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TRABALHOS DF ‘CIENCIAS SOCIATS "SOCTEDADE PLURAL" £ ?: URALTSMG CULTURAL NO BRASIL Roberta margose de Qliveina Série euenorely ag at Brasilia/1982 0 presente trabalho foi elaborade para o Simposium "Prospects for Plural Societies”, que tera lugar em Lexington, Kentucky, EFUY, entre 7 e 11 de Abril de 1982, no ambite das r American Ethno- Logical Society. Sua versio -m inglés sera publica da nos Proceedings AFS. unides te "uma diversidade de grupos que mantém relacdes soctas en tre si", (Leo Kuper, 1969:465). Nesse sentido, "En contraste com as objegdes levantadas contra o uso do eonceito de socie- dade plural, a propria idéia de pluratismo parece ter ampla aceitacio, ainda que em formutacdes variadas" (L. Kuper, 1969: 464). Por isso, a despeito da controvérsia em torno do concei to de "Sociedade plural", poderfamos aceité-1a - como o faz Kuper — como sendo "simplesmente uma forma particular de plu ralismo(...)" (idem). 0 que no explica muito, mas nos permi tird — como veremos adiante ~ contrapor a realidade da "so ciedade plural" no Brasil, a saber 0 modo pelo qual ela incor pora o Indio na sociedade — pela via de um estatuto especial =, 3 idBia do "pluralismo cultural” imanente 2 setores signi ficativos da scciedade civil ¢ 3s liderangas indigenas surgi. das na @écada de 70. Esse pluratiomo cuftural envoiveria a nogdo segundo a qual a diferenctagao cultural (isto €, dife renciag8o de modes de ser e de pensar) inerentes historicamen te acs povos indTgenas sejam admitidas e respeitadas no amb to de up ordem jurTdica que Ihes assegure igualdade de dirai, tos trofte aos membros da sociedade nacional alienTgena. Por certo que o primeiro direite seria o dénedto a sen diferente, cujo caso limite sera o da manutencio da. identidade aborTgene (ou Stnica), ainda que nenhum traco cultural manifesta, e per ceptTvel pela simples observacgic, possa separar o indTgena do alfenTgena. Essa afirmacfo, naquiio que implica 0 conceito ce fidentidade Gtnica, @ coerente com Barth (F. Barth 1969), e com idgias que tenho expcsts em diferentes oportunidades ~ (R. Cardoso de Oliveira, 1971, 1976, 1980 e.1981) mas que nao. ca bem aqui desenvetver, A presente exposigao.vat procurar se cingir a trés tapi eos, cujo desenvolvimento articulado permitira tratar o tema “the prospects for the plural sacisties" em sua especificida ge brasileira. Kum primeiro momente, faiarei sobre “o Tndio no quadro jurtdico-institucional", posteriormente sobre — "o aparetho indigenista de Estado" e, em seguida, sobre “os movi. 43. < ghentps fndTgenas e 4 crise da ideologia indigenista". Cada um ~“desses tOpicos procurara retratar aspectos da realidade brasi Vera que considero estratégicos para se compreender o senti- do’ da ehamada “Quest3o IndTgena", que vem mopilizando a socie dade civil nesses Gitimos anos @ 7 conduzindo a uma postura bertica (isto &, de critica) contra o Estado ¢.contra a enti- “dade encarregada de executar 2 politica indigenists: oficial, & Fundagdo Nacional do Indio (FUNAI). 2. 0 IPDIO NO QUADRO JURTDICO-INSTITUCIONAL 0 Artigo 145 da Constituicio da Repiblica Federativa do Brasil promulgada em 1969 diz que "sio brasileiros natos os gascidos em territdrios brasileiros", atribuindo assim 3s po pulacdes abortgenes, de modo insofismavel, cidadania brasilei ra. Os territdrios ocupedos por essas populagdes, também por preceito constitucional (Art. 192), sio consideracos “inalie nfveis" ¢ constituem "posse permaténte”. A nogio de posse di feve da de propriedsde, significando que os grupos aborigenes est3o Wmitados ao usofruto das terras (incluinde as “riquezas naturais" ¢ demais “utilidades") e impedidos de negocia-las. Sio. "bens da Unido", conforme reza co Art. 3, inciso IV, | da Constituig#o, 0 que corrobora com a interpretacao de — serem eles "brasileiros natos", pois nascidos em territs nacio nals Tal fate permite-nes compreender melhor o porgué da. rea igZo"do Governo Brasileiro contra cualquer aplicacdo dos- ter mos "nac&o" ou "nacignalicade” 20s grupos aberfgenes, - chama dos na Constituicao — imprcpriamente — de "silvicotas". . A tendancia em tratar esses grupos como naghes, observada atual mente em determinados setores da sociedade civil, esbarra, pre liminarmente, com esse dado jurtdics. Mas seria enganuso pensar qué, assegurada a cidadania, os caminhos dos direitos ciyis @ d1 perticipacdo polftica es tariam abertos 2 populacac aborigene. Ocorre que na legisla gio brasileira cabe ao Cédige Civil estabelecer a capacidade jurtdica dos individuos. Entre trés possibilidades - a da ple na capacidade juridica, a da total incapacidade e a ca capaci dade relativa —, foram os “silvicolas” encaixados ne Gltimas segundo a qual, mesmo possuindo direitos, eles no podem ex ternar sua proépria vontade para a praticé de atos jurTdicos som astarem assistidos por um responsavel. — o Artigo 6, inci so ITI, do Codigo Civil que diz: “os silvfcolas ficarao sujet ins ac regime tutelar, estabelecido em leis e reguiamentos es. peciais, o qual cessara @ medida em que se forem adaptando @ eivilizagie do pats". Enquanto nap. se “civilizarem", portanto, ficam com seus dircités reduzidos fos dos brasileiros entre 16 @ 21 anos, i.e. “relativamente gapazes". A Yeoistlacio especial f@sta, praticamente, na lei 6.0 de 19 de dezembro de 1973, denomingda Estatuto do Indio. Por ela o "silvicola" ou “indic" fica gujeito ao regime de tutela pela Unido atrav8s da Fundagae Nacjonal do Indio, Orgao insti. tuido rela mesma Tei. A led @ extetsa, reunindo que artigos ~ 0 que torna impossivel $eu exame aqui. Bastaria, entretanto, considerar uns poucos aspactos desse Estatuts, su fieientes para dar uma idGia da natureza da cidacania indige- na, seus direitos e sobretudc o difeito @ terra ~ ponto cru cial de suas velagdes com o Estaco|hrasiteivo e 2 ~ sgciedace civil. ¢ setenta 0 primgiro aspeeto a chamar ateng#o @ o da responsabili dade do tytor. 0 jurista brasileirp Datmo de Abrcu Dallar afirma que "Nd regime de tutela comum a nomeagis tc tutor se faz gom a intervencdo judieial e o/ Ministerio Piblico fiscali za 0 exercTcic da tutela, podendo, inclusive, pedir a desti . tuigig 40 tutor, No regime de tutela especial estabelecido pa ra os Indios nfo ha intervencdo judicial, pots 2 propria lei 3% indicou © tutor, que um Srgio vineulado ac Poder Executi yo Federal e cuja responsabilidade também escapa ao contreie judietal® (Dallari, 1979:78). £ comptementa Daltari que, "Des ga wodo, 0 exercTedo da tutela fica, inevitavelmente, condi é “ ° . Eon) cionado B"poiftica indigentsta de Poder Executivo Federal. Se este adotar alguma providencia contraria ads interesses des Indios, estes fican, praticamente, Sem defesa, pois o tutor, a qugm caberia, defendé-1os, & Srgdo to governo federal® (Dal Jari, 1979:78): o Essa insergado da FUNAI no espago do Poder Executivo Fe deral, no qualse aliend qualquer possibitidade de intervencdo judicial no controle dessa tutela. & ainda, agravada por ser esse espaco controlado pelo Ministério do: Interior, 0° orgie de governo essehctalmente comprometido cpr pol?ticas desenvol vimentistas sémpre contrarias aos interesses indfgeras. E nes se sentido qué temos interpretaio tal. inserc&o como sendo es. truturalmente contraditoria: pots sendor atFUNAT, por defini, gio, uma entidade devotada & protoger os intéresses. indigenas, @, 20 mesmo tempo, parte’de.um Ministério devotado, também por definigio © pela pratica, a promover o processo “civilizatd ria" no interior do pats. Transforma-se, assim, o teor da res ponsabilidete tutorial, assumindc a.FUNAI os interesses do po Jo oposto ao Indic, a saber, os dos setores dominantes da so cledade nacional geralmente identificades com cs | interesses do Estado. As implicacées polfticas disso, no campo indigenis, ta, sio evidentes. oun 3. 0 APARELHO INDIGENISTA.DE FST2! A polftice indigenista condyzida pelos governos byasi leiros, a partir de 1910, and dé triacio dc Servigo de Prote Gio acs Indios, até a substituicao daquele Servico, em 1967, pela Fundago. Nacional do" Indio (FUNAI), ngo. tem side: honogé- nea nem em seus:propositos, nem em suas praticas. Gresso: mo do, poder-se-ia tentar dma périodizagao de sua histdria em trés fases: a primeira, qué vai da criagdo do S.P.I. até~ os anos que antecedem o falécimento’do Marechal. Rondon, scorride em 1988, marca. a presenga'no cenario federal do fundador da.

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