brasil avancar no pos-pandemia. O Webinar Industria em Debate recebera especialistas do setor para discutir os desafios dos diferentes segmentos da industria e as possiveis soluges para a retomada da economia. Participe! 3.de setembro, das 1ih as 13h roo nos sites do octono, Valor e EPOCA e nas suas redes sociais: e000 Inscreva-se em: .oglobo.com.br Patrocini: \Gprrora oso 10 doleitor escreva pera ‘epoce@edglobo.com.br EPOCA1154 INFANCIA INTERROMPIDA, As falhas do Estado capazes de prolongaro sofrimento de uma crianga vitima de estupro 0 direito ao aborto legal & a tinica protecao real que o Estado pode pro- porcionar a mulher, moga ou crianca, que foi estuprada. Pois s6 deve caber aessa mulher a decisdo de realizar ou ndo 0 aborto. A sociedade pode ter sua opinido, mas néo tem o direito de decidir por ela. Por isso a importin- cia de que o pais seja laico, para que possa ser justo com toda a sua popu- lagdo. Criangas, meninas e mulheres sio vitimas didrias de abusadores no Brasil. Depois, ainda tém de buscar ajuda as escondidas, como se fossem as culpadas pelo abuso. Isso, sim, & ‘outro abuso que elas e seus responsé- diretos acabam sofrendo. O di reito ao aborto legal grita em cada si tuagio que vemos diariamente ocor- rer e€a tinica forma de cuidarmos da satide fisica e emocional dessa pes- soa. Nao podemos viver 4 mercé das crencas particulares das pessoas que fazem as leis. Se assim foi feito no passado, tem de mudar no presente, para que tenhamos um futuro mais justo e melhor. Ménica Dellrato David, Campinas, SP Estado ausente, miséria e barbarie presentes. As vitimas se multiplicam enquanto escravas de um sistema se- letivamente perverso. Até quando? Marcio dos Sentos Barbosa, Rio de Janeiro, RI Estado e sociedade falham. Pois, quando acontece algo desse tipo e po- demos tentar ajudar, nem que seja com palavras e sentimentos de soli- dariedade, algumas pessoas atacam as vitimas com seu fanatismo. ‘Adiana Maia, via Facebook As pessoas que sé pensam no endu- recimento das punigdes ignoram que no Brasil a grande maioria dos crimes violentos nao € esclarecida, 0s culpados nao sao Sequer estabele- cidos. No caso de homicidios, por exemplo, para mais de 90% deles nio € atribuida a autoria, Assim, mesmo que seja aprovada a lei mais dura ea punicio mais severa do mundo, es- ses 90% de assassinatos, com as con- digdes atuais, continuariam impu- nes. £ preciso olhar para como fun- ciona todo o sistema de investigagio criminal e pensar em prevencdo e no acolhimento das vitimas (que no ca- so de crimes sexuais costumam ser muitas vezes mal acolhidas e desen- corajadas a denunciar), Pedro Penvela, via Facebook Impressionante 0 mimero de casos que ocorrem, dos quais temos co- nhecimento pela imprensa. Deve haver, em ages paralelas, por parte do governo, toda uma dedicacao as- sistencial a vitima, bem como um monitoramento da mesma, para que ela volte a ter uma vida normal E uma severa punigao ao criminoso, fisica e carceraria, de tal forma que Ihe impossibilite, para sempre, pra- ticar novamente 0 referido ato. In- felizmente, a maioria das vitimas convive num ambiente de vulnera- bilidade, sem nenhuma seguranga familiar, tudo isso fruto da inexis- téncia de uma politica de satide p blica, consubstanciada em falta de habitagao digna, com o minimo de dignidade humana, tal como agua, luze esgoto, de escolaridade obriga- toria, de atendimento médico, de seguranga publica e de falta de em- prego, cada vez mais presente. En- quanto esses requisitos nao forem viabilizados, esses tipos de crimes continuardo se repetindo. Rogétio Piccoli via Facebook ‘AMIGOS PARA SEMPRE Em sua nova encamacao politica, Jair Bolsonaro descobre ‘as maravilhas da vida no centréo, onde Guet bem-vindo Com mais de duas diizias de parti- dos com representacao no Congres- 0, sob o regime presidencialista, s6 haverd governabilidade com a ad io do presidencialismo de coal zo. E, para que tal tenha éxito, evi tando-se o toma la da cé rasteiro, que tem dominado nossa politica, seria fundamental a elaboracao de um projeto de governo no qual os partidos que o apoiassem comparti- Ihassem responsavelmente de sua gestio. Na auséncia de tal projeto, encurralado pelo Congreso, Bolso- naro, assim como a maioria de seus antecessores, vit no centro sua sal- vagao, aliando-se ao que ha de pior na politica brasileira: figurinhas ca- rimbadas, prontas a aderir a quem detém 0 poder, para seu proveito pessoal. Diceu Luiz Natal, Rio de Janeiro, RI PAULA LAVIGNE x EDUARDO DAMIAN Aempresaria eo advogado divergem sobre a proibicao pare que artistas fagam shows em lives em favor de candidatos durante a campanha eleitoral ‘Oargumento da produtora Paula La vigne é até aceitavel, Neste momento de crise extrema, devido a pandemia, qualquer oportunidade que permita que artistas faturem por meio de sua arte seria muito bem-vinda. Jé 0 ar- gumento de que fere a liberdade de expressio, em minha opiniao, nao cabe nesta discussio, Mas eu avalio que a posigdo do presidente da Co- missdo Especial de Direito Eleitoral da OAB, Eduardo Damian, é mai coerente e ldgica, pois nao tem senti- do dizer que, se 0 show for on-line, estard fora da lei que os proibe. E, que me desculpe a classe artistica, mas, mesmo proibindo as contrata- des de showmicios, néo hé como garantir que candidatos de maior poder econémico nao encontrem fa- cilidades de pagar por fora e se bene- ficiar dessa conhecida e negativa for- ma usada para influenciar votos, ainda presente em nossa cultura elei- toral. Além dos mais, a cereja do bo- lo deve ser sempre o candidato e sua plataforma, e nao o show. ‘Abel Pires Rodtigues, Rio de Janeiro, FD ‘AFORGADO SANGUE Larry Rohter comenta a polémica ‘envolvendo a indicagao da senadora como candidata ‘comparagao como Brasil Kamala Harris € gente, é mulher e & isso que importa. Até quando nossa cor, nossa etnia vao nos definir? Ezequiel Barboso, via Facebook EPOCA ‘SrootSoactccon ‘Reece Keer aise Manca Ps avon” ‘true Shes Amsco, Hoe Gros, Lamy Raho erica oe Bolle rena i Pt no Pe Sore Siaepee Ara he «ae el Sore fa fe Sela Fae defo Fan eats Sern Sat Ceca Bebo HESS Sear e eeeee OES E ce Marre Secon (io BSS es cee eee erie eren ee See SS ae tes! — 14, PERSONAGEM DASEM FLORDELIS Aincrivel histéria de deputada Flordelis dos Santos, acusada de user parte dos 33 netos e filhos para matar 0 proprio marido, que tinha sido adotado por ela quando adolescente 18. FuTURAEX FOGO AMIGO NA ESPLANADA Apés uma ascensao metesrica, Karina Kuta, advogada do presidente Bolsonaro, protagoniza uma rede de intrigas palacianas que minaram seu poder SOBRE JOVENS E ARMAS EPOCA revela novos detalhes da investigago sobre a morte de Isabele, atingida pelo disparo de uma pistola empunhada por sua amiga de 14 anos 32. 7 PERGUNTAS PARA. MAURICIO MOURA O presidente da consultoria \deie Big Data explica por que @ rachadinha afeta pouco aimagem de Bolsonaro: o eleitor de alta renda vé 0 escéndalo como algo menor que o petroléo e0 de baixa renda enxerga opresidente €ofpo um “corruptadiie ajuda” 36, CONCORDAMOS EMDISCORDAR GERSON ZAFALON MARTINS « LUCIANA DADALTO Omédico ea advogada discutem os aspectos clinicos e juridicos que envolvem a pratica da ortotandsia, regulamentada no pais, em relagao a eutanésia, proibida cl #GERACAORECESSAO O drama dos brasileitos ‘com menos de 30 anos, que 20 se tornarem adultos 86 viram crise pela frente —e por que oazar deles & também o de todos nos COVID-19 NAS UTIS ARAMPA PARA REDE HINDU ter morrido no pés-guerra Como 0 Facebook ignorou suas proprias regras contra © discurso de édio para preservar as boas relacdes ‘com o governo da India sumario 31.08.20 62. ocx OS VERSOS BUCOLICOS Afestada hé anos da cena iteraria no interior de Minas Gerais, a poeta Maria Lucia Alvim, de 87 anos, lanca Batendo pasto, que reine poemas inéditos escritos ‘em 1982 cowunstas GUILHERME AMADO Ahora de defender as instituicdes 35, ALLAN SIEBER 39, HELIO GUROVITZ Aqueles que dviciam ‘hoje se estapeiam 66. LARRY ROHTER Envenenados aos poucos MONICA DE BOLLE Acolunista esta de férias PERSONAGEM DA SEMANA por Carolina Heringer FLORDELIS De acordo com a acusagao do Ministério Pibico do Rio de Janeiro, a deputaca Flordelis dos Santos flanejou e convenceu fihos © netos a cometer © assassinato ce ‘Anderson do Carmo ERR ANERRAS A incrivel historia da deputada PERSONAGEM DA SEMANA 8 acusada de usar parte dos 33 filhos netos para matar 0 proprio marido, que tinha sido adotado por ela quando adolescente eleigdo da deputada federal Flordelis dos Santos, pelo PSD do Rio de Janeiro, parecia consagrar uma historia de supera¢o que teve inicio hi duas décadas e meia. A partir dos anos 1990, Flordelis dew inicio a0 acolhimento de criancas na favela do Jacare- zinho, no Rio, onde ela nasceu e foi criada. Pastora evangélica, ficou conhecida como a “mie de 55 filhos”, contabilidade que incluia 0s biolégicos, adotados e afetivo: Com a imagem de que era peeguida pela Justiga, que apontava irregularidades nas adogdes, Flordelis ndo demorou para cair nas gracas de parte da classe artistica. Em 2009, sua vida foi contada em um docu- mentério estrelado por atores como Bruna Marquezine ¢ Caua Reymond, Foi com esse empurrdo que a pastora entrou no meio musical e se cacifou para o jogo politico. Por causa das negociagées da trilha sono- ra do documentirio, Flordelis se aproximou do senador Arolde de Oliveira (PSD), dono da gravadora evangélica MK Music, da qual passou a fazer parte do casting. Anos de- pois, ele viria a ser seu padrinho politico. Quando conquistou impressionantes 200 mil votos em 2018, Flordelis ja era cantora evangélica e tinha sua prépria igreja em Sio Gongalo, na Regiao Metropolitana do Rio. Tudo ia bem até o pastor Anderson do Carmo ser assassinado, oito meses apés 0 pleito. Anderson, também oriundo do Jaca- rezinho, chegow a casa de Flordelis nos anos 1990 como seu filo. Na época, ele tinha 14 anos ¢ ela 30. Em 1998, quando o pastor atingiu a maioridade, eles se casaram. Ao longo da ascensio de Flordelis no meio ar- tistico e religioso, a participagdo de Ander- son costumava aparecer mais nos bastido- res. Ele era o grande articulador da casa, que também controlava com pulso firme as finangas e os conflitos entre os — muitos — filhos. Essa “divisdo” de papéis acabou sen- do ponto crucial para o crime. Anderson foi assassinado a tiros na gara- gem da casa da familia em Pendotiba, Nite- r6i, na Regiio Metropolitana do Rio, local onde moravam, além do casal, 33 filhos € netos, entre eles 12 criancas e adolescentes. Entender as relagdes na numerosa fami exige um pouco de atencdo. Flordelis é cl mada de mae nao apenas por seus filhos biolgicos — que séo trés — ¢ afetivos, mas também por netos, noras € genros. Ali, ca- sais se formaram até mesmo entre filhos. Essa complexa relagdo familiar levava a inimeros conflitos, principalmente pelo trata~ mento diferenciado dado a alguns filhos e ne- tos, em especial os bioldgicos. Flordelis tinha tum despensa separada em seu quarto a que apenas alguns integrantes da familia tinham acesso. Os preferidos da matriarca também ganhavam presentes especiais e tinham mais facilidade em receber mimos em dinheiro. Por causa dessa postura, Flordelis tinha embates com Anderson, que exigia que todos traba- Thassem para ter sua prépria renda. No fim de 2018, um episédio levou Flordelis a ira. Anderson determinou que filhos e netos jé maiores de idade contribuis- sem com o valor do plano de saiide. A pas- tora revoltou-se com a atitude do marido. “Os filhos so meus, essa familia é minha’, afirmou ela pelo WhatsApp. SER HOMEM FOI O UNICO JEITO. DE SOBREVIVER AO TALIBA PUTIN UEC OER E eae 0 MURR TERI CUN CC EC eG UE REIT) Aos oito anos de idade, Nadia tevea =~ . casa onde vivia destruida por uma - bomba, Ela teve 0 resto deformado , apds passar dois anos internada, descobre que nao podera mais depender da forga de trabalho dos homens da sua familia. Subvertendo as leis do taliba, que proibem as mulheres de trabalhar, ela assume a identidade do irmao morta para buscar 0 sustento da familia @@OS cosorivros NASLIVRARIAS EEM E-BOOK bw eon + st Soya Sh poe arpt egeee Apés uma ascensao metedrica, FUTURA EX Karina Kufa, advogada do presidente Bolsonaro, protagoniza uma rede de intrigas palacianas que minaram seu poder por Guilherme Amado Seater parr te trabalhar naquela tarde, uma das primei- ras de julho, quando recebeu dois de seus rincipais correligionarios no Palicio da Al- vorada. A dupla, fiel aliada do presidente, estava preocupada em esclarecer informa- ‘goes que haviam chegado ao ex-capitao por meio de sua advogada, Karina Kufa. Bolso- naro ouviu com atengio o relato. Era a quinta reclamacao recebida em poucas se- manas pelo presidente sobre Kufa, sua re~ presentante em diferentes casos eleitorais € tum dos poucos rostos femininos num proje- to de poder essencialmente masculino. Nos dois meses anteriores, Bolsonaro ha- via sido procurado por ministros, deputados ¢ integrantes da cipula do Alianga pelo Bra- sil, o partido que ele tenta fundar ha quase ‘um ano, com queixas diversas sobre a advo- gada. Todos os reclamantes diziam-se vit mas de intrigas criadas por ela, feitas direta- mente a0 préprio presidente ou por meio de seus filhos e principais assessores. Uma das acusagGes chegava a atribuir a Luis Felipe Belmonte, 0 vice-presidente do Alianca, a intengao de pagar propina a assessores do ‘Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ala- vancar a sigh — ele nega, enquanto ela afir- ma a interlocutores ter documentos para provar o que diz. Mesmo na familia presi- dencial, Kufa criou adversérios. Um dos mais irritados era — e ainda é — 0 senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ), por causa de movimentos dela para isolar Frede- rick Wassef, seu ex-advogado, que escondeu rove otie.unerconstncno ono Fabricio Queiroz. Mas 0 rosirio de lamiirias 20 presidente tem sido longo. Chegaram a Bolsonaro relatos criticos a Kufa da parte de Fabio Wajngarten, secreté- tio de Comunicagao; Sergio Lima, marque- teiro do Alianga pelo Brasils Admar Gonza- gue -0 do Tribunal Superior Eleito- rale sie to do presidente, ao la- do de Kula; Célio Ribeiro, chefe de gabinete de Bolsonaro; Luis Felipe Belmonte, vice- presidente do Alianga, e, principalmente, de ‘maneira irada, de Frederick Wassef. O advogado que defendeu Flavio Bolsona- +o durante meses ¢, enquanto escondia Quei- roz, desfilava pelos gabinetes do poder em Brasilia e até em programa de TV afirmando também representar o presidente, pediu a ca- bega de Kufa. Foi o tinico a ser tao explicito com a familia presidencial sobre o que achava que eles deveriam fazer com a advogada, Nio foi atendido de primeira, mas, desde os primeiros dias de julho, quando Bolsonaro ou- iu de dois de seus interlocutores de confianca mais criticas a sua advogada, o presidente decidiu que afastaria Kufa, gradativamente, como se nao configurasse um rompimento. Assim, evitaria o surgimento de um novo Gustavo Bebianno (ex-ministro), Alexandre Frota (deputado federal), Joice Hasselmann (deputada federal), Luiz Henrique Mandetta ¢ Sergio Moro (ambos, ex-ministros), entre ou- tros ex-aliados que sairam atirando. A ideia agora é manté-la a uma “distancia segura”, para usar a terminologia empregada por um de seus principais criticos 19 Karina Kula, de 40 anos, consotdou-se como ura éas mais pocorosas advogadas que orbit fo entorno oa fanvla presicencial 20 FUTURA EX Kufa trocou Sao Paulo por Brasilia, onde viu crescer sua rede de contatos, que incluem Dias Toffoli, do STF, e Augusto Aras, da PGR. A medida que tentou ganhar mais poder, também surgiu uma longa lista de desafetos ufa, aos 40 anos, havia se tornado uma das mais poderosas advogadas que orbi- tam no entorno da familia presidencial. Foi Bebianno, o ex-ministro de Bolsonaro que havia sido 0 coordenador da campanha de 2018, que a indicou para equacionar junto a Justica Eleitoral em Sao Paulo a situagao do diret6rio paulista do PSL, na época o partido do presidente. E foi em seu escritério lilés, no Jardim Paulista, que Kufa se debrucou sobre a bagunga das contas do PSL no estado, algo que precisava ser resolvido para que Eduardo Bolsonaro nao tivesse nenhum embarago em sua candidatura a deputado federal. © bom trabalho foi o que a catapultou para ser uma das advogadas eleitorais da campanha, ao lado de Tiago Ayres, indicado por Bebianno para coordenar a érea do Di- reito Eleitoral. Havia sido Ayres quem indi- cara o nome de Kuta, que ele havia conheci- do anos antes em um evento em Brasilia. Nas semanas apés a campanba, quando comegaram os primeiros atritos entre Bebian- no € Eduardo — os ataques de Carlos Bolso- naro a Bebianno ganharam mais holofotes, mas 0 zero trés € 0 advogado também se desprezavam mutuamente —, Kufa galgou 6s primeiros degraus do bolsonarismo. Em meio A debacle de Bebianno no pri- meiro semestre de 2019, Kufa foi aos poucos ascendendo. Outros advogados do entorno bolsonarista atribuem a ela o afastamento de Ayres, ao afirmar para Eduardo que ele era mais leal a Bebianno do que A familia Bolso- naro. Pouco importava 0 fato de que havia sido Ayres quem redigira 0 pedido de im- pugnagéo da candidatura de Lula a0 TSE. ‘écie de padrinho de Kufa no governo até hoje, foi Eduardo quem a recomendou para o pai. Em abril, ela recebeu um telefo- nema do Palicio do Planalto, Bolsonaro queria vé-la. Dizendo na conversa confiar nela por causa dos elogios de Eduardo, 0 desconfiado Bolsonaro entregou-lhe suas causas eleitorais. No segundo semestre de 2019, a ascensio de Kufa foi meteérica. Em julho, deixou seu escritério em Sao Paulo e, separada, se mu- dou com os dois filhos para uma casa no La- go Sul, em Brasilia. Aproximou-se de Lucia- no Bivar, presidente do PSL, de Antonio de Rueda, vice do partido, e de algumas das principais figuras da sigla — hoje, é detesta- da por ambos. Passou a transitar pelos jan- tares, palacios e gabinetes com cada vez mais desenvoltura. ‘Tornou-se amiga de Dias Toffoli e interlo- cutora desoutros ministros do Supremo Tri- bunal sb ‘Com Augusto Aras e Humber- to Jacques, respectivamente o procurador- ral da Repiiblica e vice-PGR, troca mensa- gens por WhatsApp. Tem bom transito no Superior Tribunal de Justiga ¢ criou lagos também nas embaixadas. Quem nao gostaria de ser proximo da advogada do presidente? Fea amigos, figis a ela mesmo diante da fritura, Disse Carla Zambelli: “Karina faz Luis Felipe Belmonte (20 lado, abaixo), Vice-presdente do Alanga pelo Bras, fe Frederick Wasset (20 lado}, © advogado hospedre ce Fabricio Qusioz, foram alve de Kufa. A advogaca oz ter provas de um plano Iregular para viailzar © paride €o presicente FUTURA EX pontes entre as pessoas. Até hoje deu indicios de ser fiel ao presidente. Tem demonstrado ros tiltimos tempos abrir mao do poder facil- mente. No Alianga, ela esta abrindo mao de poder para que outras pessoas participem”” Kufa tem atributos raros entre muitos dos bolsonaristas no governo. Com boa retérica e carisma, sabe cativar. Gosta de dar entre- vistas, tem boa relagao com jornalistas — uma das razées que fizeram Wajngarten se queixar dela. £ bem formada e tem nivel c tural acima da média da Esplanada. Suas des sociais foram usadas ao longo desse tem- po como uma vitrine de suas relacdes, prin- cipalmente com o presidente e seus rebentos. Recentemente, jé escanteada, postou uma imagem 4 mesa da sala do apartamento de Eduardo Bolsonaro, em Brasilia, ao lado de- le e de Carlos, anunciando que também ha- via se tornado advogada do zero dois. A foto foi postada em 9 de julho, més em que Kufa procurou muitos dos que se queixaram para Bolsonaro sobre ela para tentar se redimir, Nao conseguiu estabelecer esse canal de -onciliagao com Flavio Bolsonaro. O fi- Iho do presidente foi o primeiro a, irado, procurar 0 pai para se queixar sobre a pos- tura de Kufa no dia seguinte a prisio de Queiroz, quando ela publicara uma nota afirmando que Wassef nao era de fato re- presentante do presidente. 22 FUTURA EX Naquela ocasiio, Bolsonaro quase se in dispés com Célio Far seu gabinete. Confrontada sobre o porqué de haver dito aquilo oficialmente, Kufa afir- mou que Faria Ihe dissera que o presidente autorizara. presidente perguntou entao a Faria, que negou ter respondido positiva- mente a Kufa, quando ela o consultara Naquela semana, nao era a primeira in- disposicéo de Kufa com o presidente. No dia em que a Policia Federal batew porta de 26 bolsonaristas suspeitos de atuar ou financiar atos antidemocraticos, Kufa deu uma entre- Vista ao vivo, diretamente do estudio de uma emissora de TV. Disse que aqueles que tives- sem se envolvido em algum ato ilegal, que atentassem contra a Lei de Seguranga Nacio- nal, aliados do presidente ou da oposicdo, te- riam de ser responsabilizados. A entrevista irritou boa parte dos investigados, de deputa- dos a empresirios amigos do governo. assessor-chefe de [Lvs Feize Belmonte ¢ um homem jt gr salho, com um sorriso que o faz parecer © ator Carlos Alberto de Nobrega e uma conta bancéria que 0 coloca no pédio do fi- nanciamento do Alianga pelo Brasil. Na uilti- ma semana de agosto, enquanto bebericava uum suco de uva integral numa das diversas cafeterias gourmet que tanto sucesso fazem em Brasilia, Belmonte evitou analisar a tra- jet6ria de Kufa, mas repetiu 0 que admitiu ter contado a Bolsonaro para se defender das acusagdes que the eram imputadas Kufa sustenta que Belmonte, diante da dificuldade para tirar 0 Alianga do papel, te- ria vindo com uma solugdo de fazer corar até os mais encrencados pela Lava Jato: con- tratar assessores do TSE para validarem em dez dias as assinaturas necessérias para a criagao do partido. Belmonte diz conhecer as acusagbes que rondam contra ele em Brasilia, mas nega que sejam verdadeiras. Fle conta que os proble- mas para validar assinaturas comegaram em fevereiro, quando integrantes do Alianga per- ceberam que teriam somente cerca de dois meses para coletar todas as assinaturas e vali- di-las a tempo de colocar o partido para con- correr as eleigdes deste ano. Diz ter sugerido, entio, a contratagao de digitadores que subi- riam as informagées no sistema. Nada ilegal. “Conversei com uma pessoa, que me falou da dificuldade de colocar as fichas no sistema. No entorno do presidente, a ordem é se afastar de Kufa, de forma gradual e sem barulho, Ninguém quer repetir o padrao visto nos casos de deputados hoje ex-aliados, como Frota e Hasselmann, e ex-ministros, como Bebianno e Moro Kuta tomou-ee influente ajudando Eouardo Bolsonaro (ao lado dela rn foto acima, em que também esté Carlos Bolsonaro) em So Paulo, ‘mas acabou trando. Flavio Bolsonare (05g) do sério Essa pessoa me disse que, para colocar no sistema, vocé tem de contratar gente. Um ército de até 500 pessoas”, contou, desvian- do-se do sol da manba que o incomodava. Ainda segundo Belmonte, em fevereiro, ele foi a naro para saber se poderia seguir com a em- preitada. Recebeu do zero trés uma negativa. Eduardo disse a ele que 0 pai nao fazia ques- de ter o Alianca pronto para o pleito deste ano. Sem pressa, Belmonte afirmou ter desistido e nao ter levado a ideia de contra- tar os digitadores & frente, Procurado para confirmar a informagao, Eduardo nio res- pondeu aos pedidos de entrevist Sobre se Kufa poderia de fed pros contra ele, conforme ela afirma 4 diferentes interlocutores, Belmonte foi taxativo: “Te- nho certeza absoluta de que ela nio tem, ‘mas também ndo guardo mégoa da Karina. Conversamos depois disso e nos entende- mos”, afirmou, em tom conciliador. No Planalto, nem todos seguem esse tom. Wajngarten mostrou a meio Palacio uum print de uma mensagem de Kufa num grupo de WhatsApp em que ela propunha, brincando, “subir a #sergiolimanasecom”. Sergio Lima, 0 marqueteiro do Alianga, ha- via sido levado para o partido pela propria Kufa, mas, desde que a histéria de que ele queria derrubar Wajngarten passou a circu- lar no Planalto, pessoas simpiticas a Wajn- garten passaram a evité-lo. O préprio secre- trio, cioso que é de garantir seu espaco per- to do presidente, passou a tratar Lima fri mente. No fim de julho, Lima aproveitou a ida ao Planalto para um evento e puxou Wajngarten pelo braco. “ui até 0 Fabio ¢ disse que nao queria o lugar dele. Disse que nao € nem um pouco meu objetivo sentar na cadeira dele. Ele me disse: ‘Ainda bem que vocé acordou, porque voct foi usado”, contou Lima, em uma conversa recente, E FUTURA EX Ez} emendou: “Karina nao é uma ma pessoa. Sei que todo esse episédio vai ajudar ela a ver como mudar”. A relagao de Kufa e Wajngarten nao é boa ha tempos. Certa ver, depois de criticar a di- ferentes interlocutores a comunicacao do go- verno, Kufa no poupou palavras para, numa reunido em que estava 0 préprio Bolsonaro, dar sua opiniao sobre a politica de comunica~ cao do governo: “E horrivel”. Wajngarten ouviu calado naquele dia, mas anotou Ha quem defenda Kufa. Admar Gonzaga, a quem a advogada acusou de ter sido deslei- xado com 0 memorial de uma defesa de Bol- sonaro no TSE ¢ ter cometido erros no pro- cesso de criagao do Alianga, evitou polemi- var. Afirmou ser grato a Kufa por ela té-lo defendido no caso, mostrado por EPOCA, em que ele é réu por supostamente agredir sua mulher, Elida Souza Matos. “Nio quero comentar sobre nada disso, Sou grato a ela por ter me defendido”, disse. Entre os deputados, apesar dos que fica- ram insatisfeitos com suas palavras & rede de TV CNN no dia dos atos antidemocriticos, € mais ficil encontrar quem queira defender Kufa do que criticé-la. Ao menos publica- mente. “As pessoas ficam arranjando coisas contra ela, Ela nao conspira, s6 fala bem das pessoas. Ela representa tudo que o presiden- te precisa ter em seu entorno. Uma con Iheira capaz”, derreteu-se José Medeiros, de- putado do Podemos de Mato Grosso. Procurada por EPOCA, para comentar ou rebater cada um dos episédios que seriam contados, Kufa nao quis responder. Eduardo e Flivio Bolsonaro, respectiva- mente o filho que defende e que acusa — Carlos é neutro nisso —, nao quiseram entrar publicamente no tema. Nem o presidente Waingarten, Os quatro foram procurados, formados sobre o teor da reportagem, mas se esquivaram de criticar ou defender Kufa Entre estocadas mais duras, criticas sutis € afagos, houve um padrio nas respostas das 16 entrevistas feitas por EPOCA para re~ construir essa rede de intrigas em torno de Kufa. Ninguém quis ficar mal com a advoga- da. Até porque muitos deles suspeitam que ela possa nestes 20 meses de governo ter gravado muitas das conversas de que partici- pou — o que Kufa nega para amigos. Mas vai saber: Brasilia ensina rapido. COM NAOMI MATSUI 24 ‘guiamade@edglobo.combr GUILHERME AMADO EXORNAL'STA Oo domingo 23, em que Bolsonaro preferiu ameagar ¢ injuriar um repérter a responder por que RS 89 mil foram depositados na conta da primeira-dama por Fabri- cio Queiroz, foi, para usar uma palavra cafona, mas na moda, emblematico, Nem tanto por sublinhar como é uma farsa a construgao do Jairzinho Paz e Amor, ¢ que o verd deiro capitao tem e dificilmente vai parar de ter 0 dio co- mo método, Nas horas seguintes, ficou claro como mesmo as parcelas da sociedade que j perceberam que hi um ris- co concreto para a democracia brasileira com Bolsonaro, ainda nao entenderam que 0 foco para preservi-la nio é necessariamente derrubar Bolsonaro, mas sim fortalecer as, Instituigdes. A reagio nas redes sociais demonstrou isso. Naquele dia, conforme computou a consultoria Bites, de anilise de comportamento em redes sociais, nove hashtags, negativas 20 presidente foram compartilhadas. Poucos ar- tistas, Anitta entre ees, entenderam que era hora de re tir a pergunta sobre os cheques a Michelle, mas fundamen- talmente era necessario defender a liberdade de imprensa ¢ os jornalistas. Rodrigo Maia, Gilmar Mendes, Joa Doria, Alessandro Molon e algumas outras pegas-chave da poli cca defenderam o jornalismo, Mas houve muitas omissbes, ‘A maioria dos deputados e senadores de esquerda re- produziu em suas midias sociais 0 comportamento que dominou a rede: repetir a pergunta, mas nada de defen- der a liberdade de imprensa. Bom é lacrar e bater no presidente. Em vez de s6 ficar na guerra de torcida, nico fendme- achando que a ascensio de Bolsonaro é 0 no preocupante de nossa democracia, politicos, artistas ¢ a sociedade em geral precisam urgentemente entender que as institui¢des nao se defendem sozinhas. Este é um dos erros mais comuns que fazem as democra- cias morrerem. Em 2 de fevereiro de 1933, este foi o erro de tum dos principais jornais judeus alemaes, em seu editorial: “Nao concordamos com a opiniao segundo a qual Herr Hitler (..) vai por em pratica as propostas que cit- culam (em jornais nazistas); eles nao privarao, de repen- te, os judeus alemaes de seus direitos constitucionais, ‘ndo os juntario em guetos, nem os submeterdo aos in fpulsos invejosos e homicidas da multidao (.." O exemplo do nazismo e do fascismo italiano soam distantes — e de fato sao, felizmente — da realidade bra- sileira. Mas o fenémeno é 0 mesmo por aqui. Foi assim na Venezuela, hoje mergulhada na ditadura de Nicolés Maduro, em que se relativizaram Hugo Chavez. O mes- mo na Bielortissia do direitista Alexander Lukashenko. E que Congresso, Supremo, artistas, sociedade civil nao se enganem: a imprensa tem falhas, mas, se chegar a hora (€ eu torgo que nio chegue) em que esses setores também sejam ameagados para que se calem, é aos repérteres e a0 jornalismo que eles terdo de recorrer para ser ouvidos A esquerda, Bolsonaro, fo valent que grt, mas nfo responce sobre {98 cheques de Michelle, Adrota, a escola ‘Avenues, com mensabdade de R§ 10 mil, decide abe sdlogo com pais BOLSONARO E OS MILHOES DA JBS PARA WASSEF relatério de inteligéncia financeira (RIF) produzido pelo Coaf sobre Frederick Wassef, aquele que era, mas, nao era, ou talvez fosse, vai saber, 0 advogado de Jair Bolsonaro, mostra que a maior parte dos quase RS 10 milhes que ele recebeu da JBS entre 2015 € 2020 foi an- tes de Jair Bolsonaro subir a rampa do Palicio do Pla- nalto. Investigadores que tém se debrugado sobre o RIF, entretanto, nao descartam que o dinheiro pago pelos ir- mios Batista para Wassef possa ter alguma ligagdo com, Bolsonaro, Diz um procurador versado em temas jo leyanos: “Joesley sempre apostou em politicos que ti- nham alguma perspectiva de poder pela frente. Nao des- carto a hipétese de que Wassef possa ter sido um vetor para o fluxo desse dinheiro”. Wassef garante que os pa gamentos se referiram a servicos de advocacia prestados & empresa. A propésito: por que pouco antes do encon- tro de Wassef com 0 subprocurador José Adonis Callow de Sé para tentar tratar de assuntos de interesse da JBS Jair Bolsonaro telefonou diretamente a Callou de Sa ¢, sem dizer a que se referia, agradeceu a ele? GUEDES, OS INNOVATORS E OS PRESERVERS Paulo Guedes e os poucos do time original que ele levou para 0 Ministério da Economia costumam se referir aos, servidores de Estado que esto na cipula da pasta como 6s preservers, Sao aqueles que defendem a responsabili- dade fiscal, mas rechagam a ideia de Estado minimo. Querem o Estado forte, com estatais e orgamentos gor- dos para investir. Os innovators seriam o préprio Gue- des e seu time original: gente que saiu da Faria Lima ou de Nova York e, de maneira abnegada, topou um empre- g0 piblico para “lutar por um novo Brasil”. Esses seriam 6s liberais-raiz, os verdadeiros interessados em moder- nizar o pais. As duas tribos tém se estranhado: em con- versas privadas, Guedes atribui também aos preservers a morosidade das privatizagdes e da agenda ultraliberal O FUTEBOL PRE-COVID DE FLAVIO BOLSONARO_ No tiltimo fim de semana, Flivio Bolsonaro, diagnosti- cado com Covid-19 na quarta-feira 26, esteve no Porto- bello Resort ¢ Safiri, em Mangaratiba, no Rio de Janei- ro, confraternizando com os amigos. $6 na partida de futebol de que participou, eram cerca de 30 homens, to- dos sem mascara. Também esteve no evento 0 ex-joga- dor Emerson Sheik. PAES VERDE E ROSA Eduardo Paes tem comentado com alguns poucos alia- dos que encontrou o nome para ser sua candidata a vice na disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro: Nilcemar Nogueira, neta de Dona Zica e de Cartola e até hoje uma personagem respeitada no reino mangueirense. A ideia do portelense Eduardo Paes ao convidé-la ¢ avan- car sobre o eleitorado de Marcelo Crivella, nome que considera o mais forte para ir ao segundo turno com ele. A neta de Cartola foi secretéria da Cultura de Cri- vella, tem origem na periferia e é evangélica. ‘A SOLUGAO DA ESCOLA DE R$ 10 MIL NA COVID-19 A filial paulistana da nova-iorquina Avenues, escola bilin- gue com mensalidade acima de RS 10 mil, se mexeu para atender aos pais que se queixavam da falta de disposicio para discutir a redugio da mensalidade, ante as perdas s larias com a Covid-ig, Criou a Avenues Parent Association, tuma associagio de pais, e fez contrapropostas. “Oferece- mos a possibilidade de uma licenga temporiria e retorno aulas apés seis meses”, informou a nota da escola. Nes meio-tempo, que procurassem salas de aula mais baratas DE POSTO IPIRANGA A BONECO DO POSTO A moda agora em Brasilia é garantir que Paulo Guedes esté firme e fica no cargo. Se ha tanta certeza, porque a necessidade de reafirmar?- COM EDUARDO BARRETTO E NAOMI MATSUI y . co : SOBRE JOVENS E ARMAS EPOCA revela novos detalhes da investigacao sobre a morte de Isabele, atingida pelo disparo de uma pistola empunhada por sua amiga de 14 anos por Ullisses Campbell, de Cuiaba TIROS EM CUIABA D uas adolescentes de 14 anos, um: de fogo carregada dentro de um cond minio de luxo ¢ um corpo caido no banhei- ro com um tiro certeiro no rosto. O enredo. do crime que chocou a populacao de Cuiab Mato Grosso, ¢ novas evidéncias tém emba- é um enigma para a Policia Civil de ralhado as linhas de investigaclo de um ho- micidio que é tratado como acidental. No domingo 12 de julho, a estudante Isabele Guimaraes Ramos, de 14 anos, acordou as 13 horas. Em vez de almocar, preferiu tomar café da manha, o que suscitou uma pequena discussto com a mae, a empresiria Patricia Hellen Guimaraes Ramos, de 44 anos. Na sequénciay-aadolescente recebeu uma men- sagem datmielhor amiga, Jlia*, de 14 anos. Ambas efam vizinhas no residencial Alp! ville I, em Cuiaba, 0 mesmo endereco governador de Mato Grosso, Mauro Men- des Ferreira (DEM) chamava a amiga para ir até sua casa fazer Na mensagem, Jilia uma torta de limao para servir & familia co- 10 sobremesa no jantar. O doce era a espe- cialidade de Isabele Por volta das 16 horas, a casa estava cheia. Além das duas amigas, estavam pre- sentes os pais ¢ os trés irmaos de Julia, Ela é trigémea de um rapaz e uma menina e ainda tem uma irma mais velha, de 17 anos. Por volta das 16 horas, chegaram Joao’, de 16 anos, namorado de Jilia, e mais um amigo da familia, Encontros entre adolescentes no local, uma confortivel residéncia com qua- tro suites e piscina, eram comuns e estin lados pelos pais. Quando nao estava reunida em casa aos fins de semana, a familia passava 28 1S EM CUIABA © tempo no clube de tiro Forca e Honra, nao sidente lita muito distante dali. Assim que © p Jair Bolsonaro assinou os decretos que vam a compra de armas por colecionadores, atiradores esportivos e cagadores (os chama- dos CACS), rebaixando a idade minima para o de armas de 18 para 14 anos, o pai de Ji lia, um empresério local, importou uma pisto- la para cada um dos filhos, para a esposa e mais duas para ele préprio. Ay tania trinaa tos toda semana e pos tava videos nas redes sociais mostrando suas habilidades bélicas. Com pouco tempo de treino, Jilia chegou a participar de cai peonatos locais, ficando em primeiro lugar. Rapida no gatilho e boa de mira, era a me- hor atiradora entre os irmaos. Foi num des- ses treinos que ela conheceu 0 namorado, Joao, campeio nacional de tiro na categoria Jinior, Habilidoso com armas, 0 jovem de 16 a desde os 13, munido de uma anos treina autorizacao judicial que lhe permitia atirar mesmo antes do decreto de Bolsonaro, Joao estava escalado para representar o Brasil no wundial organizado pela Confederacao In- ternacional de Tito Pritico, que ocorrera em novembro na Tailandia, mas sua licenca cassada apés a morte de Isabele. Na prepara- cio para competigdes, treinava duas vezes ana e em cad: 1s em alvos fixos e mé por se pelo m veis, somando exercicio disparava é 2.400 disparos no més, Quando chegou a casa da namorada na- quele dor ingo fatidico, J a atracdo. Ele levara consigo a pistola libre 38, de cor preta, com a qual vencera suas ulti- mas competiées. A munigao dessa arma ha io rapidamente se tornc de fabricagao italiana Tat via ficado em sua casa. Pouco antes de ser servido o jantar, a ar passou de mao em mio para que todos a experimentassem. Ca da membro da familia praticou 0 que os co- lecionadores chamam de tiro a seco, ou seja empunharam a arma na sala, mir mo e acionaram o gatilho sem que ela dispa- rasse, jf que ndo estava municiada. Segundo 0 depoimento do atirador, ao abrir a maleta de plistico (chamada de case) onde guardava a pistola, ele se surpreendeu ao ver que esta va ali também uma Imbel prata, calibre 38 carregada com 18 balas, que pertencia a seu pai, médico veterinario ¢ também atirador. ambém Ele tirou as munigdes dessa arma e TIROS EM CUIABA A arma passou de mao em mio para que todos a experimentassem, Cada membro da familia praticou o que os colecionadores chamam de tiro a seco, ou seja, empunharam a arma na sala, miraram a esmo e acionaram 0 gatilho a mostrou aos presentes. Pela lei, Joao nao po CACs s6 tém permisso para o transporte ia ter portado as duas armas, jé que entre o local de armazenamento ¢ 0 clube de tiro, Por ser menor de idade, também nao pode ter armas em seu nome e, mesmo se estivesse a caminho do clube, precisaria estar acompanhado do responsivel que tivesse a posse legal dos objetos. Jodo enviou uma mensagem ao pai rela- tando que sua arma também estava com ele. © pai pediu que, quando ele voltasse para casa, deixasse o case na residéncia de Juilia para nao correr 0 risco de ser sur- preendido por uma blitz transportando as pistolas ilegalmente. Jodo contou em depoi- mento que, depois de receber a ligacio do pai, pos as duas pistolas na maleta e, para nao arranharem, colocou uma luva de la entre elas. Depositou de volta a muni¢ao na arma do pai ¢ acionou um mecanismo co- nhecido como “cio”, para trava-la. Em se guida, as 21hs9, as cameras de seguranga registraram sua saida da casa de Julia, quando foi apanhado pelo irmao, Frederi- co, de 19 anos. Antes de sair, ironizou a si- tuagio afirmando que deixaria as armas porque o irmio tinha “ima para blitz Pouco antes de Joao sair, Isabele havia discretamente subido para fumar seu ci ro eletrOnico no banheiro do quarto da amiga. Ela nao fazia isso na presenca de adultos. Minutos depois de Joao ir embora o pai de Jilia pediu a filha que levasse a ma- leta com as armas para o closet da suite principal da casa. A menina pegou a maleta preta e subiu os dois lances da escada, de 20 degraus cada. Ao chegar ao segundo piso da casa, Jilia deveria virar-se & esquerda rumo ao armério indicado pelo pai, onde as ar- mas da familia ficam guardadas. No entan to, ela foi a direita e entrou em seu quarto procurando por Isabele. A adolescente ba- t 4 porta do banheiro com a maleta na Ao aby rosto a uma altura de 1,44 metro do solo ea uma distincia de 30 centimetros, segundo mio, Isabele levou um tiro no aponta o chao do banheiro com o corpo no piso pré- wudo pericial. A garota caiu no ximo a um armério e com a cabeca na parte interna do box para banho, Perto de seus pés ficaram caidos sua bolsa preta e 0 cigar- ro eletrOnico. A bala entrou em linha reta pela narina esquerda, atravessou o 08s0 ma xilar e seguiu pelo interior do cranio da ga- rota, rompendo as estruturas do tronco en- cefilico e saindo pela nuca, insuents dias apés crime, o que ocogrey no banheiro naquela noite ainda nig-foi elucidado pelos investigado- res. A adoléscente sustentou, em depoi- mento, que foi ao encontro da amiga com (Se deixou ela com munig Fala av (Oa aaqueles gui falaran Ses) 2 Em seu quarto, Jia 0 dispora 9 arma Ele contes havia dexado @ arma 30 TIROS EM CUIABA Abriu-se uma outra hipstese de investigacao, que até agora foi negada pela adolescente e por seus familiares: a de que Julia, sem saber que a arma estava carregada, teria atirado “a seco” na amiga, numa pratica frequente entre atiradores — e entre a propria jovem e seus familiares a maleta na mao para saber o que ela estava fazendo ld. Ao bater na porta do banheiro onde estava Isabele, Jlia teria se desequili- brado e deixado o case cair. Ao recolher as armas no chao ¢ se levantar, a Imbel do pai de Joao teria disparado acidentalmente, Ji- lia nao soube dizer, no depoimento, se apertara ou nao o gatilho. Ocorre que 0 laudo da pericia e um segundo depoimento de Joao, em 21 de agosto, trouxeram novas evidéncias & cena do crime. Uma nova in- formacio também passou a ser levada em conta depois do depoimento do irmao de Julia, em que ele atestava que a arma foi manuseada e transportada no intervalo en- tre o homicidio e a chegada da ambulancia, © que pode ter resultado em adulteracio de provas ¢, por consequéncia, impactado 0 relatério da pericia No laudo de balistica assinado pelos pe- ritos Reinaldo Hiroshi dos Santos e Pierre Biancardini Jinior, h4 uma pergunta feita pelo delegado que investiga o caso: “A arma de fogo questionada pode produzir tiro aci- dental?”. Os peritos responderam “nao”. E argumentaram: “Nas circunstincias alega- das pelo depoimento prestado, a arma so- mente se mostrou capaz de realizar 0 dispa- ro e produzir tiro estando carregada (cartu- cho de munigio inserido na camara de car- regamento do cano), engatilhada e destrava- da mediante 0 acionamento do gatilho” Um segundo laudo atesta que Isabele estava com 08 olhos abertos antes de morrer, em razio do movimento de suas retinas e dos estilhagos de pélvora em seu rosto. As duas constatagdes colocam contradigées na cena apresentada por Jilia. O laudo de balistica contesta a tese de que a arma teria sido dis- parada acidentalmente. E os olhos abertos também indicariam que a vitima teria olha- do para a arma antes de ser atingida. Esse da- do corrobora o laudo pericial, que sustenta que, pela altura do disparo, a arma foi apon- tada para o rosto da vitima. Por fim, 0 depoi- mento do irmao de Jilia confirma que houve adulteragéo da cena do crime. Ele foi o pri- meiro a subir até o banheiro, onde viu 0 cor~ po de Isabele caido ainda sem verter sangue. “Bu vi o case com as armas na bancada da ca- ma do quarto das minhas irmas (..) Ai eu gri- tei que era para ela guardar o case no armario do papai e ela guardou”, disse o garoto de 14 anos, em depoimento. Ele admitiu também ter guardado a cipsula do tiro que acertou Isabele, antes de entregi-la a0 pai. No segundo depoimento de Joao, uma nova informagao também chamou a atengio dos investigadores. Ele disse que a namora- da nao havia visto que ele recarregara a ar- ma de sewpai e a travara, antes de colocé de volta ho "case. Segundo Jodo, apesar de Julia estar no mesmo ambiente que ele, ela estava a sua frente, de costas, sem olhar 0 que ele fazia, além de aparentar estar distrai- da. Diante dessa constatagao, na tiltima vez em que Jilia tivera a arma em seu campo de visio, ela estava descarregada. Depois de Joao recarregé-la, para que a pistola dispa- rasse, seria preciso movimentar um ferrolho, abrindo espago para a munigao seguir até a cimara. Sé depois dessa acdo, a arma estaria apta a disparar. Em videos capturados pela policia do celular de fillia, € possivel atestar que a adolescente sabia destravar armas com destreza. Esse conjunto de informagées abriu uma outra hipétese de investigacio, que até agora foi negada pela adolescente e por seus familiares: a de que Jilia, sem saber que a arma estava carregada, atirou “a seco” na amiga, numa pritica frequente entre ati- radores — e reproduzida pela propria jovem seus familiares mais cedo, antes do jantar. EPOCA esteve na casa onde a menina foi morta e observou a cena do crime. A pesso- as préximas, 0 pai de Jilia diz que a filha ndo executou a amiga, que provaré que o disparo foi acidental e assume sua parcela de Patricia disse que howe solo no assassinato do fia, “Guero saber por que isso aconteceu”, questonou. culpa na tragédia: “Eu fui negligente ao dei- xar minha filha levar a arma para 0 armério do meu quarto”, tem dito o empresirio. Una pericia feita nos celulares e nas redes sociais das adolescentes nao encontrou sinal de que as duas amigas haviam se desentendi- do. Pelo contratio, s6 havia trocas de palavras carinhosas entre as duas. Na tiltima visita que fez & casa de Jilia, Isabele escreveu com um pincel atomico na parede do quarto que a amava. As duas também disputavam quem crescia mais rapidamente, pois marcavam na parede suas medidas. A mae de Isabele, Patri- Cia, nao consegue conceber a tragédia e culpa os vizinhos por tirarem a vida de sua filha. Minha fitha foi assassinada e quero saber or que isso aconteceu”, acusou, A policia es- pera o laudo da reconstituigéo do crime ocorrida na semana passada, para dar um desfecho ao inquérito. “Esperamos que ela seja indiciada por homicidio doloso”, disse 0 advogado da familia de Isabele, Hélio Nishiyama, referindo-se ao homicidio em que ha intengao de matar TIROS EM CUIABA 31 ssa é a segunda tragédia que se abate so- bre a familia de Patricia em dois anos. No dia 23 de junho de 2018, seu marido, 0 médico Jony Soares Ramos, de 49 anos, saiu de casa numa moto BMW 1.200 para prati- car aeromodelismo, mas se envolveu em um acidente na estrada que liga Cuiaba 4 Cha- pada dos Guimaraes. 0 médico morreu na hora. Evangélica, Patricia acredita estar pas- sando por provagées divinas. “Acho que Deus esta me passando mensagens com es- sas tragédias. Mas nao estou resistindo a tanto sofrimento”, disse a empresiria. A fa- milia de Patricia hoje se resume a ela e 0 fi- Iho de 12 anos. O garoto criou varios perfis em redes sociais pedindo para a morte da irma nao passar em branco, reproduzindo a hashtag #justicaporbele ‘Até a semana passada, o inquérito que apura a morte de Isabele jé tinha 812 pagi- nas, havia ouvido 30 pessoas e pasado pelas mios de trés delegados. O que lidera hoje as investigacdes, Wagner Bassi, ndo quis dar entrevistas. A expectativa da familia de Jilia & que a adolescente responda por homicidio culposo, quando nao hi intengao de matar e cuja pena é 0 cumprimento de medidas so- cioeducativas por trés anos, até ela comple- tar a maioridade. Jilia se recusou a partici- par da reconstituicao por, segundo ela, estar abalada emocionalmente. Pouco antes de ser convocada para reproduzir crime, a ado- lescente voltou a participar das aulas on-line de seu colégio, mas teve de sair da sala virtual ra assas- depois de ouvir acusagdes de que sina. Como também comecou a ser hostili- zada por vizinhos, a familia se mudou provi soriamente para a casa de um parente, dei- xando para tris a bela casa com um Lam- borghini na garagem. Em conversa com EPOCA, o pai de Jilia foi questionado pela reportagem se ele acha- va que a filha poderia ter apertado o gatilho achando se tratar de uma arma descarrega- da, Sua resposta: “De todos os meus filhos, ela é a mais proxima, Nao existe segredo en- tre nés. Eu jé a pus contra a parede e per- guntei olhando em seus olhos se ela havia atirado na amiga, Ela respondeu ‘nao’ ¢ eu acredito. Vou com essa verdade até o fim" — 12 de seus familiares foram ocultados pare Presenvar a identdace dos mencres envolvidos Mauricio Moura, da consultoria Ideia Big Data, explica por que a rachadinha afeta pouco a imagem de Bolsonaro: 0 eleitor de alta renda vé o escandalo como algo menor que o petrolao e o de baixa renda enxerga o presidente como um “corrupto que ajuda” por Alice Cravoe Thiago Prado _..MOURA 4 7 PERGUNTAS PARA MOURA 4 Os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro, altamente populares, deixaram o governo e mesmo assim Bolsonaro segue bem avaliado. Se Paulo Guedes deixar a Economia devido as divergéncias sobre os gastos piblicos, havera impacto na popularidade do presidente? ‘Asduas saidas impactaram, sim, a aprovacao de Bokonaro, mas foram compensadas com o crescimento em outros setores. A saida do Moro impactou mais que a do Mandetta porque entrou na veia de um dos pilares de narrativa do governo, a questao da Lava Jato e da agenda an- ticorrupedo. Sobre o Guedes: acho que, a depender de quem entre no lugar, tem baixo impacto, porque esse grupo de classe média-alta, que apoia as politicas liberais,ficaria facilmente acomodado com o presi- dente do Banco Central no Ministério da Economia, por exemplo, Tal- vez impacte mais no mercado financeiro do que na popularidade. Moro e Mandetta podem ser fortes candidatos em 2022? © Moro e o Mandetta conseguiram uma coisa muito importante de uma eleigao presidencial, que é ser conhecido no Brasil inteiro. A questao € que esse campo jé est muito tumultuado. Ha 0 Joao Doria, que também se fez conhecido no pais durante a pandemia. Importante para todos que forem disputar 2022 ¢ que a narrativa principal sera a economia, Isso sera muito mais forte do que a agenda anticorrupca0 de 2018. 0 pais vai precisar se recuperar economicamente, as empresas, 6 vio estar fecbadas ¢ as pessoas desempregadas. Ne: i ro discurso de oposigao a Bolsonara? ‘Um dado importante para a oposicdo: jé testei essa coisa de fascismo de todas as formas possiveis, € 0 efeito é nenhum quando a ligagio ¢ feita com Bolsonaro. Existe um desconhecimento enorme da populacao so- bre 0 que ¢ isso, e, mesmo quem sabe, acha que esta é uma forma muito radical de se referir ao presidente. Trata-se de um efeito retérico para uma botha muito especifica. Mesmo a presenga dos militares no gover- no € tratada como algo indiferente paraa maioria da populacio. O maior desafio sera unificar os grupos que nao gostam do Bolsonaro. Um dia é 0 Felipe Neto que repercute nas redes, outro dia é 0 Rodrigo Maia. Si0 segmentos muito diferentes. De alguma maneira, algum lider vai ter de unificar todos prometendo estabilidade e um plano econdmico que seja diferente do Bolsonaro. Se for mais ou menos igual, a populacio vai reeleger o presidente. Hé outro aspecto: Bolsonaro esta conseguindo se beneficiar ficando mais calado e criando menos problemas. As eleicées municipais deste ano dirao alguma coisa sobre 2022? Nio acredito. FleigSes municipais sio sempre focadas em temas locais. Essa, especificamente, sera sobre Covid-19. O que foi ou nao foi feito, como seré o futuro diante da pandemia. Em 2016, por exemplo, 0 MDB foi o grande vencedor das disputas municipais e teve péssimo desempenho com a candidatura de Henrique Meirelles dois anos de- pois. Acho também que a transferéncia de voto do Bolsonaro nas eli Ges municipais ser marginal. E vivemos uma situagao tinica, que € termos um presidente sem partido. Para ele, essa & uma situagao c6- moda. Se quiser se associar com algum bolsonarista vencedor depois, ele vai se associar, mas nunea perder. ALLAN SIEBER ‘pe! vis Teo E WuLPAssin, 36 CONCORDAMOS EM DISCORDAR O médico ea advogada discutem os aspectos clinicos e juridicos que envolvem a pratica da ortotanasia, regulamentada no pais, em relagao a eutanasia, proibida porAna Leticia Lejo MARTINSxDADALTO GERSON ZAFALON MARTINS, 75, paulista O que faze o que fez: médico especialista em pneumologia. E vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, Foi professor na Faculdade Evangélica de Curitiba, membro do Conselho Federal de Medicina e editor da Revista Biaética LUCIANA DADALTO, 36, capixaba (O que faz.e0 que fez: advogada e pesquisadora sobre autonomia do fim da vida hd 12 anos. ‘Tem mestrado na PUC Minas e doutoradona Universidade Federal de Minas Gerais. Eautora do livro Testamento vital e coordenadora de outro recém-publicado, Bioética e Covid-19 CONCORDAMOS EM DISCORDAR 7 © debate sobre ortotanasia devera ser colocado em pauta no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Luiz Fux em se- tembro, quando ele tomar posse como presidente. Isso vai ampliar a discussdo sobre o assunto? GERSON ZAFALON MARTINS Na ortotanisia, é permitido ao médi- co limitar ou suspender procedimentas ¢ tratamentos que prolon- guem a vida do doente, em fase terminal, de doenca grave e incura- vel, respeitando sua vontade. Ele continua recebendo os cuidados necessérios para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento. Essa pratica ja foi tao bem discutida que & muito claro nesse sentido que nao é crime. Eu nao vejo mais problema. Na resolucio, a decisdo é muito sensata, N6s no sugerimos absolutamente nada que contrarie a lei penal brasileira e muito menos a dignidade e a autonomia do paciente. Existe projeto de lei que fala sobre o tema, mas eu nao sei se teri alguma alteracdo. Nessa situagdo da ortotandsia, tem de pesar ‘0 bom senso, tanto do médico quanto do paciente. Se é uma doenga terminal, obviamente nao vai haver cura. LUCIANA DADALTO O Fux pode falar como presidente do STF, mas 16s no teremos uma decisio judicial. Para 0 Supremo decidir algo, & necessario algum processo, que eu desconhego neste momento. Quando a gente tem um ator importante do poder piiblico ou da sociedade, isso & extremamente sério, porque faz com que os lei- gos ap sobre o assunto. O Fux ou quem quer que queira falar maig-gobre esse tema é importante sem diivida nenhuma. O que a gente hao sabe é como o tema sera tratado, porque juridica- mente a ortotandsia ndo é uma polémica, mas ela traz junto com ela todas as outras “ésias’. Nés ndo temos maturidade social e nem condigdes politicas de aprofundar muito essa discussio no Brasil hoje. Estamos vivendo um momento extremamente polari- zado, uma imposigéo de crengas religiosas muito fortes, ¢ temos esquecido que 0 Brasil é um Estado laico. A ortotanasia é vista com bons olhos no Brasil? GZM E vista com bons olhos. Quando nao é, est sendo confundida com eutandsia. No meio médico, jé se pratica a ortotandsia, Nao tem noticias todos os dias, mas nos hospitais, principalmente nos cuida- dos paliativos, ndo ha mais duividas. LD A sociedade brasileira confunde cuidado, confunde vida, com utili- zacio de tecnologia de prolongamento artificial da vida. A gente acha {que cuidar de nosso parente que esta morrendo ¢ levé-lo para a UTI, colocar sonda, usar respirador artificial, mas nao é. Cuidado é dar con- trole de sintomas, evitar que sinta dor, possibilitar cuidados paliativos. A gente tem dificuldade de reconhecer os limites da medicina. Colocar o tema em pauta é um primeiro passo para o Brasil comegar a discutir a descriminalizacao da eutandsia? GZM Quando a ortotandsia ficar bem tranquila e estiver bem assimi- lada tanto no meio médico quanto na sociedade, sera mais facil falar da eutanasia e dar um pulo no pensamento. LD Nio. Acredito que a discussio da eutanésia pode vir a partir da orto- tandsia, mas a descriminalizacao parte de outro lugar muito diferente. 38 CONCORDAMOS EM DISCORDAR Por que, apesar de praticada, a ortotanasia aind: tada na Justi¢a? GZM Em tribunais, ela nao é mais contestada porque ja existe uma resolucao do Conselho Federal de Medicina que autoriza a pritica. E contestada ou traz certa preocupacéo por médicos e familiares por- que & muito comum as pessoas dizerem “enquanto hé vida, ha espe- rang. E nao é bem assim, no é? As vezes vocé pode explicar para a familia, e ela pode ndo autorizar, af entram as diretrizes antecipadas da vontade. A pessoa, enquanto tiver condicées fisicas e mentais, pode decidir o que quer, ou nio, quando tiver diante de uma doenga em fase terminal. Se eu tenho uma doenga em fase terminal e nao quero ir para a UTI, por que tenho de ir? A UTI é lugar de interna- ‘Gio para pessoas que tém chance de recuperagdo. Se parar 0 cora¢do, a pessoa pode escolher nao ser reanimada. Se o paciente fala “eu nao quero isso, eu ndo quero aquilo, s6 nao quero ter dor’, entdo damos um remédio para tirar a dor. Inclusive, para aquela agonia da morte que as vezes a pessoa tem, isso traz um alivio muito grande na fase terminal. O médico é desde sempre treinado para vencer a morte. E ele perde todas. Nés nao vamos vencer a morte nunca. Quando che- ga uma situagio dessa, parece que 0 médico perdeu uma guerra ou uma batalha. Ele faz de tudo para a pessoa nao morrer, mas ela mor- re, Nio morre com ele, mas morre na UTI LD O que temos ¢ uma falta de compreensio do processo de morrer, ‘© que dificulta que as pessoas entendam o que é natural no fim da vida e 0 que é artificial. Por isso acho que os rétulos eutandsia e or totandsia algumas horas mais atrapalham do que ay que a contes- gente percebe na pratica & que o paciente e a familia, quangexquestio- nados sobre ortotanasia, nao topam, nao aceitam. O que acofitece no Brasil é que, primeiro, a gente tem muito conflito de interesse no fim da vida. Mundialmente, a dignidade ao morrer pressupde autono- mia, possibilidade de escolha. Se para mim a ortotandsia pode ser uma morte digna, para outra pessoa a morte digna é a eutanasia. O que me incomoda é um discurso no Brasil, que tem muito a ver com a questao morale religiosa, de que a ortotanasia é sindnimo de mor- tedigna. A meu ver, morte digna nao tem sinonimo, quem escolhe é © paciente. A pessoa é que diz o que é digno para ela. Quando assu- mimos que a ortotandsia é a tinica forma digna de morrer, acabamos, cerceando a liberdade da autonomia das pessoas. Dar autonomia tem de envolver virios caminhos. E, na ortotandsia, eu digo para a pessoa: “Essa é a tinica estrada’. O que também ainda é um proble- ma no Brasil é que a ortotandsia esta relacionada aos cuidados palia- tivos, uma abordagem que da conforto no fim da vida, ou seja, te- mos outro problema. Cuidado paliativo no Brasil ndo é universaliza- do, Nao temos em todas as cidades, em todos os hospitais, sejam pi blicos ou privados. Entio, quando dizemos que a ortotandsia é a morte certa para uma pessoa, do outro lado estamos dizendo que quem nao tem cuidados paliativos esté morrendo mal. E isso é ver- dadeiro, esté morrendo mal. Mas ai acabamos criando, entre aspas, uma rixa social entre as pessoas que tiveram condigdes e pessoas que nao tiveram. Invertemos toda a luta que deveria ser para que todos tivessem cuidados paliativos, e a ortotandsia acaba sendo uma questao de sorte. E é um direito de qualquer cidadao brasileiro ter acesso a cuidados paliativos. A ortotandsia é o comego da conversa sobre dignidade ao morrer, ¢ nao o final 39 |hgurovitz@edglabo.com.br e ‘Gourowke HELO GUROVITZ E JORNALISTA EDITOR DE OPINIAO DO JORNAL © GLOBO 'm 1898, o jornal frances Le Figaro publicou um cartum ‘exibindo dois momentos de um jantar em familia. No primeiro, os convivas conversam alegremente ao redor da mesa, até que alguém solta a frase: “Sobretudo, nao fale- ‘mos no Caso Dreyfus". No segundo, estdo todos aos tapas, berram, se arrastam no chao, a mesa desarrumada, os pra- tos quebrados e, logo abaixo, a legenda: “Falaram naqui- 1o...”. O julgamento do capitao Alfred Dreyfus, condena- do injustamente por traicao a patria em virtude do antisse- mitismo —e s6reabilitado anos depois —, dividiu ao meio a sociedade francesa, destruiu amizades e afastou parentes préximos, num padrao perturbadoramente familiar nos dias de hoje. Abriu uma ferida profunda que atravessou duas guerras mundiais, cujas cicatrizes ainda doem mais de 120 anos depois. “O espirito dos intelectuais que difa- maram Dreyfus ¢ se uniram ao (governo colaboracionista de) Vichy ainda vive no nacionalismo de Marine Le Pen’, afirma a jornalista e historiadora Anne Applebaum em ‘Twilight of democracy (Crepiisculo da democracia). ‘Nascida em Washington, formada em Londres e casa- a com um politico polonés, Applebaum foi pioneira na cobertura da decadéncia do comunismo no Leste Europeu epublicou obras devastadoras sobrea tirania de Josef Stalin na Unio Soviética. Seu novo livro é uma tentativa de en- tender um mundo que reproduz a polarizagio dos tempos de Dreyfus, onde a democracia ¢ o debate civilizado esto ameagados. Fla comegaa narrativa com a festa que deuem sua casa, no interior da Poldnia, no Réveillon de 1999 para 2000. Daquele grupo, hoje metade nao dirige a palavra & outra metade, tao profundo 0 ddio. “Quando a Unio So- ética desmoronou, os elos que uniam todos os antico- munistas também se romperam’, escreve. (O afastamento de liberais e conservadores, cosmopoli- tas e nacionalistas, religiosos e laicos — antes abrigados, sob uma tenda comum — se repete no mundo todo. Nos Estados Unidos de Trump, no Reino Unido do Brexit, na Hungria de Orban, na Venezuela de Chavez, na Espanha do Vox e também no Brasil de Bolsonaro. “S6 a economia nio explica por que paises em ciclos de negécios diferen- tes, com histérias politicas distintas e estruturas de classe diversas, desenvolveram simultaneamente uma forma si- malar de politica raivosa”, diz Applebaum. “Nao que a imi- ELES QUE DIVIDIAM SMA MESA JE SE ESTAPEIAM Om gragio oua dor econdmica sejam irrelevantes. Sio fonte de raiva, aflicao, desconforto e divisio, Mas sao insuficientes. Algo diferente esta acontecendo.” Bo que ela chama de “crepisculo da democracia”. “E possivel que nossa civilizagao ja esteja se encaminhando para anarquia ou tirania, que uma nova geracao de intelectuais, defensores de ideias antiliberais ou autoritarias, conquiste 0 poder R° século XXI, como fez no XX.” autoritarismo, diz Applebaum, atrai quem nio tolera a complexidade. "Nada ha de intrinsecamente ‘de esquerda’ ou ‘de direita’ nesse instinto. Ele éantipluralista, desconfia de gente com ideias diferentes.” Apesar de a maioria dos candidatos a autocrata vir hoje do campo da direita, 0 mo- delo de Estado autoritrio e partido poderoso — presente a China & Hungria, do Zimbabue a Venezuela — foi cria- do por Lénin, na Rissia. “Embora deteste ouvir isto, anova direita é mais bolchevique que burkeana (tributdria do pensador irlandés conservador Edinund Burke). Sao ho- mense mulheres que querem derrubar, driblar ouminaras instituigdes, querem destruir o que existe.” Para o otimismo que elegeu Ronald Reagan degenerar no ressentimento que consagrou Donald Trump, foi preci- so haver mudanga no s6 nos eleitores, mas antes disso entre os intelectuais, entre aqueles que dividiam a mesma ‘mesa e hoje se estapeiam. Oportunistas abandonam a bus- cadavverdadee da justica pela sedugio do poder, pela facili- dade das novas tecnologias. “Os velhos jornais e redes de radio e TV criavam a possibilidade de um debate nacional {inico. Em muitas democracias ndo hé mais debate comum, ‘muito menos narrativa comum”, diz. Applebaum. “As pes- soas sempre tiveram opinides diferentes. Agora tém fatos diferentes.” A incerteza sobre o futuro é angustiante. TWILIGHT OF DEMOCRACY ‘Anne Applebaum, Coublecay 20201224 péginaslUS$25, #GERACAO SINAL FECHADO. a CeXeletnr wed vets atc neeny Pitot Re RTC ee toe) se tornarem adultos s6 viram ost dew eee aoe LOC aa OTR Re com Leen Coy Pouce OST NO 2 SINAL FECHADO les estdo por toda parte. Voce provavelmente conhece um ou mais deles. Talvez sejam seus fi- Ihos, sobrinhos, primos, vizi- nhos, amigos ou simplesmente conhecidos. Pode ser, inclusive, vocé. Ao todo sio 40 milhdes de jovens brasileiros que tiveram o azar de tentar co- megar sua vida profissional nos dltimos anos. Todos fazem parte de uma geragio que tem enfrentado dificuldades como ne- nhuma outra, Em 2015 e 2016, a economia viveu a pior recessio de que se tinha noti- cia até entao, com retragoes anuais superio- res a 3%. Depois vieram trés anos de cresci- mento econdmico pifio, pouco acima de 1%, 0 que manteve 0 desemprego num ni- vel elevadissimo, em dois digitos. Se ja esta- va dificil arrumar emprego para quem ti- nha experiéncia, o que dizer de quem nun- a tinha pisado numa empresa? Quando a situagao parecia poder melho- rar, vieram as confuses em série insufladas pela administragio Bolsonaro e, depois, a grande crise econémica provocada pelo no- Vo coronavirus. As projecdes para o desem- penho da economia neste ano ja foram pio- res, mas a maioria dos analistas ainda prevé na longa marcha a ré da ordem de 5%. Nestes ailtimos cinco anos, 0 que nio faltou foram ideias supostamente voltadas para a retomada do crescimento, como o Plano Pré-Brasil, do governo de Jair Bolsonaro. Apesar de tantas promessas e tanta pompa, 0 pais deverd fechar em 2020 uma “década perdida” do ponto de vista econdmico, tiran- do 0 titulo dos famigerados anos 1980. Durante oito semanas, EPOCA conver- sou com jovens adultos de diferentes partes do pais, economistas, psicélogos e antrop6- logos para fazer um retrato da “Geragao Re- cessio”. Milhoes desses jovens estio desem- pregados e outros tantos foram forgados a mudar de carreira. Mesmo quem conseguiu Iniciar a vida profissional na area desejada, de alguma forma, foi afetado pelo clima ge~ ral do pais. Em comum, eles viram seus s0- hos ser frustrados — pelo menos, até agora. Fernanda Minato, de 25 anos, lembra da adolescéncia no sul de Santa Catarina, quan- do os anos de crescimento econémico da dé- cada passada e do comeco da atual se faziam refletir no poder de compra da familia. Co- ‘mo 0s pais estavam empregados e ganhando bem, ela foi estudar em escola particular e, em 2014, eopseguiu ser a primeira entre os Minatos 'e6trar numa faculdade Aprovada no vestibular para relagdes in- ternacionais da Universidade Federal de San- ta Catarina (UFSC), mudou-se, cheia de so- nhos, para Florianépolis, Mas Minato nao f- cou imune ao que se passava no pais. Contra sua expectativa, logo foi obrigada a trabalhar para complementar a renda ¢ ter a possibili- dade de acabar 0 curso, o que deverd aconte- cer neste ano. Procurou, sem sucesso, oportu- nidades em sua area, conseguiu trabalho nu- ma empresa de marketing ¢ hoje pensa em fazer outro curso, “Sinto que decepcionei mi nha familia e gostaria de sair do Brasil, mas nao sei bem para onde”, disse Antes da pandemia, a insatisfacio com © Brasil tinha provocado um aumento no ntimero de brasileiros que deixam definiti vamente o pais — contando jovens e aque- les nao tao jovens assim. Pelos dados da Receita Federal, houve uma elevagao de 125% em 2019 na comparagao com 2013. “O pontapé foi quando fui roubada com uma arma voltando para casa do trabalho. Nao aguentava mais”, contou Daniele Pis- tore, de 25 anos. Surda, a paulistana nunca se sentiu segura numa sociedade que, acre- dita, falha em garantir direitos basicos de A catarinense Femanca Minato (acima) fi 2 primeia da feria 2 entrar numa faculcade, ‘mas hoje sente que decopeionu seus pais or no ter consecuido femprego em sua drea presidente co Instituto Four, uma ONG voltada liderancas jovens, 0 Bras ‘core orisco de fahar ‘duns vezes: com quem niio recebeu ecucagio 0 qualidade o com os ‘que iveram chances de ‘etudar nume boa escola, tons empregos Cansada de batathar 0 ‘ganhar pouco, a pauista Daniele Pistore (acim, ic) engrossou a fia dos brasleicos cue desistam do Brasil. Agora, esta morando na lands Uma pesquisa mostra que 40% dos jovens tém pensado no que vai acontecer ao fim da pandemia. O temor subjacente é que 0 que ja esta ruim possa piorar quem tem alguma deficiéncia. Foi traba- thar com faxina na Irlanda em 2pr8 ¢ disse que nio voltaré mais. “No BrasiPyocé nio vive, sobrevive. Aqui em Dublin ttabalhei quatro meses ¢ ja consegui dinheiro para trocar meu aparelho auditivo, que & caro. No Brasil vocé se esforca muito ¢ nio vé resultado”, completou. E ntre aqueles que estdo no Brasil, os jovens adultos com menos anos de estudo so os em pior situacéo. Com 29 anos, a paulistana Jéssica Miranda descreve os iiltimos dez de sua vida como “uma desventura de desgracas financeiras sem fim’, Filha de funcionatia pa- blica e metahirgico, ela tem ensino técnico em eletronica incompleto. Ao abandonar curso, ndo conseguiu emprego e acabou tra- balhando como motorista de aplicativo de transporte. “Entrei em depressio, devido a se- quéncia de frustragdes com entrevistas de emprego.” No ano passado, Miranda foi apro- vada como trabalhadora informal em um la- va-rapido. Nao durou, Mais recentemente, decidiu voltar a ser motorista. Como ja nem procura mais trabalho, esti fora da estatistica do desemprego. “Prefiro me virar sozinha do que ficar ouvindo varios ‘naos' e voltar a ficar deprimida. Jé esqueci do sonho da casa pr6- pria e do carro na garagem”, disse. SINAL FECHADO 8 Até 0 estouro do coronavirus, os jo jd amargavam indices de desemprego quase duas vezes maiores do que a média nacio- nal, 0 que ndo chega a ser algo incomum, quando se olha o que acontece em outros paises. No final de 2019, quando 0 indice geral de desocupagdo foi de 11%, os brasilei- ros entre 18 e 24 anos enfrentavam uma taxa de 23%, segundo o IBGE. Ao fim do primei- ro trimestre de 2020, com a pandemia dei- xando um rastro de destruigdo também na economia, de cada dez jovens, trés estavam. sem ocupagio. Nesse contexto, no causa estranheza 0 resultado de uma pesquisa da Consumoteca Lab, uma consultoria com sede em Sio Pau- Jo, O levantamento feito apés o inicio do pe- riodo de quarentena mostra que cerca de 40% dos jovens tém pasado tempo no iso- lamento pensando no que acontecerd ao fim da pandemia. “O Brasil corre o risco de Ihar duas vezes: com aqueles a quem 0 pais ndo deu educagao de qualidade e com os que tiveram chances de estudar numa boa escola, mas nao tero bons empregos”, disse Wellington Vitorino, presidente do Instituto Four, empreendimento social que tem como meta capacitar jovens liderancas para repen- sar grandes problemas brasileiros. Vitorino, de 25 anos, fala por experiéncia prépria. 4 SINAL FECHADO Antes do coronavirus, parte dos jovens sonhava com 0 sucesso instantaneo, como se todos pudessem ficar ricos sendo youtubers. A pandemia 0s fez acordar para a realidade de uma economia que pode encolher 5% neste ano De Dima Rousset a Jie Bolconaro, passanco por Michel Teme, os iltimos tds ocupantes do Palécio do Planalto foram incapazes ce colocar a economia no caminho co scimento sustentivel Morador de Sao Gongalo, no Rio de Janeiro, acordava as 4 horas da manha parwassistir a aulas como bolsista numa escolarparticular na Gavea, Na universidade, foi Bolfista em uma faculdade de finangas de prestigio. “Quando entrei no curso, nos disseram que 8 alunos dali tinham 95% de chances de conseguir emprego. Quando saimos, a reali- dade era bem diferente”, disse. E ntre os especialistas em educagao, a preo- cupagio agora é 0 aumento da evasio. “Mesmo um aluno de classe média pode ter de abandonar os estudos para ajudar na ren- da familiar, e isso prejudica ainda mais a perspectiva desses jovens no mercado de tra- batho futuro”, disse Bruno Ottoni, pesquisa- dor da consultoria IDados e responsivel por um estudo que ouvi 3 mil jovens sobre de- semprego. Um levantamento recente do Ce tho Nacional de Juventude (Conjuve), rgio ligado ao governo federal, mostrou que 28% daqueles entre 15 e 29 anos pensam em nio voltar as escolas e faculdades quando as aulas presenciais forem retomadas. Cada ver fica mais claro: 0 que acontece hoje no Brasil terd consequéncias negativas por bastante tempo, mesmo quando os em- pregos voltarem. Economistas de varias par- tes do mundo ja mostraram os efeitos de ta- xas altas e continuadas de desemprego entre jovens no longo prazo. De modo geral, quem demora a entrar no mercado de tra- balho tem renda menor por varios anos na compara¢ao com profissionais de geragdes anteriores com a mesma formagao. Isso por- que quem sai do ensino médio ou da uni- versidade aprende muito no trabalho, Ao entrar tarde na vida profissional, es- sas pessoas tém de comecar do zero, demo- ram mais a ser promovidas e a ganhar mais. Devido aos efeitos da crise econdmica de 2008-2009 nos paises ricos, a renda familiar média de um americano de 30 anos hoje & tum terco menor se comparada com a de seus pais ou avés na mesma idade. As con- sequéncias negativas disso nao se restringem apenas aqueles diretamente afetados. retraso pode afetar a venda de iméveis e bens e funcionar como um freio de mao pu- xado para a economia. Por aqui, a preoc pacdo com a recessio acentuada se estende A rea da seguranca. “A situagdo que esta- ‘mos vivendo nao s6 diminui a renda, como aumenta a chance de parte dos jovens en- trar para o crime”, disse Naercio Menezes Filho, respeitado professor do Insper, insti- tuigao de ensino de Sao Paulo Mesmo as historias de jovens de sucesso ‘nos ultimos anos — sim, elas também existem_ Santos (acim). que fem ura multnacional de marcas de sua geragso & — foram marcadas pelos anos de recessao. Quando crianga, 0 mineiro Vinietys Costa Soares, hoje com 25 anos, vendimnaca do amor na pequena cidade de Piumhi,, a qua- tro horas de carro de Belo Horizonte. En- quanto cursava engenharia mecinica na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi fazer um curso de negécios na Universidade Columbia, em Nova York. Quando voltou, participou de processo sele- tivo para estigio em grandes empresas € ndo foi aprovado. “A crise estava forte e bateu lum sentimento ruim. Eu estava numa das melhores universidades do mundo ¢ achei que seria facil conseguir uma vaga, mas nao foi", disse Soares, que hoje, j4 formado, ad- ministra mais de R$ 150 milhdes na fintech Monetus, da qual é sécio. Dy 2h Eas ent os Jovens ue sendo testados por uma conjuntura ad- versa sem precedentes, hé uma parcela que Vinha sonhando com um sucesso quase ins- tantaneo. A expectativa, como mostram pes- quisas de opiniao, era que, aos 20 ¢ poucos anos, ja deveriam ter despontade como os self-made youtubers que acompanham na internet, ao estilo de Whindersson Nunes € Bianca Andrade. Outros achavam que fun- dariam uma empresa e daria muito certo. SINAL FECHADO 48 Para essa parcela dos que idealizavam o fu- turo, os desafios seriam resolvidos na base do “talento”, como no caso do jogador de futebol Neymar e da cantora Anitta. Ai veio a Covid-rg, um choque de realidade, e 0 fu- turo ficou suspenso. Desmentindo a ideia mesmos € vivemos como nossos pais", os jovens de hoje nao tém a pretensio de mu- dar 0 mundo, como os idealistas de outras décadas. “A sueca Greta Thunberg nao é amada por seu papel na causa ambiental, mas porque ficou mundialmente famosa com 15 anos”, disse Michel Alcoforado, an- tropélogo da consultoria Consumoteca Lab, que estuda a juventude desde os anos 1990. Esses jovens de perfil mais individualista também tém suas causas sociais. Segundo pesquisa da Cia de Talentos, empresa de re- crutamento para as maiores multinacionais do pais, o respeito a diversidade é 0 tema que os jovens mais gostariam que as compa- nhias promovessem (46%), a frente de meio ambiente (24%) e justiga social (24%). “Mi- nha geracio é a de as pessoas abrirem os olhos para as minorias ¢ darem voz a elas” definiu Stephany dos Santos, de 25 anos, que conseguiu uma das poucas vagas de trainee em uma multinacional de cosméticos. Esse anseio mais inclusivo mudou, em certos casos, até 0 vocabuldrio. Como lem- brou Toni Reis, diretor presidente da Alianga Nacional LGBT, nos anos 1990 0 termo co- mumente usado para descrever gays e lésbi- cas era “homossexual”, “O reconhecimento das varias identidades aumentou tanto que tornou essa palavra obsoleta”, disse Rei Para a psicanalista argentina Adela Gueller, que tem consultério em Sio Paulo, nem tudo € tolerincia na Geragio Recessio. Os jovens criados na internet também sio marcados pe- la busca de um suposto perfeccionismo, con- sequéncia da vigilancia constante da vida on- line e do império do politicamente correto. “Chama minha atencio a rigidez de muitos jovens. Muitos de meus pacientes nao que- rem sequer aprender a dirigir, habilidade i portante, porque dizem que nao é mais cor Jou. Mesmo antes da pande- mia, uma palavra vinha sendo usada por an- tropélogos para definir essa nova ge siedade. Com o acréscimo inesperado do coronavirus, talvez a expressdo seja super, to ter carro”, re mega, hiperansiedade. acionte sendo atendio nna Unidade de Terapia Intonciva (UTD, do Hospital Emiio Ribas, ‘am $0 Paulo, em junbo, ‘que ainda havie mit divides sobre © tratamento adequace SERRA \VIVI PARA CONTAR 46 SEIS MESES APOS A CHEGADA DO VIRUS AO BRASIL, COM 3,6 MILH‘ ES DE CASOS E MAIS DE 115 MIL MORTES, MEDICOS DA LINHA DE FRENTE NO COMBATE A PANDEMIA ANALISAM O QUE APRENDERAM NA Oeste ae DE PACIENTES NOS HOSPITAIS E COM SUAS DE RECUPERAGAO DA DOENGA por Constanga Tatsch e Elisa Martins N © dia 26 de fevereiro, o Brasil registrava set primeiro caso oficial de Covid-19: um morador de So Paulo, de 61 anos, que havia visitado a Italia pouco antes. Ao longo destes seis meses, cientistas e médicos avan- aram muito no conhecimento da doenca. "Neste periodo, mudou praticamente tudo. Quem morreu em marco rs Pac no morreria hoje, porque havia total desco- nhecimento da doenga. Nao que a g nhega muito, mas temos mais nogao”, afir- mou o intensivista Antonino Eduardo Neto, gerente médico do Hospital Badim, no Rio de Janeiro. “No inicio tratavamos a Covid-19 como uma doenga s6, agora dividimos em fases, cada uma com medicamentos diferen- tes. Tudo foi descoberto neste periodo a me- dida que os estudos avancavam e batiam com aquilo que viamos na beira do leito.” Umas das maiores mudangas, segundo Neto, foi a “invasio do doente”. Antes, 0 pro- tocolo indicava entubar qualquer paciente com saturagio um pouco baixa, entre 91% e 95%. Hoje, 0 indicado é fazer ventilacao no invasiva (que era desaconselhada), deixando a intubagao e UTI apenas para os casos mais graves. Outra grande alteragio & que as pes- soas eram orientadas a ir tardiamente ao hos- pital, s6 quando surgisse falta de ar. "Hoje te- ‘mos outra visio. Se esperar demais para pro- curar atendimento, 0 paciente seri entubado direto e dificilmente tera bom desfecho.” A primeira fase da doenga, de acordo com 0 médico intensivista, € a infecciosa, quando 0 virus comega a replicar, mais ou menos entre 0 terceiro ¢ o sétimo dia apés 0 PROPRIAS HISTORIAS inicio dos sintomas. Nessa etapa, € preciso investir em medicamentos que reduzam a replicagao viral, mas em muitos pacientes a prépria resposta imunolégica faz com que a doenca cesse por af, com leves sintomas. Esses sintomas, inclusive, que antes eram apontados como respiratérios, agora sio identificados principalmente como cefaleia, dores abdominais, falta de olfato e paladar e dificuldade de deglutir. ‘A segunda fase é a inflamatéria, dividida entre 2A e 2B, quando comegam a ocorrer 6s processos pulmonares. Nessa etapa, 0s es- tudos mostram que 0 uso de corticoide re- duz as mortes eo ntimero de pessoas que evoluem para intubacdo. A fase 2A é infla- matéria sem hipdxia (diminuigio de oxige- nio no sangue), quando ocorre acometimen- to pulmonar sem trombose. A 2B ¢ inflama- téria com hipéxia, com trombose provocada por uma conjungao de Covid-19 e o chama- do tromboembolismo pulmonar. A terceira fase aparece na terapia invasi- va, com 0 paciente entubado, o que acarreta no apenas a Covid-19 mas também infec- goes secundarias e avanco das comorbida- des, como insuficiéncia renal associada, pe- ritonite, coragao com proceso inflamatério. Para entender melhor a evolugio da com- preensio da Covid-19 nestes seis meses, EPOCA, colheu o depoimenta de dois médicos infec~ tologistas que, além de estarem na frente da batalha, tiveram a doenga em momentos di- ferentes: um nos primeiros dias da pande- mia, € 0 outro poucos dias atrés. Conhega suas histérias pessoais e os tratamentos. UMA DOENCA VIRAL VAI BO ASSINTOMATICO AO. POUCO SINTOMATICO, QUE SAO 80%, AO CASO QUE NECESSITA DE HOSPITAL E AOS 5% QUE VAO PARA A UTI. E NAO DEU PARA ME EXCLUIR DOS 5% A CABECA FO! LONGE. NAO SOU DIFERENTE DE NINGUEM. TIVE MEDO, VOCE FAZ CONTAS. MAS SOU MUITO RELIGIOSO, E ISSO ME DEU PAZ S7 da época do inicio da epidemia da aids. O primeiro diagnéstico de um brasileiro que passou para outro foi em meu consultério. A coisa mais dolorosa que éramos obrigados a colocar na mala de médico eram 0s atestados de dbito. Hoje ainda chegam pacientes graves de coronavirus de varios lugares do pais. Nas iiltimas horas, internei tr UTL O que aprend 580 nao havia em marco quando me infectel, & a seguir protocolos completos sem remédio especi- pacientes na fico. J4 aprendemos a ver antecipadamente aquele paciente que pode ir mal, ¢ ai atua- mos desde o primeiro momento. E a partir da internagao vamos aos limites, do ponto de vista de medicament, suporte respiraté rio, imunobiolégico. E com uma equip multidisciplinar. Isso esta claro: essa € uma doenca de varias profissdes. Se nao estiver- mos entrosados, protocolados, em um hos- pital com recursos, vai ficar mais dificil. ‘Uma novidade hoje é a eles € leve. avés, e vira um problema sério. Vejo isso to- dos 0s dias aqui. Vejo de tudo na pandemia Desde pessoas que nao acreditam, acham ando. Ai proponho que facam visita comigo no hospital. Que vejam © que acontece na linha de frente. Hi expectativa de solugdes a breve ¢ mé- dio prazos. Mas, agora, nao existe a bala de prata, E © conjunto, a estrutura de hospital, equipes multiprofissionais tr se tem disponivel pessoas. Um processo dificil, lento e doloroso. So ainda muitas perguntas sem respostas. Isso é pandemia, 50 VIVI PARA CONTAR RALCYON TEIXEIRA 39 anos, infectologista, dretor da Divisdo Médica do Instituto de Infectologia Emilio Ribas u tive uma forma leve da Covid-i9 ha duas semanas. Neste momento, a gente tem mais seguranga para entender 0 que forma leve, moderada ou grave da doenga. Nao precisei ir para o hospital, fazer exames ou tomar remédio. Se fosse em marco ou abril, teria feito tomografia, exame de san- {gue para ver a gravidade. Tive dor de cabeca num dia, achei que era da tensio pela sobrecarga de trabalho € no dia seguinte acordei com coriza e dor no cor- po. Como uma médica préxima do hospital estava positiva, por via das diividas e até pela protecio das outras pessoas, resolvi fazer 0 exame para provar que néo era nada. Tinha s6 aquela sensagao de que teria um resfriado, mas ai veio o positive, Foi o segundo exame que fiz desde 0 comeco da pandemia. Na primeira noite, eu fiquei preocupado. Ainda é algo que nao conseguimos entender. Apesar de seis meses trabalhando nisso e ven- do muito paciente, é uma caixinha de surpre- sas descobrir qual paciente vai evoluir com complicagao, Geralmente, é a partir do quinto dia que comeca a haver piora progressiva dos sintomas. Comecei a pensar um monte de coisas, até em deixar as senhas para parentes antes de ir para o hospital e ser entubado. E muito ruim essa angistia de estar contamina- e vemos umd quantidade grande de casos gra- ves. A pattir'da segunda noite vi que, retros- pectivamente, jé estaria no quinto dia da in- fecgao, ndo tinha febre e me sentia muito bem, Mas a tensdo continuou mais um pouco porque pode haver piora do sétimo ao déci- mo dia, Mas era a forma leve mesmo. Por outro lado, se tivesse um sintoma mais expressivo buscaria a internacao preco- ce, nao teria ficado esperando passar mal em casa. No passado, a gente pedia as pessoas para s6 irem ao hospital por necessidade. Havia uma série de motivos: capacidade hospitalar, tentativa de diminuir transmissio € porque achvamos que encheria de gente com qualquer coisa pensando ser Covid-19. Isso foi mudando. No inicio até prescreve- mos a cloroquina porque existia um estudo francés que indicava, depois foi comprovado que nao havia evidéncias cientificas para 0 uso, Eu tenho em casa um oximetro do con- sultério e usei. A gente recomenda que, se 0 paciente puder, compre ou pegue emprestado tum desses aparelhos. Hoje sabemos que é im- portante ver o grau de saturagio porque a do- enga provoca uma silenciosa falta de oxigénio no sangue, mas isso no era uma prescrigio antes, s6 observévamos as sintomas clinicos. do, voc! Res para que lado vai a infecao Agente de saide (8 dr) use um oximetra par rmedir @ saturagio do sangue de moradora ¢o tha de Marajé, no Par, ‘am junho. O médico Ralcyon Texoia (acima) recomenda a compra do ‘aparelho para ter em asa, Teixea teve uma veredo leve da Covie-19 ha duas semanas ¢ ainda assim ficou preocupado VII PARA CONTAR NA PRIMEIRA NOITE, EU FIQUE| PREOCUPADO. E UMA CAIXINHA DE SURPRESAS DESCOBRIR QUAL PACIENTE VAI EVOLUIR COM COMPLICACAO. COMECEI A PENSAR ATE EM DEIXAR AS SENHAS PARA OS PARENTES ANTES DE IR PARA O HOSPITAL E SER ENTUBADO. E MUITO RUIM A ANGUSTIA DE ESTAR CONTAMINADO. M udou também o tempo de isolamento, fambém nio precisa fa , porque pode ficar po por causa de fragmentos do no nariz, a estou trabalhando, O Emilio Ribas é um hospital de retaguar- da par: de Covid-19 de Sao Paulo, Grande Sio Paulo e até do resto do estado. mos um dos iltimos hospitais a serem desmobilizados do combate a doenga. Os ca sos do pronto-socorro diminuiram bastante, especialmente neste iiltimo més, mas as transferéncias continuam ocor: ‘mesmo tempo continuames sem perspectiva de término, o que cansa também, vio muito grande. Com os meses fui ficando meio ansioso, todo dia acordava com uma dor nas costas ¢ jé pensava se aquele seria 0 D da Covid-19 porque nossa exposicao didria € muito grande no hospital. Ter tido a doenga e ter sido a forma leve me da tranqui- lidade porque vemos muitos casos graves que caminham para a morte. REDE HINDU m fevereiro deste ano, quando a India era palco de episédios de violéncia sec- tiria que deixaram dezenas de mortos, Ka- pil Mishra, um lider do Partido do Povo Indiano (BJP), 0 mesmo do primeiro-mi- nistro Narendra Modi, foi a sua conta ve- rificada no Facebook jogar combustivel nas chamas. “O Paquistio chegou a Shaheen Bagh”, afirmou, em referéncia a um dos maiores bairros de Nova Délhi. “Pequenos Paquistoes estdo sendo criados na cidade. A lei do pais nao esta sendo mais seguida.” Em outra mensagem, ele afirmou: “India versus Paquistéo. Havera uma disputa nas ruas de Délhi”. Uma reportage publicada hi duas se- manas pelo The Wall Street Journal ajuda a explicar como mensagens como essas, mui- tas proferidas por altas autoridades do go- verno nacionalista de Modi, puderam se proliferar no Facebook. Segundo o texto, a rede social favoreceu 0 BJP, o partido do primeiro-ministro, em sua campanha para perseguir mugulmanos € tornar a India um pais oficialmente hindu. Violando seus pré- prios termos de uso, o servico criado por Mark Zuckerberg chegou a ignorar mensa- gens de édio publicadas por politicos do BJP, por temer que a restrigao ao conteado prejudicasse seus negécios ‘Um dos casos citados pelo jornal foi o de ‘T. Raja Singh, um deputado da regiao de Te- LIKE NO GOVERNO. 53 Como 0 Facebook ignorou suas proprias regras contra o discurso de édio para preservar as boas relagdes com 0 governo da India por André Duchiade langana, que publicou mensagens propagan- do o fuzilamento de imigrantes mugulma- nos da etnia rohingya, de Mianmar, e 0 in- céndio de-mesquitas. Os textos foram anali- sados pop icindrios do Facebook, que concluiram hao apenas ter havido uma vio- lagao das regras do site, mas também que ingh era alguém perigoso, capaz de atos vio- entos no mundo real. Apesar disso, Ankhi Das, a principal executiva de politicas pabli- .s da empresa na India, foi contra a aplica- io das regras de discurso de édio da em- resa, € as contas de Singh no Facebook ¢ no Instagram permanecem no ar. A reportagem também chamou a aten- cdo para manifestacdes de preconceito anti- muculmano da propria Das. No final de 2019, ela compartilhou no Facebook uma Postagem escrita por um ex-policial que se referia aos mugulmanos da india como uma somunidade degenerada”, para a qual “na- da importa exceto a pureza da religiao e a implementagio da sharia”. Horas depois da publicacao do The Wall Street Journal, a exe- cutiva recebeu ameacas de morte e pediu ajuda a policia. Nesta semana, ela publicou um pedido de desculpas, no qual disse que a “intengdo de minha postagem pessoal no Facebook nao era denigrir 0 isla”, mas “re- fletir uma profunda crenca na celebracao do feminismo e da participacdo civica”. Ela nao se referiu a reportagem do WS). cy LIKE NO GOVERNO Ditictincs: de stintamento de maior ede social do mundo com o governo provocaram alvoroso na India, mas nao sur- preenderam. Em 2016, 0 The Guardian ja publicara uma matéria afirmando que Das tinha acesso a qualquer gabinete de Nova Délhi, “Costumavamos brincar que era co- mo se ela fosse neta de Modi”, disse um fun- cionério, No ano seguinte, a Bloomberg apre- sentou uma reportagem defendendo que os funciondrios do Facebook haviam se tornado “trabalhadores de campanha” na {india e ti- nham “ajudado a desenvolver a presenca on- line do primeiro-ministro Modi”. “Extremis- tas hindus que apoiam o partido de Modi tém usado o Facebook e 0 WhatsApp para fazer ameagas de morte contra muculmanos ou criticas do governo”, dizia o texto. Alguns dos grupos desses extremistas chegam a reunir milhdes de pessoas. No Instagram, também de propriedade de Zuckerberg, a pagina HindustaniBhau, uma conta verificada com 3,4 milhdes de segui- dores, recentemente publicou um chamado a violencia contra as minorias, com um vi- deo defendendo que opositores da fé hindu deveriam “aprender uma ligao”. Apés a re- percussio da reportagem do The Wall Street Journal, a pagina foi suspensa, mas milhares de contas parecidas, com conteiido de édio e milhares de seguidores, continuam no ar. Segundo outra reportagem investigativa, publicada pelos jornalistas indianos Cyril Sam e Paranjoy Guha Thakurta no site Newsclick em 2018, hi uma antiga troca de favores entre a rede social e 0 governo de Modi. A investigagio denuncia que “o Face- book trabalhou em estreita colaboragao com Modi muito antes de ele se tornar primeiro- ministro da india; deu apoio a seu partido ea seus apoiadores; ajudou a tornar Modi o lider mais ‘apreciado’ em suas plataformas; alega- damente fez vista grossa a campanhas de de- sinformacao coordenadas, inclusive contra membros de comunidades minoritérias, que levaram a incidentes de linchamento, além de O Facebook tem mais de 340 milhées de usuarios na India, a maior quantidade no mundo, ¢ o WhatsApp, do mesmo grupo, esta prestes a langar um servigo de pagamentos R perseguir’jofnalistas e politicos especificos que eram vistos como opositores” tamanho do mercado indiano ajuda a explicar o interesse do Facebook em manter boas relagdes com o governo. A rede social tem mais de 340 milhdes de usuarios na fn dia, a maior quantidade entre todos os pai- ses. Jé 0 WhatsApp, também de propriedade de Zuckerberg, tem 400 milhdes de usuérios e esta prestes a langar um servigo de paga- mentos. Os investimentos vao além das mi. dias sociais. Em abril, o Facebook anunciou que investirs USS 5,7 bilhdes (RS 32 bilhdes) na companhia de internet mével Reliance Jio, do biliondrio Mukesh Ambani. Depois da publicac3o da reportagem, 11 funcionérios do Facebook india escreveram uma carta aberta & lideranga da empresa pe- dindo mais consisténcia nas politicas da companhia. “E dificil nao se sentir frustrado € triste com os incidentes relatados. Sabe- mos que nao estamos sozinhos nisso. Os funcionarios de toda a empresa esto ex- pressando sentimentos semelhantes ”, escre- veram eles. “A comunidade mugulmana no Facebook gostaria de ouvir a lideranga da empresa sobre nossas solicitagaes.” Funcionério de uma empresa de checagem indiana contratade pelo Facebook assist a um video do primere-minisro indiano, Narencra Modi Duss pessoas morreram neste més no pais durante protestos © ‘contfontos entre hindus @ ‘mugulmanos (acim, & dic) provocados por post fo Facebook com erticas 8 Maomé Nicceneresc, ums comisto orhandada pelo partido Aam Aadmi (Partido do Homem Comum), de oposi¢ao, comegou a se encontrar na titima semana para inves- tigar atividades politicas do Facebook, i cluindo possivel participagio do site na on- da de violencia sectéria em fevereiro. Em seu primeiro encontro, um especialista disse ao comité que o Facebook “nao é agnéstico € neutro em seu conteiido”, “No inicio deste ano, houve episédios de violencia sectaria em Délhi e em outros lu- gares. O papel do Facebook nesses tumultos tem de ser investigado, isso ficou claro na reuniio de hoje. As testemunhas também levantaram preocupagoes sobre a realizagi0 de eleigdes livres e justas por meio do fun- cionamento seletivo do Facebook”, afirmou Raghav Chadha, presidente da comissao, no encerramento da sesso. O comité questi naria 0s executivos do Facebook na quarta- feira sobre as politicas de regulamentagao do discurso da empresa na India. ‘Andy Stone, um porta-voz do Facebook, ¢ a0 WSJ que a executiva Ankhi Das levantou preocupagdes sobre as con: quéncias politicas que resultariam da desig- nagio de Singh como individuo perigoso, mas disse que sua oposicdo nao foi o tinico fator na decisio da empresa de permitir a presenca de Singh na plataforma’. Apés o artigo, o chefe do Facebook fn- dia, Ajit Mohan, defendeu a colega ¢ ale- gou que o texto “nao reflete a pessoa que conheco ou os problemas extraordinaria~ mente complexos que enfrentamos todos 6s dias que se beneficiam de Ankhi e da experiéncia da equipe de politicas publi cas”. Mohan também escreveu que a em- presa esta “confiante de que a afirmacao do artigo de que as afiliagoes politicas in- fluenciam a tomada de decisies na india é imprecisa e sem mérito” Chefe da area de informacio do gover- no indiano, Amit Malviya respondeu em um artigo publicado no The Times of India que “é ridiculo sugerir que o Facebook € re- ceptivo ao BJP e ao ecossistema conservador mais amplo, Se algo acontece, é 0 contritio” Segundo ele, “moldar o discurso publico nao pode ser competéncia exclusiva da es- querda, que perdeu seu monopélio e apoio piblico. A midia social democratizou 0 discurso”, completou. 56 UMA OUTRA PESTE GOVERNOS COM TRACOS AUTORITARIOS EMBALADOS POR FANATICOS RESSENTIDOS: ESSE RECEITUARIO PERIGOSO TEM FEITO INTELECTUAIS VOLTAREM A SE DEBRUCAR SOBRE O MOVIMENTO DE EXTREMA-DIREITA QUE DEVERIA TER MORRIDO NO POS-GUERRA por Jerénimo Teixeira A RAMPA PARA O FASCISMO A temo eum sepebleana na Ger ivil Espanhola, George Orwell desem- barcou em Barcelona no final de 1936 com o propésito inequivoco de matar um fascista — no caso, um combatente das falanges do gene- ralissimo Francisco Franco. Menos de uma década depois, 0 escritor inglés constataria que a palavra “fascista”, empregada para qua- lificar (ou desqualificar) dos cachorros (!) & astrologia, ficara “quase desprovida de signifi- cado". A vulgarizagio do termo, que Orwell registrou ja em 1944, seguiu em curso desen- freado século XXI adentro. A eleicio de um franco apologista da ditadura militar cuja re- torica beligerante parece nao conhecer freios = como se viu na recente ameaga fisica a0 jornalista que 0 questionou sobre as ligacdes de sua familia com o indefectivel Fabricio Queiroz — revitalizou o termo antes usado para xingar os mais timoratos politicos de centro-direita e as vezes até de centro-esquer- dda. Mais ou menos como o espectro do comu- nismo da famosa abertura do Manifesto comu- nista de Marx e Engels, um fantasma nazifas- cista assombra o debate puiblico nacional. Em mensagem privada que vazou para a imprensa, Celso de Mello, ministro do Supre~ mo Tribunal Federal (STF), comparou a situ- agio brasileira atual ao fim da Repiblica de Weimar com a ascensio do nazismo, e seu colega Gilmar Mendes vem falando em geno- cidio para caracterizar o descalabro do gover- no na conducao da pandemia de Covid-to No campo académico, um conjunto substan- cial de pesquisadores da historia e das cignci- as sociais — nem todos alinhados com a es- querda, ao contrario do que poderiam supor 0s tietes de-fair Bolsonaro — vem discutindo ° preblefetom rigor e setiedade. Nenhum deles chega 2 afirmar que vivemos sob um re- gime fascista. Mas os tracos antoritérios do governo e 0 ressentimento fanitico de seus apoiadores permitem aproximagdes com os movimentos que assombraram 0 mundo na primeira metade do século XX. O fascismo histérico emergiu nos anos 20 e 30 do século passado, em uma Europa que mal se recuperara dos traumas da Pri- meira Guerra Mundial e jé afundava na de- pressio econdmica. A palavra vem dos Fasci di Combattimento, as organizagoes paramili- tares italianas lideradas por Benito Mussolini. Com a vitoriosa marcha das esquadras fascis- tas sobre Roma, em 1922, 0 ex-socialista Mus- solini sagrou-se como 0 pioneiro dos ditado- res de extrema-direita na Europa, Mais frouxo em sua doutrina que seu irmio alemio — 0 nazismo de Adolf Hitler s6 tomaria o poder em 1933 —, 0 fascismo destigou-se de seu con- texto original para se converter em um con- ceito ainda vilido na ciéncia politica ensaista e romancista italiano Umberto Eco, em um artigo famoso de 1995, divulgou a ideia de um “ur-fascismo’, ou “fascismo eterno” Historiadores como o britinico Roger Griffin, de Oxford, accitam um “fascismo genérico”, UMA OUTRA PESTE 59 O INDIVIDUALISMO E UMA CARACTERISTICA QUE DIFERENCIA O FASCISMO DO PASSADO DOS FANTASMAS DO PRESENTE. O FASCISTA DO SECULO XX NEUTRALIZAVA SUA INDIVIDUALIDADE NO SEIO DO PARTIDO, ENQUANTO O BOLSONARISMO VALORIZARIA JUSTAMENTE A FIGURA DO SELF-MADE MAN © segundo grupo de pesquisa, vinculado ao Laboratério de Politica, Comportamento Midia da PUC de Sao Paulo (Lab) e com 40 participantes, € mais provocador no titulo: Bolsonarismo, © Novo Fascismo Brasileiro. Eduardo Wolf, doutor em filosofia pela Uni- versidade de S40 Paulo (USP) e coordenador do projeto, explica que o ponto de partida é 0 debate, corrente hé mais de uma década, so- bre a crise das democracias liberais — crise que, no instivel cenério politico brasileiro, te- ria conduzido a Bolsonaro. Wolf faz uma dis- tingZo importante entre o governo e o movi- mento social que Ihe dé amparo, Se o residen- te do Palicio da Alvorada ainda se deixa imi- tar pelas regras do jogo politico, 0 mesmo nao vale para a turba que — sob ineitacao ou inspiragao de seu lider — divulgenemes e fake news pelas redes sociais, faz carreatas em frente a hospitais ou lanca fogos de artificio contra o prédio do STE. “Nao é mais mera acusacdo retérica falar em fascismo ou neo- fascismo quando se trata da configuracio do movimento social bolsonarista”, disse WolE. Bolsonaro ja vai se convertendo em um caso de estudo internacional. Professor da New School for Social Research, em Nova York, o argentino Federico Finchelstein con- tou que utiliza, em sala de aula, o presidente brasileiro como exemplo da “deformagio ra- dical da realidade” promovida pelo discurso fascista. “Ele é muito explicito nisso. E até chamado de ‘mito’ por seus seguidores”, disse. Em um livro publicado neste ano, Uma breve hist6ria das mentiras fascistas — a ser langado no Brasil em setembro, pelo selo Vertigem —, Finchelstein prope que os fascistas sao men- tirosos de uma categoria muito particular acreditam nas mentiras que contam — menti- ras que servem & construcio de um passado nacional glorioso, um mito retrégrado que da base a pratica politica do lider autoritério. Amparada em uma profusio de textos e dis- cursos de idedlogos fascistas do século passado, 60 UMA OUTRA PESTE FINCHELSTEIN PROPOE QUE OS FASCISTAS SAO MENTIROSOS DE UMA CATEGORIA MUITO PARTICULAR: ACREDITAM NAS MENTIRAS. QUE CONTAM — MENTIRAS QUE SERVEM A CONSTRUCAO DE UM PASSADO NACIONAL GLORIOSO, UM MITO RETROGRADO QUE DA BASE A PRATICA POLITICA DO LIDER AUTORITARIO a tese abrange duas figuras contemporineas que despontariam como herdeiros dessa li- nhagem: Bolsonaro ¢ o presidente americano Donald Trump. “Nao é possivel chamé-los de fascistas neste momento. Mas ambos tentam degradar ¢ diminuir a democracia, até onde isso é possivel”, disse Finchelstein. A construcdo de um inimigo perverso — uma das paixdes mobilizadoras de Pax- ton — também é parte do modus operandi fascista, ¢ o bolsonarismo é prddigo em ini- migos, reais ou imaginarios: a imprensa, 0 globalismo, a esquerda. Essa batalha contra inimigos miltiplos trava-se sobretudo nas redes sociais — ¢ essa é uma diferenga mar- cante em relagdo ao contexto histérico dos anos 1920 € 1930. O cientista politico Giu- seppe Cocco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que em uma era de “guerras moleculares” — como as que devastam a Siria € como as que afligem as periferias conflagradas do Rio de Janeiro —, nas quais todos lutam contra todos e impera a confusio, a identificagao do inimigo se torna um “mecanismo de legitimacao”. Na guerra cultural brasileira, é comum que antigos aliados do governo ocupem esse lugar — como ocorreu com o ex-ministro da Justica Sergio Moro. Esse processo nao foi criado pelo bolsonarismo, mas se agravou com ele. “Tudo isso jé vinha sendo produzido pela polarizagao que 0 lulismo acirrou quando entrou na linha de fogo da Lava Jato”, avaliou Cocco. © com- bustivel da guerra cultural bolsonarista é 0 res: sentimento, e nisso o historiador Michel Gher- man detecta um “sotaque nazista”. “Mais do que qualquer fascismo, o nazismo aciona res- sentimentos atévicos”, disse ele. “E, Bolsonaro é a encarnacao do ressentimento”, Gherman também identifica, em Bolsonaro, afinidades estéticas com 0 nazismo, sobretudo na exalta- ga0 da violencia como meio de fazer poli ‘Uma imagem emblemética dessa estética, regis- trada em maio, seria 0 presidente improvisan- do um desfile marcial sobre um cavalo tomado de empréstimo da Policia Militar de Brasilia A ret6rica divisiva de Bolsonaro ampara- se em uma nogio monolitica e excludente de povo. “Sé existe um povo neste pais”, dis- se 0 ex-ministro da Educagio Abraham Weintraub ao expressar seu repidio a ex- pressdes como “povos indigenas” na reuniio ministerial de abril. “O bolsonarismo seques- trou povo brasileiro, que passou a ser api nas os 30% de apoiadores mais constantes disse Lilia Moritz Schwarcz, historiadora antropéloga da USP. “E uma concepgio taca- nha de democracia.” Nessa linha, Adriana Novaes, pés-doutoranda em filosofia na USP — €, como Cocco e Gherman, participante do grupo juisa do Labo — alerta sobre uma smelt ae que deveria ser um. fundamentto Yas democracias liberais. “O fas- cismo falsamente atribui uma unidade a0 pa- fs, que na verdade & constituido de varios grupos. E cada grupo também é plural”, disse. dos EUA, Trump (8 esq). ‘Assim como Belsonato, tenta degradar e diminuir Em m nara tomou um cavalo de um oficial 6a Policia Milita duxante uma manifestag anticemacratca fem Basia e cavalgou \2 Espianada (acme A demonstragio de forga perante 0 povo é um dos componentes. Em sua aversio & diversidadé e° diver- géncia, Bolsonaro ja provocou tensies de: necessirias com outros Poderes ¢ institu ges, tensdes que vinham se suavizando des- de o acordo com o centrio — uma acomo- dagao politica que, alids, nio seria estranha ao fascismo histérico, como observou Eduar- do Wolf: “Mussolini nunca teve pejo em fa- zer composicées as mais variadas”. Nessa proviséria e iluséria calmaria, 0 governo po de celebrar seu mais alto indice de aprova- Gao desde a posse, de 37%, segundo o Data- Folha. © impeto agressivo do presidente, no entanto, voltou a emergir na semana que passou. No domingo 23, perguntado por um jornalista de © GLOBO sobre os depdsitos somando R$ 89 mil que no passado Queiroz fer na conta da hoje primeira-dama, Michelle Bolsonaro ameacou em ver de responder “A vontade é encher tua boca de porrada”. No dia seguinte, no Planalto, em novo ataque a imprensa, 0 presidente reafirmou ‘uma de suas muitas crengas infundadas sobre a Covid-ig, a ja folclorica nogao de que um “hist6rico de atleta” diminui a probabilidade de dbito pela doenga — é por isso, disse Bol- sonaro, que ele mesmo sobrevive ao virus, a0 UMA OUTRA PESTE 6 asso que o jornalista “bundio” que contrair a doenca pode ter menos sorte. A declaracao foi dada em um evento chamado “Brasil vencen- do a Covid” — 0 que & em si mesmo uma impostura: no mesmo dia, a conta dos mor- tos da Covid chegou a mais de 115 mil. Bolso- naro ver espalhando desinformacao desde o inicio da pandemia, minimizando sua gravi- dade ¢ insistindo no potencial de cura da hi- droxicloroquina, cuja eficdcia foi desmentida por estudos cientificos. O presidente também faz afirmagées bombésticas e infundadas so- bre o sistema politico — disse em marco que as eleigoes de 2018 foram fraudadas para que ele nao vencesse ja no primeiro turno — e nega o cardter ditatorial do regime militar implantado pelo golpe de 1964. Nao sa ros destemperos verbais: em linha com as “mentiras fascistas” dissecadas no livro de Finchelstein, essas sio distorgies e falsidades que colocam em perigo a vida dos brasileiros, que desacreditam a democracia representati- va, que conspurcam a histéria. George Orwell recomendava circunspecgao no em- prego da qualificagao “fascista”. mendavel que Bolsonaro mostrasse a mesma circunspeccéo para ndo merecé-la. ‘Maria Licia (em foto de 2013) confiou ‘© manuscrto 40 amigo Paulo Henricues Brito ‘em 1831, com a ordem de publicévio apenas ‘apés @ more dela Afastada ha anos da cena LETRAS NA GAVETA 6 literaria no interior de Minas Gerais, a poeta Maria Lucia Alvim, de 87 anos, Janga Batendo pasto, que reine poemas inéditos escritos em 1982 por Bolivar Torres vor & um pouco fraca ¢ hesitante, mas a fala é liicida e entusiasmada. Do outro lado da linha, Maria Liicia Alvim, de 87 anos, tenta explicar por que guardou por tanto tempo os poemas de Batendo pasto, seu primeiro livro de inéditos emr-yo anos, que ser langado no préximo dire edi tora Relicério, As razdes de seu alastamento do mundo editorial s2o, como quase tudo na poesia, um tanto abstratas. Ha quem diga que 0 desinimo com a falta de reconheci- mento a levou a sair de cena, Mas a resposta de Alvim, que ha dois anos mora em uma residéncia de idosos em Minas Gerais, € muito mais lirica, difusa, inefével. “De re~ pente, velo uma verruga no néant (nada)”, disse a autora e artista plastica mineira, que estava esquecida da cena literdria havia pelo menos trés décadas. “Fiquei com dificuldade de me libertar de coisas queridas. Achei que aquilo era s6 meu, secrete.” Escrito em 1982, Batendo pasto mante- ve-se, de fato, como um dos segredos mais bem guardados de nossas letras. E teria permanecido assim, se dependesse do dese- Jo original da autora. Uma cépia do manus- crito havia sido confiada em 1991 2. um amigo de Alvim, 0 poeta, professor e tradu- tor Paulo Henriques Britto, com uma or- dem expressa. A obra s6 poderia ser langa- da apés a morte dela. Corta para 2019. O escritor ¢ tradutor Guilherme Gontijo Flores descobriu em um sebo o — até entio — iltimo livro publica- do de Alvim, a coletinea Vivenda (989), que retine 30 anos de sua produgao postica. Ags 36 anos e expoente de uma nova gera- «ao, Flores pouco sabia sobre aquela autora versitil e talentosa, que transita com o mes- mo brilho entre diferentes formatos: do so- neto ao verso livre, pasando pelo haikai, 0 poema-piada, 0 poema-minuto, o pontilhis- ‘mo € 0 poema conversacional. Nem verbete na Wikipédia ela tinha. A pequena biografia que acompanhava o livro também era sucin- ta: “Nasceu a 4 de outubro de 1932 na cidade mineira de Araxé, Autodidata, abandonou a escola para se dedicar exclusivamente & poe- sia e a pintura. Realizou exposigdes de artes plisticas e publicou cinco livros de poesia”. Flores mencionou o nome de Alvim ao escritor € pesquisador Ricardo Domeneck. Investigando com amigos, eles descobriram no apenas a existéncia do manuscrito inédi- to, como também o atual paradeiro da poeta, em sua Minas Gerais natal Domeneck viajou até a residéncia de ido- sos para conhecer uma de inicio reservada e relutante Alvim. E acabou por convencé-la da necessidade de publicar o inédito ainda em vida. “Um acontecimento ¢ um pequeno milagre”, escreve Domeneck no preficio da nova publicacao, que conta ainda com um texto de Gontijo Flores e uma orelha escrita por Paulo Henriques Britto em 1991. Os po- emas so os mesmos de 1982, sem tirar nem por. Refletem os mesmos anseios metafisicos ¢ pastoris da época em que foram escritos: 0 6 LETRAS NA GAVETA Nos anos 1950, Maria Lucia Alvim trabalhava em uma galeria na Avenida Atlantica, no Rio, morava em um apartamento no Leme, costumava expor suas pinturas em pastel e conhecia a fina flor da cena literdria carioca ritmo particular do campo, a respiracao da natureza, 0 mistério da vida, os caprichos da criagao e do tempo. A autora nao quis fazer nenhuma modificagao, e nem sequer acom- panhou o processo de edigio. “Por que publicar agora? Porque queria acabar com tudo”, explicou a poeta por telefo- ne, “Pela situacao que estamos vivendo no mundo, era initl ficar guardando esses segre- dos mérbidos. Resolvi soltar.. para os amigos (risos).” Indagada sobre o que estava sentindo a0 ver 0 livro sair do bat, ela respondeu: “Um grande alivio. Estou muito mais leve agora’ Alvim garantiu nao ter nenhuma mégoa com 0 esquecimento de sua obra. Para ela, disse, nunca faltou nada. Nascida em uma familia de poetas, irma de Maria Angela Al- vim e Chico Alvim (este um dos mais im- portantes nomes da chamada “pés-vanguar- da” brasileira), Maria Liicia estreou em 1959 com 0 livro XX Sonetos. Foi logo agraciada com 0 prémio da Gazeta de Noticias, um dos principais da época. Como o titulo indi- ca, a obra inaugural usa 0 formato chissico do soneto, assombrado pela metafisica do portugués Mario de Sé-Carneiro. década de 1950, por sinal, foi a “mais feliz” da vida da poeta, segundo a pré- pria. Morando no Rio de Janeiro, trabalha- va em uma galeria na Avenida Atlantica, residia em um belo apartamento no Leme todo pintado por ela, expunha ocasional- mente suas pinturas em pastel e conhecia a fina flor da cena literaria. “Em minha vida sempre aconteceram coisas inesperadas”, dis- se ela. “Nunca solicitei nada, Ficava na minha toca e vinham me procurar. Minha tinica queixa ¢ ter vivido tanto. Queria ter parado ‘nos 70 at “Pleitemo mistério me deixou desfigu- rada”, esereVe Maria Lucia Alvim em “Ba- tendo pasto”. E logo acrescenta: “Ninguém viu, tiziu”. Os versos formam uma boa imagem da natureza discreta e impressio- nista da autora. Segundo seu irmio Chico Alvim, ela dedicou boa parte de sua vida poesia, ficando a margem de tudo que era mais pritico do dia a dia. Também poeta e diplomata, Alvim vive em Brasilia e é autor de livros como Festa, Lago, montanha € Passatempo e outros poemas (Prémio Jabuti de 1982). O revival inesperado deu a0 pré- prio Chico a oportunidade de redescobrir alguns livros da irma, como 0 cabraliano Romanceiro de Dona Béja (1979), que ele nio relia havia muito tempo. “Maria Liicia esta feliz da vida, 0 novo livro Ihe deu um sopro de vida. Agora somos dois velhotes a servigo da poesia.” Paulo Henriques Britto conheceu Maria Liicia Alvim no final dos anos 1980, fre~ quentando saraus no Rio. A impressio que teve na época era de “uma mulher beliss: ma’. A relagdo se aprofundou apés o lan- amento da antologia Vivenda, que saiu pe- la prestigiosa Claro Enigma. A edicio re- presentou um primeiro revival da autora, batendo pasto trazendo seus melhores poemas e receben- do clogios da critica. Para a maioria dos escritores, essa seria uma bela oportunida- de de voltar a cena, Nao para Alvim, que preferiu se manter no isolamento. Apés confiar os originais do inédito para o ami- go, mudou-se para uma casa na roca, no interior de Minas Gerais, “Ela convidava 0s amigos para visita-la, mas os termos do convite eram complicados. Nao havia agua quente”, lembrou Britto. Em 20n1, Alvim se instalou em um hotel ‘em Juiz de Fora, onde continuou escrevendo poemas. Com a idade avangando, porém, acabou ingressando em um lar para idosos. Sai apenas p ara ir ao médico, sempre acom- panhada da inseparvel cuidadora Luciana de Oliveira Dias, que tem organizado todas as suas entrevistas. ‘A Maria Liicia talvez saiba que merece uma maior projegdo, mas nunca a vi fazer um comentario ressentido a respeito”, afirmou Britto, que em seu texto na publicagao de Batendo pasto define o clima pastoril do livro como “uma espécie de égloga moderna Mas por que Alvim nao é mais conheci- -gundo Gontijo Flores, ela é uma poeta que esta sempre experimentando de tudo um poucg;-9 que torna dificil rotulé-la. “Ela no cabe en escolas, nao foi concretista, no foi marginal, bebeu de tudo e escapou de definigdes”, disse ele préprio Batendo pasto reflete esse com- portamento esquivo: tem tanto sonetos delicados como poemas de uma ou duas li- has, tanto versos satiricos como existenciais Como diz a autora em um dos poemas, 0 pensamento é um tira-por", Tudo pode tro- car de lugar. Até o tom pastoril do livro en- gana. “Ela nao aceita essa imagem da natu- reza bucélica. Para ela a natureza é mais um modo de questionar a dor e a alegria, de fa- zer um questionamento dos espacos inter- nos, que se desdobram em amarragées ex- temas”, explicou Flores Aos poucos, Alvim vem saindo da re- clusio. Em marco, pouco antes da pande- mia, viajou para o Rio e se apresentou em uma homenagem que fizeram a ela na Li- vraria Travessa, em Botafogo. A poeta, que tem um bati de inéditos com versos, cola- gens e trabalhos visuais, nao descarta novas publicagdes. “Pode sair antes do fim de tu- do”, disse. E 0 que seria esse “tudo”? “O mundo vai acabar em breve. E 0 movimento natural da vida” Catéloge da exposicdo Retatos © colagens, sapresentada no io fem 1880 (na pagina ac lado}, a capa ce Bat ppaato (@ 084) © um registro de Maria Licia ‘Aken (acim) STO I eat RIBEIRO O gigante que antes intimidava os adversarios dentro de campo expoe seus medos e traumas durante a luta contra a dependéncia quimica, a ressocializagao depois de anos no vicio, as histérias de amor e, além de tudo, o apetite pela vida que levaram Casio a experiéncias extremas fog re 2 e que o deixaram no FIZERAM PARTE DA TRAJETORIA limite da sanidade e da 0006 OBOLIVROS NAS LIVRARIAS E EM E-BOOK “Onibusinho!” ig rr es f _ Perot aa a a] Nova Sprinter 19 + 1 com entrada pela porta dianteira. Uns vao chamar de “vanzona”, outros de “onibusinho”. Cee a REE no dia a dia. Com entrada dos passageiros pela porta dianteira e corredor livre ate a ultima fileira de ee tee ee ee ee Nee ee er ae ee - ak Ree ttt ere een ted Mercedes-Benz

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