You are on page 1of 177
CATALOGACAO NA FONTE bo DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVRO HIL14d Habermas, Sirgen, 1929- Dieitoe democraca: entre facicidadee vaidade, volume T {ingen Habermas; tradugao: Flavio Beno Siebeneichler. ~ Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997 2354p. cm, ~ Biblioteca Tempo Universiti 101) ISBN 85-282-0091-4 Inclui bibliograia 1. Sociologia juridica. 2. Direito - Metodologia. 3. ‘Comunicagio. L Titulo. I. Série. cpp - 340,115 Jurgen Habermas DIREITO E DEMOCRACIA Enite facticidade e validade Volume I Tradugio: FLAVIO BENO SIEBENEICHLER - UGF TEMPO BRASILEIRO Rio de Janeiro ~ RJ - 1997 BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITARIO, 101 Colegio dirgida por EDUARDO PORTELLA Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro ‘raduzido do original sleméo: Fabuicdt und Gellung. Beige zur Diskurstheorie des Rechits und des demokratische Rechitsaats. # ei so revise complementada por un pisfeloe uma lista tbligriea, Frankfan/M, Ed, Subpkinp, (1992) 1994 Capa: Anténio Dias com montagerm de VIDA Informatica (sta de Frankfurt, és margens do Main) Revisi Daniel Camarinh da Copyright: ‘Sulukamp Vetlag Frankfurt arm Main 1992 (Todos os direitos reservados) Este livto foi traduzido da 4 edi revista e complementada por um posfcio © uma lista ibiogrifica, Dircitas reservados is EDICOES TEMPO BRASILEIRO Rua Gago Coutinho, 61 ~ Laraneiras “Tel: (021) 205.5949 Fax: (021) 225.9382, Caixa Postal 16099 ~ CEP 2221-070 Rio de Janeiro ~ RJ ~ Brasil NOTA DO TRADUTOR © presente trabalho de Sirgen Habermas constitu sem divida ‘um dos momentos mais interessantes de seus exericios de a280, comunicativa. Nel se entrelagam elementos da filosoia, do dire toe das ciénias socinis,capazes de provocar discusses fecundas acerca das ingentes quests de integragio social, a serem enften- tadas pelo homem nest final de milenio. Tal construgio levanta verdadeiros desafios a uma versio do idioma alero para o portuguts, agravacios pelo fato de Habermas utilizar como pano de fundo.a tradigio juridica alems eanglo-saxd ‘A fim de enftentar esta tarefa a tradugio contou como apoio & fas sugestées valiosas das Profs. Vicente Barreto e Ubiratan B. Macedo, da pés-graduagio em filosofia da Universidade Gama Filho edo Prof. Ricardo Lobo Torres, dapis-graduagaoem direito, da mesma universidade Por razies editoiais, a radugio aparece dividida em dois volu- mes. Foran roantidas em inglés as citagées & passagens que 0 proprio Habermas preferu apresentar desta manera. No final do Segundo volume havera uma lista biblioréfica completa dos au tores citadas no texto. SUMARIO PREFACIO 9 1. © DIREITO COMO CATEGORIA DA MEDIACAO SOCIAL ENTRE PACTICIDADE E VALIDADE...0.0-17 1. Sipnificad e verdade: sobre ensio en fecticiade validade no interior da linguagem. 26 11. Transeendéncia a partir de dentro: superagio do risco de dissenso a nivel areaieo e do mind did eon 35 IT Dimensdes da validade do dieito. 8 IL CONCERTOS DA SOCIOLOGIA Do DIREITO EDA FILOSOFIA DAJUSTICA. 6s TO deseneantamenta do diteto por obm das cincias sociais 6 IL, Retcene do direito racionale impexéncia do dever-ser «83, TIL. Parsons versus Weber: a fungo social integradora do direito 94 TI. PARA A RECONSTRUCAO DO DIREITO ( 0 SISTEMA DOS DIRETTOs 113 L.Autonomia privada e piblica, direitos humanos e soberania do povo 116 TL. Norinas moraise juridicas: Sobre a elagdo de complementaridade entre moral racional e direito positivo. 139 TIL Fundamentagao dos direitos bssicos pelo eamninho da teorfa do discurso: prineipio do diseurso, forma do diteito e principio da democracia, 154 IV. PARA A RECONSTRUCAO DO DIREITO (2) OS PRINCIPIOS DO ESTADO DE DIREITO. L.A relagio interna entre dreitoe politica... TL. Poder comunicativo e formagio legitima do direto.. IIL. Prineipios do Estado de direito e légica da divisao dos poderes. V. INDETERMINACAO DO DIREITO E RACIONALIDADE DA JURISDICAO. L._ Hermenéutica, realism e positivism. TL Dworkin ea teoria das direitos... TIL. Sobre a teoria do discurso juridica.. VIJUSTIGA E LEGISLAGAO. SOBRE 0 PAPEL E ALLEGITIMIDADE DA JURISDICAO. CONSTITUCIONAL. L._Dissolugio do paradigma liberal do diteto, TL Normas versus valores: Critica a urna utocompreensdo metodol6gica falsa do controle dda constitucionalidade.. IIL 0 papel da jurisdigao constitucional na visio da politica liberal, republicana e procedimental. PREFACIO Na Alemanha, a filosofa do dieito iio € mais tarefa exclusiva dos filésofos, No presente trabalho quase nao cto o nome de Hegel e ‘me apdio muito mais na doutrina kantiana do direito: essa aitude & fruto da timidez perante um modelo cujos padres no conseguimes ‘mais ating. Bo fatode a filsofia do direito - quando sinda busca ccontato com a realidade social - ter emigrado para as faculdades de poiosmncaninees de integrag3o social so de natureza ndo-normativa. A anatomia da sie brgues, vet en conctionde conta psn posse ti efit destasarador tevela que o excl be Mantemcoee © organismo social nao € iis Conn ds relays Se dies ¢ Sinzodaselapbes de produao.Anapem enti damedising logo éstbida plo veneivelesouro de metafereseaconado cots ‘trugao de uma casa: o direito faz parte da superestrutura da base tcondmica dua sociedad, ona dominaio de ura clase sok sobre as ota classes ¢ exerci na fori ie poica do poder de mgumetos no ceive mei fundamen, camo Lal ae’ acre srg ‘mentacional, formada com muito dispéndio, transforma-se num en tm Sra pci cvecur, eran, por eine -necestaes de arguinentos que nem sio mais argumentos”!, 11 LUHMANN, N. Die soziologisehe Beobachung des Rechts. Frankfurt JM, 1986, 33. 12 LUHMANN, WN. Juristische Argumentation, 1991, 1 (manascrto). ‘Arresposta de Liibmanin no ¢ muito convincente, Ela consiste, mais ‘ou menos, no seguinte: se “informagSes" tornam conhecido algo ‘desconhecid e se “redundineias’representam a epetigho de algo 8 No final de um longo processo de deseneantamento das céncias seca, teoria do sistema acabou com os demadeirs vestigios de normatvisino do diretoracional- Do ingulo sociolgcoalienante, | Gist, ques rir pra unseat, depo as as conoagdes norativas, que se refeiam, eno ia Soe ee ee nae ‘um sistema aulopoiético, odteito marginalizado narcsisticamentes6 pode reagir a problemas propris, que podem, quando muito, ser pai de for. Por isn, ele nfo pode levara sitio ner labora problemas que oneramo sstemada soiedade como um todo, ‘Ao mesino tempo, ele precisa, de acordo com sia constitigio auto- pita, desempenhar tas as tarefes, servindose de fonts prod das por ele mesma O ditto tem que deduzir sua vaidade de modo postvista a partido diteit vigent; le lang foratodasas pretenses Aelegtimidade que ultrpassam ese nivel, comose pode ver, segundo conhevido, ntdo as comunisgées podem ser enfenddas, de modo feel, como a transposigio innerupla de informayées para redundineias As argimentagdes prodizem 0 mesmo. n9 nivel reflexive. Els utlzam argumenies para garantir uma medida sfciente de redundnca, langando mio de redundineiasexistntes. Para garanrs consistencin das cies, as ergumentagoes urdicas ‘liborum de modo semethante a necessidade de Furdamentagio qbe surge através de novos casas; elas constroem, pois, uma barra ‘dogmnitca canta a dispesigio de adapagio cogitiva de uma pritica {e decisio que avaliainfereses ese ena po sucesso. Ory, ta ‘sugesto no ¢ plausvel, porque a manutengo dogatica do direto ‘gente através da creunsrigio da ergumeniao podeti ser obtida commaito menos rises. Arguments io tém apenas ums Fungo de recundincia, uma vez qe dispdem naturamente de dois gumes: 30 ‘mesmo tempo em que garantem a cocrénca de um estoque de saber, so inovativos, uma ver que interpretam de modo nove a novidade «que aparece e transformam contextos do saber. Por ss, as dcisies juries fndamentaisnecesitam de uma carga maior de argumentcs Ado que decisis de rotina. Além disso uma interpretagio sistémica ‘io consegue explicar a fungo Intinsoca de fundamentagio que mpicaemeviar ou coigirfalhas, porque io adtite una distingo| ‘ene deeisies judicial facts comets, 16 Luhrmann, no processo judicial. Nao hi um ouput que o sistema Juridico pudesse fornecer na forma de nonnatizagces: sao he vedadas intervengdes no mundo circundante. Nem hi un input que o sistema Juridico receba na forma de legitimagies: o priprio processo politico, a esfera piblea e a cultura politi formam mundos eircundantes, ccujaslinguagenso sistema juridico nao entene.Odireto produz pura sets mundos circundantes o som que pode, quando muito, induzit os sistemas & vatiago de suas propras ordens internas, para os quais © direito constitu, por seu turno, um mundo cireundante. A indiferenga reciproca entre 0 direito e outros sistemas funcionais da sociedade nao coincide com as interdependéncias empiricamente observiveis, nem mesmo quando alguém, sob a impressio dos resultados da pesquisa de implementagao, julga ‘eticamente os efeitos de intervengbes juridicas na diregio do ‘comportamento'® e, contrariando as interpretagdes cortentes, esti disposto a ver no processo de legislagio um processo tigo- Fosamente interno a0 dreito, Eu nfo posso aprofundar aqui a critica e as manobras de despistamento; mesmo assim, gostaria de apontar para uma conseqiiéncia que G. Teubner extai da fragmentagio da sociedade em sistemas parciais autGnomos, 03, uais conduzem os seus respectives discursos ¢ que tém que arranjar-se com construgdes proprias da realidade, ineompativeis entre si, O construtivismo juridico vé-se confrontado, tanto tedrica como empiricamente, com a seguinte questio: o que 0 fechamento auto-referencial do sistema juridico signifiea para ssibilidades da comunicagio com outros “mundos epistémi- cos"? “Serd que existe um miniraum epistémico na sociedade 13 MAYNTZ,R."Sturnng, Seurungakieu, Sicvenngsnsrumentc”, in: Hi-Mon, Cad, 70, Gesarathochschule Siegen, 1986 ef id. (e.). Implementation politischer Programme HI, Opladen, 1983. 14 MONCH, R. “Die sprachlose Systemtheorie, In: Zeitschrift ir Rechtstheorie, 6, 1985, LUHMANN, N. “Einige Probleme mit reflexivem Recht, in: Zeitschrift fr Rechtstheorie, 6, 1985; ef tb. ‘TEUBNER, G. (Ed). Auopoietit Law: A New Approach to Law ‘and Society, Berlin, 1988, 7 ‘moderna, que sirva de denominador comum para discursos so tiais, apesarde toda aautonomizagdo? Serdéque existe algum tipo de covariagdo owatéde coevolugao entre epistemes? Ou serd que 4 ligagao sé ¢ possivel quando uma episteme é reconstruida no ‘quadro deumaoutraepisteme?™®. Teubner trata essa questioem dois niveis: no do “saber fatico” econémico, téenico, psiquitrico fe cientifico em geral, que é estranho e precisa ser traduzido para ‘0 cédigo do direitoe ai reconsttuido, sem que o sistema juridico posse assumir “a completa autoridade epistémica” para a confia- bilidade do saber estranho assim incorporado} e no nivel regula tivo do “influenciamento” indireto de areas sociais estranhas. Para ambos os niveis da comunicasio, Teubner vé-se forgado a aceitar um medium da “comunicagao social geral". No lado do influenciamento regulador de subsistemas estranhos, discursos, epistemes, etc.,ele cria oconceito de “interferéneia” entre direito e-sociedade (que ele distingue de “coevolugao” e “interpenetra- $40") que abe o dreito autopoistico para contatos reais com a economia, a politica, a educagio, a familia, etc, os quais vio aléin do simples “pretexto”. Uma vez que tai sistemas parciais entram em contato, passando pelo mesmo evento comunicativo, deve set possivel a agées com referéncias sistémicas diferentes eruzar-se” no mesmo ato de comunicagao. "Na conclusio de um contrato de arrendamento, por exemplo, © ato jutidico “eruza-se" com uma transagio econémica e com fendmenos do mundo da vida dos partcipantes: "Pela inerferéncia sistémica entre direto, mundo da vida e economia, os sistemas parciais podem fazer mais do quesimplesmenteobservarem-se uns fos outros ou apenas regularem-se a si mesinos”'®, Eles podem comunicat entre si, pois, “toda a comunicacio especial. é sempre uno acta = comunicagio social geral"”. Como exptessio noes 15 ‘TEUBNER, G. “Die Ppisteme des Rechts, in: D. Grimm (ed. Wachsende’Stoatsaufgaben ~ sinkende Steuerungsfhigkeit des Rechts, Baden-Baden, 1990, 126. 16 TEUBNER, (1989), 109. 17 Ibid, 107, ” rca “mundo da vida" revela, Teubner precisa aceitar um medium de comunicagio comum para todas a5 eomunicagSes social, no qual os cédigos especinis dos sistemas parciais simplesmnente esta0 ancotados: “Sistemas parciais sociais serven’-se da cotrente comu- nicacional social e extraem dela comunicagées especiais como se fossem elementos novos” lém disso, as inteferéneias que se Jjuntam a atos de comunicagéo singulates podem cristalizarse éestruturalmente como interferéncia em papéls de viriostipas de sociedade, Eunéo acredito que essa propostapossa ser introduzida ‘mum quadro coerente com uma teoria, De um lado, © diseurso do direto devera cingirse& sua auto- produgéo e construir apenas imagens intemas proprins, do mundo exteticr de outro lad, ele deveria reformulareuslizar a“coimunica- ‘fo socal geral”, afm de “influenciat”, por ete caminho, a communi- ‘ago de outres mundos do diseurso. E fii liga entre si ambos os enunciados. Se © primeiro enunciado parcial for corto, entio © ‘mesmo ato de comunicago pertence a, pelo menos, dois diseursos diferentes, porém, neste cas, aidentidade de ambosos proferimentes 6 pode ser reconhecivel objetivamente, e no na perspectiva de um. dos discursos puticipantes. Caso contri, tera que subsistir entre cles uma relagao de radugao, a qual romperie o fechamento recursive des citculos de comunicagéo, que sio ntransparentes uns em relagso 808 outros. Em prol desta interpreingo fala a seguinte © curiosa formulagio: “Todo o ato juridico é, uno acta, um evento da comuni- ‘cagdo social geral. O mesmo evento comunicatvo estd engatado em dois discursos sociais dstintos, ou sei, no discursojuridico especia~ ‘izado, institucionalizado,e numa comunicagdo gerat difusa. A inter- Jferénciadodireitocom outros discursossociais no signfcaque estes ‘se diluam num superdiscurso multidimensional também ndo signi- Jiea que haja uma ‘roca’ de informagdes entre eles. Pos, em cada ‘discurso, ainformagito &constituida de modo novo, ea interferéncia rnd acrescenta ao todo nada além da simultaneidade de dois eventos comunicativos "®, Ora, contemporaneidade no consegue 18 bid. 108 19° tbid.,(1990),27 pe sgaranir a identidade de uma expressio, a qual recebe sigificados distntos, depeniendo dx linguagem tomada como referéncia. O clemento idéntico do evento signficativo teria que ser peresbido na diferenga de seus signficados e apreendido na perspectiva de tum observader. Entetanto, como é impossivel que haja tal posigio do observador ou que haja um sujito social geral ~ segundo pressupostos da teoria do sistema - um evento comunicativo tem {que ser identificado como 0 mesmo por pelomenos umn dosdiscursos. Esa tealizagio problematiea pode, nomelhor des casos, ser atribuida 4 comunicagio geral que citcula na sociedade. Entio esse medium tern que fancy crgxnainguge natal qe perite coer cconviogGes a partir das “linguasestrangcras”, mediando asim a roca de informagdes que & jmpossvel pelo carinho direto, De outro modo no seria possivel o “teste de coeréncia social”, ao qual os discurses auto-referendialmente fechados estio expostos na eomnnicago social permanente, Se Taubner preteslesse tomar plausivel sua segunda ese seguinco este caminho, teria que postular uma circulago da comunica~ a0 pra a sociedade em geral, a pslreciria abuixo do nivel do fechamento autopeiético, podendo, contudo, assumir uma fungi de Jérprete para discusos especiais, na medida em que extaria deles conteides de informagio apos sere transmitides. Evidéncias empiricas levam Teubner a formular hipSteses que destroem a arquitetGnica teérica na qual esté interessado, Numa sociedade inteiramente descentrada, no sobra lugar para uma comu- nicagio social ampla, para a autotematizacao e a auto-influéncia da sociedade como um todo, porque ela se decompés centrfugamente em sistemas parca, as quais sé podem comunicar consigo mesmes, em sum propria linguagem especifica, Teubner coloca o “mundo da vida" no ugar do cent perdido da sociedad. Este mundo da vids ‘consttu-se através de uma linguagem que circula em todos as domi- nios da sociedade, demonstrando uma esrutura auto-eferencial que toma possivel tradugées de todas as céigos. Uma interferéncia do sisiema que afirma Ser *possivel no somente a observagio, mas também o engate comunicativo entre sistema e ‘mundo da vi- da", exige, sob olimiar de eédigos especificados funcionalmen- te, um medium de comunicagao geral. Este se parece coi a linguagem coloquial, podendo inclusive ser eonfundido com ela %0 Ele permite a diferenciagao de meios de regulagio,tais como 0 dinheiro ou o poder, no podendio, no entanto, ser tido como umn mecanismo sistémico, Esta proposta nio se presta 4 conceitualiza. .gé0 do dieito como um sistema autopoistico. Ele aporta, ao invés disso, na ditegio de uma teotia do agi comunicative, a qual {ntroduz uma distingdo entre um mundoda vida, igadloo medium da linguagem coloquial,e sistemas dirigidos por edigos espe- ciais, abertos adaptativamente ao ambiente. "Tal concepsio nic comete © erro de eolocar os discuss espe- ciais, tides como eapazes de solucionar qualquer problema acima da Linguagem coloquial nio-especalizada. A linguagem cologuia, gra ‘maticalmente complexac estrituradareflexivamente, possui domes- ‘mo modo que a mfo, que consti um monopslio anropoligico, a vvantagem da mulifuncionalidade. Com sua capacidade de interpreta- fo praticamente ilimitada e com seu modo de circulagé, é superior 80s esidigos especias pelo fato de formar um campo de ressondncia para os Gnu extemos dos sistemas parcinis difereneiados,permane- cendo, deste modo, sensivel aos problemas da sociedade global. AS definigées © elaboragées de problemas, esbogadas na linguagem cologuial, permanecem mais difwsas, sendo operacionalizadas com ‘mens clareza, num nivel de diferenciagio inferior ao dos ediges especiais, onde sio abordadsaspectasunilterais de eustose vanla- gens, ordem e obedineia, etc. Em contrapartida, a linguagem colo- ‘qual no est amarada aun tinicocéigo; ela énaturalmentepolighta, no havendo necessidade de pagar o prego da espcializagéo~ ot seja, ficarsurda aos problemas formulades numa linguagem estanha, ‘Quando se leva isso na devida conta, realiza-se a especifi- cago funcional do mundo da vida, de tal modo que seus ‘componentes - cultura, sociedade e estruturas da personalidade ~= se diferenciam nos limites de urna linguagem multifuncional, permanecendo interligados entre si através desse medium. NBO se pode confundir com isso a diferenciagao formadora de siste- ‘mas, que se da attaves da introdugao de cédigos especiais, a qual faz com que do mundo da vida, que é um componente da 20. TEUBNER (1989), 109. a sociedade, surjamsistomas funcionsistaiscomoa economia diti- gidapelodinheirocumaadministragio dirigidapelopoder!. Sob essas premissas, odireito detém uma fungio de charneira entre sistema e mundo da vida, que nio se coaduna com a iiéia de ‘um eneapsulamento do sistema juridieo. Aquilo que Teubner desereve como “realizagio de interferéncia” resulta da singular “posigio dupla” ocupada pelo direto, que faz. mediagio entre ‘um mundo da vida, eproduzido através do agir comunicativo, e sistemas sociais funcionais, que formam mundos cireundantes "uns para os outros. A eireulagso comunicacional do mundo da Vida €interrompida no ponto ande se choea com o dinheiro © 0 poder administrativo, meios que sio surdos ds mensagens da Tinguagem coloquial; pois esses codigos especias, além de se diferenciatem da linguagem cologuial, foram desmembrados dela. E verdade que a linguagem coloquial forma vm horizonte dda compreensio: em principio, ela € cupaz de traduzir tudo em todas as linguagens. Porém ela é incapaz. de operacionalizar cficientemente para todos os destinatarios suas mensagens en- deregadas ao comportamento, Para traduzi-las nas eédigos es- peciais, ela depende do diteito, o qual tem eontato com 0 dinheiro eo poder administrativo,O dieito funciona como uma espécie de ttansformador, o qual impede, em primeiro lugar, que a rede geral da comunicasio, socialmente integradora, se rompa. Mensagens normativas s6 conseguem circular em toda ‘a ampliddo da saciedade através da linguagem do direito; sem a tradugio para o e6digo do direito, que € complexo, porém aberto tanto ao mundo da vida como ao sistema, estes no encontrariam eco nas universos de agio dirigidos por meios™. 21 CI. HABERMAS, J. “Handlungen, Sprechakte, spruchlich vermittelte Interaktionen und Lebenswel", ind. (1988), 98. 22 Na perspectiva da teorin do sistema, « circulagio social é um indicative para o status areaieo de uma moral que ésuperada pelos sistemas fimcionais. Cf. LUHMANN, N.“Ethik als Reflexionstheoric der Moral", in: Id, Gesellschaissruktur und Semantk, Vo. II. Frankfurt 3)M., 1990, 338-448, IL Retorno do direito racional e impoténeia do dever-ser. A partir dos anos 70, o ataque das eiéncias socisis xo norma- tivismo do direito racional desencadeou ua reagao surpreenden- te. Ea filesofia do diteito, seguindo a esteira da reabilitagio geral de questionamentos da filosofia prtica, deu uma guinada, passan- do a revalorizar, de uma forma por demais direta, a tradigio do diteito racional, Quando surgiu a “Teoria da justia”, de John Rawls (1971), 0 pendulo oscilou para o outro lado. Ente filssofos ¢ juristas, inclusive entre economistas, introduzin-se um discurso IngEnuo que retoma teoremas do sécilo XVI e XVII, como se nfo fosse preciso tomar eineia do deseneantamento do dirito, levado a cabo pelas eigncias sociais. Se a retomada da argumenta ‘20 do direto racional no levar em conta metacritcamente a mudanga de perspectivas, acontecida na ceonomia politiea e na teoria da sociedade, destroem-se as pontes que ligam esses dois universos de discurso, Entrementes, 0 discurso normativo retoma ‘a questio acetea daimpoténeia dodever-ser, que ji motivara Hegel ‘estudar A. Smith e D. Ricardo, a fim de entender a eonstituigao da moderna sociedade civil como umm momento da realidade da idéia ética®®. Nesta perspectiva, o interesse de John Rawls nas condigses da aceitagio politica desuateoria da justca, inicialmen- te desenvolvida in vacuo, aparece como o retoro de algo que fora reptimido. E ai se trata do velho problema da realizago do projeto racional de urna sociedadejusta, qual é contraposto abstratamente & uma realidade sem razio, depois que se esgotou a confianga flosifi- corhistériea no modo de Hegel © Marx soletrarem a dialetica entre azo ¢ revolugio ~€ o que resta na prticaéo camino reformista de tentativa e ero, tnica solugio moralmente imputivel™ 23 BUCHANAN, A.B. Marx und Justice. Londres, 1982: KOSLOWSKi, P. Gesellschaft und Staat. Stuttgart, 1982, cap. 6, 242-292. 24 Para 0 que segue, ef. BAYNES, K. The Normative Grounds of Social Criticism, ‘Kant, Ravi, and Habermas, Albany, Nova Torque, 1992. 83 Em sua “Teoria do direito”, Rawls desenvolvera a idgia de uma sociedade "bem orderada” sob as modemas condigses de vida, Esta forma um sistema que possibilita a cooperagao just entre parceiros dodireito, iguaise livres. Asinsttuigdesfundamentaisdetal sociedade ‘precisa Se configuradas de acordo com un esquems fundamentado 4 luz da ustiga entendida como imparcialidade (Fairness), merecendo destarte oassentimento racionalmente motivadode tds os chaos. F, seguindo um modelo contatuaista, Rawls sugere que os dois prinipios supremos da justia sejam fundamentados, segindo wun procedimnento que pode ser interpretado como a explicagio do panto {evista da avaliasao imparcial de questées da justia politica, deten- tomas de um cotteiide moral. No “estado primitivo”, os partidos enivalvidos no processo de justificagio esti submetdosaslimitagoes {especialmente aigualdade, independénca e desconhecimento de sua ‘raprin posi no interie de ume sociedade Futura) que garantem, ‘ou melhor, faze com que todos os acordos funndados em considera- ‘es de ardem teleolégica sejam simultaneamente do jnteresse de todos, portato justas ou corretasno sentido nom ative. neste primeiro nivel da justificagio normativa de seu modelo da sociedade bem ordenada - o qual revela caratersticas que a sociedade americana considera “iberais” ea eutopeia “so- cial-cemocratas” - Raves se envolve com o problema da auto-es- tabilizagio, No panigrafo 86 da “Teoria da justia ele se esforga para obter a prova da “eongruénca entre 0 justo eo boin”. No estado primordial, os partidos que se unem em toro de prineipios rucionais nao pascam de constructes ou grandezas atificiais; les no devemn set confundidos com os cidadias de came € 0550, que viveriam sob as condigées reais de uma sociedade organizada segundo prinpios da jstiga.Elestambgm no coincidem com os ciiiadaos racionais, pressupostos na teoria, dos quais se espera que também ajant moralmente, ou sefa, que nko coloquem os seus interesses pessoais acima das obrigagGes de um cidadio eal. 0 25. RAWLS, 1. Theorie der Gerechtigket. Frankfurt M., 1975. NSo precisamos ater-nos aqui nos detalhes. Cf. minkias anlises in HABERMAS, J. (19913), 125ss € 208s, a sentido de justiga pode fundamentar © desejo de ugir justamente; porém esse motivo nao tem efeito automatico como, por exemplo, © desejo de evitar ores. Por isso, Rawls apsia-se numa "teotia, fraca do bem”, a fim de mostrar que insttuigdes justas podetiam ctiar candigoes sob as quais € do interesse de todos perseguin os préprios planos de vida Sob as mesmas condigses que permitem a outras pessoas conctetizar seus planos de vida. Numa sociedade bem ordenads, também seria bom para mim satisfazer és exigen- cias da justign. Ou seja,utiizando as palavtas de Hegel: a morali- dade do individuo singular encontraria, nas instituigées de uma sociedade just, o se contexto ético. A auto-establizagao da sociedade justa nose apdia, pos, numa coergo do direitoe, sim, na forga socializadora de uma vida sob instituigdes justas; tal vida aperfeigoa e, ao mesmo tempo, estabiliza as disposigdes des cida-

You might also like