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Breves notas introdutérias A propriedade como direito fundamental Roger Stiefelmann Leal é doutor em Dite- to do Estado pela USP. Professor de Direito ‘Constitucional na Faculdade de Direito da USP. Procurador da Fazenda Nacional, Breslin a. 49 9, 194 abr Fun, 2012 Roger Stiefelmann Leal Sumario 1. Introdugdo. 2. Nogdes preliminares. 3 Propriedade e direitos fandamentas, 4 Proprie- dade e Constituigso. 5, Aspectos conceituais do direito de propriedade. 6, Propriedade e lei. 7 Propriedade e fungao social. 8, Propriedade Indenizagao. 9. Conclustes 1. Introdugiio A afirmagao do direito de propriedade como direito fundamental ¢ encontrada, nos dias de hoje, em diversos textos consti- tucionais e tratados internacionais. Cumpre observar, no entanto, que tal condigdo, as sim como o sentido e o alcance que lhe S80 conferidos, constitui questao que integra 0 cerne do debate politico-constitucional de maior repercussio do século XX Possivelmente, nenhum outro direito fundamental sofreu tamanha contestacio. Afirmou-se que seu exercicio constituia roubo e injustign (PROUDHON, 2008, p. 252). Propés-se firmemente sua abolicao como solugéo para todas os males e todas as alienagdes (ARON, 2003, p. 171 et seq.) Outros, porsua vez, sustentaram sua plena subordinacao ao interesse coletivo (BURDE- AU, 1966, p. 375) ‘A forte objecao que recaiu sobre direi- tode propriedadendo fi, porém, suficiente para prejudicar ou afastar sua condicao de ireito fundamental da pessoa humana. Seu sentido e aleance, contudo, nao resta- Bs yam imunes a tais criticas. Assim, diversos textos constitucionais passaram a dispor sobre o cumprimento da funcito social da propriedade. Outros deixaram de incluir a propriedade entre os direitos individuais, para inscrevé-la na secéo dedicada aos direitos econdmicos e sociais (FAVOREU, 2002, p. 201; MIRANDA, 2000, p. 525 Tal deslocamento pode - dependendo da via interpretativa adotada - determinar mudangas no perfil e no regime juridico aplicavel ao proprio direito! Sobretudo em face da expressiva con- trovérsia que marcou o século passado, faz-se oportuno examinar os fundamentos que tradicionalmente suscitaram 0 reco- mhecimento da condicdo de direito fanda- ‘mental a proprieciade, com a finalidade de nao apenas compreender sua insercéo no Ambito do constitucionalismo, mas tam- bbém verificar que elementos de seu con- tetido remanescem nos dias atuais. Nessa perspectiva, o presente trabalho pretende discutir algumas nocdes conceituais sobre © assunto. Inicialmente, a andlise recaira sobre os principais aspectos referentes a concepcao do direito de propriedade como direito fundamental no contexto do constitucionalismo liberal. Cuidar-se-, em seguida, de algumas questdes relativas & definicdo constitucional da propriedade. E, numa terceira parte, o estudo sera dedicado 0 papel desempenhado pelo legislador na disciplina do direito de propriedade, bem. assim sua funcao social ¢ ao dever de indenizar que dele decorre. Em diversos desses pontos, especial atencao sera con- ferida a disciplina reservada ao tema pela Constituicao brasileira ea interpretacdo que Ihe confere o Supremo Tribunal Federal. TExemplo desa questo ¢ a disipina normativa dla Constsuicao portuguesa, que reserva a clausula dle aplcagio imedata apenas aes direitos, liberdades -gerantas, Otro caso €0 da Consttuigho espanhola ‘Que, a0 assegurar a propriedade come dreto econ nico e socal nao o inclu ene aquelestuelados por Instrumentesespectios de protesao das lberdaces, ‘como o recurso e amparo (FAVOREU, 2002p. 201 FERNANDEZ-SEGADO, 1994, p. 21). a 2. Nogées preliminares Anogio de propriedade enquanto direi- to fundamental encontra raizes na propria ideia de liberdade (BURDEAU, 1966, p. 375; ISRAEL, 2005, p. 596-597). Mais pre- cisamente, no raciocinio que reconhece a liberdade do homem pelo natural dominio que exerce sobre seu corpo, sobre simesmo. Segundo John Locke (1963, p. 20) - para muitos o primeiro autor modemo a proclamar as direitos do lomem (OTERO, 2007, p. 187) =,"“cada homem tem uma propriedade em sua prépria pessoa; a esta ninguém tem. qualquer direito senao ele mesmo." Segue-se, entao, a ideia de que o tra- balho exercido pelo homem constitui sua propriedade, assim como os frutos que dele obtiver, E primariamente a partir do trabalho que o homem consegue sair de sua caréncia inercial para alcangar bens que sa- ciem suas necessidades bésicas. Constitui, portanto, atividade inerente aoseu processo vital (ARENDT, 2004, p. 122-123). Mais que liberdade, 6 condicio da vida humana (LOCKE, 1963, p. 24) Desse modo, infere-se que o resultado que © homem obtém mediante o legitimo emprego de sua forca de trabalho 6 seu, € sua propriedade. Ou seja,o trabalho de seu corpo ea obra de suas mios, pode dizer-s, so propriamente dele eneninum outro homem pode ter direito ao que foi conseguido (LOCKE, 1963, p. 20), ao menos sem 0 consentimento do proprietario. O direito de propriedade, em sua origem, importa no dominio sobre 0 resultado obtido pelo trabalho. Assim considerada, @ garantia da pro- priedade acaba por configurar o principal mével e estimulo a producao e, portanto, ao desenvolvimento econémico. Em termos juridicos, sua seguranca e estabilidade promovem, nessa linha, a necesséria va- lorizacio do trabalho enquanto atividade Segundo Plana Arerat (200, p. 123), Locke damento a propredede prioadenaguilo caja propriedade a mais prone de todas, “a propredade (do home) no focante mesmo", ej, 0 eu propria corpo. Revista de Informagio Legi humana. Trabalho e propriedade, sob essa perspectiva, s’io tomados como aspectos inerentes a conditio humana, a liberdade pessoal ¢ a dignidade dos direitos humanos (HARBELE, 2007, p. 393). 3. Propriedade e direitos fundamentais Em contraposicdo aos regimes desps- ticos imperantes nos séculos XVII e XVILL, irromperam, na Europa e na América, importantes movimentos revolucionérios inspirados em ideais de defesa e protesao da liberdade. Decorre dat o surgimento do constitucionalismo, cuja plataforma consis- tia, em linhas gerais, na introdugao de prin- cipios e mecanismos voltados a limitagao ‘ou contengao do poder estatal de modo a assegurar as liberdades basicas do homem (OTTO Y PARDO, 1987, p. 12). Nesse sentido, 0 constitucionalismo supera a ideia oriunda da Idade Média de que 0s direitos constituem prerrogativas, rivilégios e regalias decorrentes de deter- minados estamentos, castas ou categorias (GRIMM, 2006, p. 78; MIRANDA, 2000, p. 14, 19) Passa-se a reconhecer aexisténcia de direitos que derivam da propria natureza humana, Seriam direitos universais, pois (a) inatos a condigao de pessoa humana € (b) fundantes da constituigio do Estado (GRIMM, 2006, p. 78-79). Tais nogoes encontram-se claramente consagradas nas principais declaragces de direitos que marcaram os aludidos movi- _mentos revolucionérios. Nessa linha, o art 12 da Declaragao de Direitos da Virginia (Virginia Bill of Rights), de 12 de junho de 1776, dispe que fodos os homens nascem igualmente lores eindependentes,tém direitos certos, essencais e naturais dos quis nto po- dle, por nenbuum contrato, privar nem despojar sua posteridade, A mesma concepcao infor- ‘ma, ainda, a Declaragao de Independencia dos Estados Unidos, de 4 de julho de 1776, 0 afirmar que todos os homens sto criados iguais, que sito dotados pelo Criador de certos direitos inaliendveis, que entre estes esto a vida, Breslin a. 49 9, 194 abr Fun, 2012 aliberdade e a busca da felicidade. Também a Declaragao dos Direitos do Homem e do Cidadao (Déclaration des droits de homme et du citoyen), de26 de agosto de 1789, adotou semelhante orientacao. Logo em seu art. 12 estabelece que os homens nascem eso liores © iguais em direitos. E, no art. 2, preceitua que a finalidade de toda associago politica é a conseroacio dos direitos naturais e imprescri- fiveis do homem. Cumpre observer, ainda, que tais documentos sao denominados “declaracdes” pois nao estariam a instituir ou criar direitos. Sua finalidade resume-se a declaré-los, reconhecé-los,na medida em que emanam da propria natureza huma- na, constituindo realidade prexistente a0 Estado e a sociedade (FERREIRA FILHO, 2006, p. 22) ‘A propriedade ¢ inserida justamente no ambito desses direitos. Considerada, a partir das ligdes de John Locke (1963), como direito vinculado as ideias de liber dade e de trabalho, a propriedade passou a constar de tais declaracGes como direito fundamental, inato & pessoa humana. As- sim, a Declaragao da Virginia, ao anunciar, em seu art. 5, 0s direitos certs, essenciais € nnaturais do homem, indica odireito de gozar ‘a vida e a liberdade com os meios de adguirir e possuir propriedades, de procurar obter a feli- cidade ¢ a seguranca, Por seu turno, 0 art. 22 da Declaracao dos Direitos do Homeme do Cidadao, de 1789, ao discriminar os direitos nnaturais eimprescritfoeis do homem, estabele- ce: esses direitos soa liberdade, a propriedade, a seguranca ea resistencia A opressito J. 0 art 17 da mesma Declaracao reitera a mesma ideia, agregando, ainda, a seguinte disposi- $40: como apropriedade éum direito imoiolvel e sagrado, ninguém dela pode ser privado (.). Tal orientacdo concebe a propriedade, a exemplo da liberdade, como direito do homem - pois inerente a condico humana ~ precedente, portanto, a Estado. Comporia o conjunto de direitos que se encontram na base da ordem politica, que constituem seu fandamento, seus direitos fundamentais, Ou ainda, segundo a doutrina contratualistaem ‘voga a época, integra a propriedade o resi- duo de liberdade natural que restou a0 ho- _memem face da liberdade sacrificada para construgao do Estado (RUFFIA, 1984, p.517) CConsiste em direito anterior as instituicdes politicas, que, reconhecido formalmente, cumpre-Ihes o dever de assegurar e prote- ger. Ousseja, conforme assinala Locke (1963, .77),ogrande e principal objetivo, portanto, da unio dos homens em comunidades, colocando- -se sob gaverna, a preseroagio da propriedade A garantia de tais direitos, ademais, ‘busca impor, segundo os pressupostos do constitucionalismo liberal, um dever de abstengao, pois determina uma esfera de autonomia privada imune & interferéncia estatal ou de terceiros. Segundo a classica ligdo de Rivero (2006, p. 9), sao direitos que repercutem nos outros negativamente. No entanto, a protecao das liberdades perante terceiros (particulares) supde necessariamente 4 intervengio do estado, que a impde por sua legislacio e a sanciona por suas jurisiicies (RIVERO, 2006, p. 10), Ou seja, sao direitos de Iibertacio do poder e, imuultaneamente, direitos 4 protegio do poder contra os outros poderes (MIRANDA, 2000, p. 105). 4. Propriedade e Constituigio utra solugdo concebida no ambito do constitucionalismo liberal foi a definicao dos direitos fundamentais, bem como dos demais principios de limitagao do poder estatal, em texto normative formal e sole ne: a Constituigao. E, com a finalidade de impedir scucomprometimento ou violaca0 por outros diplomas e atos normativos, fo- ram estabelecidos procedimentos especiais mais gravosos para a alteragao das cléu- sulas constitucionais do que os adotados ra elaboragio das demais leis. Trata-se do modelo de Constituiga0 rigida’ 28 mais expecficamente,o que Pontes de Miranda (0987, p. 236) denominou rgies tric, pois, para 0 Huste jarsta prio, hade se perguiria propio de uma segunda modalidade de rigider consitucional [promovida por razaes de mentaldae primiton ow p= Teopsqucy,ideolgcas ou até religiosas. Configurar, 5 Assim, pretende-se que os poderes pi blicos, de ordindrio, passema terodever de observar os direitos assegurados em sede constitucional. Sua eventual modificacao ou superagéo somente teria cabimento quando tais procedimentos especiais fos- sem stritamente observados, formalizando genuina reforma constitucional. Desse modo, conferiu-se,na maior parte dos paises do mundo ocidental, estatura constitucional ao direito de propriedade, atribuindo-the nivel hierérquico superior aos demais atos legislativos. Na Consti- tuicdo brasileira de 1988, a inviolabilidade do direito a propriedade ¢ proclamada no caput do art, 52, O inciso XXII do mesmo artigo, por seu turno, preceitua: é garantido o direito de propriedade, © art. 170, ainda, insere a propriedade privada entre os prin- cipios da ordem econémica. Isso ndo significa, todavia, que a pro- priedade assume, em face da ordem cons- titucional, caréter absotuto, que inadmite restrigdes. A exemplo de diversos direitos fundamentais, o direito de propriedade comporta limitag6es e abrandamentos em sua aplicacdo em nome de outros valores também tutelados pelo texto constitucional. Da mesma forma, muitos principios cons- titucionais também admitem restricao em face do direito de propriedade’. A colisio entre principios constitucionais, mormente no caso de direitos fundamentais, requer que uns tenham moderada sua aplicacao em face de outros, Sublinhe-se, no entanto, que eventual Jimitacio ou o seu cabimento deve ter apoio no texto constitucional, Nao ha restricao a direito fundamental sem base constitucio- nal (ALEXY, 1998, p. 277; MIRANDA, 2000, Segundo o auter,expécie de sentimento de conserva- ‘fo emanatencaede determinado ordenamento.cons- {ional arraigado na cultura de uma comunidad. “Sobre a estruturacdo dos direitos fundamentas, em prinipias, ito 6 expécie narmativa que admite ‘varingio de grau em sua aplicagto, ver, dentre ou tros, Robert Aloxy (1983, p. $9); também Gustavo Zagrebolsky (1992, p. 17) J.J. Gomes Canatilho (0998, p. 2056, Revista de Informagio Legi .307). Significa dizer que eventual abran- damento, restricdo ou privacéo da pro- prieciade somente é admissivel se houver inequivoco fundamento na Constituicao. Tais limitagdes podem advir, desse modo, (a) de previsdo expressa do texto constitucional ou mesmo (b) da propria proteco constitucionalmente atribuida ‘2 outro bem juridico (MARTIN-RETOR- TILLO BAQUER; OTTO Y PARDO, 1988, 1p. 108), As restrigGes podem, ainda, ser (I) diretamente fixadas pelo texto constitucio- nal ~ restrigées diretamente constitucionais ~ ou (Il) impostas por lei infraconstitucio- nal devidamente autorizada, expressa ou tacitamente, pela Constituigdo ~ restrigdes indiretamente constitucionais’ As restrigdes diretamente constitucionais sdo as decorrentes de normas de nivel constitucional que estabelecem, sem a ne~ cessidade de complementacao normativa, restrigdes ao direito fundamental (ALEXY, 1998, p. 277). A limitacdo, nesse caso, nao requer mediagao por nenhuma outra norma ‘ou ato, além do proprio preceito consti- tucional. O texto constitucional de 1988 apresenta, écerto, restrigSes dessa natureza a0 direito de propriedade, a exemplo do disposto no art. 243, que determina o con- fisco - expropriacdo imediata, sem direito ‘A indenizacao - das glebas de qualquer regio do Pais onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotripicas. ‘As restrioes indiretamente constitucionais por expressa reserea legal, por sua vez, ca- racterizam-se pela atribuicao ao legislador do poder de limitar 0 exercicio do direito, Verifica-se, no caso, cléusula constitucio- nal expressa em que se autoriza o Poder Legislativo a estabelecer normas restritivas a0 exercicio de determinado direito funda- mental. Submete-se o direito de proprie- dade a essa modalidade de restricdo, por exemplo, ao se autorizar o legislador, nos * Esta illima classifcacao de restricbesa direitos fundamentais~restigesdretamentecnsttuionas € indirtnmente constitucionas ~ € adotada por Robert Alexy 1993, p.276 et sq) Breslin a. 49 9, 194 abr Fun, 2012 termos do art. 190 da Constituicao, a regu- lare limitar a aquisigfo ow 0 arrendamento de propriedade rural por pessoa fisica ou juridica estrangeira, bem como a estabelecer os casos que dependerio de autorizagio do Congresso Naciowal Mesmo sem expressa autorizacao constitucional, cabe a legislacéo impor limitacao a direito fundamental em razao de outro preceito constitucional, que, in- clusive, pode ser conformador de outro direito constitucionalmente assegurado. Nesse caso, 0 legislador acaba por exercer juizo de ponderacao entre um direito fun- damental e outros valores constitucionais que se Ihe oponham, optando por solucao que aplique em maior grau os valores contrapostos e em menor grau o direito (MARTIN-RETORTILLO BAQUER; OTTO Y PARDO, 1988, p. 108). Institui, assim, restricao indiretamente consttucional em face de outros bens constitucionalmente tutelades. O direito de propriedade nao fica, por certo, imune a essa categoria de restricGes. Esse € © caso do disposto no art. 1.285 do Codigo Civil, que, em nome do direito a liberdade de locomogio (art. 5 XV, da Constituicdo), reconhece ao dono do prédio que mio tiver acessoa via piiblica, nascente ou portoo direito de constranger o vizinho a the dar passagem, mediante pagamento de indenizacio cabal. Determina, ainda, o § 1¢ do art, 1.285 que sofreréo constrangimento o vizinho cujo imével mais natural e faciimente se prestar a passage. Desse modo, a lei, com fundamento em outro direito fundamental, impde regime restritivo especifico a propriedade. 5. Aspectos conceituais do direito de propriedade A propriedade constitui - cumpre destacar - modalidade de direito real com definigao e regime juridico determinados pela legislacao civil. No caso do ordena- mento brasileiro, o art. 1228 do Codigo Civil estatui os elementos nucleares da proprie- dade, definindo-a como a faculdade de usar, o gozar e dispor da coisa, e 0 dreito de reavé-la ddo poder de quem quer que injustamente a pos- sua ow detenha, Nos termos do direito civil, em regra, ¢ titular da propriedade em sua plenitude aquele que detém o poder para exercer todos os atributos definidos no preceito legal: ius utendi,fruendi et abutendi (PEREIRA, 2008, p. 92). Indaga-se, porém, sea definicao civilista de propriedade condiciona ou limita 0 am- bito de protecao da norma constitucional que assegura 0 direito fundamental de pro- priedade. Isto 6 a protecdo do art. 5 XXIL, da Constituicao de 1988, alcanca apenas a propriedade tal como definida no art. 1.228 do Cédigo Civil ou estende-se, também, a ‘outros direitos de natureza patrimonial? Hi, certamente, quem entenda - com bons argumentos ~ haver identidade en- tre a definicdo do direito civil e 0 alcance da norma constitucional. Nesse sentido, afirma-se que as normas de direito privado devem ser compreendidas de conformidade coma disciplina que a Constituicio the impoe SILVA, 2003, p. 273), para concluir que é, assim, o direito positivo, ale ordinéria mesma, que fixa 0 contetido desse direito que é institu- Gionalmente garantido pela Constituigéo (art 55, XXID) (SILVA, 2003, p. 271). Segundo Jorge Miranda (2000, p. 258), “ama coisa é 0 principio da capacida- de patrimonial privada ou da susceti- bilidade de, salvo algumas excecses, os particulares serem titulares de direito patrimonial; outra coisa seria cerigir em direitos fundamentais todos os tipos de direitos patrimoniais que, com maior ou menor relevancia & ‘mais ou menos duradouramente a lei ordindria tenha instituido ou venha a instituir.” Eniretanto, tem majoritariamente preva- lecido via interpretativa diversa que confe- remaioralcance ao direito fundamental de modo a abranger nao apenas adefinicdo de propriedade constante na legislacio civil, ‘mas também outros direitos de conteido patrimonial (BASTOS, 2000, p. 207-208; a CORREIA, 1998, p. 477, 530; FERREIRA FILHO, 2008, p. 309; MENDES, 2004, p.15 151) ou, como ensina Hesse (1998, p. 341),0 ‘aproveitamento privado de um direito de valor patrimonial. Desse modo, compreende-se 0 direito inscrito no art. 5, caput e inciso XXIL, da Constituicdo, de forma mais alargada, como o dircito fundamental de no seralguém despojado de direitos de seu patriménio, sem justa indenizagio (FERREIRA FILHO, 2008, .309). A propria doutrina civilistaclassica, como aponta Caio Mério da Silva Pereira (2008, p. 89), também exprimia concepcao mais generosa sobre o tema, considerando a propriedade como fodos os direitos que se fraduzem muma expressio pecumisria A interpretacdo que reconhece maior extensdo & nocéo constitucional de pro- priedade encontra, ainda, desenvolvimento no ambito da propria legislacao brasileira, E 0 que se depreende, por exemplo, de algumas disposicoes do Cédigo Tributario Nacional (Lei n® 5.172/66). Ao estabelecer rnormas gerais sobre os impostos incidentes sobre a propriedade ~ especificamente © IPTU (art. 156, 1, da Constituicao) e 0 ITR (art. 153, VI da Constituicao) -, 0 Codigo define como sua base tributéria a proprie~ dade, o dominio ttl ou a posse de imevel (arts 29 e 32. do CTN). Ou seja, ao considerar a expresso propriedade constante do texto constitucional, o legislador conferiu-the interpretacdo abrangente, encontrando apoio na literalidade constitucional para estendera tributacdo a diferentes categorias de direitos reais segundo a legislacio civil. A divergencia sobre o significado consti tucional do direito de propriedade também Sobre a questo, Aliomar Balesiro (1999, p.237, 238) acolhe expressamente a nocio ampla de pro- priedade nos seguintes termos: nio nos parce que Intepretag deoaser estriol, spose atrbuto dt roped e dene ser include no concitadestaparn site ta Dveit ical E, mais adiante,arromata:oocupente 0 forcing desses bene piblicos fn setae ao impos teritoil rural, da mes mo que camo “posse ros" de terras do dominio particular, podendooleislar, reste alti cso, por mera conveniénciaadministratioa scaler oproprieiio 9 poraidor. Revista de Informagio Legi encontra repercussao nos julgados do Su- premo Tribunal Federal, Ao examinar, na ADI n# 1,715-3/DF, a constitucionalidade de ato normative que fixava prazo para reclamacao de valores depositados em conta corrente por pessoas que nao efetu- aram 0 devido recadastramento, debateu- -se sobre o alcance do direito fundamental constante do art. 5, XXIl, da Constituicao. Isso porque, segundo a legislacao civil, o direito sobre as quantias depositadas em instituigdes bancérias deixa de ternatureza real para assumir cardter crediticio” Assim, parte dos membros da Corte _manifestou-se no sentido de que a garantia constitucional da propriedade no alcanca ‘outros direitos de contetido patrimonial como 0 crédito decorrente de depésitos bancérios. Segundo ressalta 0 Ministro Nelson Jobim, nao se trata de direito de propriedade, mas de contrato de depésito de bem fungivel. Se fissemas falar em direito de propriedade, acrescenta, feriamos como tal as cédulas depositadas, portanto, seria invivel ao banco operar com aqueles valores*. A mesma orientacdo € adotada pelo Ministro Mau- ricio Corréa, ao afirmar que a relagio do Aepositante com a instituigio depositiria é de direito pessoal mo que conceme ao crédito de (que é titular, ao contrério do que acontece como detentor do direito constitucional de proprieda- de', Paracele, odepésito banciro, stricto sensu, nio caracterizadiveto de propriedade na forma como o conceitua o artigo 5, inciso XXI, muito menos como esté posto no seu caput”. A via interpretativa que reconhece maior alcance ao direito de propriedade Ver, @ propio, os votos proferidos pelos -Ministzos Nelson Jobim e Mauricio Corréa na ADL 1nE1715.3/DF, Rel, Min. Maurtcio Corr, in DIU de 30.04 2004 * Voto proferido pelo Ministro Nelson Jobim na ADIn#1,715-3/DF, Rel Min, Mauricio Coréa in DJU ‘de30}04 2004, * Vato proferido pelo Ministro Mauricio Correa na ADIn#1715-3/DF, Rel. Min. Mauricio Corea, in DIU de 30.04.2008 Voto proferide pelo Minstro Mauriie Coreéa na ADI n# 17153/DE, Rel. Min. Mauricio Coreea in DyU de 30.04.2008 Breslin a. 49 9, 194 abr Fun, 2012 também foi sufragada pelo voto de signi- ficativa parcela dos Ministros. Ao mani- festar seu entendimento sobre a questdo, © Ministro Septilveda Pertence sustentou precisamente que propriedade para os fins constitucionais ésinénimo de patriminio, eque 0s direitos de crédito se situam no campo normativo da protego constitucional a proprie dade". Também 0 Ministro Carlos Velloso perfilhou orientacao semethante. Para ele, disposigio constitucional garantidora do direito de propriedade mio fica somente no direito real, ow nao deve ser interpretada em sentido estrito, abrangendo também, numa interpretacao extensiva (a titularidade do crédito, ou 0 direito de crédito, dado que essa titularidade implica em ser, de certa forma, proprietirio®. ‘A questa dividiu a Corte. A solucao do caso acabou ocorrendo em face de outros fundamentos, mantendo, portanto, acesa a controvérsia sobre o tema em sede juris- prudencial 6. Propriedade e lei O direito de propriedade, ainda que in serido no ambito dos direitos de liberdade, requer especifica atuacao do legislador. Diferentemente de algumas liberdades que, prima facie, dispensam intervencio legislativa especifica para determinacao de sua configuracio juridica econsequente exercicio (ANDRADE, 2004, p.208;SILVA, 2008, p. 267), a propriedade exige comple: mentagdo normativa voltada a sua confor macao. Trata-se de garantia institucional que demanda do legislador a promulgacao de complexo normativa que assegure a ex cia, a funcionalidade, a utilidade privada desse direito (MENDES 2004, p. 155; PONTES DE MIRANDA, 1987, p. 396). Em boa medida, cabe a legislacio estabelecer o regime ju- ridico do direito, impondo normas sobre a cringio ea fnaizagio da posigio de propriedade 7 Voto profeido na ADInéL,715-3/DF, Rel. Min, Mauricio Coreéa in DJU de 30.04.2008 ° Voto proferidomna ADIn#L.715-3/DF, Rel. Min, Mauricio Coreéa, in DJU de 30.04.2008 so assim como normas que vinculam consequén- cis juridicas «esta posicto (ALEXY, 1993, p. 1192-193). 0 ambito de autonomia confiado, nesse particular, a0 legislador nao é porém, ilimitado. Descabe-Ihe, a titulo de disci- plinar o exercicio do direito, desnaturar seu contetido por excesso de regulamentaciio (FAVOREU et al, 2002, p. 206). Como anteriormente salientado, as restriges a propriedade, caso nao esta- belecidas expressa e diretamente pela Constituicdo, também ficam submetidas & atuacao legislativa. Ainda que em face de ‘outro preceito constitucional, verifica-se a possibilidade de o legislador ponderar © direito de propriedade e outros valores constitucionais que com ele colidam segun- do determinadas circunstancias, Tais restricGes acabam por sujeitar-se, nesse ponto, ao principio da reserva legal Ou seja, somente a lei - elaborada pelos representantes do povo -cabe dispor sobre tais questdes, sendo vedada a imposicao de limitacdes a propriedade por atos nor- mativos de indole infralegal. Trata-se de exigéncia ~ que remonta & Magna Carta de 1215 ~ que requer embasamento em. lei formal, devidamente aprovada pelos representantes da populacao, como pres~ suposto de eventual restrigao ou privacao da propriedade. A Declaracao de Direitos da Virginia, em seu art. 75, também consa- ‘grava clausula no mesmo sentido: nenfioma parte da propriedade de um vassalo pode ser tomada, nem empregada para uso piilico, sem seu préprio consentimento, ou de seus represen- tantes legitimos;€ 0 povo sé esta obrigado pelas leis, da forma por ele consentida para 0 bem comum. O texto constitucional brasileiro conserva tal conquista do constituciona- lismo classico, estabelecendo, além do art. 53, diversas outras cldusulas especiticas de reserva legal. Desse modo, a restricéo 4 propriedade imposta, sem fundamento legal, mediante atos de natureza admi- nistrativa contempla grave violacio da Constituigao, nao devendo subsistir nem produzir efeitos, w 7. Propriedade e fungio social A reagio ao avanco do liberalismo eco- nomico que marcou, sobretudo, 0 inicio do século XX, acabou por ensejar profunda revisio sobre o alcance e o significado do direito de propriedade. Coma introducdo do sufragio universal, o processo politico passou a sofrer mais intensamente a influ- ncia de outras correntes de pensamento, como o socialismo, a socialdemocracia ¢ o socialcristianismo. E, nessa perspectiva, muitos de seus idedlogos encaravama pro- priedade como instrumento de opressao de massas e fonte de crescente desequilibrio social (BURDEU, 1966, p. 378; FERREIRA FILHO, 1982, p. 32) Decorre data idea de impor limitagées a propriedade no sentido de que ela, além de atender os desejos ¢ interesses de seu titular, pudesse também responder eservir as necessidades da sociedade (BURDEU, 1966, p.378; FERREIRA FILHO, 1982, p.32). Ou seja, cumprir sua funcao social. Desse modo, como esclarece Burdeau (1966, p. 378), tornar-se-ia uma propriedade moraliza dae humanizada que nao mais corre risco de ddegenerar num poder opressive. Tal concepgao ganhou foro constitucio nal ainda na primeira metade do século XX. Foi expressamente consagrada pela Consti- tuicao alema de 1919, Emblematicamente, ‘o mesmo art. 153, que, de inicio, estabelece que a Constituigao garante a propriedade, consagra, ao final, a seguinte clausula:a pro priedade obriga. Seu uso constituird, também, tum seroico pars o bem comum, Outros textos constitucionais adotaram orientacao seme- Jhante, ainda que com redacies diversas. A Constituicao brasileira de 1988 assegura, no inciso XXIII do seu art. 5#, que a propriedade atenderd a sua fungi social. Inscreve, ainda, a funcio social da propriedade (art. 170, IL, da Constituicao) entre os principios que infor- mam a ordem econémica. Exibe, ademais, dispositivos especificos voltados a definir a funcao social da propriedade de iméveis, urbanos (art. 182, § 25, da Constituigao) e rurais (art. 186 da Constituigao) Revista de Informagio Legi A afirmacdo constitucional da funcéo social da propriedade suscitou, natural- mente, interpretacdes variadas quanto 0 seu alcance e significado. Para alguns, sua imposicéo implica 0 acréscimo de aspecto essencial a0 contetido do direito de propriedade, sem o qual fica afastada sua garantia juridico-constitucional por desfiguragao do instituto. Ou seja, tal cor rente considera que o bem apropridoel, mas que desatenda i furnio social a que se destina, nio & objeto de direito constitucionalmente protegido (ROCHA, 2003, p. 577; GRAU, 2003, p. 214). Nao se enquadraria, em iiltima andlise, no conceito constitucional de propriedade. Levada tal concepcao as tiltimas conse- quéncias, a inobservancia da funcao social poderia admitir a tomada injustificada do bem, inclusive mediante invasdo forcada, pois nao estaria mais abrangido pelo direito de propriedade em virtude da auséncia de aspecto elementar essencial. © texto constitucional, no entanto, permite cogitar de solugao diversa, O descumprimento da funcao social da pro- priedade nao descaracteriza o direito de propriedade, mas determina a imposicao de penalidades, podendo resultar, inclusi- ve, em desapropriacio (BASTOS, 2000, p. 210). No caso do imével rural, o art. 184 da Constituicao sujeita o bem a desapropria- «ao para fins de reforma agréria caso nao seja observada a funcio social da proprie- dade. Em relacao ao imével urbano, 0 art. 182, § 4, do texto constitucional, comina em face do descumprimento da funcao social a aplicacao sucessiva das seguintes penalidades: (I) parcelamento ou edificacao compulsérios; (Il) IPTU progressive no tempo; ¢ (Ill) desapropriacao. Em ambos ‘05 casos, determina-se a observancia de procedimentos especificos, regulados em sede legislativa, que, no maximo, podem culminar com a expropriacao do imével ea respectiva indenizacao, ainda que em titulos pablicos resgataveis, conforme 0 caso, em até dez ou vinte anos. Breslin a. 49 9, 194 abr Fun, 2012 Em outras palavras, se o descumpri- mento da funcio social constituisse funda- mento suficiente para afastar 0 alcance da protesio juridice-constitucional, descaberia aadocio de tais procedimentos, bem como o dever de indenizar que ~como decorrén- cia da garantia constitucional da proprieda- de tema finalidade de reparar 0 prejuizo patrimonial sofrido, muito embora seu pagamento no ocorra como nas demais espécies de desapropriacao. A observancia de tais exigéncias contempladas no texto constitucional constitui imposicao que decorre justamente da protecio conferida a propriedade™ 8, Propriedade e indenizagio A privacao ou ablagao, ainda que parcial, da propriedade gera, como regra geral, o dever de indenizar. A reparacao financeira pela limitagao da propriedade constitui garantia que jé encontrava funda- mento no texto da Declaragao dos Direitos do Hiomem e do Cidadao, de 1789, Ao.con- templar, em cardter excepcional, a possibi- lidade de privasao da propriedade quando ‘a necessidade piblica legalmente comprovada 0 cexigir manifestamente, oart.17 da Declaragao define como condigéo 0 pagamento de justa e prévia indenizaco ‘Nessa mesma perspectiva, a Consti- tuicao brasileira de 1988, em seu art. 5, XXIV, autoriza o legislador a estabelecer 0 procedimento para desapropriagio por neces- sidade ow wtilidade publica, ou por inter social, mediante justa e prévia indenizagio em dinkeiro, ressalvados 08 casos previstos pelo proprio texto constitucional. Ao dispor T Nese sentido, manifestou-se, no julgamento do MS m® 25.493/DE, 0 Ministto Celso de Mello 20 asseverar que nao e poe perder de perspectiva, por mais releoantes gue sejmo fundamentos da acfoexpropriatria do Estado, gue este mo pode também mio deve = desres- pita lds do “de proces of law", gue coniciona Sualeratcidade do stad tendon ata, dente otros direitos, aqule que concern & propriedade privada (ct ‘voto proferido no MS 25498/DE, Rel. Min, Marco [Aurelio sessdo de 19052010, a sobre o instituto da requisicao administra- tiva, 0 art. 5s, XV, do texto constitucional permite que, em caso de iminente perigo prblico, a autoridade competente poderé usar dle propriedade particular, assegurada ao pro- pritari indenizagio ulterior, se howcer dano. ‘A imposicdo do dever de indenizar em face de privacio do direito de propriedade tem encontrado guarida na jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal. E 0 que se extrai do julgamento do RE n# 134.297-8/ SP, em que se analisou a interdigio admi- nistrativa de remocio parcial de cobertura arbérea em propriedade rural abrangida pela Estagéo Ecol6gica de Juréia-Itatins No caso, produtores rurais foram impedi- dos, pelo 6rgao ambiental competente, de implantar projeto de cultura de cacau com aproveitamento dos recursos naturais exis- tentesna area, consoante recomendagdes de estudo de viabilidade econdmica que fize- ram realizar. Em seu volo, que conduziui 0 julgamento, asseverou o Ministro Celso de Mello que a circunstncia de o Cédigo Florestal (Leint 4.77165) defnir como bens de interesse comm tanto as florestasexistents no territirio nacional quanto as demas formas ites de ve- -getagio que revestem as dreas por elas ocupadas nido impede que se reconheca a obrigasio de 0 Poder Piiblico indenizar o proprietéro do solo nnaquelas hipSteses em que as limitagdes adimi- nistrativas, suprimindo ow reduzindo a possi- bilidade de exploragao dos recursos naturais da terra, venham avirtualmente esterilizar, em set contesio essencial,o dieito de propriedade' ‘Ousseja, as limitagées administrativas a pro- priedade ~ ainda que de carater ambiental = que impliquem reducao ou esvaziamento de seu contetido econdmico impéem a0 poder publico o dever de indenizar, como forma de assegurar minimamente o direito definido no art, 5, XXII, da Constituiga A mesma orientacao presidiu 0 julga- mento da ADI n¢3.112/DE que examinou a constitucionalidade da Lein®10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento). Ao decidir "Cf RE 134 207.8/SP, Rol. Min, Celso de Mell, in DJU de 7209, @ sobre a impugnacio, por violagao do di- reito de propriedade, do preceito legal que determinava a entrega de armamentos ¢ munigio em face da auséncia de renovagéo periddica de licenca, o Supremo Tribunal Federal defini que odireito do proprietario. 4 percepeao de justa e adequada indenizagao, reconkecida no diploma legal impugnado,afesta salegadaviolagio ao art. 52, XXI, da Constitui- sii Federal’, Ou seja, 0 dispositivo legal que determinava a reparacdo financeira em face da entrega de armas ¢ munigées constitu, segundo a interpretacio da Corte, impo- sigdo decorrente do direito fundamental a propriedade. ‘Tambem em observancia ao direito de propriedade, a Lei n# 9.985, de 2000 (que institu Sistema Nacional de Unidades de Conservacio da Natureza e da outras pro- vidéncias) determina a desapropriagio ~ coma respectiva prévia ejusta indenizagao ~ de areas particulares que recaem sobre unidades de conservacao que, segundo a lei, devem ser de posse e dominio publicos. Eo que estabelece, entre outros, 0 § 12 do art. 17 (Florestas Nacionais), 0 § 12 do art. 19 (Reserva de Fauna), 0 § 2#do art. 20 (Re- serva de desenvolvimento sustentavel) ¢ 0 § 18 do art. 9 (Estacio Ecolégica). Ou seja, a interdicao da propriedade decorrente da decretacdo de tais unidades de conservaca0 requer necessariamente regular processo expropriatorio, com a devida reparacéo financeira exigida em nome do direito Inserito no art. 5, XXIL, da Constituigdo. ‘A agio que tenha por finalidade privar © proprietario de seu bem, expropriando-o sem pagamento de indenizacao, constitui confisco. Trata-se de penalidade admitida excepcionalmente em face da pratica de determinadas infracies. O texto constitu cional ~ como se vit. acima ~ autoriza, em seuart.243, o confiseo das glebas de qualquer regio do Pats onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotripicas. Determina, ainda, a mesma medida para qualquer bem CE ADIn#3112/DE, Rel. Min. Ricardo Lewar- lows in DJU de 25.10.2007. Revista de Informagio Legi de valor econémico apreendido em decorréncia do trfcoiicito de entorpecentes drogasafins (art. 243, pardgrafo tinico). A legislagao penal também contempla hipoteses de confisco. O art. 91 do Cédigo Penal determina a perda em favor da Unio = com a ressalva dos legitimos direitos do lesado e do terceiro de boa-fé- do produto do crime ou de qualquer bem ow valor que constitu proveito auferido pelo agente com a pritica de {ato criminoso, além dos instrumentos do cri= ‘me, deste que consistam em coisas cujo fabrico, Alienagio, uso ou detenciio constitua fatoilicit, Disciplina semethante é, ainda, encontrada no art. 73,1, da Lei n# 9.613, de 1998, que dispoe sobre os crimes de “lavage” ou ‘ocultacao de bens, direitos e valores. © confisco constitui, portanto, penali- dade excepcional de privacio da proprie- dade sem 0 pagamento de indenizacio, que somente cabe ser aplicada mediante cexpressa previsio em lei. Descabe, assim, em face de atividade licita, desempenhada nos termos da lei. A execugéo de medida confiscatéria sem base legal ou conotacao unitiva constitui expropriacao que requer, em face do direito de propriedade, devida reparacio financeira, 9. Conelusies A propriedade nao assume contornos de direito absoluto, Ainda que considerada como direito fundamental inato a condigao humana, a propriedade submete-sea diver- sos condicionamentos e restrigées. Muitos decorrentes de outros direitos e principios também tutelados pelo texto constitucional Isso nao significa dizer que a proprie- dade deve ser relativizada a ponto de in- viabilizar o seu exercicio. A ordemjuridica vigente certamente assegura aos titulares desse direito um conjunto de garantias contra eventuais violagées, Duas delas merecem especial destaque. A primeira garantia € a decorrente do principio da reserva legal, que exige expressa previsio em lei das restrigdes ao direito de pro- Brasilia a 49 n, 194 abr Fm, 2012 priedade, sendo vedado & administracao piblica determinar unilateralmente - sem Geliberacao dos representantes eleitos pelo ovo - limitacGes ao seu exercicio. Em se~ gundo luger, cumpre destacar 0 dever de indenizagao decorrente da privacio, total ou parcial, do bem sob dominio. Descabe a0 poder piiblico causar prejuizos ou mesmo ‘expropriar bens particulares sem justa e devida reparacao financeira. A interdicao da propriedade sem indenizacao é confisco, medida admitida apenas em casos excep- cionais, como penalidade a especificas determinadas infracies. Referencias ALEXY, Robert. Tearia de las derechos fundamentals ‘Madrid’ Centre de Estos Constitucionales, 1983. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fan ‘damentais na Constitigto Portuguesa de 1976. 3. ed Coimbra: Almedina, 2004 ARENDT, Hanna. 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