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Este ensaio decorreu da elaboragio de um texto introdutério & primeira parte de um projeto patrocinado pelo Ministério da Cultura (hoje extinto) para a redagdo de uma Hist6ria geral do negro no Brasil; projeto que seria coordenado por Clévis Moura, Décio Freitas e Joel Rufino dos Santos. Trate-se, pois, de uma leitura intro- dutéria, onde procura-se analisar a ‘maneira como 0 negro é descrito e/ou simbolizado na historiografia brasilei- ra, através da obra de alguns dos is importantes historiadores.,(brasi- Ieiros ¢ estrangetros) que, a0 longo de nossa histéria, dedicaram-se ao “estu- do” de nossa realidade. Fruto de um pensamento que assi- mila e reflete uma visio desfocada de nossa realidade étnica e social, essa historiografia, tendo como embasa- ‘mento tedrico um aparelho conceitual elitista, eurocéntrico e racista, jamais colocou 0 negro como agente histéri- co-social dindmico — seja como indi- viduo ou como grupo social —, pro- duzindo, assim, uma distorcida visio onde se configura um perfil branco para nossa dinmica social. Neste ensaio esto selecionados — para anélise de suas obras — alguns historiadores considerados “cléssicos” € que, por isso, tipificam em set con- Colecio Nossa Terra | CLOVIS MOURA ‘Titulos publicados A primeira renovacao pecebista. Reflexos do XX Congreso do’ PCUS no PCB (1956-1957) Raimundo Santos ) Breve historia do PCB José Antonio Segatio Comunistas em céu aberto 1922-1930 Michel Zaidan Filho Estado e burguesia no Brasil Antonio Carlos Mazzeo Coptliomo e revolugto burgess no Breil AS INJUSTICAS | Nélson Werneck Sodré | A esquerda e 0 movimento operdrio 1964-1984. DE CLIO Vol. 2. A crise do “milagre brasileiro” | Celso Frederico (Org.) | A classe operdria na revolugéo burguesa. A poli- O negro na historiografia brasileira | tica de aliangas do PCB: 1928-1935 Marcos Del Roio Cultura e sociedade no Brasil Carlos Nelson Coutinho 4 O fascismo cotidiano Nélson Werneck Sodré As injustigas de Clio. O negro na historiografia brasileira Cléyis Moura Préximo lancamento: © povo e o poder Manuel Correia de Andrade Oficina de Livros 1990 Belo Horizonte Clovis Moura Composigio: Linotipadora Giselli Capa: Marilda Campagnoli de Vilhena Ne de catdlogo: 0028 Direitos reservados: OFICINA DE LIVROS LTDA. Rus Tupinambés, 360, 12." andar, sala 1210 30.120 — Belo Horizonte, MG — Tel. (031) 222-1577 Rua da Quitenda, 113, 10° andar, conjs, 102/104 01012 — Sio Paulo, SP — Tel. (O11) 37-9872 SUMARIO Palayras introdutérias, 11 Consideragdes sobre a histéria como ciéneia, 15 Historiadores como intelectuais organicos do sistema escravista, 31 Frei Vicente do Salvador: 0 negro na penumbra, 41 Rocha Pita cu Palmares pelo avesso, 49 Southey: o negro visto com lunetas inglesas, 61 Abreu € Lima: 0 negro e a Tuta de classes, 85 Varnhagen: uma visio aristocrética da histéria sem passaporte pata © negro escravo, 95 Armitage: 0 negro “bérbaro ¢ sanguinério” ¢ 0 brasileiro indo- lente, 129 Handelmann: o negro como raga inferior e um projeto de atiani- ago do Brasil, 141 Buclides da Cunha: racismo cientificista e a condenagio do negro, 183 Oliveira Vianna: stianizacio como solugo pare o problema étnico e social, 197 Conclusées, 213 Para GRISELDA, pelo trabalho @ com fernura, 0! Apoto Senhor do Sol E dos mistérios Sede misericordioso E permit Que Clio, ‘A imsis bela dentre as musas Que the acompanham © eortsjo Em seu carro de fogo no firmamento. Desea ef a Terra E nos revele Os segredos Da crenga da qual & protetor: A HISTORIA, (Crago dirigida a Apolo, invocando a protegio de Clio, uma das nove musas, filha de Zeus ¢ Mnemosina a deusa da meméria; era a musa da Histéria e tutelava a conservacdo de todas as sagas ¢ faganhas, fazendo soar as trombetas da fama para que ninguém fieasse sem conhecer 0 fato herdico © © seu protagonista.) PALAVRAS INTRODUTORIAS Oui dizer que a histéria 6 a mostra das nossas agées © mix xima de principios: © 0 mundo [oi sempre, de certo modo, hebitado por homens que tém tido sempre as mesmas paixdes; ‘e que sempre existia quem serve e quer manda, e quem serve de bom grado, € quem se rebela ou se rende, Nicolay Machiavelli 0 texto que se vai ler é uma produgao introdutéria & primeira parte do projeto, patrocinado pelo Ministério da Cultura, intitulado Historia geral do negro no Brasil, projeto que seré coordenado por quem assina esta introdugao ¢ os historiadores Décio Freitas @ Joel Rufino dos Santos. Sendo uma leitura introdutéria, procura- mos analisar como o negro € descrito ou simbolizado na nossa historiografia e os diversos niveis de deformagao ou incompreenséio etnocéntrica, os preconceitos © os julgementos de valor negativos que estiio embutidos ¢ séo registrados nessa produgio historiogré- fica do passado, durante todo o tempo em que ela foi elaborada, Fruto de um pensamento gue assimila e reflete uma visio desfo- cada da realidade étnica e social do Brasil, essa historiagrafia, tendo como embasaniento tedrico um conjunto: de pensemento elitista, eurocéntrico e racista muitas vezes, jamais colocou © negro como agente histérco-social dindmico, quer como individuo, quer como grupo ou segmento, Essa imagem produzida em conseqiiéncia da necessidade de se instrumentar um pensamento capaz de dar um perfil branco & nossa dindmica social, configura um dos exemplos ais tipicos e significativos da incapacidade ideolégica desses pro- dulores de repensarem a nossa histéria a partir das classes, segmen- tos ott grupos oprimidos e etnicamente discriminados, e, por isto mesmo, interzssados em dinamizar a sociedade na diregao de novas formas de convivéncia social " Diante de tudo isto, foi elaborado o presente plano no qual se faré 0 resgate dessa grande heranca social e histérica oculta, que permanece, por isto mesmo, na penumbra. © negro, no particular, € grande desconhecido. Durante todo o percurso da nossa histéria, a sua contribuiggo tem sido negada direta ou veladamente e apenas destacadas as suas qual dades como escravo, produtor de uma riqueza de que nao parti- cipava, Os historiadores que se debrugaram sobre a nossa realidade jamais, ou muito raramente, viram o negro como forca dinémica na nossa formacéo politica, social, cultural ou psicoldgica. Todos os antigos preconceitos biblicos, cientificistas ou racistas foram unidos, compactados e aplicados na anélise do comportamento da populacio negra Tudo isto influiu como elemento de reflexio para que fosse estabelecido 0 projeto atual que iré resgatar essa contribuicéo des- cartada, A idéia surgiu como um marco inicial no ano em que transcortia 0 centenétio da abolicao, mas com o objetivo de esten der-se muito além, no se transformando, assim, em simples ativi dade comemorativa, mas indo em diregio a uma postura cientifica de revisio da nossa hist6ria e dos seus problemas interétnicos. No presente texto, que abordaré a posico da nossa historio grafia em relagio ao negro, usamos 0 critério de selecionar aqueles historiadores considerados cléssicos e que, por isto, tipificam no seu conjunto 0 desenvolvimento do pensamento historiogréfico na- cional e nos quais a maioria dos divulgadores da hist6ria do Brasil yo apoiar-se como fontes. Escolhemos como historiadores representativos Frei Vicente do Salvador, Rocha Pita, Southey, Armitage, Varnhagen, Handelmann ¢ Oliveira Vianna, Incluimos, também, Abreu Lima e Buclides da Cunha, o primeiro por ser um historiador atipico ¢ que repre- senta uma vatiante que nfo teve continuadores em nossa historio- grafia e Euclides da Cunha porque com Os sertdes foi montada toda uma literatura inspirada nele, com influéncia, maior ou menor, até aos nossos dias e, ao mesmo tempo, por ser um dos represen: tantes mais qualificados na nossa intelligentsia critica, mas, por outro lado, efnocéntrica, adepta de um biologismo sociolégico que leva a encarar de maneita deformada e negativa 0 negto € 0 mestico como componentes da dinémica social emergente. 12 O leitor poderd ver, durante a leitura do texto que se seguiré, como ha uma repeticéo de posigdes ideolégicas em relacéo & popu- lacdo negra e ndo-branca em geral nos autores pot nés analisados. Desde Frei Vicente do Salvador até Oliveira Vianna o impasse do julgamento éinico permanece e chega mesmo a se agravar no tiltimo autor. Como vemos, no houve uma diluigo do preconceito contra (© negro & medida que novas teorias julgadas mais préximas de uma posicio cientifica eram usadas, mas, pelo contrétio, também essas novas ‘eorias estavam impregnadas da ideologia colonialista, que passava por sobre a realidade para procurar confirmar estered- tipos sem base empfrica, completamente sem fundamento, Pelo contrério. Achamos, mesmo, que em certos autores do passado hé ‘menos preconceito contra 0 negro do que nos mais modernos que inauguram uma fase cheia de cientificismo e que tem infcio com a obra de Jofo Ribeiro, em 1900, ¢ termina com 0 autor de Popu- lagdes meridionais do Brasil Nessa producio preconceituosa evidentemente tivemo exegdes, no de historiadores, mas de pensadores sociais que foram pre- cursores de uma abordagem sociolégica neste particular, como Alberto Tortes e Manoel Bonfim. Sa0 porém contribuigées que no acompanham a tendéncia geral da nossa historiografia (considerada cléssica © que se destaca até 0 aparccimento de uma producio universitéria mais recente) a qual vé o negro passivo como escravo e biologicamente inferior como cidadao, Os historiadores atuais iniciam um processo de revisio do quadro tradicional, mas ainda € muito cedo para se avaliar até que ponto conseguir, em pouco tempo, uma reversdo desse comportamento. texte atual deverd ser compreendido como introdutério a uma obra que iré procurar restaurar @ verdade hist6rica sobre 0 negro no Brasil e a sua dindmica no contexto da atual sociedade brasileira 13 CONSIDERACOES SOBRE A HISTORIA COMO CIENCIA Antes de entrarmos numa viséo analitica de como 0 nogto € apresentado ¢/ou simbolizado na historiografia brasileira, devemos estabelecer algumas premissas tedricas sobre a ciéncia da hist6ria, sem 0 que o problema nao poder ser compreendido na sua tota- lidade nem avaliadas as formas de comportamento ideolégico dos seus autores em relago ao mesmo. No iremos, aqui, nem isto faria sentido, apresentar uma estéria da hist6ria, mas tentar demonstrar sua fungdo epistemo- 6gica no universo do conhecimento do homem, como ser histérico e que somente se humaniza na ¢ pela hist6ria. Isto porque o homem somente se humaniza como ser social, 0 que equivale a dizer, como ser histérico, pois o social somente pode ser compreendido na sua dindmica, diacronicamente. Daf porque podemos dizer que a hist6ria 6 a mais antiga e universal das ciéncias, pois & medida em que o homem pensa, ele pensa historicamente, ou através de um passado mitico ou através de um devir ut6pico, Quando Arist6: teles dizia que o homem € um animal politico estava dizendo, implicitamente, que ele era também um animal hist6rico, pois néo se concebe a politica fora do seu desenrolar no tempo, isto &, histo- ricamente. Por isto, jf houve quem afirmasse que a “histéria é a politica passada e a politica a histéria do presente” (Seely). Essa frase pode explicar muita coisa que ficaté incompreensivel se tomarmos fa histéria como simples disciplina académica, acima do proprio devir do seu objeto, material para uso contemplativo. Porque a hhist6ria nfo existe apenas para registrar, narrar ou explicar os fatos passades. Ela est inserida no quadro das ciéncias sociais, marca e delimita objetivos para o homem, generaliza os fatos, aponta as tendéncias do futuro, baseada no passado. Daf no poder ser compreendida corretamente se for tomada como simples narra- tiva sem conexdo com @ préxis e sem interligaggio com os grupos 15 sociais que formam a dinmica da histéria, pois ela € uma ferra menta de conhecimento integrada nessa dindmica Ciéncia que procura captar a ago dos homens (em sociedade) no tempo e no espaco, tem de generalizar os rasgos essenciais dessa aco, estabelecer coordenadas para a sua continuagdo no futuro, Se a aco dos homens no pasado € 0 seu objeto — e essa aco quer dizer desenvolvimento, transformagio —, nfo se pode negar que a ciéncia histérica, por isto mesmo, somente se afirma quando, além de analisar os fatos parados ¢ isolados, concatena-os em um perfodo de tempo (periodizagio), consegue descrever ¢ explicar a estrutura e 0 ritmo desse perfodo, e, a0 mesmo tempo, estabelece as categorias que o interpretam e situam hierarquizado nno processo de desenvolvimento global. Para tal, 0 historiador tem de aceitar, em primeiro lugar, que essa descrigao e stia conseqtiente interpretago devem ser dindmicas, nfo apenas por questSes meto dol6gicas, mas porque 0 préprio objeto a ser analisado — a prdxis humana — 6 dinmico na sua esséncia, embora, muitas vezes 0 historiador no 0 perceba no periodo de uma geracio, Esta posicéo epistemolégica fundamental frente ao fato hist6rico e & ciéncia que 0 explica deve ser o primeiro dever do historiador. A prépria metodologia somente seré vilida se o estudioso partir desta consta- tagdo inicial. Daf ter de aceitar fundamentalmente: a) — que a hist6ria € um processus; b) — que se realiza através de choques © contradicées que se verificam na realidade objetiva: ¢ ¢) — su: jeito & causalidade, Sem a compreensio preliminar desses prinefpios nfo é pos sivel fazerse histéria cientifica. Sem a aceitacio de uma continu dade dos fatos no tempo, entrelagados e subordinados, e, ao mesmo tempo, sem se aceitar que essas concatenagdes que Ihes so inerentes no so obras do acaso, mas decorrem de uma causaeio espect fica, o historiador pode fazer tudo, menos histéria Isto, que A primeira vista poderé parecer elementar, no é aceito, no entanto, pacificamente pelos historiadores tradicionais © académicos. Se, por exemplo, Bury declata que “a histéria € uma ciéncia, nem mais nem menos", outros afirmam exatamente © contrétio. Charles Beard afirma que “precisamos desfazer a iluséo de que poderia existir uma cigncia da historia", e Harold ‘Temperley pontifica britanicamente que “a idéia de que a histéria 16 € uma cifncia, jé pereceu”. Por estas raz6es John Lewis, anali sando essa corrente de historiadores diz que para ela “existe um ‘consenso geral de que as palavras ‘causas’ ¢ ‘causalidade” devem set evitadas ¢, em se tratando de complicado agregado de fatos, 2 atribuigo de causas é, na melhor das hipéteses, uma operacéo intelectual altamente duvidosa”. ! Sobre esta tendéncia um cléssico como Henty Berr assim se manifesta: Produziu-se nestes ltimos anos um movimento curioso, do qual Nietzche foi 0 anunciador ¢ que, de um modo geral tende oper a0 conceito de intuigdo, 0 sentimento, 0 dado imediato, fa vida, A idéia de verdade objetiva, conforme uma ordem ds coisas etitica, € uma pscudoidéia; a verdade & nossa fora e te prove por suas conseqtiéncias. Nao pretendemos mais ‘ngir © real polo pensamento claro, a légica’abstrata: a pe luyra de ordem viver ¢ realizar o verdadeito pela agio. Esta reagio contra o intelectualisme vai até fazer do homem, o que hé de mais mével no homem, de mais fugidio, © centeo das coisas. O “pragmatismo" ow o “humanismo” tem origens ‘muito diversas: psicol6gicas, cientfieas, estéticas, morais ¢ reli ggosas. Exprime disposigées mentsis, antes que constitua uma fllosofie, Amalgama idéias dispares e aparece inconsciente & aaélise. Triunfa, sobretudo nos paises anglo-saxdes, cujes ten- inclas misticas espelha. Na Franca encontrou auxiliares Gte testemunhas cutiosas ou benevolentes, em vez de fazer verde" deiros adeptos. Na Itdlia um grupo de jovens fildsofos desbor- antes de vide e de entusiasmo empurraram passageiramente © pragmatismo pare os limites extremos, numa singular mistura de fantasia, de raciocinio, de Hi pessoas que julgam a cerudigo uma superioridade, que & essencial para a felicidade humana conhecer 2 altura do Monte Ararat, que o maior elo fio que se possa fazer do nosso século esté na expresséo “car navalescamente tidicula” 0 progresso das cincies: muito saber, na verdade, no é sendo ineBmodo, £ necessério pér uma venda tos olhos nilo 86 para agit, para cret, mas para pensar. 2 Estas consideragées demonstram como a partir de determinado momento da evolugdo do pensamento histérico, correntes que cha- ohn Lewis, Ciéncia, fé © cepricisme (Sio Paulo: Ed. Brasiliense, s/d), p. 58, 2Hensi Beer, Sintese em histéria (Sto Paulo: Ed. Renascenca S.A., 1946), pp. 205-206. 17 maremos de irracionalistas procuram transformar o pensamento hist6rico em um conjunto de idéias desligado da realidade. Desta forma, 0 historiador deverd fazer uma opgio: ou hé de fato um processo histérico objetivo, sujeito a leis, ¢ desta maneira o estu- dioso pode inferir conclusdes para a aplicacio empfrica e sua coordenacdo a longo prazo, ou tem de aceitar a contingéncia (0 caso, as idéias motoras ou mesmo os impulsos irracionais de personalidades ou grupos) como os elementos que dio conteiido a0 processo hist6rico. Neste caso, a hist6ria se reolizaria através de explosées imprevistveis. Passaria a ser um conglomerado impre- vistvel de fatos atomizados, desligados uns dos outros, de vez que cada um esgotaria os seus efeitos e ressonfincias em sii mesmo nfo no seu encadeamento diacrénico, E a histéria desapareceria como ciéncia. Mas, essas controvérsias l6gicas e te6ricas ndo existem apenas no plano da erudicéo, fruto de friceGes de idéias desligadas do mundo ¢ da sua propria dindmica histérica. Blas, pelo contrétio, so frutos da propria realidade que a cigncia da histéria pretende estudar. Queremos dizer, em outtas palavras, que as diversas escolas e tendéncias nfo surgem por yoluntarismo ou arbitraria- mente, como cogumelos ou por geracio espontinea, mas fazem parte da realidade e também representam reflexos ¢ reducdes de fatos, problemas e fendmenos que cabe ao historiador interpretar, isto é: tém uma raiz social, A histéria, assim, no seu sentido mais abrangente, ¢ uma ciéncia que procura a autoconscigncia do ser hist6rico, mas produz, concomitantemente no seu bojo uma série de correntes que, ao invés de serem conceptualmente autonfirmagéo cientifica, tipificam elementos de alienago de uma parte da socie- dade que a histéria estuda. Assim, 0 historiador ou tem uma Weltanschauung dinamica e dinamizadora ou nfo poderd analisar a ago dos homens no pasado e especialmente no presente, @ no ser de forma alienada, © sistema de valores dos historiadores que assim pensam Teva-os a uma concepedo invertida do processo histérico. Daf as distorgdes académicas dos fatos histéricos a que nos reportaremos oportunamente. © problema que estamos expondo entronca-se em outro que € 0 mais importante e diffcil de ser elaborado logicamente e ser 18 respondido: haveré a possibilidade de um historiador afitmar e comprovar que 0 seu conjunto conceptual é aquele que expressa a autoconsciéncia hist6rico-social no seu proceso ativo ¢ dinamico de transfornago? Ou ndo ha possibilidade de que seja estabe- lecida esta conexfo e certeza e todos os esquemas que possam oferecer um conjunto logicamente harménico podem ser aceitos ‘como capazes de dar uma explicacdo satisfatdria da hist6ria? Em outras palavras: poderd o historiador descobrit 0 sentido objetivo, a esstncia dindmica da marcha dos acontecimentos passados ¢ suas implicagdes no presente ou caberd a ele apenas a fungio de racio- nalizar esses eventos ¢ processos que se desenvolveram no tempo sem nenhum sentido? Quando dizemos que houve uma pré-histéria estamos enunciando uma era que existiu objetivamente no tempo e que pode ser caracterizada por uma ficadores materiais ¢ sociais como quetia Gordon Childe,* ou 0 conceito de pré-histéria é apenas uma forma cOmoda de pensa- ‘mento que permite ao historiador racionalizar uma época sem levar em conta a sua concretude material, social ¢ mesmo biolégica? Ela poderia ser caracterizada ¢ conceituada de diversas maneiras € formas, tudo dependendo do pensamento pessoal do historiador © da sua subjetividade existencial? O exemplo da pré-hist6ria poderd ser estendido a outras fases. Quando Pirenne refere-se a uma hist6ria econémica e social da Idade Média, 0 que procuta expressar? A existéncia de um com- plexo de elementos reais (materiais) ¢ sociais (relacionamento entre os homens) que tornam possivel a0 historiador estabelecer subjeti- vamente uma visio ¢ categorizacio dos elementos objetivos que formavam e enformavam 0 seu contetido, ou ele nada mais faz do que racionalizar os fatos, escolhidos através de um proceso seletivo que favoreceu o estabelecimento arbitrério do seu sistema de valores hist6ricos? * Respondendo a esta dupla intertogagio que colocamos para 6 leitor, Pierre Chaunu responde afirmando: "Gordon Chikle, Que sucedié en (a historia (Buenos Aires: Bd, Lautaro, 1950) passim. 4Heenti Pitenne, Historia econémica y social de a Edad Media (México: Fondo de Cultura Econémica, 1955), passim. A grande aquisipio da histéria no devorrer dos sltimos oitenta anos, situa-se ao nivel de uma escolha cada vez mais consciente. Ao nivel, portanto, daquilo a que se chama = problemética. Nessas condig6es, destaca-se quase a priori trés regras que deserevem a evolugdo da nossa diseiplina ‘A primeira dessas regras comanda a periodizagto, Uma vez mais, © papel motor cabe 8 uma historia bastante, sendo hisiéria contemporines, pelo menos a histéria moderna, faguela pela qual a abundincia de documentagio comanda uma escolha. Ela cresoe com os multiplicadores do Escrito, ‘8 estatistion dos Estados, 0 nmero dos homens e @ massa global das informagoes que citcula entre um ndmero cada ‘yer mais clevado de homens alfabetizados. 8, portanto, no ue se refere i hist6ria modema que se apresenta com mais nitidez a questio de uma problemética histérica, ‘A segunda regra comanda 2 escolha da problemitica, A histéria é chamada a trabalhar cada ver mais em ligasso ‘com as novas cifncias do homem, explicatives do. presente, am ampliar © seu campo de observagé fempo curto, no qual so encerradas pel futras curtas séties elaboradas se ee vollarem para a histéra, Uma das fungées da hist6ria atwal consiste, por conseguinte, fem prolongar ‘no passado at séries de que podem dispor 86 cigneias humanas, Mas 3 histéria no pode representar seu papel no sentido mais nobre de cigncia auxiliar das outras cigneias do homem, essas ciéncias da agio, se nfo usar as probleméticas dessas ciéncias. E com o auxiio dessas proble- miticas que os historiadores prolongario as séries que multi plicarfo a efiedcia das cigncias humana. ‘A torcsira regra é 9 da idee-volta entre 0 presente e 0 passado, Intimamente ligada & elaboragio de cia do hhomem, ao mesmo tempo miltipla ¢ una, a historia recebe suas injungSes do presente, Suas problemfticas so extraidas através dos diferentes setores da cincia social, das sucessivas angiatias do nosso tempo. A relativizagio da propria histéria ‘que Ia Populinidre jé entrevira, ao que parece, hi quatro s€eulos, € 9 consequéncia em potencial do triunfo do histo © que Pierre Chaunu considera relativizagdo da histéria, no € 0 voluntarismo jrracionalista que antes analisamos, mas a sua participago como ciéncia auxiliar das demais ciéncias do homem, Pierre Chaunu, A historia como cineia social (Rio de Janeiro: Zehar Editores, 1976), pp. 68-63 20 trazendo a sua parcela de conhecimento objetivo para a compreen- so da problemética emergente das angistias do homem atual. Estas consideragées de Chaunu, especialmente ao afirmar que fa historia surge das sucessivas angtistias do nosso tempo, leva-nos a uma reflexfio sobre o problema to discutido que é a ligagéo entre cifncia ¢ ideologia. O problema das ideologias, 0 seu signi ficado da coincidéncia ou divergéncia entre ideologia e ciéncia, std sendo atualmente muito debatido e questionado por parte de historiadores e especialmente socidlogos neopositivistas. As defi niigdes sobre 0 que vem a ser uma ideologia tém muitas vezes um cardter ... “ideol6gico”. Nao queremos, por isto mesmo, dar mais uma detiniggo do que entendemos por ideologia. Preferimos um método mais compreensivista e que parte do pressuposto de que ninguém pode raciocinar sem leyar em conta — consciente ‘ou inconscientemente — a existéncia de um suporte ideol6gico pata a compreensio do mundo exterior, embora empiricamente. Isto porque uma ideologia ndo é apenas um conjunto erudito, conceitualmente elaborado, fechado, estabelecido acima dos fatos, mas a propria relagio indispensdvel entre 0 sujeito ¢ 0 mundo exterior; relagéo que produz, de uma forma ou de outra, uma série de idéias explicadoras da dinamica que a natureza ¢ a socie- dade, onde 0 sujeito cognitivo est engastado, proporciona. Desta forma, no hé pensamento sem um suporte ideolégico, O que existe 6 que muitas vezes a captaco imediata pelas sensagdes do mundo exterior produz um conjunto fragmentério, contraditério © confuso de idéias e de relagées nelas bescadas que, & primeira vista, parece surgir espontaneamente, de forma automatica e por simples reflexo imediato. Uma das dificuldades para se compreender certas formas de pensamento espontaneo como sendo decorrentes de uma ideologia € a sua falta de perspective histérica, o seu e-historicismo. O seu horizonte projetivo é quase inexistente. Por isto mesmo os fatos se insolam e nfo so vistos como um processus. Nao ligam o tempo aos acontecimentos e nfo podem ver, por isto, a continuidade desses fatos, a sua conexfo interna com o passado: daf nao pode- rem alcancar 0 autoconhecimento. 21 Mas a histéria “€ para o autoconhecimento humano. Julga-se geralmente que é importante para o homem, que ele se conheca a si prOprio, nfo querendo isto dizer que ele conhega as suas particularidades meramente pessoais, aquilo que o diferencia dos ‘outros homens, mas sim a sua natureza de homem, Conhecer-se a si mesmo significa saber, primeitamente, 0 que seré o homem; fem segundo lugar que espécie de homem se é; em terceiro lugar fo que ser o que se é”.# Daf inferimos que a histéria tem uma dimensio diacrénicas essa dimensio, por seu tumo, implica a constatagdo de um pro: c2ss0 € que esse processo do homem sido e aser é 0 objetivo da hist6ria, Mas, como pode o historiador — voltamos a insistir — saber se a anilise que procedeu dos elementos de que dispée implica 0 conhecimento desse processo? Ora, para que haja uma coincidéncia ou um nivel ponderdvel aproximativo entre 0 fato objetivo, histérico, e a interpretagao que Ihe dé o estudioso, neces- sita-se de um instrumental de anélise que consiga captar, na sua esséneia, através de categorias, esse processo objetivo. Um método autoconsciente de andlise histérica. © método deveré refletir, por tanto, na sua esséncia, os elementos que constituem o vinculo dos diversos fatos e processos hiistéricos no seu desenvolvimento con- traditério e 0 pensamento do historiador. Sera, porém, isto possivel? Dizem alguns que a histéria lida mais com valores do que com 0 préptio desenvolvimento hist6rico objetivo; e 0 homem, por set o elemento ctiador desses valores, estabelece uma hieratquis, uma escala de valores na histéria de acordo com a sistemética valorativa estabelecida por ele, engas- tado em uma sociedade especifica ¢ fazendo parte de um grupo ¢ de determinada classe social. Desta forma, 0 fato histérico passa a ter valor & medida que o homem, o ser cognitivo, dé aos aconte- ccimentos uum valor que Ihe € conferido, Mas, achamos que os elementos valorativos da histéria prendem-se a outro esquema de raciocinio. E verdade que 0 homem confere valores aos objetos, fatos € fenémenos. Isto, porém, néo quer dizer que esses objetos, fatos ER. G, Collingwood, A idéia de histéria (Lisboa: Ed. Presenga, s/4), p. 22. 22 ¢ fendmenos s6 passaram a ter conteddo, esstncia, apés té-la rece- bido de fora para dentro, injetada pelo historiador que the con- feriu determinado valor. Nao. O inverso é que verdadeiro. Os objetivos, fatos ¢ fenémenos possuem propriedades que Ihes sic jnerentes, atsibutos que thes sto especfficos quer na érea das citncias naturais quer na hist6ria. Ao descobrir essas propriedades «esses atributos inerentes 20s objetos, fatos fendmenos no nivel hist6rico, € que © ser raciocinante confere um valor correspon: dente aos seus atributos e & sua esséncia, Isto significa, antes de mais nada, uma relagdo entre essas propriedades e as necessidades de quem as descobriu. Na histéria a mesma coisa se verifica. Quando, antes do conhecimento desses atributos © qualidades, o homem confere valor a um fato, objeto c, inevitavelmente cai na alienacdo, afastando-se, assim, da possibilidade de conhecé-los. © mundo material, a natureza em toda a sua mGltipla complexidade ¢ 0 objeto do conhecimento do homem. Ele préprio, elemento da natureza é, ao mesmo tempo, objeto do cenhecimento € sujeito conhecedor Os valores, portanto, sio conceitos que se interpdem entre ‘0 mundo objetivo e © grau de conhecimento que um grupo social ou classe passui de si mesmo. Daf eles nao serem fixos porque © comhecimexto, a0 penetrar cada vez mais na esséncia de cada fendmeno espectfico, modifica-o. Em outras palavras: os valores sao tepresentagées de um determinado grau a que chegou 0 pro- cesso de conhecimento. A prética, ao influir sobre o mundo exterior e a0 exigir a conceituagéo abstrata desse processo dialético emer gente, atua sobre os valores existentes ¢ ao mesmo tempo os trans- forma, A praxis €, portanto, o elemento que testa os valores € a0 ‘mesmo temgo modifica-os, reaproximando-os cada vez mais da sua esséncia. Acontece, porém, que a préxis social € contradit6ria, Deter- minados grupos sociais, classes ou estamentos atuam com um objetivo determinado; outros procuram objetivos diferentes e muitas vvezes contflitantes. Desta forma, a histéria reflete, nas suas cate- gorias € no seu embasamento légico, esse processo antindmico. Nas sociedades divididas em castas, estamentos ou classes os valores 2 sio, por isto mesmo, divergentes ou antagdnicos. Este antagonismo contraditério através do qual a histéria se realiza. Nesse processo de desenvolvimento contraditério ha camadas e classes interessadas em aprofundar 0 conhecimento da realidade porque a sua prética assim 0 exige. So exatamente aqueles grupos que esto diretamente ligados ao processo de produgio. Exigem uma dinamica hist6rica permanente pois nesse processo eles avan- ‘gam quer no sentido técnico e cientifico, quer no sentido social, € esse avango tem de ser categorizado pela ciéncia hist6rica. Cho- cam-se, entdo, no espaco social, com aquelas camadas ¢ estratos que estio no cume da pirémide, e, por isto, desejam uma estag- nnago do proceso histérico © ctiam uma imagem estética do ‘mesmo, procurando eternizat 0 seu perfil, A medida que este proceso se aguca, 0 agrupamentos engajados no proceso da pro- dugZo avancai no caminho do conhecimento ¢ os outros caem progtessivamente na alienaedo, por se chocarem com a dinémica histérica e social em curso, Certas correntes da'hist6ria querem, por isto mesmo, ver nos valores apenas uma racionaliza¢ao que o homem faz de um mundo caético e sem sentido, Desta forma surge uma axiologia invertida que estabelece, como conseqiiéncia, uma metafisica que poderd levat, paradoxalmente, 20 irracionalismo absoluto. Isto porque se nfo hé um substrato material, ou melhor, objetivo, se nio ha nenhuma relacdo causal entre a esséncia dos fendmenos ¢ os fatos, © mundo material objetivo e 0 pensamento humano que o reflete, se esse nexo foi rompido ou nao existe, entfo todas as concep- ges do mundo sao igualmente verdadeitas e validas porque nada representam. Se néo hé uma base objetiva, isto 6, uma natureza exterior e uma préxis humana que somente se humaniza & medida que nela penetra pelo trabalho, entio tudo € vilido, todos os valores se squivalem,afo epifendmeno, desigados de qualquer validez cient Benedetto Croce ao tentar anslisar 0 problema da subjeti dade em histéria equivocou-se quanto ao seu conceito, Para ele “onde quer que, voltemos, deparamos, na hist6ria, com este ele- mento subjetivo. E em verdade, é de admirar 0 pasmo que muitos 24 seniem diante dele, Esse elemento subjetivo & suco do nosso cére- bro; 0 que no significa exatamente — ponderava um velho filésofo napolitano — suco de beterraba, ora bolas! Acreditam muitos que, uma vez introduzido o elemento subjetivo na histéria 1 causa deste torna-se desesperada, 4 a busca dos documentos oferece miltiplas dificuldades; se [hes acrescentarmos as que advém do pensamenio. do homem, é melhor nao falar em exatidao ¢ em verdade histérica”. ? © que Benedetto Croce nfo discerniu convenientemente foi a impossibilidade de se fazer histéria sem subjetivizagio da sua verdade objetiva. Todos 0s conccitos, as categorias com que a ciéneia histética labora, so subjetivas: por isto que elaboradas pelo cérebro humano, Mas, 0 que precisa ser destacado & que elas s6 tém eficiéncia prética quando nao sio arbitrariamente esta- belecidas, mas representam 0 nexo aproximativo mais elevado entre © conhecimento histérico em determinada época ¢ a realidade. Ninguém pod: fazer histéria ou qualquer outra cifncia social, sem usar desse instrumento analitico que € ctiado pelo cétebro do estudioso. Seria infantil negé-lo. Isto, porém, nao invalida a objeti- vidade cientifica da hist6ria. Pelo contrério, Em determinadas cir- cunstfincias o historiador tem de usar a imaginacéo, porém dentro de um enquadramento idéntico aquele preconizado por C. W. Mills para a sociologia ou a imaginagio hist6rica indicada por Collin- good para a prépria histéria.® O que n@o se pode aceitar 6 a desvinculagio entre a realidade e 0 pensamento. Para que isto nao acontega, o historiador deverd ter a sua 6tica voltada para a ago humana. Se ele se colocar neste Angulo de anélise dificilmente extrapolaré para conclusées subjetivistas ou irracionalistas a que se refere Henri Berr. Entdo, a medida que 2 hist6ria é conkecimento € também aproximago ou coincidéncia com os processes dinfmicos do mundo exterior ¢ suas leis; da mesma forma que a alienagdo é distenciamento, compreensao volun- em Dié TBenedetto Crece, “Subjetividade © objetividade da historiografi vio dle Sto Paulo, 22-4-1956. 8, Wrigth-Mill, Sociological Imagination (New York: Oxford University Press, 1959). 25 tatista, € actéscimo erudito sem penetragio na esséncia do fato histérico, Para que a histéria seja conhecimento, conforme jé assinalamos, 0 objeto dessa ciéncia deverd ser tomado como um Proceso que se desenvolve no tempo, contraditoriamente, ¢ sujeito a causalidade. * Isto no implica afirmar que 0 historiador deixe de possuir tuma ideologia, um ponto de vista consciente. Pelo contrério. Se assim fosse, ele se limitaria a reproduzir documentos, no nivel ‘meramente historiogréfico. E, como sabemos,"o documento é apenas ponto d& partida, matéria-prima para a subseqiiente interpretagéo do fato, Assim, para nés, a histéria subjetiva é apenas aquela que, ao invés de usar no seu critério de andlise 0 método I6gico, dialé- tico e matetialista, isto é, aquele método que estabelece uma relacio entre 0 historiador € o conhecimento da esséncia dos fend: menos hist6ricos, usa o método analdgico para explicé-los. Para sermos melhor compreendido iremos exemplificar © que entendemos por isto Sobre este movimento aproximativo entre a hisGria e a vealidade objetiva, (mundo exterior), consultar: Bernhard J. Stern, Historical Sociology (New York: The Citadel Press, 1959); C. Wright-Mills, Sociological Imagination, cits R. G. Collingwood, A iddia de histérie, cit: V. Gordon Childe, Sociedade y conocimionto (Buenos Aires: Ed. Galatea, s/d) © Evolueio Social (Rio de Janciro: Zahar Editores, 1961); Paul Q. Hirst, Evolugdo so- cial e categorias sovioldgicas (Rio de Janeiro: Zaher Editores, 1977); Pierre Chauny, A histéria como eigneia social, cits Friedrich Engels, Ludwig Feuerbach y ef Jin de la filosofia classiea alemana (Moscou: Ediciones em Lenguas Extrangeisas, 1946); Eric J. Hbsbawn, The age of Revolution Europe 1789-1848 (Londres: Weindenfeld and Nicolson, 1962); J. Mond zhidn, Etapas de la historia, Teoria marsista de las formaciones socioeco- ndmicas (Moscou, Editorial Progresso, 1980); LeBncio Basbaum, O pro- cesso evolutive da hristdria (Sio Paulo: Ed, Adaglit, 1963); José’ Honévio Rodrigues, Teoria da histéria do Brasil (Introdueto metodolégiea) (Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional, 1975), 2 vols.: Guenther Rigobert et ali Estado y clases en la Antiguidad escravista (Bueno Aires: Ed. Platina 1960); E. A. Kosminski, "A filosofin da histéria de Ar Estudos Sociais, n.’ 13, junho de 1962; V, Seminov, ficas das classes ¢ de luia de classes na sociologia burguesn contemport 12a", em Estudos Sociais, n" 11, dezembro, 1961. Althusser, embora nem sempre um autor claro e eoerente, esereve neste tentide, com neerto, que 26 No inici da sociedade 0 homem raciocinava de uma forma que estava subordinada ao grau de desenvolvimento de cada comu- nidade na qual ele estava engastado como produtor. A natureza que o envolvia ¢ da qual dependia quase que inteiramente, influen- ciava de modo decisivo o seu método de raciocinio. Ele pensava analogicamente. Quando via o sol surgir pela manhi e ouvia canto de um péssaro matinal pensava que o nascimento do sol estava subordinado ao canto daquela ave. © pensamento anal sgico explicava, assim, de forma magica para o chamado homem primitivo, os acontecimentos que se verificavam na sociedade. Com 1a maior divisio social do trabalho, a complexidade mais acentuada da economia e o dinamismo interno maior das forgas produtivas, a invengfio de novas técnicas de dominagio do meio ambiente, formas de regadio, habitacdo contra as intempéries e outras, fatos que levavam o homem a transformar gradualmente a natureza, a0 invés de viver apenas na sua dependéncia, como acontecia na fase recoletora, os primeitos elementos do pensamento légico surgi- tam e fizeram com que as duas formas de pensamento — 0 I6gico € 0 anal6gice — se desenvolvessem cada yez de forma mais inde- ‘devese observar, dé modo geral, até a época recente, os historiadores escamatcaram a necessidade de te achar uma resposta teérica para esse probleme do 2bjeto. Se tomarmos, por exemplo, as consideragbes de Mare Bloch sobre « ‘eiéncia da hist6ria’, verificaremos que todo o seu esforco irigese apenas & constatagio de uma metodologia. A tentativa de deli- nie 0 objeto dos trabalhos dos histotriadores revelase de {ato aporética, 4 portir do momento em que se demonstrou que esse objeto nio pode scr" '0 passady’, nem, finalmente, nenhuma determinagio pura e simples Go tempo: 'A prépria idéia de que © pastado, enguanto passado, possa ser objeto da cignein ¢ absurda’ (Apologie pour histoire, p. 21). Apés testa conclusio negative, perfeitsmente convincente (embora as conclu: ses nem sempre sejam tiradas pelos fildsofos), as tentativas como essa de Bloch limitam-se 2 uma definigéo incompleta, que lanca o problema do objeto no indsterminado de uma totalidade: ‘@ homem, ov melhor, os homens’, e eirscteriza 0 conhecimento unicamente como certo conjunto de métodos. Nao eabe aqui analisar 0 empirismo que decorre finalmente dessa definigZo incompleta, mas deve-se observar que o problema excamo- teado de forna te6rica é necessariamente resolvido de modo pritico a cada instante’. Louie Althusser ef alii, Ler O capital (Rio de. Jancio: Zaher Editores, 1980), 2° volume, p. 207. 21

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