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a CIRCULO DO LIVRO S.A fa postal 7413 ‘0 Paulo, Brasil Edigdo integral Titulo do original: “Romeo and Julict” Versao anotada de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros ¢ Oscar Mendes Licenga editorial para 0 Circulo do Livro por cortesia da Companhia José Aguilar Ecitora E proibida a venda a quem nao pertenga ao Circulo ‘Composto pela Linoart Ltde Impresso e encadernado em oficinas préprias 41 13 15 17 19 21 22 20 18 16 14 12 83 85 86 84 82 DRAMATIS PERSONAE, ESCALO, principe de Verona. PARIS, jovem nobre, parente do principe. MONTECCHIO Chefes de duas familias inimi- CAPULETO gas uma da outra Um VELHO, da familia dos Capuletos ROMEU, filho de Montecchi MERCUCIO, parente do principe e amigo de Romeu. BENVOLIO, sobrinho de Montecchio ¢ amigo de Romeu, TEOBALDO, sobrinho da Senhora Capuleto, FREI LOURENCO { Frades FREI JOAO, franciscanos. BALTASAR, servidor de Romeu. SANSAO Servidores de GREGORIO Capuleto. PEDRO, servidor da Ama de Julieta ABRAAO, criado de Montecchio. Um BOTICARIO. Trés MUSICOS. PAJEM de Mercticio. PAJEM de Paris. Outro PAJEM. Um: OFICIAL. SENHORA MONTECCHIO, esposa de Montecchio. SENHORA CAPULETO, esposa de Capuleto. JULIETA, filha de Capuleto. AMA de Julieta. CIDADAOS de Verona; HOMENS e MULHERES, parentes de ambas as familias; MASCARADOS, GUAR- DAS, AGUAZIS e SEQUITO. Coro. CENA: Verona e Mantua. o PROLOGO. v (Entra oCoro.) CORO ‘Na bela Verona, onde situamos nossa cena, duas jamilias iguais nafdignidade, levadas por antigos ran- cores, desencadeiam novos distiérbios, nos quais 0 sangue-oivil tinge méos-cidadas. Da eniranha jaial. desses dois inimigos ganharam vida)\sob adversa estrela, dois amantes, cuja desven- tura’é lastimoso fim enterram, com sua morte, a constante sanha de seus pais. : temiveis momentos de seu amor mortale a Os fobstinagdo da Adio das jamilias/ qile sonente-a'riorte ee ee sabiarairdo, durante duas ho- iS, © aislnto de Tidssd Fepresentacdo.. Se a escutardes comfatencao benévola,\ procurare- mos remir-nos com nosso zelo das faltas que houver. i ” Julieta - CRRULETO ATO PRIMEIRO CENA I: Verona. Uma praca ptblica. (Entram Sansao e Gregorio, da ca- sa dos Capuletos, com espadas e broquéis.) SANSAO! Palavra, Gregério, nao carregaremos desaforos! GREGORIO) No, porque entéo nos tomariam por carrega- dores, > Sed _qdeVeMn emanstror pie © tay pur do Sule od feilias aenyyo opossiod erp SANSAO. Quero dizer que, se nos zangarmos, puxaremos a espada. tao ap whet GREGORIO Sim, porém procura, enquanto viveres, puxares teu_pescogo para fora do nd da forca.” _- SANSAO | a Bato logo, quando bolem comigo. Accran (9 SUAS. - GREGbRIO Mas nio bolem téo depressa que sejas levado a bater, SANSAQ. Um(cao da familia dos Montecchios bole-me com OS Hervos. GREGORIO Bulir € mexer-se e ser valente, esperar de pé firme! Togo, se te mexes, & que ests fugindo. SANSAO Um cio daquela casa me levard a ficar firme! Ti- rarei do lado da parede qualquer homem ou mu- Ther dos Montecchios. | GREGORIO sso indica que és um escravo ‘fraco, pois sé os mais fracos € que vo & parede. SANSAO FE verdade e, por isso,, as_mulheres,’ como_vasos “frageis, sao sempre empurradas contra a_parede Portanto, nfo deixarei que os criados dos Mon- tecchios fiquem do lado da parede € atirarel as mulheres contra a mesma. x & Pe GREGORIO "As cabecas das donzelas? 10 SANSAO ‘Sim, a cabega das donzelas ou a virgindade de- las." Toma no sentido que quiseres. = GREGORIO ‘Aquelas que © sentirem, 0 tomario no verdadeiro sentido. SANSAO Elas.me sentirZo, enquanto possa manter-me de pé, ¢ € sabido que son um belo pedago de carne! GREGORIO E bom que nfo sejas um peixe. Se tu o fosses, nfo serias mais do que uma pescada®. Tira tua ferramenta, que esto chegando dois da casa dos Montecchio: Entra Abratio € Baltazar lem SANSAO ‘Minha arma jé esté nual Provoca-os; eu guarda- rei tuas costas. GREGORIO ‘Como? Virando as tas © comegando a correr? SANSAO De mim nada temas! GREGORIO Nao, por minha fé! Ter medo de ti? SANSAO iquemos com a lei de nosso lado, Que eles ¢o- mecem. i GREGORIO \ SANSAO Ao passar diante deles, iaranare’ 2 sobrecentig)e Porque, se a procurais, senhor, estou as ease que o tomem como quiserem ordens. Sirvo a um amo tao bom quanto ' ABRAAO | | | | SANSAO Porém, que néo é melhor. | N&o, que se atrevam! ao olhd-los €, como sabes, uma desonra para cles sera, se 0 suportarem. . Onentre ABRAAO pom Estais mordendo 0 polegar para nés. senhor? "Gauge ve da fonihe Entra @ lio. GREGORIO (A parte para Sanséo.) * SANSAO. Bem, senhor. SANSAO a 0. Estou mordendo_o polegar, senhor. Dize “melhor”, pois ali esta vindo um parente de meu amo. ABRAAO, Estais mordendo 0 ara nés, Jenhor? SANSAO Sim, melhor, senhor. SANSAO (A parte para Gregério.) A lei est " . ABRAAO le eu disser sim? Estais mentindo. GREGORIO (4 parte para Sansio.) SANSAO. Mio . Desembainhai vossa espada, se sois homem! Gre- SANSAO \ BOrio, recorda-te de tua famose estocadal Nio, senhor, nio estou mordendo o polegar para Lutam. WSs, mas estou mordendo mel polepee (enemy EG! ——BENVOLIO GREGORIO Apartai-vos, imbecis! (Abatendo-lhes as espadas.) Procurais briga, senhor? Embajnhai vossas espadas! Nao sabeis o que estais 4 fazendo! : ABRAAO Briga, senhor? Absolutamente. entra Teobatto.) — Briga, senhor? Absolutamente 12 13 al TEOBALDO Como, desembainhastes a espada no meio desses cruéis vildes? Vira-te, Benvolio, e contempla tua morte. BENVOLIO $6 procuro manter a paz. Embainka tua espada, ou ajuda-me com ela a separar esses homens TEOBALDO vamos {/cs nua ¢ falar de paz? [Odcio essa lavra, como odeio 0 inferno, 's_ Montec+ chios ¢ tu] Em guarda, covardel (Lutam, Chegam partidérios de am- bas as jamitlias que tomam parte na refrega; depois, entram Cidadéos € Agentes de policia. com bastoes.) - CIDADAOS a Bastdes, langas e alabardas! Atacai! Derrubai-os! Abaixo os Capuletos! Abaixo os Montecchios! (Entram o velho Capuleto, vestindo toga, e a Senhora Capuleto.) CAPU. (Que barulho € este? combate! Vamos! Sin-me minha espade ppVL TO Por qu: pedis aim CAPULETO Minha espada, estou dizendo! Chega o velho Mon- tecchio e brande sua lamina a despeito meu! {Entram o velho Montecchio ¢ Se-—— nhora Montecchio.) MONTECCHIO \Tu, infameCapuretor. Na g kai-me! (Entra o Principe Escalo com seu—— séquito.) Acassaleé rebeldes_inimigos da paz, provenscerss ise “ato _manchado—com—9-sengus eho. vVizinhos!... Nao _escutastes?_ Como! Ola! Ho- ‘mens, Teras selvagens que apagais o fogo de vosso eae cato con purplreae Torrentes- que BFO- lam de vossas veias, Sob pena de tortura, arrojai 20 solo, dessas maos sanguinolentas, vossas mal lado principe! Tres discOrdias civis, engen oF pala TeaSpor t, velho Capuleto, e por Ai, Monteoshio, jor tres Vi furbaram a quie- tude de nossas ruas; ¢ 0s anciaos, habitantes de Verona, viram-se obrigados a despojar-se de seus raves € decentes ornamentos* par: janejar_ve- thas pattasanas com maos igualmente velhas e 15 ‘Vés, Capitete, panhar-me-eis, ¢ vs, Montecchio, comparecereis esta tarde, para saber nossa ulterior resolucao a a Tespeito deste assunto, na antiga Vila Franca, nosso habitual lugar de justica. Mais uma vez, ainda, que todos se retirem, sob pena de morte! (Saem todos, menos Montecchio, Pome ey a Senhora Montecchio e Benvdlio.) MONTECCHIO Quem tornou a despertar esta antiga querela? Dize-me, sobrinho, comesou ela na tua presenga? BENVOLIO Os servi bainhei a espada para desaparté-los, quando sur- giu o impetuoso Teobaldo, com a espada prepa- tada, que, langando provocacdes a meus ouvidos, agitava-a sobre a cabeca, fendendo os ares, os quais, sem receber dano algum, silvavam-no com © maior desprezo. Enquanto trocdvamos cutiladas. © golpes, vinha acorrendo mais gente que lutava de lado a lado, até que chegou o principe que desapartou ambas as partes. ———— SENHORA MONTECCHIO Oh! (Onde eA ROME) Tu o viste hoje? Estou muito contente por ver que no est4 meiido nesta contenda, 16 BENVOLIO Jo sol 8550° Senhora; uma hora antes que o adorado Sol Tre masse na janela dourada do oriente, um CPM, intranqiil’ me impulsionava a passear PEAS A dondezas, onde, debaixo de um pequeno Pendt de sicomores que eresce 0 poente da cidade, Mt vosto filho passeando em hora to maturing. 1. caminhiome na diregio dele, mas, desde que in presenti intenou-se na esprssura do arvored”. Eu, medindo seus sentimentos pelos nunca séo mais ativos do que no meio da maior solidéo, segui minha fantasia sem_perseguir a dele g contente evitel a quem contente fugia de mim. MONTECCHIO Muitas manhis 14 foi ele encontrado. aumentando com lagrimas 0 fresco orvalho matutino @ acres- centando novas nuvens as nuvens com seus pro- fundos suspiros; mas apenas o sol que a todos alegra © anima, além dos confins do oriente, co- mega a descerrar as densas cortinas do leito da aurora, meu triste filho volta para o lar, fugindo da luz, e se aprisiona em seu quarto, fecha as janelas, expulsa o belo dia e para si faz uma.noite artificial. Negro ¢ fatal seré esse estranho humor, a nao $f que um bom conselho possa remediar- the a causa. BENVOLIO Meu,nobre tio, conheceis a causa? MONTECCHIO Nem a sei, nem posso conseguir que ele a revele, 7 — BENVOLIO Vv C BENVOLIO Nao o importunastes por algum meio? ‘Acabam de soar nove horas. MONTECCHIO Nao $6 eu como muitos outros amigos; mas, ¢le, | conselheiro dos préprios sentimentos, é, paras! | Thesmo (n&d poderei_dizeT com que, sincéridade), fo Secreto, t ds Techado, tho longe da penetracio * BENVOLIO ¢ da descoherta. q ‘© botdo mordido por um Era,(Oue tristeza alarga as horas de Romeu? ROMEU a —., ‘Ai de mim{[As horas tri em Tongast} Nao era meu pal, quem acaba de sair to depressa? Verme inVejoso, antes que possa estender pelos IES SUES Sunes Tolley bo UMTERT Si DICED 20 BENVOLIO SOI. Se pudéssemos descol ~ Em amor? Entra Romer.) ROMEU —_Privado BENVOLIO ‘Olhai-o que chega. Por favor, afastai-vos. Vou sa- ber a causa de seu pesar ou muito reservado se mostraré comigo. BENVOLIO —_De amor? OMI MONTECCHO. : ; Privado dos favores daquela a quem amo. Desejo que sejas bastante feliz para ouvir-lhe a confissao. Vamos, senhora, retiremo-nos. BENVOLIO : , ‘Ai de mim! Que o Jo _gentil na aparéncia, (Saem Montecchio e Senhora Montecchio.) Al de mi Or ee pont que ser 120 cruel ¢ tirano na proval BENVOLIO ROMEU Boa manh4, meu primo! ‘Ai! Que o amor, cuja vista é sempre vendada, en- contre, sem os ‘olhos, caminho franco para sua ROMEU vontade! Onde jantaremos? Pobre de mim! Que Ainda esté to jovem o dia? barulho houve aqui? Entretanto, nio me digas, 18 19 ‘pois tudo escutei. Aqui o édio d4 muito que fazer, porém o amor mais ainda, Oh! amor rixoso! Oh! Sdio_amoroso! Oh! todas as coisas primeiramente criadas_do nadal Oh! pesada ligcireza! Séria_vai- dade! Informe caos de sedutoras formas! Plumas le minosa, sauide enferma, sono em & Uy ) erpétua vigilia, que nao é 0 jue 6! Tal é o amor que sinto, sem sentir, em tal thot anor heim NS ~ BENVOLIO Nao, meu primo, antes choro. ROMEU, y Bondoso coracdo, de qué? e - YBENVOLIO && Do acabrunhamento de teu bondoso coragao, a nalve seo ye Sy red 3 oO = 3 & Que queres, tal é aftransgressao do Amor!)Meus PrOprios pesares oprimem meu peito e Tu vais au- menté-los acrescentando ainda os teus. Esse afeto que me mostraste acrescenta novo pesar ao exces- so do meu. Q amor € fumaga formada pelos vapo- res dos suspiros, Purificado, € um fogo chis] eante nos olhos. i amantes. Contrartado, um. Ta alj- Mentado_pelas 14; is dos amantes. Que mais Socura que nos salva, Adeus, meu ‘primo! BENVOLIO Espera! Quero acompanhar-te. Se assim me dei- xas, podes ofender-me! 20 Doquaa. yf frond es EU . _ Kottial Bu me perdi e néo estou aqui, Romeu néio est aqui, esté em outro lugar qualquer. NVOLIO | _ PEMas dize-me serlamente: estés apaixonado por quem? ROMEU, Como? Preciso dizer-te, solugando? BENVOLIO Solugando? Por qué? Nao; mas conta-me seria~ mente quem 6. ROMEU Pede a um enfermo que faca seriamente o testa- mento. Ah! Que mau conselho para alguém que ~ esté tao mal! Seriamente, primo: amo uma mulher BENVOLIO — Bem perto visava eu, quando te supunha, ap: xonado. ROMEU Certeiro © bom atirador! E bela é aquela a quem . amo. BENVOLIO Mas um belo alvo, gentil primo, se atinge bem. ROMEU Bem, desta vez nfo atingiste 9 alvo! Ela nao se deixa atingir pelajseta de Cupido, Possilra sabedo- 21 ria de Diana e protegida por uma castidade bem armada, vive fora do alcance do infantil e débil arco do amor. Nao se deixara assediar por pro- postas amorosas, nem suportar o encontro de olhos assaltantes, nem abrir seio ao ouro capaz de seduzir os santos. Oh! é rica em beleza e sé pobre. Porque, quando morrer, com sua beleza, morre- r4 seu tesouro _ BENVOLIO Entio, jurou ela viver-sempre casta? “em virtude dessa economia, comete o esbanjamento, pois a beleza, esfaimada por 1, priva a’ beleza de toda a descendén- erecer a felicidade em troca de 3S meu desespero. Ela]juroun&o amarle, por causa = desse voto, vivo morto, vivendo somente para di- BZ tert apo Q-BENVOLIO | = Deixa-te guiar por mim; nao penses mais nela. . ROMEU ‘Oh! ensina-me como posso deixar de pensar. BENVOLIO Dando liberdade a teus olhos. Examina outras belezas, ROMEU E 0 meio de proclamar a dela mais maravilhosa 22 ainda. Essas felizes mascaras que beijam a fronte das belas damas fazem adivinharmos, sendo ne- gras, a radiante brancura que escondem. Quem fica cego d jecer 9 inesti- —T saavel tesouro de sua vista perdida. Apresenta-me rea damn de caiteme torausaia, De que me servird sua beleza, senfo de pagina onde lerei uem jou essa avantajada beleza? Adeus, fi40_podes ensinar-me-a esquecer BENVOLIO Eu te darei esse ensino, ou, do contrario, hei de morrer devendo. ee (Saem.) —— CENA II; Uma rua. & (Entram Capuleto, Paris e um Servidor.) CAPULETO Mas Montecchio est4, como eu, ligado pela mes- ma penalidade. Nao é dificil de manter 2 paz entre homens de nossa idade. PARIS ‘Ambos gozais de honrosa consideragao, e € muito lamentavel que hajais vivido inimizados tanto tem- po. E agora, senhor, que respondeis a meu pe- dido? CAPULETO Respondo o que jé respondi: minha filha € ainda minha eo ain 23 uma estranha no_mundo..Ainda nao viu comple- {AteTSe SEUS quatorze anos) Deixa, pois, dos ve- oes se Extn SD esplendor, antes que Possamos julgé-la sazonada para ser uma esposa PARIS: Outras mais mogas do que ela j4 sao mies felizes CAPULETO E muito cedo murcham aquelas que se asam cedo mais. A terra levou todas as minhas esperangus menos ela. Ela € « dona e a ésperanca de meu mundo. Mas corteja-a, gentil Paris, congutstalhe 9 corasao. Minha vostade € somente uma parte de seu consentimento. Se ela concordar, dentro dos limites de sua escolha se acham meu voto favoravel e seu consentimento. Esta_noite,_se- ad tradicional, dou uma fe; " ual_convidel_virius pe; Aumenta-lhe o numero © serat tre {yer ( 28 Presentes. Em minhu pobre casa, prepata-te PoshVB’ | costa noite Para contemplar estrelas que pisam a terra, eclipsando a luz do céu. Deleite semelhant fe Lister | te 20 que experimenter, jovens robustes, quan- Mv do 0 florido abril pisa os calcanhares do coxtante e ‘i aw va para aquela cujot mérito seja maior. Bem visto, minha filha figura entre aquelas que estdo neste nmero, sem entrar na conta. Vem, acompanha- me: (Ao Servidor, dando-the wm papel.) “Anda, malandro, percorre a bela Verona, procura as pes- PM }soas cujos nomes estao aqui escritos © dize-lhes formosuras, olha-as todas e que tua preferénein ut vpe aliade da er Familya ? que minha casa e minha hospitalidade estio 2 espera de suas presencas. Saem Capuleto e Péris.)— —__—______, SERVIDOR _ | tos! Esta escrito que o sapateiro se entenda com sua jarda ¢ 0 alfaiate com sua forma; o pescador ), com os pincéis, e com as redes, o pintor; mas bus- car, a mim, me mandam aquelas pessoas cujos nomes esto aqui escritos e jamais poderei achar | Que nomes foram postos aqui. Terei que procurar quem soja instruido. Nem 2 propésito! BENVOLIO Cala-te, homem!/Um fogo a tro Fogo) Uma, pena € minorada Como solrimento de Gutras Roda ate —@-vettigem_ €ficaras_sereno, em_di- ma _dor-desesperada com aafli- D meus—othos abe SO TeUS Oth ROMEU - Tuas folhas de plétano séo excelentes para isso. BENVOLIO Para qué? Fala! ROMEU, Para a fratura de tua perna, Us “a propos ple wo le Enseares * (Entram Benvélio e Romeu.j— BENVOLIO Como, Romeu, estés louco? ROMEU Louco, no; porém mais atado do que um louco, metido numa priséo, mantido sem alimento, agoi. tado e atormentado €... (Ao Servidor.) Boa tar- de, bondoso rapaz. is SERVIDOR Que Deus vos dé boa tarde, senhor. Por obséquio, sabeis ler? ROMEU Sim, meu préprio destino em mittha desventura. SERVIDOR Isso iva; mas, por favor, sabeis ler qualquer coisa que veiaj ROMEU Sim, S¢ soubor as leteas =a Woguagen) SERVIDOR Nao vos explicais mal! Que Deus vos conserve a alegrial ROMEU Espera, rapaz; eu sei ler. (Lé.) “O Senhor Mar- tino, esposa ¢ filhas; o Conde Anselmo e suas lindas irmas; a Senhora vitiva de Vitrivio; 0 Se- nhor Placéncio ¢ suas encantadoras sobrinhas; Mereticio e seu irmao Valentino; meu tio Capu- leto, sua esposa e filhas; minha bela sobrinha 26 -a Liste de conut dour Rosalina; Livia; 0 Senhor Valéncio ¢ seu primo | Teobaldo; Lticio'e a jovial Helena.” Uma bela assembléia! E onde se reunirao? SERVIDOR Em cima ROMEU, Onde? SERVIDOR Cear em nossa casa. ROMEU Em casa de quem? SERVIDOR De meu patrao. ROMEU Com efeito, 6 0 que deveria ter-te perguntado antes. (SERVIDOR \ Agora, sem que me pergunteis, eu vos direi. Meu | patrZo € 0 riquissimo Capuleto. E se nao perten- ceis A casa dos Montecchios, eu vos pego pee ) nhais para esvaziar um copo de vinho. Espero que vos divirtais! (Sai.) —— BENVOLIO | Nessa mesma antiga festa dos Capuletos, ccia a 27 bela Rosalina, as beldades adi olhos nao pre & quem estés amando, com todas miradas de Verona. Vai la e, com venidos, compara o rosto dela com guguns que eu te mostrarei e conviras comigo que t v eu cisne € um corvo, ROMEU Quando a sacrossanta religiao de meus olhos man tiver semelhante falsidace, que entio mianae 1a grimas se transformem em chamas; e esses here. cos tcansparentes, tantas vezes inundados, sem Poderem morrer jamais, sejam queimados come Impostores! Uma mulher mais bela do que minke amada! © sol, que tudo vé, nunca viu‘outra ne melhante desde 2 aurora dos tempos! BENVOLIO. Cala-te! Tu a viste bela, porque, néo tendo com quem comparé-la, ela sozinha se equilibrou em Giga um de teus olhos; mas contrapesa nesses balaneas eristalinas a imagem de tue amade cons alguma outa donzela que te mostrarel resplon decente nessa festa apenas te pareceré ean que agora julgas superior ROMEU Irei, nao para mosuras, da minha. Presenciar 0 espetaculo de tais for- mas para regozijar-me com 0 esplendor Stem.) 28 CENA III: Sala na casa dos Capuletos. (Entram Senhora Capuleto e a Ama.) SENHORA CAPULETO Onde est4 minha filha, ama? Chama-a, que ela venhar falar-me. AM. 1 or minha virgindade, quando estava_com doze anos, | The dive que Viesse! Eh! meu cor- lelroT Eh} “minha “pirratha!.”. Deus me perdoel Onde esta essa pequena? © Julieta! (Entra Julieta,)— SULIETA, Que ha? Quem esta me chamando? AMA Vossa mie, JULIETA . . Senhora, estou aqui. Que desejais? SENHORA CAPULETO O assunto € este... Ama, deixa-nos sés um mo- mento; precisamos falar em segredo... Volta de novo, ama! Pensei melhor; deves ouvir nossa con. versa. J4 sabes que minha filha esté numa idade razodvel, AMA * Por minha £6! Posso dizer-Ihe a idade sem errar uma hora! 29 SENHORA CAPULETO Ainda nao fez quatorze anos, AMA E eu aposto quatorze de meus dentes (embora, com tristeza o diga, s6 possua quatro) como ainda nao fez quatorze anos, Quanto falta para a Festa do Pao? . SENHORA CAPULETO Pouco mais de duas semanas. AMA ois, pares ou impares, de todos os dias do ano, na véspera da festa, 3 noite, completard quatorze. Susana e ela (Deus dé descanso a todas as almas cristas!) tinham a mesma idade. Bem, Susana esta com Deus; era boa demais para mim... Mas, como estava dizendo, na véspera da festa, a noi- te, completaré quatorze, Juro que sim. Recordo- me bem. Esta fazendo agora onze anos do ter- remoto* e naquela época ela foi desmamada. "Nunca esquecerei... De todos os dias do ano, foi justamente aquele. Porque eu untara antes 0s peitos com absinto e estava sentada ao \ sol, debaixo do muro do pombal. Meu senhor ¢ vOs estaveis ento em Mantua. Nao, mas eu te- nho uma meméria!... Pois, como dizia, quando provou o absinto do bico de meu peito € o achou amargo, ah! a louquinhal, precisava ver-lhe o enjoo e come ficou aborrecida com ele! Com tudo isso, comecou 0 pombal a tremer. Posso garan- tir-Vos que nfo foi preciso pedir-me para que eu me pusesse a salvo. E desde aquele tempo faz 3 Wd iy wns AU Neo S. We 3 opr © ‘onze anos, ¢ jA entao podia ficar de pé sozinha, sim, pela Santa Cruz!, podia j4 correr e tropegar | por todas as partes, pois precisamente, no dia | anterior, se ferira na cabeca. E entfio, meu marido (que na gloria estejal), que era homem jovial, Ievantou a pequena e lhe disse: “Entdo, cafste de_brugos? Quando _tiveres wizo, cairas de ‘ ‘costas._N: fe, Julia? = ahore, ai jena deix: imediata- Tente e exclamou: “Sim”, E preciso ver comp vem a. propési abo: ira! Mil anos jue_vivesse, eu_vos asseguro_que nao _a_esque- wie STaa?” disse oles & Tada pequena pdra de chorar e responde: “Sim' SENHORA CAPULETO ‘Chega disso. Por favor, cala-te AMA Sim, senhora; mas nao so¢deixar de ritypen- Sin seen, ate psec ee ie Tape fo que parou de chorar e disse Sim”, e que, Bosse _garantirvos, linha no testa _um_galo fo grande quanto um ovo de galinha; uma pancada erigosa; © ela an * disse meu _marido, “caiste de brugos? Quando fo- stas. Nao € verdade, Ju- lia?” E ela parou_de chorar_e disse: “Sim”, JULIETA E para tu também, por favor, ama, estou-te di- zendo. AMA Silencio, j acabei, Que Deus te favorega com 31 sua grag: alimentei e, um dia, tod dos. Eras a mais linda crianga que jamais se viver tanto que te possa ver casada los 05 meus desejos terdo sido realiza- ——SENHORA CAPULETQ = ——_____ Mas, por Deus, era nés “vamos falar. qual a disposigao mento? justamente de “casé-la” que Dize-me, minha filha Julieta, que sentes em relagZo ao casa_ JULIETA E uma honra com a qual nao sonho. AMA Uma honral Se nao fosse que terias tirado a sabedoria te criei. wa Gnica ama, diria dos peitos com que SENHORA CAPULETO. Bem, mais’ jov. € tempo de pensar no casamento. Outras ens do que tu ha aqui em Verona, da- mas de grande consideragéo que j4 sio macs Se nfo me engano, cu mesma era tua mae, muito antes dessa idade em que és ainda donzeéla. Assim, Pois, em poucas palavras: o valente Paris te Procura para esposa. AMA Que homem, senhorita! Senhora, € um homem como no mundo inteiro... Ora, é uma figura de cera!’ 32 19 SENHORA CAPULETO Aad O estio de Verona nao possui flor igual AMA Ah! sim, € uma flor, sem diivida, uma verdadeira flor. SENHORA CAPULETO . Que dizes? Poderds amar esse fidalgo? Esta noite © verés em nossa festa. Lé no livro do rosto de Paris e descobre 0 encanto escrito com a pena da gentileza, Repara na harmonia de cada uma das feigdes © vé como uma realga a outra, e se algo obscuro encontras nesse belo livro acharés a expli- cagao nas margens de seus olhos. A esse precioso livro de amor, a esse amaute nao encadernado, para completar-lhe a formosura s6 falta a cober- tura. O peixe vive na dgua ¢ é grande honra para a beleza exterior cobrir a interior beleza. Tal livro aos olhos de muitos deve partilhar da gléria que na durea histéria se contém presa por fechos de euro. Do mesmo modo, partilharas de tudo quanto ele possua, sem te diminuires a ti mesma, e é 4 3 = Sama <. — Diminuir? Nada disto, aumentar! Juntas com ho- So mens, as mulheres engrossam! s SENHORA CAPULETO & Dize depressu, Vers com agrado o amor de Paris? ® suuieta | Procurarei gostar dele, Se ver me levar a gostar; iS g 33 —> sede ensnole sere 6 que & deve eh» | leva wn TR ag ecoth mas ‘nao langarei meu olhar mais além, exceto se vosso consentimento lhe der forga. . -wooow—— (Entra um Servidor.) SERVIDOR Senhora, os convidados j4 chegaram, a ceia esté servida, estfio-vos chamando, pergurtam pela jo- vem senhora, a ama esta sendo amaldigoada na copa ¢, enfim, tudo esta nos extremos. Devo ir servir. Segui-me, por favor. SENHORA CAPULETO Nao tardamos. (Sai o Servidor.) Julieta, o conde esta esperando. AMA Vai, pequena! Procura felizes noites para felizes dias! (Saem.) CENA IV: Uma rua. ® (Entram Romeu, Mercutt6, Benvo- lio, com cinco ou seis outros Mas- _carados e Portadores de tochas.) ROMEU Entio, recitamos este descurso® para nossa des- culpa ou penetramos sem desculpa? BENVOLIO J& passou o tempo para toda essa prolixidade! 34 inyasoe do. destn Nao vamos levar agora Cupido coberto com uma venda e na m&o um arco tértaro de madeira pinta- da, assustando as damas como um espantalho, nem tampouco anunciar nossa entrada com um prdlogo sem livro, balbuciado gragas 20. ponto. Mas sdeixai-os medir-nos como queiram! Nés lhes mediremos uma medida? ¢ partiremos. ROMEU Dai-me uma tocha! Nao estou para esse passo vagaroso e, depois, j4 que me sinto tenebroso, devo levar a luz. MERCUCIO Como, gentil Romeu! Queremos que dances! ROMEU Nao, wereditai-me! Estais usando sapatos de baile com’ solas leves. Eu estou com uma alma de chumbo, que me deixa preso ao solo sem poder mover-me. MERCUCIO Estas apaixonado! Pede emprestadas as asas de Cupido e sobe com clas além dos limites comuns. ROMEU Por demais ferido estou eu pela flecha dele, para que possa voar com suas leves asas; © tio pros- trado me mantém, que nao posso elevar-me além do negro desgosto! E, sob o enorme peso do amor, sucumbo! MERCUCIO ‘Mas, se caires em cima, dominarés 0 amor com 35 teu peso! Opressdo demasiada para téo terno ser. ROMEU Terno ser é 0 amor? Aspero demais, rude demais, Molento demais ¢ pungente Comm ua Re spinho. MERCUCIO Se © amor € dspero contigo, sé aspero com ele; se te traspassar, traspassa-o e acaba por domina- lo. Dai-me um estojo onde colocar meu rosto! Uma mascara para outra méscaral Que me impor- ta que algum olhar curioso advirta agora minhas deformidades? Eis aqui estas faces grosseiras que se ruborizarao por mim! BENVOLIO Vamos, batei e entremos! E, assim que 14 dentro estivermos, que cada qual cuide s6 de suas per- nas. ROMEU Uma tocha para mim! Os levianos de coragio risonho fagam afagos com os talées nos insensi- veis juncos!" Por minha parte, eu me atenho ao antigo provérbio: “Serei porta-velas ¢ olharei”. “A partida nunca esteve tAo boa e preso estou." MERCUCIO Ora, “preso esté o rato!”, j4 dizia o condestavel. Se preso estas, nés te tiratemos do lamagal? — desculpa a expressio — desse amor em que te atolaste até as orelhas. Mas, vamos, estamos gas- tando a luz de dia! 36 ROMEU No, nao é assim. MERCUCIO . Quero dizer, rapaz, que, demorando, consumimos em vao nossas luzes como Jampadas em pleno dia. Compreende a boa intengao, pois nosso juizo esta cinco vezes nela em vez de uma sé'em nossos cinco sentidos. ROMEU E nds temos boa intencao, inco a essa mascara- da, mas constitui uma falta de iufzo. MERCUCIO Por qué? Pode-se saber? ROMEU Tive_um sonho esta noite... ET somo esta noite. : MERCUCIO E cu, outro. ROMEU. Bem, qual foi o teu? Soe Gust tot o tex MERCUCIO Que os sonhadores quase sempre _mentem."? ROMEU No leito dormem, sonhando coisas verdadeiras. MERCOCIO Qh! j4 vejo, poisy eve contigo a Rainha Mab. @ parteira das iluso : 37 manho que nao é maior do que a pedra de Agata que_brilha no dedo indicador dem conseTheiro municipal, ma_parcina S- culos coreéis, a passear pelos narizes dos homens “Gnquanto est#o_dormimdo.Os_rajos das fodas de seu_carro sao feitos de Jongas patas de_aranha, a capota, de _asas de gafanhotos; as_rédeas, de Tinissima teia_de aranha; os arnesess de Gmidos falos de Tua, 0 cabo do chicote, de osso de gfilo; 9 chicOte, We seu cocheiro, um pe- queno mosquito de libré_cinza, nao tendo _nem & metade do vermezinho redondo urado do dedo ‘preguigoso oe Ume-crimtay seu carro € uma casca de avela, confeccionado rum esquilo”marce- neiro ou por uma velha lagarta, desde_tempos imemorh ices dos carros das fadas. E, nesta cauipagem, gelopa, noite BB6s role ee ros dos apaixonados, que, entéo, sonham com Sonham com reverencias; pelos a fos, que imediatamente sonham_c norarios; See eee ee ea ga aa: Sonham com beljos, Tabios que Mab, enturetida, Infeta a rio, stormentndor Somers ecta a mitdo, atormentando-OS com eMpoTas, ois tem 0 Habito de viciarem o hialito com gulo- Selmas aromauicas.> Algumas vezes, cavalga sobre © narlz de um cortesdo, ¢, entao, sonha que feja_umma_promocto, ¢ OUtraS, COM e um porco do dizimo, faz cocegas no nara de um paroco__adormecido, —e _instantaneamenté—sonha Fie“com uma nova prebenda, As vezes, passeia son a ae ua voldads &-enTa0, somha que “est degolando inimigas— com brechas_embosca- jes _e _tragos_de jas, laminas _espanholas 38 cinco bracas de altura. E, entdo, reboa, de _re- ‘ele um salto ¢ se levanta, e, com semelhante Tamente, Esta Mab é a mesma que tranga a crina dos cavalos de noite e cola as grenhas dos duen- jjcam grandes desgracas. Esta nhados,_prognosticam gi g a bruxa que, quando as donzelas dormem Te Cosas, as opfime c Ihes ensina a aguentar, pela primefra Geb peso mamaling caine tazendd mulheres de boa carga. E ainda cla. ROMEU, ‘Siléncio, Mercticio, siléncio! Estés falando de ni- nharias. MERCUCIO # verdade, falo_de_sonhos que sdo_os filhos de Feat ccitsa. ongendtaos uniearients pela Va fantasia, © téo finos de substancia quamto_o EBA contanten do Gue bento gue anoTe ae ee peindo do. Norte e que, depois Ge intado, copes pare bem Tongs de 1a, virando ‘A.cara para o Sul, coberto de orvalho. BENVOLIO Esse vento de que falas nos afasta de nés mes- mos. A ceia j& acabou e chegaremos tarde de- mai ROMEU Temo que cedo demais, pois meu_coracio_pres- sente que alguma fatalidade, suspensa_entretanto ————eEeeeeeEeeeeeeeoeem 39 Vamos, alegres senhores! BENVOLIO Rufai, tambor! (Saem.) CENA V: Salo na casa de Capuleto. (Musicos a espera. Entram Servido- res com guardanapos.) PRIMEIRO SERVIDOR ‘Onde est4 o Cacarola que nfo ajuda a desservir? Tira um prato? Esfrega um prato! SEGUNDO SERVIDOR Quando os bons modos es! nas mos de um ou dois homens e ainda por cima nao as lavam. é um negécio imundo. PRIMEIRO SERVIDOR irai-me esses tamboretes! Afastai _o aparador! Cuidado com a prataria! Escuta: guarda-me um pedaco de magapao e, como gostas de mim, deixa que 0 porteiro permita a entrada da Susana Mo- leira e da Leonor. Anténio! Cacarola! 40 SEGUNDO SERVIDOR Jé vamos, rapaz! PRIMEIRO SERVIDOR Esto procurando, chamando, perguntando € Te clamando por ti no salao grande! TERCEIRO SERVIDOR . Nao podemos estar aqui e 14 ao mesmo tempo. Depressa, rapazes! Andem e quem se atrasar car- regard tudo! (Retiram-se para o jundo. Entram Capuleto, Julieta ¢ outras pessoas da familia, reunindo-se com os Convidados e Mascarados.) CAPULETO Bem-vindos, cavalheicos! As damas, cujos arte- Ihos ndo sao martirizados pelos calos, darao uma volta convosco, Ah! minhas senhoras! Qual de todas vés se negard agora a dangar? ue fizer_de _delicada, jurarei que tem calos! nao acértei_em cheio? Bem-vindos, Cavalheiros!-Em Tous Bohs tempos, também usava mascara e sa- bia sussurrar alguma historia nos ouvidos de uma bela dama, que acontecia encantar-me... Tudo passou, tudo passou, tudo passou.., Sede bem- vindos, cavalheiros! Vamos, mtsicos, tocai! Abram, abram! Déem espaco para as dangas! E pés Tigeitos, pequenas! (Soa a musica e danca-se.) Mals “luz, _rapages! —Retitai_as_mesas, apagai_o fogo. Est fazendo muito calor na salal © rapaZ, asta festa_inespera jOsitOT -ASsentai- 41 eS vos, meu bom primo Capuleto, assentai-vos, pois jé se passaram para nés os dias de dangar. Qual foi a Ultima vez em que estivemos em um baile de mascaras? SEGUNDO CAPULETO Virgem Santa! Trinta ano: CAPULETO Como, meu amigo! Nao é tanto assim! Nem tanto! Desde 0 casamento de Lucéncio, Que Pentecostes | e venha téo depressa quanto queira, ha vinte e cinco anos € entéo usamos méscaras! SEGUNDO CAPULETO % Mais do que isto! Mais do que isto! O filho mais velho de Lucéncio ja esta com trinta anos. CAPULETO Que me estais dizendo? H4 dois anos era ainda. menor, ROMEU (A wm Servidor.) Quem aquela dama que enriquece a mao da- quele cavalheiro? SERVIDOR Nao sei, senhor. ROMEU Ohi ela deve ensinar as tochas a brilharem esplen- didamente! Dir-se-ia que pende da face da noite como rica j6ia da orelha de um etiope! Beleza riguissima para ser usada e cara demais :para a 42 AN 2 € t i gent oan > ot erra! Como nivea pomba entre corvos, assim aparece aquela dama no meio de suas compa- nheiras. Acabada a danga, observarei onde se co- loca e, com o contato da sua, tornarei ditosa | minha rude mao. Porventura meu coragdo amou | até agora? Jurai que nfo, meus olhos! Porque até i esta noite jamais conheci a verdadeira beleza. TEOBALDO ele, pela voz, deve ser um Montecchio. Traze- : im mi ins ‘arma, rapaz! Como se atreve- omiseravel ' vir até aqui, encoberto com ums sroletes Te ara _escarnecer © Ti farizar_nossa_solenidade? s—_ Fo pls esi « asec minha Tal, 0 s de morte nao pode ser considerado pecado, F~ CAPULETO Que hé, sobrinho? Por que estas assim agitado? wi *P TEOBALDO Meu tio, aquele ali € um Montecchio, nosso inimi- go; © miseravel aqui veio, esta noite, por despeito, para ridicularizar nossa solenidade. rom x CAPULETO Nao € 0 jovem Romeu? TEOBALDO Ele mesmo, 0 infame Romeu. 2 Wyo od anny 38d pay CAPULETO ‘Acalma-te, gentil sobrinho, deixa-o em paz, pois se comporta como um perfeito gentil-homem. E, g para dizer verdade, Verona esté orgulhosa de um P 43 -jovem tao vir Nem em troc: quisera eu q casa. Portan go. Tal é tuoso ¢ de conduta tio exemplar. a de todos os tesouros desta cidade jue Ihe fosse feita ofensa em minha ito, s8 paciente © nao Ihe prestes aten- minha vontade; se a respeitas, mostra um jaspecto jovial e desenruga esse cenho, fero semblante que assenta mal numa festa, TEOBALDO E a melhor atitude quando entre os convidados ha um vildo semelhante! Nao poderei suportd-lo! CAPULETO. Seré suportado! Que € isto, Quem esté dizendo, manda ou tu? Sai! salve minha alma! entre , jovem cavalheiro? sou eu! Sai! Sou eu quem Tu nao o suportaras!’ Deus Queres levantar um motim eres levantar demais a r TEOBALDO Ora, meu tio, é uma vergonha, CAPULETO Basta, basta! Es um rapaz insolente. Nao é verda- de? Esta brincadeira pode custar-te caro; seio que digo! Tens necessidade de contrariar-me? Poi é © momento! ... (dos que dangam.) Bravos, meus filhos!... Es um leviano. Fica’ quieto ou. . Mais luz, mais luz! Que vergonha! Eu te farei ficar trangiilo. Vamos, animai-vos, meus filhos! TEOBALDO ——7 A paciéncia imposta, em uniéo com minha célera 44 Ip! - Vennay as corypes i em seus cho- enaz, fazem_wemer_minhas carnes ques contrarios, Retirar-me-ci, mas esta intrusdo, que agora parece doce, ainda se tornara fel amar- 20. ei ROMEU (A Julieva.) an Se profano com minha mio por demais indigna +s esse santo relicdrio, a gentil expiagdo é esta: meus labios, dois ruborizados peregrinos, estao prontos a suavizar com um terno beijo tad rude contato. JULIETA . | Bondoso peregrino, injusto até o excesso sois com vossa mao, que mostrou devogio cortés; pois as santas tm mos que séo tocadas pelas dos pere- grinos e enlagar palma com palma é 0 ésculo dos piedosos portadores de palinas."* 1 ROMEU ; i Nio tém lébios as santas ¢ labios também os pie- i dosos peregrinos? j JOLIETA Sim, peregrino, lébios que devem usar na oragao. ROMEU * Oh! entdo, santa adorada, deixai que os labios fagam 0 que as mos fazem. Elas oram, acedei | para cue @ {6 nfo se mude em desespero! JULIETA As santas sfio iméveis mesmo atendendo as i oragses. ROMEU Ent&o, no vos movais, enquanto recolho o fruto 45 ng fame / Prceck. w beiye a) To de minhas preces. Assim, mediante vossos labios, ficam os meus livres de pecado! ETA Deste modo passou para meus lébios o pecado ] que os vossos contrairam. ROMEU Pecado jAbios? Oh! culpa deliciosamente censurada 20 _pecador! fo _meu pecado, JU ILIETA . Beijais segundo as maneiras elegantes. AMA Senhora, vossa mie est4 muito precisada de di- zer-vos uma palavra, ROMEU Quem é a mae dela? AMA. Deveras, mancebo? A mée dela é a dona da casa © uma boa senhora, prudente e virtuosa. Criei-Ihe a filha, com quem faléveis, e posso dizer-vos: quem se casar com ela teré também o scu mea- theiro.” ROMEU £ uma Capuleto? Oh! cara conta! Sou deveder ¢_minha vida_a_meu inimigo, 46 BENVOLIO Entio! Partamos! A brincadeira chegou ao auge. ROMEU Sim, 6 0 que temo e maior é minha inquictude! CAPULETO Nao, cavalheiros, nao penseis em partir! Aguar- da-nos um modesto insignificante banquete. Insistis? Pois, entéo, obrigado a todos. Obrigado, respeitéveis cavalheiros! Boa noite! Mais tochas aqui! Vamos entao para a cama. Old, compedre! Por minha £6, esté ficando tarde, Vou dormir. (Saem todos, menos Julieta e a Ama.), JULIETA Vem aqui, ama. Quem é aquele cavalheiro? AMA Filho © herdeiro do velho Tibério. JULIETA * Quem € aquele que agora transpée a porta? AMA Pela Santa Virgem, acredito que seja o jovem Petrichio JULIETA. E aquele que o acompanha e que no quis dancar? AMA Nao 0 conhego 47 > \ 7 nso sow awh ’ ayo nN mul ” we *P JULIETA Vai perguntar-Ihe o nome. Se for casado, meu timulo, eu_o temo, sera AMA Chama-se Romeu, é um Montecchio, filho anico de vosso grande inimigo. SULIETA _—____ Meu unico amor nascido de meu Unico ddiol Cedo lemais o vi, sem conhecé-lo, e tarde lemais 0 conheci! Prodigioso 6 para mim o nascimento do amor, para que deva amar meu inimigo detestado! AMA, Que 6 isso? Que é isso? SULIETA Versos que aprendi agora mesmo de alguém com quem dangava. (Chamam de dentro: “Julieta!”) AMA Jé vamos, j4 vamos! Vinde, saiamos. Todos os convidados j4 foram embora. (Saem.) 48 ann cal ATO SEGUNDO PROLOGO (Entra 0 Coro.) CORO Agora, jaz 0 antigo desejo em seu leito de morte @ uma nova paixao aspira a ser herdeira. A be- leza, por quem suspirava e queria morrer 0 aman- te, perdeu seu encanto, comparada com a terna Julieta. Agora, Romeu é amado e ama, igualmente encantados ambos pelo feitico dos olhares. Mas deve ele queixar-se & sua suposta inimiga e ela preservar de terrtveis anzdis a isca do amor. Sendo inimigo, nao pode dela aproximar-se para alen- 1d-la com aquelas promessas que os amantes tro- cam entre si. Ela, do mesmo modo apaixonada, conta ainda com menos meios para encontrar-sé em algun lugar com seu novo amor. Mas a paixao thes dd forca e meios, 0 tempo para se encontra- rem, temperando tais extremidades com extrema dogura. * (Sai.) 49 CENA I: Viela, para a qual dé 0 muro do jardim dos Capuletos. (Entra Romeu, sozinho.) ROMEU Posso ir mais longe, quando meu goragio aqui permanece? Volta, tosco barro ¢ acha teu centro! (Galga 0 muro e pula no interior do jardim, Entra Benvdlio com Mercicio.) BENVOLIO Romeu! Meu primo Romeu! MERCUCIO Ele é sensato, e, por minha vida, foi para casa deitar-se. BENVOLIO Ia nesta direco e saltou o muro deste jardim. Chama-o, bom Merciicio! MERCUCIO Eu o conjurarei também. Romeu!... Capri- chos!... Loucura!... Paixdol... Amante!. ‘Aparece em forma de suspiro! Recita ao menos um verso e dar-me-ci por satisfcito. Exclama so- mente: “Ai de mim!” Rima unicamente “amor” com “dor”. Lisonjeia com belas palavras minha comadre Vénus e poe um apelido em seu filho ¢ cego herdeiro. O jovem Adao-Cupido que dispa- rou t4o acertadamente sua flecha, quando o Rei 50 Cofétual® se apaixonou pela jovem mendiga. Nao ouve, nao se agita, nZo se move. O simio esti morto e devo conjuré-lo!™.. . Eu te conjuro pelos brilhantes olhos de Rosalina, por sua altiva fronte ¢ seus labios escarlates, por seu fino pé, esbelta perna ¢ coxa palpitante e paragens ali adjacentes para que nos aparecas cm tua prépria figura! BENVOLIO Se cle te escutou, vais irrité-lo. MERCUCIO Isto n&o pode irrité-lo. O que o irritaria, seria evocar um espirito de estranha natureza no cfr- culo de sua dama, deixando-o ali erguido até que ela © abatesse ¢ esconjurasse. Isto lhe causaria algum despeito; mas minha invocagao ¢ razodvel ¢ honesta, ¢ s6 0 conjuro em nome de sua amada, para fazé-lo aparecer. BENVOLIO ‘Vamos, talvez se haja escondido entre estas arvo- tes para fiear unido com a noite timida. Cego € seu amor e a obscuridade Ihe convém mais. MERCUOCIO Se o amor é cego, nfo pode acertar no alvo! ‘Agora, deve estar sentado debaixo de uma nes- pereira e desejando que sua dama seja essa espé- cie de fruta que as criadas chamam de néspera®, quando esto rindo entre elas. Oh! Romeu, se ela fosse! Oh! se ela fosse uma aberta... ef coetera ¢ tu, uma pera pontudal* Romeu, boa noite! Vou S51 ‘para minha cama de rodas! Esta cama de campo § fria demais para que possa nela dormir! Vem, vamos embora? BENVOLIO. amos, Porque é instil procurar quem no quer ser encontrado. (Saem.) CENA Il: Jardim de Capuleto. eer Oe (Entra Romeu,) eee Romeu Ri das chagas quem jamais foi fetido! (Aparece jidieta, em cima, numa janela.) Mas, siléncio! Que luz brilha através daguela janela! Eo Oriente c \ Julieta € © Sol! Surge, claro sol, e mata a inve, a Nao a sitvas, porque € invejosal Seu tlaje de pestal € doentio e verde, e $6 0s bufses o sam ~ Rejeita-o! E minha dama! Ohl ela é0 meu snail Oh! ‘se ela o soubera! Fala, entretanto nada dis; mas due importa? Falam seus olhos; vou respon der-Ihes!.. . Sou muito atrevido, Nao esté faleado comigo. Duas das mais resplandecentes estrelas de todo © eéu, tendo alguma ocupacio, suplica. 7am aos olhos dela que brilhassem em suas esferas 52 las_voltassem. Que aconteceria se os whale ates yA ee na cabeca? O fulgor de suas faces envergonharia aquelas estrelas, como a luz do dia a de uma lampada! Seus olhos langariam da absbada ce- leste raios tdo claros através da regido etérea que cantariam as aves acreditando chegada a auro- ral... Olhai como apéia o-rosto na mao! O! fosse eu uma luva sobre aquela mao para que pudesse tocar naquele rosto! JULIETA Ai de mim! ROMEU . Esté falando. Oh! fala ainda, anjo luminoso! Por- que esta noite apareces tao 'resplandecente sobre JULIETA - 9 Romeu, Romeu! Por que é Romeu? Renega jones Sfecusa teu nome; ou, se ndo quisere, jararme somente que me amas'e nao mis cont uma Capuleto, (AROMEU (4 parte.) © Conginuarel a owvicla of vou falar-ihe agora? JULIETA mo, sejas ou n3o um Montecchio. Que ¢ um_ Montecchio? Nao é mo, nem pé, nem braco, nem. rosto, nem outra parte qualquer pertencente a.um homem. Oh! sé outro nome! Que hé em um _no- me? O que chamamos de rosa, com-outra nome, exalaria 0 mesmo perfume tao agradavel; ¢ assim, Romeu, se nao se chamasse Romeu, conservaria essa cara perfeigio que possui sem*o titulo. Ro-— meu, despoja-te de te e, em troca de teu | _y nome, que nfo faz parte de ti, toma-me_ toda inteira! ROMEU ‘Tomo-te a palavra, Chama-me somente “amor” ¢ sere] de novo batizado. Daqui para diante, jamais serei Romeu. JULIETA Que homem és tu, assim oculto pela noite, que surpreendes de tal modo meus segredos? ROMEU Com um nome, no sei como dizer-te quem sou eu! Meu nome, santa adorada, ¢ odioso para mim mesiia pargue £ teu inimigos-¢ 86.0 tivesse.escri 15, teria despedagado a palavra. JULIETA Meus ouvidos néo beberam cem palavras ainda dessa lingua, mas eu reconhego o som; no és Romeu? Nao és um Montecchio? ROMEU Nem um nem outro, formosa donzela, se os dois te desagradam, 54 JULIETA ‘Como chegaste até aqui, dize-me, ¢ por qué? Os muros do jardim s&o altos e dificeis de subir e 0 lugar € a morte, considerando-se quem sejas, se um de meus parentes aqui te encontrar. ROMEU ‘Com as leves asas do amor transpus estes muros, porque os limites de pedra nao servem de empe- cilho para o amor. E 0 que o amor pode fazer, 0 amor_ousa tentar, Assim, teus parentes nao me “séo empecilhos JULIETA Se te virem, matar-te-do. ROMEU Ail nals perigos 4. em teus-alhos-do_que_em vinte de suas espadas. Olha-me somente com -dogura e-estarel_a prova de inimizades deles. JULIETA Por coisa slguma deste mundo quereria que te vissem aqui! ROMEU Tenho o manto da noite para ocultar-me dos olhos de teus parentes. Ama-me somente e que eles aqui me encontrem. & melhor que termine minha vida, viti: im, que Sperando teu amor, minba morte retardada. JULIETA Quem foi teu guia para a descoberta deste lugar? 55 ROMEU Amor que foi o primeiro que me incitou a indagar; ele me deu conselho ¢ eu Ihe dei meus olhos. Néo sou piloto; entretanto, mesmo que te achasses tio Jonge quanto a vasta costa banhada pelo mais Jonginquo oceano, eu me teria aventurado por tao bela mercadoria. JULIETA Tu sabes, a mascara da noite cobre meu rosto, se- ndo um rubor de virgem teria enrubescido minhas faces pelo que me ouviste falar esta noite. De bom grado guardaria as formalidades, de bom grado, de bom grado negeria o que falei. Mas, adeus, lisonjas! Tu me amas? Sei que responderés que “sim”, e ey acreditorei em tua palavra; entre- tanto, se juras, poderds parecer falso, e dos per jtirios dos amantes dizem que Jupiter se 1 Sent /Romeu! Se tu amas, proclama-o sinceramen- te; ou, se pensas que sou conquistavel facilmente demais serei severa e esquiva, e direi nfo, para que time facas a corte; mas, assim nfio sendo,” nem por todo o mundo. Em Verdade, arrogante_ Montecchio, sou muito apaixondvel. e, por_causa disto, poderds pensar que minha conduta seja bem leviana; mas, acredita-me, gentil-homem, mostrar- me-ei mais fiel do que aquelas que tém mais des- treza em dissimular. Devo confessar que deveria ter-me mostrado mais reservada, se nao tivesses surpreendido minha verdadeira paixio amorosa, antes que estivesse prevenida. Perdoa, portanto, e nao atribuas a leviano amor esta fraqueza mi- nha, que de tal modo revelou a escura noite! 56 we Ary OMEU Romnhora, juro por essa lua que coroa de prata as copas destas drvores frutiferas.. JULIETA . Oh! n&o jures pela lua, a inconstante lua que muda todos os meses em sua érbita circular, a fim de que teu amor ndo se mostre igualmente varidvel. ROMEU Por que devo jurar? JULIETA N&o jures de todo ou, se quiseres, jura pela tua graciosa pessoa que é o deus de minha idolatria e acreditar-te-ei! ROMEU, Se o profundo amor de meu peito. . . JULIETA Bem, nao jures. Embora em ti esteja minha alegria, nenhuma alegria me causa o juramento desta noite; € por demais brusco, temerario, repentino, muito semelhante ao relampago que se extingue antes que possamos dizer “Est4 ‘relampejando!" Doce coragao, boa noite! Este botfio de amor, sazonado ao hdlito ardente do estio, 0 talvez se haja gonvertido em bela flor, quando de novo vol. tarmos a ver-nos. Boa noite! Boa noite! Que tao doce © calmo repouso aleance teu coragao, como © que se alenta dentro de meu peito! 57 ROMEU Oh! queres deixar-me assim to insatisfeito? JULIETA Que satisfagdo podes ter esta noite? ROMEU . ‘A troca com o meu de teu ficl juramento de amor. JULIETA Jé te entreguei 0 meu antes que pedisses © quisera fazer-te de novo meu juramento. ROMEU Querias tomé-lo de mim? Para que fim, meu amor? JULIETA Para ser generosa e entregar-to outra vez. S6 as- piro & coisa que possuo. Minha bondade €tao— ilimitada quanto © mar, e tao profundo com este € 0 meu amor. Quanto mais te dou, mais_ tenho, pois ambos s40 infinitos. Estou ouvindo um rufdo 14 dentro; adeus, querido amor! (A Ama chama de dentro.) Ja vou, boa ama! Doce Mon- tecchio, sé fiel! Fica mais um pouco, ‘eu voltarei. (Sai) ROMEU © bendita, bendita noite! Quanto temo, sendo ago- ra noite, que tudo isto nao passe de um sonho por 58 demais encantador e doce para ser verdadeiro! (Volta Julieta, em cima.) JULIETA Trés palavras, querido Romeu, ¢ ainda boa noite! Se teus pensamentos amorosos so honestos © teu fim 0 matriménio, envia amanha, por intermédio de uma pessoa que procurarei mandar-te, uma pa- lavra dizendo onde e a que horas queres que sé verifique a ceriménia e celocarei minha sorte a teus pés, seguindo-te pelo mundo como meu dono e senhor. Coene AMA (Do interior.) a sant Senhora! JULIETA Jé vou... Mas, se tuas intengdes nfo sdo boas, eu te suplico. . . AMA (Do interior.) Senhora! JULIETA Jé vou logo... Que cesses teus galanteios ¢ me deixes sé com minha dor. Amanha, enviarei al- guém. ROMEU, Que assim seja minha alma tao feliz! 59 JULIETA Mil vezes boa noite! (Sai.) ROMEU Maldita mil vezes, faltando tua luz!... O amor corre para o amor, como os escolares fogem dos livros; mas o amor se afasta do amor, como as criangas se dirigem para a escola com os olhos entristecidos (Retira-se lentamente. Rea- parece Julieta, em cima.) JULIETA Escutal Romeu, escut!... Oh! quem me dera # vor do falcoeizo para atsair aqui novamente esse nobre agor!"A escravidao é rouca e no pode falar alto, sen&o forcaria a grata onde Eco dorme ¢ Poria sua aérea lingua mais rouca que @ minha fom 2 repeticfo do nome de meu Romeu! Romeu! ROMEU E minha alma que me chama pelo nome. Como soa argentino ¢ doce no meio da noite a voz des amantes, semelhante & suavissima mtisica aos ouvi. dos absortos! JULIETA Romeu! ROMEU Meu amor? 60 ETA . . A que horas te enviarei amanha o mensageiro? ROMEU. Na nona hora, JULIETA | - Nao faltarei! Parece-me vinte anos até 14. Esque- ci-me por que te chamei de volta, ROMEU Deixa-me ficar aqui até que te lembres. JULIETA Nao poderia lembrar-me para que permanecesses Sempre af, recordando com (ua companhia € gra ta para mim, ROMEU, E cu esperarei_ sem cida, esquecendo-m. menos deste, pre para continuares esque- e de qualquer outro lugar JULIETA 7i& quase dia. Quisera que partisses, fosse mais longe do.que 6 passaro travessa solta, deixando mas que nao que uma crianga ROMEU Quisera ser teu passaro! 61 JULIETA Meu amor, bem quisera também; entretanto, eu te mataria por excesso de carinhos. Boa noite! Boa noite! A despedida é uma dor to doce, que estaria dizendo “Boa noite” até que chegasse o dia (Sai.) ROMEU Que © sono desca sobre teus olhos ¢ a paz em teu peito! Por que nfo sou sono ¢ paz para tio do- cemente repousar?... Daqui irei a cela de meu pai espiritual, para pedir-Ihe auxilio e contar-lIhe minha felicidade, . (Sai.) CENA III: Cela de Frei Lourengo. (Entra Frei Lourengo com um cesto.) FREI LOURENCO ‘A aurora de olhos cinzentos sorri & torva noite, matizando as nuvens orientais com raias de luz e a mosqueada obscuridade cambaleia como um ébrio fora da senda do dia c longe das rodas de fogo do Tita. Agora, antes que o sol avance seu olho abra- sador para animar 0 dia e secar 0 Umido orvalho da noite, devo encher nosso cesto de vime com ervas malignas e flores de precioso suco. A terra, 62 que é mée da natureza, também € sua tumba, O que € sua fossa sepulcral, € seu materno seio; ¢ dele, nascidos e criados cm seus peitos naturais, achamos seres de ¢spécies diversas, excelentes muitos por suas muitas virtudes, nenhum sem algu- ma ¢ todos, nao obstante, diferentes! Oh! imensa 6 a graga poderosa que reside nas ervas, plantas, pedras ¢ em suas raras qualidades, porque_na terra ndo existe _nada_téo vil que_nao 2 “alguia beneficio especial; nem ha tGo_bom \ & que, desviado_de seu_verdadeiro uso, nfio_trans- \sioné sua_verdadeira origem, caindo no abuso. A ‘propria virtude se-converte-em-vicio, mal aplicada, e, as vezes, o vicio se dignifica pela acao, Dentro flor residem o venenoe \\a. do_terno célice desta débil \* 9 “o poder medicinal..Por isto, sendo_aspirada, delei- (@’ta.a todas e cada ura das partes do corpo; sendo ‘provada, porém, destrdi_o_corac&o_¢ todos _os sentidas. Assim, dois reis inimigos acampam sem. pre no homem ¢ nas plantas; a benignidade © ‘malignidade; e, quando predomina_o_pior, _ime- ~diatamente a planta (Entra Romeu.) ROMEU Bom dia, padre! FREI LOURENCO Benedicite! Que voz matinal tio docemente me satida? Jovem filho, isso mostra &nimo intran- quilo, dizer adeus & cama em hora to matinal A preocupacio vela constantemente nos olhos do 63 gangrena da morte devora_aquela_ An “ancido e, no lugar onde se aloja a Preocupacio, nunca jazeré o sono; mas, onde a juventude incé. lume, com 0 cérebro livre de inquietudes, estende seus membros, 14 deve reinar o sono de ouro. Portanto, teu madrugar me denuncia que alguma inquietude te despertou ou, nao sendo assim, em- bora crendo acertar, 6 que nosso Romeu nao so deitou esta noite. ROMEU O final € a verdade. Meu repouso foi mais doce. FREI LOURENCO Deus perdoe ‘© pecado! Estiveste com Rosalina? ROMEU Com Rosalina, met 'u pai espiritual? Nao; no me recordo mais ‘dessi fe nome © da amargura desse FREI LOURENCO Boa noticia, meu filo. Mas onde estiveste entéo? ROMEU Abies que me torneis a perguntar, vou dizer-vos, Estive ‘numa festa com meu inimigo, onde, ae repente, uma pessoa me feriu e por mit fol também. © remédio de ambos depende de voces amparo ¢ santa medicina. J4 nao tenho mais Sdio, santo vardo, pois, como estais vendo, minha in. fercessdo junto de vos serve também a meu ins migo. FREI LOURENCO Sé claro, bom filho, e simples nequilo que tenhas 64 a dizer. Uma confissio equivoca s6 encontra uma absolvictio equivoca. ROMEU Entdo, sabei claramente que 0 caro amor de meu coragdo se pousou na bela filha do rico Capuleto, 6, do mesmo modo que a amo, assim sou por ela amado. $6 falta, pois, para nossa completa unio, que v6s nos unais em santo matriménio. Quando, ‘onde € como nos vimos, apaixonamo-nos e troca. Mos nossos votos de amor, eu vos contarei du- rante 0 caminho. O que vos rogo, agora, € que consintais em casar-nos hoje mesmo. FREI LOURENGO. Por Sio Francisco! Que mudanga é essa? J4 te esqueceste de Rosalina, a quem amavas 140 apa xonadamente?_Q amor L dos_jovens, em _verdade, agui sobre tua face aparece a-marca de uma antigh lageie— (ue ainda no foi limpa! Se alguma vez foste tu Eigse € Se eram tuas essas dores, tie essas doves ércis somente para Rosalina. E mudaste? Promars mathentt®s esta sentenca: “Bem podem cair os mulheres, quando os homens n&opossucm fie meza”. 65 ROMEU ‘Varias vezes me repreendestés por amar Rosalina. FREI LOURENCO Por idolatré-la, ndo_por améc| ROMEU E me aconselhastes a enterrar aquele amor. meu filho. FREI LOURENGO ‘Mas nao em um témulo onde se coloca um para fazer surgir um outro. ROMEU Eu vos suplico, nfo me repreendais! Aquela a quem agora amo me paga borfdade por bondade € amor por amor. A outra assim ndo fazia. FREI LOURENCO ‘Oh! ela bem sabia que teu amor lia de cor, sem haver aprendido a soletrar. Mas vem, jover in- ica not ROMEU ot 2” 30 REL LOURENCO re ‘Oh! partamos! Importa-me agir depressa. P po! P Sdbia_e calmamente, quem muito corre pode (Saem.) constante, vem comigo. Ajudar-te-c 2 x Flot esta alianga pod a,\mudando em, \puro afeto o rancor as be CENA IV: Uma rua. (Entram Benvolio e Merciicio.) MERCUCIO ‘Onde diabo estard esse Romeu? Nao foi para casa esta noite? BENVOLIO Para a casa do pai, nao. Falei com um criado. MERCUCIO "Ah! essa péilida jovem de coragio empedernido, essa Rosalina, atormenta-o de um modo que aca- bara por enlouquecé-lo. BENVOLIO Teobaldo, parente do velho Capuleto, enviou-the uma carta para a casa do pai MERCUCIO Um desafio, por minha vida! BENVOLIO Romeu lhe responderé. MERCUCIO Qualquer homem que saiba escrever pode respon- der a uma carta. BENVOLIO No, ele responder ao autor da carta como sabe desafiar quando é desafiado. ~Dealic a 67 Teobelee MERCUCIO Ai, pobre Ro: meu! J4 esté morto! Apunhalado pe- od {os olhos negros de uma branca donzela, Traspas- QOS sado pelos ouvides por uma cangio de amor, Divic oO dido © centro do seu coracdo por uma certeira fo Oe flechada do cego pequeno arqusiro. Eo homen a oe Para enfrentar Teobaldo? 65" BENveLio we Ora essa! Que € esse Teobaldo? MERCUCIO Mais do que o Principe dos Gatos* # tirte. Ohl é 0 mais valente capitao Ele se bate como cantarias uma cangao seguindo (oo 38 notas! Conta o tempo, o intervaloe a teetiae ¥ Dé-te por pausa o siléncio de uma minima duas ¢€ a terceira, no peito. O verdadeiro cari, ceiro com bot&es de seda, um duelista, um cava- Iheiro de alta prosépia, da primeira ¢ segunda causa. Ah! o imortal Passado! O punto reverso! O hair ", Posso garan- das galanterias! BENVOLIO © qué? MERCUCIO A peste para to estiipidos, ciciosos e fantasticos Petimetres! Esses novos afinadores: de bom:tom! “Por Jesus, uma lamina muito boa! Um belo lat gao! Uma prostituta muito boa!" Entao, nao € uma coisa lamentavel, meu digno senhor, que se- jamos assim afligidos por essas moscas estrangel. ras, esses figurinos da moda, esses pardonnez-moi, 68 a a formas que ndo podem as- Jo apegados as novas - sentar-ce comodamente num velho baneo? Oh! co. mo dizem bons, bons! (Entra Romeu.) NVOLIO: ey chegando Romeu! Esta chegando Romeu! MERCUCIO Sem ova, como um urenque seco! Oh! curne, car- he, como estd peixificada! Agora esté embalado pelas rimas de Petrarca. Laura, diante de sua dama, nfo passa de uma cozinheira (pela Virgem! possuia ela também melhor amante para colocd-lu em poesia); Dido, uma desleixada; Cleépatra, uma gana; Helena ¢ Hero, reles meretrizes; Tisbe, olhos cinzentos ou qualquer coisa semelhante, sem nenhum interesse. Signior Romeu, bonjour! Ai vai um cumprimento em francés pura teus calcoes a francesa. Tu nos pregaste um logro a noite pas- sada ROMEU Bom/dia para ambos! Que logro vos. preguei? MERCUCIO E que correste como a moeda falsa, rapaz. Nao compreendes? ROMEY Perdoa-me, bom Mereiicio! Tinha um assunto im- Portante e, em casos semelhantes, bem pode um homem violar a cortesia, 69 MERCUCIO Ou seja, que num caso como o teu um homem & obrigado a dobrar os jarretes. ROMEU Para fazer uma reveréncia cortés, perfeitamente MERCUCIO . Compreendeste a coisa com toda a galanteria. ROMEU Uma explicagio perfcitamente cortés. MERCUCIO. Pois, entéo, sou verdadeiro modelo da cortesia. ROMEU Tu és a flor da cortesia. MERCUCIO Sem duvida. ROMEU Ora, ent&io meus escarpins estio bem floridos. MERCUCIO Muito bem. E continua-me esta brincadeira até que hajas usado teus sapatos: quando tua tnica sola tiver entregue © espirito, a brincadeira conti- nuaré sozinha, depois do uso, singularmente es- piritual. ROMEU Tua brincadeira s6 possui uma sola ¢ ela s6 € espi- ritual por causa da pobreza de espirito. 70 MERCOCIO ‘Ajuda-me, bondoso Benvélio, meu espirito esta falhando. ROMEU . ‘Acoita esporeia! Agoita e esporeia! Ou gritarei que a partida esté ganha. MERCUCIO Evidéntemente, se teu espfrito parte para a caga do ganso selvagem, estou vencido, pois tens mais ganso selvagem* num s6 de teus sentidos do que eu em todos os meus cinco reunidos. Mas que temos nés que ver com gansos? ROMEU ‘Nunca estiveste comigo em qualquer lugar que néo fosse para bancar de ganso. MERCUCIO Morder-te-ei a ponta da orelha por causa dessa brincadeira. ROMEU Néo, nfo me mordas, meu bom ganso. MERCUCIO Teu espirito é uma verdadeira maga azeda; é um molho muito picante. ROMEU E nao fica muito bem, servido em volta de um pequeno ganso? 1 MERCUCIO Oh! € um espirito de pele de cabrito que se estica quando € puxado e que, do tamanho de um pole- Bar, chega ao tamanho de uma grande vara! ROMEU E cu 0 estico ainda um pouco por causa de tua palavra “grande”, a qual, acrescentada ao ganso, Prova que tu és um grande ganso. MERCUCIO Concordo: nao é melhor isto que gemer de amor? Estds agora socidvel, agora és Romeu. Agora, é 0, gue €8, Por arte bem como por natureza. Porque esse amor chorfo € como um grande idiota que corre, pondo a lingua para fora, e vai esconder © brinquede num buraco. BENVOLIO Para, para ai. MERCUCIO Desejas que pare, quando ainda me falta o rabo de minha histéria? BENVOLIO . Sim, senZo o rabo de tua histéria ficaria muito comprido. MERCUCIO Oh! estds enganado, eu a teria encurtado, pois aca- bara de chegar & profundidade de minha histéria, e n&o tinha intengao de tratar do assunto por mais tempo. 72 ROMEU Muito bem engrenado! (Entram a Ama e Pedro.) MERCUCIO Uma vela, uma vela! BENVOLIO Duas, duas; saia e calga! AMA Pedro! PEDRO Que é? AMA Meu leque, Pedro. MERCUCIO Bondoso Pedro, para escondei mais belo dos dois é 0 leque AMA. > Deus vos dé bom dia, cavalheiros, MERCUCIO Deus vos dé boa tarde, bela dama, AMA Ja € boa tarde? MERCUCIO Nao € menos, posso_garantir-vos, porque o dedo tlhe © rosto; pois o 73 obsceno do lar esta agora tocando o pau do meio-dia™. AMA Que € isto? Ah! que homem sois vés! ROMEU * Minha senhora, um homem que Deus criou para perder-se 2 si mesmo. AMA ‘Muito bem falado! “Para se perder a si mesmo”, ‘nao €7... Cavalheiros, algum de yés pode dizer- me onde posso encontrar 0 jovem’ Romeu? ROMEU Eu posso dizer-vos, mas 0 jovem Romeu estaré mais velho quando encontrardes do que quan- do 0 procuraveis. Eu sou o mais jovem desse nome, em falta de outro pior. AMA Dizcis bem. MERCUCIO © pior é ento 0 bom? Muito bem falado, por mi- nha f€! Sabiamente, sabiamente! AMA Se vs sois ele, senhor, desejo fazer-vos uma confi- déncia. 74 BENVOLIO ‘Vai convidé-lo para alguma ceia. MERCUCIO ‘a, alcoviteira, alcoviteira! Olé! ROMEU Que encontraste? MERCUCIO Nenhuma lebre, rapaz, 2 nfo ser uma dessas que sfo servidas em empadas na Quaresma, ficam passadas e mofadas antes de serem consumidas. (Cania.) Uma velha lebre mofada, E uma velha lebre mofada, Na Quaresma € um bom manjar; Mas a lebre que esté mofada Para vinte € demasiada Quando mofa ao comecar. Romeu, iras a casa de teu pai? Jantaremos 14. ROMEU. Vou daqui a pouco. MERCUCIO ‘Adeus, velha senhora! Adeus! (Caniando.) “Se~ nhora, senhora, senhora.” (Saem Mercticio e Benvélio.) 15 AMA Vao com Deus! Por favor, senhor, que desaforado vendeiro era esse, tid cheio de suas bugigangas? ROMEU Um cavatheiro, ama, que gosta de se ouvir falar € que fala mais em um minuto do que nao faré em um més AMA | “& ( Se disser alguma coisa contra mim, darei_ com & ele no chao, por mais robusto que seja e mesmo 8 q Xv” ( ¢ mais forte do que vinte patifes de sua espécie. E NF se nao puder, procurarei quem possa. Sem-vergo- > | nha ordindrio! Nao sou uma dessas namoradei- x | Tas, nao sou uma dessas debochadas. (Dirigindo- | 8¢,@ Pedro.) E tu ficas assim, como um imbecil, Geixando que qualquer um use de mim a vontade? PEDRO N§o vi nenhum homem se servir a vontade de vos para seu prazer; e se tivesse visto, teria sido rapi- damente desembainhada’ minha arma, posso ga- rantir-vos. Ninguém me ganha ao desembainhar uma espada, se vejo ocasiao para uma honrosa contenda ¢ estando a lei de meu lado, AMA Por Deus, estou to irritada ainda que me tre- mem as carnes de todo o corpo! Vil tratante! Permiti-me, senhor, uma palavra. Como ia dizen- do, minha jovem senhora me encarregou de pro- curar-vos @, quanto ao que me mandou dizer vos, guardarei para mim; mas, antes de tudo, & 76 Ari figa que, se a conduzisseis ao sees ee ie se costuma dizer, seria, eemo se costuma dizer, portal $6 de_um modo. ine digno, porque a nobre donzela € javem_¢, po) tan to, se procedésseis com duplicidade com ela,-{ camente, seria uma coisa feia que nfo deve ser feita a uma donzela nobre e uma conduta_muito. teprovavel, ROMEU ‘Ama, recomenda-me & tua senhora e dona. Juro - diante de ti... AMA Que bom coracio! Por minha £ que tudo Ihe di- rei. Senhor, Senhor, que mulher feliz sera ela! ROMEU Que Ihe contards, ama? No estés me escutando. AMA, Eu Ihe contarei, senhor, que fizestes © que, segundo 0 considero, cavalheiresco, um juramento; € um oferecimento ROMEU, Dize-lhe que éescubra algum pretexto para ir esta tarde confessar-se e ld, na cela de Frei Lourenco, ele nos confessaré e casaré. Aqui esté pelo teu tra. balho. AMA De modo algum, senhor; nem um penny. 7 ROMEU. Vamos, aceita! AMA Entio, hoje de tarde, senhor? Bem, 14 estaré. ROMEU E tu, bondosa ama, esperards atrés do muro da abadia. Daqui a uma hora meu criado se encon- traré contigo ¢ te trark cordas, formando escada que me conduziré ao cimo de minha ventura, du- Fante a noite silenciosa. Adeus! Sé fiel e eu recom- pensarei teu trabalho, Adeus! Recomenda-me a tua senhora AMA Pois que Deus do céu vos bendiga! Escutai, se- nhor, ROMEU ‘Que desejas, minha cara ama? AMA Vosso criado é de seguranga? Nunca ouvistes di- zer: “Dois homens se um deles for ROMEU Garanto-te que meu criado € to seguro quanto o ago. AMA Bem, senhor... Minha semhora é a mais bela criatura!... Senhor, Senhor! Quando era uma 78 criancinha,,, Oh! ha aqui um nobre cavalheiro, um certo Paris que, de boa vontade, quisera abor- di-la; porém ela, alma bondosa, prefere ver um sapo, um sapo verdadeiro, a vé-lo. As vezes, eu a faco ficar irritada, dizendo-lhe que Paris € 0 ho- mem de que ela precisa; pois podeis acreditar-me, quando Ihe digo isso fica mais pélida do que o pano mais pélido do mundo univers. Rosmaninho e Romeu n&o comecam ambos com a mesma le- tra? ROMEU Sim, R ma; mas que quer dizer isto? Ambos com AMA Ah! farsante! B o nome do cio.” O R é para ©... No, sei eu que comega com outra letra. ¢ ela fez as mais belas hist6rias a esse respeito, so- bre v6s ¢ 0 rosmaninho, que, estou certa, gosta- rieis bem de ouvir. ROMEU Recomenda-me a tua senhora! AMA Sim, mil vezes. (Sai Romeu.) Pedro! PEDRO ‘Aqui estou! AMA Pedro, segura o meu leque e anda na frente. De- pressa! (Saem.) 79 CENA V: Jardim de Capuleto, (Entra Julieta.) JULIETA { 9, Fel6aio soava nove horas, quando a ama pa \ tiu. Prometeu-me voltar em meia hora. Talvez nio | fenha podido encontré-lo! Nao, impossivel. Oh! cla ) € coxa! Os arautos do amor deviam ser os pensé entos, que correm dez vezes mais depressa do { due os raios solares, quando expulsam as som. 3 2 & 3 g a "yg, a & , 0 sol est sobre Monte de sua jornada diéria e trés inaveis transcorreram de nove as do- inda nao chegou. Se tivesse afeices ngue juvenil, ela se teria posto tao ra. Pidamente em movimento quanto uma bola. Mic nhas palavras a teriam atirado para o meu amar © as dele para mim. Mas os velhos, muitas vezes, Parecem estar mortos, pesados, vagarosos, enter. pecidos e pélidos como chumbo. (Enira a ina com Pedro.) Oh! Deus, est chegando! Oh! doce ama, que novas me trazes? Encontraste-o? Manda \_ teu empregado embora. AMA Pedro, espera na porta. © mais alto horas interm; ze. A ama ai (Sai Pedro.) JULIETA Ent&o, doce e bondosa ama. . 80 + Oh! Senhor, por que tens 0 ar triste? Mesmo que as noticias sejam tristes, dize-as alegremente; se forem boas, enver- gonhas a muisica das doces novas, tocando-as com um ar tio desagradavel. AMA Estou cansada. Deixai-me descansar um momento. Ai, como meus ossos estao doendo! Que corrida que eu deit JULIETA - Queria que tivesses meus ossos ¢ eu, tuas noticias. Vamos, suplico-te, fala, bondosa ama, fala! AMA Jesus, que pressa! Nao podeis esperar s6 um pou- co? Nao estais vendo q jue estou sem fdlego? JULIETA Como estés sem fOlego, quando tens félego pura dizerrme que estas sem ielego? A desculpa ‘que me das para tua demora € maior do que 4 hist, ria de que tu te desculpas. Tuas noticias siio bows a 3 qualquer coisa ¢ espe- Tarei os detalhes; faze-me ficar satisfeita, sio boas ou mas? AMA Bem, fizestes uma escolhu inconveniente; nao sa- beis como escolher um homem. Romeu! nao, cle nao Embora o rosto dele seja melhor do gue o de qualquer homem, contudo possui melhores Pernis do que todo mundo. Quanto & mao, 20 pe, 0 corpo, embora nada haja a dizer, estio dei. 81 ma de qualquer comparagao. Nao é a flor da cor- tesia, mas estou certa de que é téo gentil quanto um cordeiro. Andai, pequena, servi a Deus! Ab! jé jantaram af em casa? JULIETA Na§o, nao. Mas tudo isso eu ja sabia, Que diz ele a respeito de nosso casamento? Que Giz? AMA Senhor, como estou com a cabeca doendo! Que cabeca cu tenho! Est4 batendo, como se fora arre- bentar em vinte pedacos! Minhas costas do outro lado!... Ai! minhas costas, minhas costas! Mal- dito seja vosso coracdo que me manda de um lado para outro para apanhar a morte, galopando de cima para baixo! JULIETA Juro-te que sinto imensamente que néo te sintas bem. Querida, querida, querida ama, dize-me: que diz meu amor? AMA Vosso amor diz, como honrado cavalheiro, cortés, amavel, galhardo , posso assegurar-vos, como vir- tuoso. .. Onde esta vossa mae? JULIETA Onde est4 minha mae? Ora, esta 14 dentro! Onde poderia estar? Que estranho modo de responder! “Vosso amor diz, como honrado cavalheiro, onde est4 vossa mae?" 82 AMA a ‘Oh! pela Virgem Santissima! Estais tio ardente as- sim? Ide, por Deus! E tudo isto é a cataplasma para meus doloridos ossos? D’agora por diante le- vareis os recados pessoalmente! JULIETA , ‘Quanto barulho!. ... Vamos, que diz Romeu? AMA | ‘Tendes permissdo para confessar-vos hoje? JULIETA Tenho. AMA Entdo, correi logo para a cela de Frei Lourengo. Lé vos aguarda um marido para fazer-vos sua es- posa. Agora, © licencioso sangue vos esta su- bindo ao rosto! A menor novidade, ficaré escar- late. Correi para a igrejal Devo ir por outro ca- minho, para arranjar uma escada, pela qual vosso amor deve subir a um ninho de passaro, quando estiver escuro. Eu sou o animal de carga € sofro para vosso prazer; porém, dentro ¢ se- Tels vos que carregareis O peso. logo que a noite chegar, Ide, eu vou jantar. ‘Correi para a cela! JULIETA Corramos suprema felicidade! Honrada ama, adeus, (Saem.) 83 _ CENA VI: Cela de Frei Lourenco. (Entram Frei Lourengo ¢ Romeu.) FREI LOURENCO. Sorriam os céus a esta saj \Snia para que 98 Fempos Futur m_o besar ROMEU Amém, amém! Mas, venham como quiserem as amarguras, nunca poderdo contrabalangar 0 goz0 que sinto, um s6 minuto, em presenca de minha amada, Juntai nossas ma € que entio a morte, devoradora do amor, faga © que quiser! Basta-me poder chama-la de minha FREI LOURENCO Esses transportes violentos tém um fim igualmente violento e morrem em pleno triunfo, como Togo & a pélvora que, ao sé beljarem, se consomem O mais doce mel € repugnante pela propria delicia |e estraga © apetite pelo scu excelente gosto. Ama, Portanto, moderadamente; assim se conduz 0 ver- \ Beaciro amor, Tao tarde chega quem depressa demais vai, como quem vai por demais Jentamen. te. (Entra Julieta.) Esté chegando a dama! Oh! Jamais rogaré um pé tao de leve o silex eterno! Um apaixonado poderia cavalgar, sem cair, os tenufssimos filamentos que se espreguicam no ar alegre do verdo. Como € leve a vaidadel JULIETA Boa tarde a meu confessor espiritual! 84 FREI LOURENCO, Romeu te agradecera por nés ambos, minha filha. JULIETA Igual desejo a ele para que seu agradecimento nfo seja excessivo, ROMEU Ah! Julieta! Se a medida de tua ventura jé esté ultrapassada, como est4 a minha, e tens maior arte para express4-la, perfuma com teu alento o ar em torno ¢ deixa que a melodiosa miisica de tua voz cante a sonhada felicidade que ambos ex- perimentamos por causa deste grato encontro! JULIETA © sentimento, mais rico em matéria do que em Palavra, se glorifica de sua substancia e nao de Seu ornamento. S6 os mendigos podem contar suas riquezas. Meu verdadeiro amor cresceu até a0 ex. cesso, de tal modo que no mais posso somar a metade de meu tesouro, FREL LOURENCO Vinde, vinde comigo ¢ agiremos rapidamente; por- ue, com vosso consentimento, no vos permitire! Permanecer 6s, até que a Santa Igreja vos haja incorporado os dois em um s6, (Saem.) 85 ATO TERCEIRO CENA I: Uma praga publica. (Entram Mereticio, Benvélio, um Pajem e Servidores.) BENVOLIO. ‘Por favor, bom Mereticio, retiremo-nos! O dia esté quente, os Capuletos esto ausentes ¢, se nds 0s éncontrarmos, ndo escaparemos de uma briga, pois agora, nestes dias quentes, ferve o sangue frenético. = — MERCUCIO Tu és como um desses bravos que, ao penetrarem os umbrais de uma taverna, atiram a espada na mesa, dizendo: “Queira Deus que nao necessite de ti?” e, apenas haja produzido resultado o se- gundo copo, a esgrimem contra o taverneiro, quan- do realmente nfo havia necessidade de tal coisa. BENVOLIO Eu sou como esses bravos? MERCOCIO Vamos, vamos! Tu és uma criatura de um furor to impetuoso como no hé igual na Itélia © de- pressa ficas encolerizado, quando te sentes provo- cado. 87 BENVOLIO E que mais? MERCUCIO Nada; se houvesse dois iguais, dentro em breve 86 feriamos um, pois um teria matado o outs Tu! Mas tu Procuras bri; Sastanhas, tendo como Gnica razao que teus ellios fie castanhos. Que olho, a nfo ser olho sence thante, iria descobrir tal motivo para briga? Tao repleta de querelas esté tua cabega come de cit, Coane OVO: € apesar disto, a forca de golpes fahancadas, ficou oca como um ovo, Cert ver ny (© Dateste com um homem que estava tossindo penta: Porque acordara teu cio que estava dor mindo ‘ao sal. iate que estava usando se a a £ com um outro, por com fitas velhas? = fugir de pendéncias? BENVOLIO Se eu fosse do apto a querelar como tu és, qual- quer homem poderia comprar o feudo i ‘que prendia os sapatos novos ainda queres ensinar-me a imples de minha vida por uma hora ¢ um quarto. MERCUCIO © Feudo simples de tua vida! Oh! ‘simplério! (Entram Teobaldo e outros.) BENVOLIO Por minha cabesa, estio chegando os Capuletos! 88 MERCUCIO . por meus caleanhazes, nfo me importo! BALDO . oe sceuine de perto, pois desejo falhar-lhes. Boa tarde, cavalheiros. Uma palavra com um de vés MERCUCIO . Sé uma palavra com um de nés? Juntai-a com alguma outra coisa, para que sejam uma palavra eum golpe! TEOBALDO. . Bastante disposto me acharei para isto, senhor, se me derdes ocasiao. MERCUCIO Nao poderieis a, vos fosse dada? TEOBALDO Mereticio, estés concertado com Romeu, garrar uma ocasido, sem que ela MERCUCIO Conceértado? Pensas Pensas que somos discordancias, Aqui Aqui esta o que te fai essa! ue somos menestréis? E se Menestréis, s6 esperes ouvir esté meu arco de violin! 'té dancar! Concertado! Ora BENVOLIO Estariios falando num lugar piblico muito fre- UgRtado. Procuremos um lugar mais atastede Taciocinemos serenamente sobre vossos agravos, 89 ou retiremo-nos sem mais ni it ada. Todos estio fixados sobre nds. 0 slhos MERCUCIO ‘Os los dos homens foram feitos para ver, dei- xa-os olhar; nao me mexerei para dar prazer a ninguém. (Entra Romeu.) TEOBALDO Bem, ficai em paz, senhor. Esté chegando meu homem.* MERCUCIO Que seja enforcado, senhor, se esta vestindo vossa libré! Por minha fé! Ele vos seguira se fordes ao campo, neste caso podereis consideré-lo vosso homem”. TEOBALDO Romeu, 0 6dio que tenho por ti ndo pode encon- trar melhor expresséo do que esta: tu és um covarde! ROMEU, ‘Teobaldo, a razio que tenho para estimar-te des culpa 0 ddio de semelhante saudacio, Nao sou um covarde. Sendo assim, adeus, pois estou vendo que nao me conheces! TEOBALDO Rapaz, isto tudo no pode escusar as injrias que 90 me fizeste! Portanto, vira-te ¢ desembainha tua espada! ROMEU | Protesto, nunca te injuriei, mas estimo-te mais do ce poseas imaginar, até que saibas a causa de wea afeto. Assim, pois, bondoso Capuleto (cujo home tao ternamente estimo quanto o meu pro- prio), considera-te satisfeito. MERCUCIO Oh! calma, desonrosa © vil submissao! Alla stoceata se acaba com isso! (Puxa a espada.) Teobaldo, caga-ratos®, queres dar uma volta? TEOBALDO ‘Que desejas de mim? MERCUCIO Bondoso Rei dos Gatos, nada, sé uma de vossas nove vidas, com a qual farei o que bem me pa~ reca e, em seguida, segundo 0 modo de condu- Zirevos, espancarei as Outras oito, Quereis puxar Yossa espada pelas orelhas? Vamos depressa, se hao a minha iré em cima de Vossas orelhas, antes que a vossa esteja de fora. TEOBALDO stow a vosso dispor. (Desembainha.) ROMEU Gentil Mercticio, embainha tua espada! o1 MERCUCIO Vamos, senhor, vejamos vosso passado! (Lutam.) ROMEU ‘Tira tua espada, Benvélio; vamos abater-Ihes as armas! Cavalheitos, tendo dignidade, impedi esse ultraje! Teobaldo! Mercticio! O principe. proibiu expressamente os combates nas Tuas de Verona! Para. Teobaldo! Bom Mercicio! (Teobaldo fere Mercticio por de- baixo do brago de Romeu e joge com seus companheiros.) MERCUCIO Estou ferido. Malditas’ sejam vossas familias! Estou liquidado! Jé foi embora? Nao, ele foi atingido? BENVOLIO Estas ferido? MERCUCIO Sim, sim, um arranhdo, um arranhao... Basta. Onde est’ meu pajem? Anda, rapaz, procura um sirurgifo! (Sai o Pajem.) ROMEU ‘Coragem, meu amigo! O ferimento nao é grande. 92 $ % 5 4 2 (3 MERCUCIO Nao; nao é tao pro! tao largo quanto © port suficiente; produziré efeit fundo quanto um pogo, nem jortal de uma igreja; mas € (0. Perguntai amanha por tim e encontrar-me-eis um homem sério como im timulo® Estou amaldigoado, posso garan- tir-vos, para este mundo! Que uma praga dizime vossas familias!... Inca, um co, um rato, um camundongo, um gato, matar assim um homem fom um arranhdo! Um fanfarréo, um velhaco, uum canalha, que se bate segundo um tratado de aritmétical Por que diabo te interpuseste entre nés? Fui ferido por debaixo de teu brago. ROMEU Fiz com a melhor intengao. MERCUCIO Benvélio, ajuda-me_a entrar em alguma_cusa_ou desfalecerei! lie_a_peste _caiasobre—vossas ‘asas!) Transformaram-me em carne para_verme! Ja tenho mew quinhao! E bom!... Vossas fami- lias! (Saem Mercticio e Benvolio.) ROMEU Esse gentil-homem, parente proximo do principe, meu amigo verdadeiro, recebeu essa ferida mor- tal para defender minha causa! Minha honra esta manchada com 0 ultraje de Teobaldo! Teobaldo. que, nao h4 uma hora, € meu primo!... Oh! doce Julieta, tua beleza ‘me tornou_efeminado, abrandou em mim o ago de meu valor! ‘ (Volia Benvolio.) 93 aa BENVOLIO Romeu, Romeu! Esté morto o bravo Merctcio! Aquele galante espirito, que tao prematuramente desprezou a terra, ascendeu as nuvens! poMEU___ O negro de: suspenso! Esie 6 terminarao! este dia sobre novos dias esti icia_a_desgraca que outros (Volta Teobaldo.) BENVOLIO Novamente de volta o furioso .Teabaldo! ROMEU Vivo ¢ triunfante! E Merciicio morto! Retorna 20 céu, clemente brandura, e seja meu guia agora a fdria dos olhos ardentes! Teobaldo, devolvo-te © covarde que me dirigisie ainda ha pouco! A alma de Mereiicio csté muito préxima sobre nos- sas cabecas, esperando que a tua v4 fazer-Ihe com- panhia. Tu, eu ou ambos devemos ir juntar-nos a ele. TEOBALDO Tu, estipido rapuz, que eras companheiro dele, com ele partiras. ROMEU Isto decidira! 94 BENVOLIO Romeu, vai-te, foge! Os cidaddos para aqui se dirigem e Teobaldo esté morto. Nao fiques ai- parado! © principe.te condenaré & morte, se fores preso! Vai-te! Foge! Longe daqui! ROMEU Oh! Sou joguete do destino! BENVOLIO Que fazes af parado? (Sai Romeu, entram Cidaddos, etc.) PRIMEIRO CIDADAO Para que lado fugiu o matador de Merciicio? Teobaldo, esse assassino, para onde escapou? BENVOLIO LA esta esse Teobaldo? PRIMEIRO CIDADAO Levantai-vos, senhor! Segui-me, em nome do principe eu vos acuso, Obedecei-me. (Entram 0 Principe com séquito, Montecchio, Capuleto, as respecti- vas esposas e outros.) PRINCIPE Onde esto os vis iniciadores desta briga? BENVOLIO © nobre principe! Posso revelar todo o desenrolar desta disputa fatal. Ali jaz, morto pelo jovem 95 Romeu, 0 homem que matou teu parente, 0 bravo Merciicio. SENHORA CAPULETO Teobaldo, meu sobrinho! Oh! o filho de meu irmao! O principe! © meu sobrinho! © meu ma- rido! O sangue de meu parente mais caro foi der- ramado! Principe, se sois justo, por nosso sangue, derrama 0 sangue de Montecchio! © meu sobri- nho, meu sobrinho! PRINCIPE Benvélio, quem comecou esta contenda? BENVOLIO Teobaldo, que aqui jaz morto, a quem deu a morte a mao de Romeu. Romeu, falando-lhe cor- tesmente, pedia-Ihe que considerasse que a que- rela era futil e invocava ainda vossa alia vontade Dizia tudo isso com uma voz tranqiila e com ar calmo, os joelhos humildemente dobrados, mas nao péde fazer trégua com a célera desordenada de Teobaldo. Este, surdo A paz, logo se atira com © aco perfurante em diregao ao peito do valoroso Merciicio, 0 qual, todo ‘enfurecido, opée ponta contra ponta mortal e, com marcial desdém apar- ta de seu peito, com uma mio, a fria morte, enquanto que com a outra devolve-a a Teobaldo que a repele com destreza. Romeu ‘exclama: “Pa- rai, amigos! Separai-vos!” e, mais rapido do que sua lingua, seu 4gil brago abaixa as duas pontas © se precipita entre cles, mas, debaixo de seu brago, um traigoeiro golpe de Teobaldo atinge a vida de Mercticio. Teobaldo foge e, pouco depois, 96 volta em diregio de Romeu que ja estava come- gando a pensar em vinganga; como raios, cles se atiram um contra 0 outro, pois, antes que pu- dera tirar minha espada para separé-los, Teobal- do estava morto ¢ caindo, e Romeu empreendeu fa fuga. Tal é a verdade ou Benvolio seja conde- nado 4 morte. SENHORA CAPULETO Ele é um parente dos Montecchios! A afeigao o faz mentir! Nao esta dizendo a verdade! Uns vinte deles lutaram nesta negra peleja e todos os vinte s6 puderam tirar uma vidal... Pego justi¢a, que vés, principe, deveis conceder-me. Romeu matou Teobaldo, Romeu deve perder a vida. PRINCIPE Rome ele matou Mercticio. Quem pa- _-7 ard agora o prego deste estimado sangue? MONTECCHIO Romeu nao, principe, ele era amigo de Mercticio. Sua culpa foi acabar o que a lei devia cortar: a existéncia de Teobaldo. PRINCIPE, E, por esta ofensa, imediatamente nos 0 exilamos daqui. O processo que seguem vossos édios me interessa também! Meu sangue est4 causa_de_vossas_ferozes Contendas! Mas eu vos imporei_um castigo tio duro, que todos vés_de- florareis « perda dos meus. Biearel surds aos gos € de em lagrimas nem_quelxas 56 suficientes para reparar tais abusos; de modo que ura Teparar vais abu o7 nao as ponhais em pratica. Saia Romeu daqui o mais depressa Possivel ou, se for descoberto, sera essa sua Ultima hora! Levai daqui esse corpo € respeitai nossa vontade! A cleméncia seria_assas- sina, se_perdoasse aos que matam! +. (Saem.) CENA I: Jardim de Capuleto. + (Entra Julieta.) JULIETA Galopai depressa, corcéis de fogosos pés, em di- reco da morada de Febo! Um auriga como Fée- ton vos fustigaria, langando-vos ao ocaso, ¢ ime- diatamente traria 2 noite tenebrosa!... Estende teu _véu espesso, noite protetora do amor! . Fechemese 0s olhos que vagam errantes, voc Ro- meu para meus bragos, inadvertido ¢ sem que 0 vejam!.., Para celebrarem seus amorosos titos, basta aos amantes a luz de seus proprios atrativos. E como 0 amor € cego, combina melhor com a noite! Vem, noite complacente, plécida matrona, toda enlutada, e ensina-me a perder uma partida ganha, jogada entre duas virgindades sem macula! Cobre com teu manto de trevas o sangue indo: mito que arde em minhas faces, até que 0 timido amor, jé mais ousado, estime como pura oferen- da 0 verdadeiro afeto. Vem, noite! Vem, Romeu! 98 Vem, tu, dia da noite, pois, sobre as asas da noite, parecerés mais branco do que a neve recém-pou- sada sobre um corvo!... Wem, noite genti Vem, amorosa noite morena!... Dé-me meu Ro- meu!... E, quando ele morrer, apanha-o ¢ divi- de-o em pequeninas estrelas! Ele tornard to bela a face do céu, que o mundo inteiro ficaré apai-. xonado pela noite ¢ deixaré de render culto ao gol deslumbrador!... Oh! Comprei a mansio do amor, mas ainda néo a possui, e, embora esteja eu vendida, ainda nao fui apreciada. Tao tedioso est este dia, como a noite que antecede uma grande festa para a crianga impacionte que tem vestidos novos endo pode us4-los, Oh! esté che- gando minha ama que me traz noticias! Qualquer lingua que pronuncie apenas o nome de Romeu, fala com a eloqiiéncia celeste! (Entra a Ama sra- zendo cordas.) Que h4, ama, quais sfo as noti- cias? Que trazes af? As cordas que Romeu te enco- mendou? AMA Sim, sim, as cordas. (Atira-as no chao.) JULIETA ‘Ai de mim! Que aconteceu? Por que Jorces tuas miaos? AMA ‘Ah! que dia aziago! Esté morto, ésté morto, esta mortc! Estamos perdidas, senhora, estamos per- didas! Ai, que dia! Nao existe mais, mataram-no, est4 morto! 99 JULIETA, Pode o céu ser tao cruel? AMA Romeu pode, embora o céu nfo 0 possa. 0 Ro- meu, Romeu! Quem jamais o teria pensado? Ro- meul JULIETA Que deménio é tu que me atormentas assim? Tortura igual s6 deveria ser expressa com rugidos do espantoso inferno! Romeu se matou? Dize simplesmente “sim” e esta Gnica silaba “sim” terd mais veneno do que o olho do mortifero basi lisco. N&o sou mais a ‘Mesma, se existir tal “sim” OU se esti fechados os olhes que te fazem tes ponder “sim”. Se estiver morto, dize “sim”. ¢ se for o contritio, “nfo”; esses breves sons decidirio minha ventura ou minha desgraga! AMA Eu vi a ferida! Eu a vi com meus olhos!... Deus © ienha em sua misericérdia! fasanglentado, pilido, pélido como as cinzas, todo coberto de Sangue, todo ele de Sangue coagu- lado! Desmaici s6 de vé-lo! we JULIETA Oh! destroga-te, meu corago! Pobre falido, des- trogarte de uma vez! Para a pristo, olhos! Nunes Penseis em liberdade! Misera terra, sujeita-te terra, para tcu movimento, que tu ¢ Romea encerrados sejais num mesmo ataide! 100 ay i e eu aldo, Teobaldo, o melhor amigo qu a me cortés Teobaldo! Leal cavalheiro! Deve- ria viver, para ver-te morto um dia? JULIETA . Que tempestade € esta que sopra em sentido con- trario? Romeu foi assassinado ¢ Teobaldo morto? Meu amado primo e meu carissimo senhor? Entao, trombeta mortal, soa o Juizo Final! Quem est vivo, se esses dois néo mais existem? AMA Teobaldo nao mais existe e Romeu foi banido! Romeu, que © matou, foi desterrado! JULIETA Ohi Deus! A mao de Romeu derramou o sangue de Teobaldo? AMA Assim aconteceu! Ai, que dia! Assim aconteceu! “Sduuuera |. Oh! coragio de serpente, oculto debaixo de um gemblante de flores! Jamais um dragio guardou {20 belo antro! Belo tirano! Angélico demonio! mais celestial aparéncia! Exatamente oposto. ao Gus exatamente te assemelhas, santo maldito, hon rade malfeitor! Oh! naturezai Que tinhas a fazer no fundo do inferno, quando alojaste a alma sn vm dem6nio no paraiso mortal de corpo tao belos 101 Qual foi 0 livro que algum dia conteve matéria de tal modo vil, té0 ricamente encadernado? Seme- Ihante mentita pode habitar um palécio tio mara- vilhoso? AMA Nao hé firmeza, nfo hé {6 nfo_h4 honradez nos homens? Et jULOS, ctitas! Ah! onde esté meu escudeiro’ “POUT de agua vitae. Estes desgostos, dores ¢ pe- sares me fazem envelhecer. Que a vergonha caia sobre Romeu! JULIETA . ‘Que tua lingua fique empolada por um tal desejo! Ele nao nasceu para a vergonha e a vergonha se envergonha de assentar-se em sua fronte, porque € um trono onde a honra pode ser coroada como ‘nico monarca da terra universal. Oh! como fui cruel ao criticé-lo! AMA Quereis falar bem de quem matou vosso primo? JULIETA Devo falar mal de quem meu esposo? Ah! pobre senhor meu! Que lingua exaltard teu nome, quan- do eu, hé trés horas tua esposa, o injuriei? Mas, também, por que, infame, mataste meu primo? Esse infame primo poderia ter morto meu mari- do. Para tras, néscias lagrimas! Voltai para vossa fonte primitiva. Essas pérolas, tributo que per- tence @ dor, s4o por v6s consagradas erradamente 40 regozijo. Meu esposo esté vivo, contra cuja 102 vida quis atentar Teobaldo, ¢ Teobaldo esta mor- to, que pretendia matar meu esposo. Tudo isto € consolo. Para que chorar entao? Mas existe uma palavra pior do que a morte de meu primo, que me assassinou. Quisera esquecé-la com prazer; mas, ai! ela oprime minha meméria como os hor- rendos crimes a consciéncia dos delinglentes! “Teobaldo esté morto e Romeu desterrado.” Este “desterrado”, Somente sta palava a matou dez mil Teobaldos. A morte de Teobaldo tra desgraga suficiente, se ai parasse; ou, se @ desgraca amarga se regozija com a amizade ¢ faz absoluta questo de estar cercada por outras des- gracas, por que, quando diz “‘Teobaldo morreu”, nao o acompanham de “teu pai”, ou “tua mae", ‘ou até de “ambos”, o que me teria causado uma angistia natural? Mas fazer acompanhar a morte de Teobaldo dessa retaguarda: “Romeu foi des- terrado”, dizer-ine essa palavra é 0 mesmo que dizer: “Meu pai, minha mae, Teobaldo, Romeu, Julieta, todos , ssassinados, todos_maortos!. . .” “Romeu foi desterrado.” Nao ha fim, nao hé li- mite, ndo hé medida, nao ha termo e jue tragal | Nao h4 acentos que expressem a intensidade desta dor!... Onde esto meu pai e minha mae, ama? AMA ‘Chorando e gemendo junto do cadaver de Teo- baldo. Quereis encontrar-vos com cles? Eu vos acompanharei até lé. JULIETA Que eles lavem as feridas dele.com lagrimas; as 103 wv minhas sero gastas pelo banimento de Romeu, quando as deles estiverem secas... Apanha estas cordas!... Pobre escada! Tu e eu fomos enga- nadas, pois Romeu foi exilado. Ele te fez para que servisses de caminho para meu leito; mas. virgem, morro em viuvez virginal. Vinde, cordas: vem, ama; irei_para meu télamo nupcial_e_que—a morte, ¢ nao Romeu, receba_minha virgindade! AMA Correi para vosso quarto. Vou atris de Romeu Para que vos conforte. Bem sei onde esta! Es- cutai! Romeu estaré aqui esta noite! Vou pro- curé-lo. Esté escondido na cela de Frei Lourengo. JULIETA Oh! encontra-o! Entrega este anel ao meu fiel cavalheiro ¢ roga-Ihe que venha dar-me seu der- radeiro adeus. (Saem.) CENA ILI: Cela de Frei Lourengo. (Entra Frei Lourengo.) FREI LOURENCGO Romeu, aparece; aparece, homem medroso! A desgraga se apaixonou por tuas prendas e estas casado com a calamidade! (Entra Romeu.) 104 ROMEU . . Padie, quais so as noticias? Qual é a sentenga do principe? Que nova dor, ainda desconhecida, procura tocar minha mao? FREI LOURENCO | ‘Bastante familiarizado esté o meu querido filho com tao triste companhia! Trago-te noticias da sentenca do principe! ROMEU Pode ser menos do que sentenca de morte a sen- tenga do principe? FREI LOURENGO Uma_sentenca’ mais branda_saiu_de seus labios. “Nao a morte do corpo, mas o banimento do corpo. ROMEU Ah! Banimento! Tende compaixfo! Dizei que con- denou & morte, porque, na realidade, o exilio € AW mais aterrador, muito mais do que a morte! Nao vive de tua vida, praticando essa agdo danadat contra ti mesmo? Por que injurias teu nascimento™” © céu e a terra, uma vez que teu nascimento, 0 céu, a terra estdo em ti e queres perdé-los a0 CD mesmo tempo? Cuidado, cuidado! Bstés envilecen- do tua figura, teu amor e tua razao, ¢; semelhante a0 usurério, tudo tens em abundancia c nada UESE Se fitido 0 verdadeiro uso, 0. que. daria realce tua figara, a teu amor.e Atuarazdo—Tua nobre figura € apenas. ‘uma_imagem.de-cera-desprovida de pujanca varonil. Teus votos de terno amor, apenas falsas palavras que matam aquele amor que juraste guardar em teu peito. Tua razdo, esse ornemento de tua figura e de teu amor, desviada do governo de uma e de outro, como a pélvora ne polvarinho do soldado indbil, inflama-se gra- gas a tua propria ignorancia ¢ te mutila com teu Sréprio meio de defesa, Vamos, anima-te, homem! fiua Julieta, por cujo ardente amor morrias hé poueo, esta viva; nisto és um homem feliz. Teo- Baldo queria maiur-te, mas tu mataste Teobaldo; nisto é¢ também feliz. A lei, que ameagava morte, Se torna tua amiga, comutando a pena em exilios nisto és igualmente feliz. _Sobre tous ombros_pese ‘uma_carga de béncaos. “A felicidade te cortej2, vestindo seus melhores atavios. E. tu, entrctanto, come_moga_obstineda¢- mal_comportada, Tu Te cnfadas com tua fortuna © com teu amor. Cuida do! Cuidado! Aqusles_qus_assi n fazem morrem miseraveisT... Val procurar teu amor como estava decidido; Jobs ao seu quarto e dé-lhe consolacéo. Mas procura no ficar até a hora em que colo- cam a guarda, pois, ent&o, nao poderias partir para Mantua, onde permanecerds até que encon- iremos uma ocasiio favordvel para tornar public yosso matriménio, reconciliar vossas familias, con- seguir o perd&o do principe ¢ chamar-te para que voltes com vinte mil vezes mais alegria do que lt gemidos que soltas ao partires. Vai_na frente, ama, € recomenda-me A tua dama ¢ dize-lhe que apresse toda a casa para que vé para a cama, ao que se mostraréo todos propicios, por causa da intensa dor que sentem, Romeu iré imediata- mente. AMA Oh! Senhor! Poderia ter passado aqui toda a noite para escutar tao bons conselhos! Oh! o que € ©. saber! Senhor, direi a minha senhora que vireis. ROMEU Sim, ¢ no te esquegas de dizer a meu amor que se prepare para ralhar-me. AMA Aqui esté, senhor, um anel que ela me pediu que vos desse. N&o percais tempo, apressai-vos, pois esté ficando tarde. (Sai.) ROMEU Como isto conforta meu espirito! FREI LOURENCO Vai logo € boa noite! Disto depende toda a tua vida: ou partes antes que a guarda seja estabe- lecida, ou sais disfargado, ao despontar do dia. Fica em Mantua. Procurarei teu criado ¢ ele te levaraé com freqiiéncia noticias de tudo quanto Suceder ¢ te interesse. Da-me tua mao; esté fican- do tarde: Adeus! Boa noite! ROMEU . a So uma alegria superior a toda alegria nao me chamesse para outro lugar, seria uma grande, dor separar-me tio depressa de vosso lado. Adeus! (Saem.) CENA IV: Sala na casa de Capuleto. (Entram Capuleto, Senhora Capu- leto e Paris.) CAPULETO Ocorreram coisas tio lamentaveis, rapaz, que Ado tivemos tempo de convencer nossa filha. Con- sidera que possufa grande afeto pelo primo Teo- baldo, do mesmo modo que eu. Bem; todos nas- gemos para morrer. E muito tarde. Ela nfo des- cera esta noite. Posso garantir-te que, nio fosse tua companhia, j4 estaria eu na cama h4 uma hora... PARIS . Estes tempos dolorosos nao sao préprios para galantcios, Senhora, boa noite. Recomendai-me 2 vossa filha. SENHORA CAPULETO ~- Daiei 0 recado. Amanha cedo saber-Ihe-ei a ma- neira de pensar. Esta noite, est4 enclausurada na propria tristeza. 113 CAPULETO Conde Paris, atrevo-me a responder-te pelo a de minha filha. Creio que tm nase se deinath go vernar por mim. Bem mais, nfo tenho dtivida. Minha mulher, ide vé-la antes de deitar-vos. Dai lhe conhecimento do amor de meu filho Paris ¢ fazei-a saber, notai bem, que na préxima quarte- feira... Mas esperail Que dia & Hoje? PARIS Segundz-feira, senhor. CAPULETO ‘Scgunda-feira! Ah, ah! Bem, quarta-feira é cedo demais; digamos que scja na quinta-feira. Dizei-lhe que, na quinta-feira, casur-se-& com este nobre conde. Estaras disposto? Estas contente com esia pressa? Nao faremos grande pompa. Um amigo ‘ou dois; pois, compreeende, estando tao recente a morte de Teobaldo, poderiam pensar que nio Ihe demos muita importancia, sendo nosso parente, se fizermos festas demais. De modo que coavida- remos meia dizia de amigos e serd tudo. Mas que dizes de quinta-feira? PARIS ‘Senhor, desejaria que quinta-feira j6 fosse amanha CAPULETO Bem, podes retirar-te. Seré entdo na quinta-feira. Ide ver Julieta antes de vos deitardes, esposa, € preparai-a pera o dia do casamento. Adeus, se- nhor! Luz no meu quarto. Por minha vida, jé € 14 tdo tarde, que daqui a pouco poderemos dizer que & cedo. Boa noite! (Saem.) CENA V: Jardim de Capuleto. (Entram Romeu e Julieta, em cima, na janela.) JULIETA | . Queres ir embora?... O dia ainda nZo est pro- imo... Era do rouxinol e nao da cotovia a voz que feriu o fundo receoso de teu ouvido. .. Todas aM noites canta naquela romazeira. Acredita, meu amor, era 0 rouxinol. ROMEU . - ‘Era a cotovia, mensageira da aurora, e nfo © rouxinol!... Olha, meu amor, que raias invejo- sas de luz separam as nuvens no Oriente longin- quo... Os cirios da noite j4 se queimaram ¢ o Aicundo dia est4, de pontas de pés, no brumoso fimo das montanhas... Preciso partir € viver, ou ficar e morrer. JULIETA, ‘Aquela claridade longinqua nao € a luz do dia, oulsei... B algum meteoro que o sol exala para que seja'o portador da tocha nesta noite € te 115 lumine no teu caminho para Mantua, Fica, por- tanto!... N&o tens necessidade de partir. ROMEU Que me prendam!... Que me condesiem & mor- tel... Se tu quiseres, estou decidido! Direi que © cinzento distante nao é 0 olho da manha, mas O, Palido reflexo da fronte de Cintia®, e que nao So tampouco da cotovia éssas notas vibrantes que rasgam a abébada celeste tao alto sobre nosas Cabecas, Meu desejo de ficar vence minha vontade Ge partitl... Vem, morte, e sé bem-vindal Ju- lieta assim 0 deseja. Que h4, minha alma? Fale. mos; ainda nao é dia! JULIETA E sim, € sim! Foge daqui, vai-te, andal & a co- tovia que canta desafinada, lancando dsperas dis- Sonfincias ¢ desagradaveis sons agudos! E dizem gue a cotovia produz ao cantar uma doce harmo- Rial” Como, se ela nos separal E dizem que a cotovia e 0 imundo sapo trocam os olhos! Oh! Quisera que agora tivessem também troca- do a voz! Porque essa voz nos enche de temor ¢ te arranea de meus bracos, afugentando-te daqui com seu canto de alvorada! Oh! parte agora! Esta ficando mais claro, cada vez mais claro! ROMEU Mais claro, sempre mais claro! Mais negro, sem- pre mais negro, nosso infortinio! (Entra a Ama, no aposento.) 116 AMA Senhora! JULIETA Ama? AMA A senhora vossa mile esté vindo para aqui. Jé desponiou 0 dia! Sede prudente, atencao! (Sai.) JULIETA Entao, janela, deixa entrar o dia, deixa sair a vidal ROMEU, Adeus, adeus! Um beijo e descerei. (Desce.) JULIETA Partes assim? Meu senhor, meu amor, meu ami- go! Necessito saber noticias tuas a todo dia ¢ ‘oda oral... Porque num minuto hé muitos dias! Oh! segundo esta conta, t rerei_envelhecido antes que torne a ver meu Romeu ROMEU ** ‘Adeus! Nao ‘perderei_uma oportunidade para enviat-te minhas lembrancas, meu amor! JULIETA Oh! Pensas que ainda nos veremos novamente? ROME! Nao tenho diividas! E todas estas dores servitio de tema para doces conversas nos tempos vin. douros, 17 JULIETA © Deus! Que negros pressentimentos tem minha alma!... Parece-me ver-te, agora, que estés em- baixo, como um cadaver no fundo de um tumul Ou minha visio me engana, ou tu estés muito palido! ROMEU * Amor, acredita-me, tu_estés_também_pélida_aos meus olhos. A dor sedenta bebe nosso sangue!. ‘Adeus! Adeus! (Sai.) JULIETA Fortuna, Fortuna! Todos os homens te cha- Oh! marirde inconstante. Se tu és inconstante, que tens a ver com ele, afamado por sua fidelidade? Sé in- constante, Fortuna, porque entéo, segundo espero, nao o reterés muito tempo, mas o restituirds breve a meus bragos. SENHORA CAPULETO (Dentro.) Minha filha, jé estés levantada? JULIETA Quem esté me chamando? £ minha mae? Tio tar- de e ainda ndo se deitou ou téo cedo ¢ ja se le- vantou? Que motivo inusitado a traz aqui? (Entra Senhora Capuleto.) SENHORA CAPULETO Entdo, que ha, Julicta? 118 JULIETA Senhora, no estou passando bem. SENHORA CAPULETO Sempre chorando a morte de teu primo? Como! Pretendes tiré-lo do tamulo com tuas légrimas? ‘Mesmo que o conseguisses, nao poderias dar-lhe a vida. Portanto, cessa de chorar. Um sentimento moderado revela amor profundo, enquanto que, excessivo, indica insensatez. JULIETA Entretanto, deixai-me chorar uma perda tao sensi- vel. SENHORA CAPULETO ‘Assim, sentirés a perda, mas néo o amigo por quem choras. JULIETA Sentindo-the assim a perda, no posso contudo deixar de chorar sempre 0 amigo. SENHORA CAPULETO Estou-te compreendendo, minha filha: choras nao s6 a morte dele, como porque ainda esté vivo o infame que 0 assassinou. JULIETA Que infame, senhora? SENHORA CAPULETO Esse infame Romeu. 119 JULIETA (A parte.) SENHORA CAPULETO Entre um infame e ele ha muitas milhas de dis- Procura os meios ¢ eu procurarei alguém. Mas, tancia!. .. Deus 0 perdoe, como eu o perddo de agora, minha filha, tenho alegres noticias para todo coragao! Contudo, nenhum homem me afli- dizer-te. e tanto quanto ele! 5 a ° JULIETA _ _ E chega a propésito a alegria em ocasiao que tio SENHORA CAPULETO jitad: rt rs oat a té! Quais sao elas? Dizei, por favor. Isso € porque vive 0 traidor assassino. necessitada estd! Quai Pp SENHORA CAPULETO. JULIETA Bem, bem, tens um pai previdente, minha filha, e que encontrou, para tirar-te de tua tristeza, um previsto dia de felicidade que nem tu aguarda- vas, nem eu previa, Sim, senhora. Porque vive longe do alcance destas © minhas mos! Quisera que s6 eu vingasse 2 morte de meu primo! JULIETA SENHORA CAPULETO + ‘ Teremos nossa vinganca, néo tenhas medo! Nao Senhora, muito me alegro, Que dia ¢ esse? chores mais. Vou mandar alguém a Méntua, onde SENHORA CAPULETO vive esse desterrado vagabundo, para dar-lhe t&o Palavra de honra, minha filha, cedo, na préxime estranha bebida que breve faré compenhia a Teo- quinta-feira de manhé, o galante, jovem © nobre baldo, e, entio, julgo que ficards satisfeita. gentil-homem, Conde Péris, na’ Igreja’ de So Pedro, ter a ventura de fazer de ti uma feliz es- JULIETA, posa. Verdadeiramente, nunca ficarei satisfeita com Ro- . meu até que nao o veja... morto! Meu pobre JULIETA | Coragao est tio torturado pelo falecimento de Entfo, pela Tgreja de Sao Pedro © também por Sao um Parente... Senhora, se pudésscis achar um Pedro, 14 ele nao faré de mim uma feliz esposa! homem que levasse 0 veneno, eu o prepararia, de Estou espantada com esta pressa e que haja de maneira que Romeu, tendo-o recebido, dormiria casar-me com quem nem sequer me Tez 2 corte depressa em paz! Oh! como meu coragio soffe Senhora, eu vos suplico que digais a meu senhor ouvindo nomeé-lo e nao poder dirigir-me para ¢ pai que nfo quero casar-me ainda e que, sc_o (onde esté, a fim de fazer sentir 0 amor que tinha fizer, sera com Romeu, juro-vos, a quem sabeis . por Teobaldo no corpo daquele que lhe arreba- que odeio, masnunca com Paris. Estas eram as tou a vida! joticias: ag ¥ 12 121 SENHORA CAPULETO Esta chegando teu pai. Dize-the pessoalmente verés como aceita a coisa vinda de ti (Entram Capuleto e a Ama.) CAPULETO ‘Quando 0 sol se poe, © ar fica cobe¥to de orvalho; mas, no ocaso do meu sobrinho, chove de verdade. Que € isto? Es uma goteira, minha filha? Sempre em lagrimas e chorando torrentes? Em teu peque- no COFpo, pareces um barco, um oceano e um ven- to: porque teus olhos, que bem posso denominar oceano, fazem com as lagrimas 0 fluxo ¢ 0 re- fluxo. © barco € teu corpo, que'voga neste salga- do pélago; os ventos, teus suspiros, que em lute furiosa com teu pranto e este com cles, sc nao houver uma calmaria, fardo sogobrar teu corpo, partido pela tempestade. Entfo, minha mulher, 6s ja Ihe comunicastes nossa determinagao? SENHORA CAPULETO ‘Sim, senhor, mas ndo quer e vos agradece. Que esta tola casasse com o timulo! . Queria CAPULETO Devagar! Repeti-me, repeti-me, minha esposa! Como! Ela nao quer? Ela nao nos agradece? Ndo esté orgulhosa? NZo se considera abengoada, in- digna como 6, quando nés Ihe arranjamos um gen- tikhomem to digno para servir-lhe de esposo? JULIETA Orgulhosa, nao; ao contrério, estou muito agra~ 122 decida, Nunca pude ficar orgulhosa com aquilo que odeio; mas sou reconhecida, até pelo que Gdeio, quando se tem 0 amor como intengao. CAPULETO ‘Como, como? Como, como? Que l6gica alinbava- da é esta? Que queres dizer? “Orgulhosa” e “‘agra~ dego” ¢ “nao agradego” ©, contudo, “orgulhosa, no”? O que ides fazer, senhora atrevida, € deixar- Jos desses agradecimentos e orgulhos, preparando Vossas finas pernas para a proxima quinte-feira, quando acompanhareis Paris a Igreja de Sdo Pe Jeo 'ou, do conteario, levar-vos-ci até 14 arrastada fume earreta! Fora de minha presenga, carcaga doentia! Fora daqui, libertinal Cara sebenta! SENHORA CAPULETO Calai! Ficastes doido? JULIETA Bondoso pai, eu vos suplico de j me com paciéncia uma palavra. joethos! Escutai- CAPULETO Enforca-te, jovem libertina! Criatura_desobedien- te! Ouve o que te digo: ou vais 4 igreja na quinta- feira, ou jamais me olhes em face! Nao fales! Nao repliques!... Nao me respondas!... Meus dedos ardem!... Esposa, pensévamos que no éramos bastante abencoados, visto que Deus s6_nos havia enviado esta Unica filha, mas, agora, vejo que esta unica € demais ¢ que_nés_a_tivemoe para nossa a maldigao. Sal_de_minha_vista, ordindria! 123 AMA Deus a bendiga no céu! Fazeis mal, senhor, em repreendé-la desse modo. CAPULETO E por que, senhora intrometida? Prende ta Iin- gua, boa prudéncia! Vai fazer mexericos com tuas conhecidas! AMA Nao falo por mal. CAPULETO Oh! Que Deus vos dé boa tarde! AMA Nao se pode mais falar? CAPULETO Silencio, louca resmungadora! Essa elogiiéncia po- Ges usd-la para teus iguais, pois aqui no temos necessidade dela. SENHORA CAPULETO Estais por demais exaltado! CAPULETO. Pela Héstia Santa! Vou ficar louco! De dia, de noite, a todas as horas, em qualquer ocasifo, a cada momento, trabalhando, divertindo-me, 36, acompanhado, sempre foi meu sonho vé-la easada © agora que Ihe haviamos conseguido um gentil- homem de familia principesca, cheio de riqueza, jovem, educado com o maior esmero, recheado, 124 como dizem, de belas qualidades; um homem, en- fim, como alguém pudera desejar, vem esta mise- ravel e estipida chorona, esta boneca gemedora, quando Ihe sorti a fortuna, exelamar por toda Fesposta: “Nao quero casar, no posso amar, sou jovem demais; rogo que me perdoeis”. Entio nfo te cases! Sim, eu te perdoarei! Vai viver onde quiseres, pois em minha casa nfo pords mais os pés! Reflete ¢ pensa bem, j4 sabes que nao tenho hébito de fazer brincadeiras. Quinta-feira est4 pré- xima; coloca a mao em teu coracao ¢ reflete. Se quiseres_ser_minha filha_obediente, cu te darei_a meu_amigo; se_ndo_o quiseres ser, enforcai-te, mendiga, consome-te de fome e miséria, morre no meio da rua. Por minha alma, nunca te reconhec ‘rei e nada que me pertence jamais te pertence: ‘crédita-me © pensa bem. Nao voltarei atrds! (Sai.) JULIETA Nao hé cleméncia nos céus que veja até o fundo de minha dor?... 6 minha doce m&e! Nao me abandoneis! Adiai esse casamento um més, uma semana; Gu, se _ndo puderdes, colocai meu leito nupcial nesse sombrio monumento onde jaz Teo- baldo. SENHORA CAPULETO. Nao me fales, pois no direi uma s6 palavra. Fa- ze como quiseres, por que tudo esta terminado entre hés, (Sai.) 125 JULIETA 1 Oh! Deus! .. Oh! ama! Como poderi isso ser v (eu esposo esté na terra, minha fé, no céu. Como voltaré novamente esta f6 A terra, a no ser que meu esposo, deixando este mundo a envie do céu? Consola-me, aconselha-me. Ai, ail © céu poderia empregar tais estratagemas contra uma criatura t@o fraca quanto eu? Que dizes? Nao tens nem uma”palavra de slegria? Conforta-me, AMA Por minha £6, eis aqui! Romeu foi banido ¢ apos- taria 0 mundo inteiro contra nada como nunca se atreverdé a voltar para reclamar-vos ¢, se vier, precisaré ser escondido. Estando; pois, as coisas Como esto, creio que © mais conveniente é que vos caseis com o conde, Oh! & um encantador gentil-homem! Romeu diante dele € um ristico! ma guia, senhora, ndo tem olhos to verdes, tho vivos, tao belos como os de Paris! Maldito seja meu coracho, creio que sereis feliz neste se~ gundo matriménio, visto que & melhor do que o primeiro; ©, mesmo que nao fosse, vosso primei- fo marido esté morto, ou é 0 mesmo que se esti- \vesse, pois nao podeis té-lo aqui vivo, nao poden- )do dele servir-vos. JULIETA Falas do fundo de teu coragao? AMA E do fundo de minha alma, também, ou, ent que ambos sejam amaldigoados! 126 JULIETA Amém! AMA Que? JULIETA Sim, tu me consol dize & minha mae que, aflita po" you confessar-me na cel Jaste admiravelmente. Entra € yr haver contraria- la de Frei do meu pai, en Lourengo e receber sua absolvicao. AMA | Por minha £6, irei logo; estais agindo muito acer tadamente. (Sai.) JULIETA £ maldita! Oh! malignissimo demonio! Maio pecado incitar-me assim ao perjitio, ou Vituperar meu senhor com a mesma lingua que vanes milhares de vezes 0 exaltou acima de qual- quer comparagio? Vai, conselheira, tu ¢ meu Gpracto daqui para diante estareis separados! for Ser o trade para pedir-lhe um remédio ¢, $e velo me abandonar, eu mesma terel o poder > Velha “morrer. a (Sai.) 2 127 ATO QUARTO CENA I: Cela de Frei Lourenco. (Entran Frei Lourenco e Paris.) FREL LOURENCO. Quinte-feira, senhor? Muito pouco tempo. PARIS ‘Tal é a vontade de meu pai Capuleto e nada existe em mim para moderar-Ihe a pressa. FREI LOURENGO Dizeis ignorar os sentimentos da dama. O pro- cedimento € irregular, nao me agrada. PARIS Julieta chora sem cessar a morte de Teobaldo v esta é a causa pela qual pouco the falei de amor, pois nfo sorri Vénus numa casa em lagrimas Agora, senhor, o pai dela julga perigoso que dé téo grande importancia 2 sua dor. E com sabe- doria quer apressur nosso casamento, para cessar a intndagdo das ldgrimas que. favorecida pela solidae, poderia ser reculeada pelos prazeres du sociedade, Sabeis agora a raz4o para esta pressa. 129 eS oe LOURENCO (A parte.) ueria n&o saber, porque serd preci u > preciso que el sejaretardado, Vede, senhor, esté chegindo 8 dama que se dirige para minha cela. (Entra Julieta.) PARIS © Feliz encontro, minha senhora e minha esposa! JULIETA Poderd ser, cavalheiro, quando for vossa esposa- PARIS. Esse “poderd ser” hé de ser, mew amor, na pré- xima quinta-feira. JULIETA © que deve ser, seré. FREI LOURENCO Verdade indiscutivel. PARIS Vindes confessar-vos com este padre? JULIETA Para responder-vos, teria que confessar-me con vosco. PARIS Nao Ihe negueis que me amais. JULIETA Eu vos confessarei que o amo 130 PARIS ‘Assim, pois, mais. estou certo de que the direis que me JULIETA Se isso fizesse, min feita em vossa auséncia ha confisséo teria mais valor ‘do que em vossa presenca. PARIS Pobre coitada, vossa face esté bem injuriada pelas lagrimas. JULIETA . Tnsignificante vitéria conseguiram com isso. as lagrimas, pois minha face jé cra bastante feia, antes que me mortificassem. PARIS Mais injurias Ihe tazels cou vossas palavras do que com vosso pranto. JULIETA - © que € verdade, senhor, ndo € caliinia. E 0 que digo, digo & minha fac. PARIS Vossu face é minha ¢ vés a caluniastes. JULIETA Pode scr, pois nfo ¢ somente minha. . Estais Gesocupado agora, santo padre, ou deverei voltar para a missa vespertina?® FREI LOURENGO Tenho agora tempo disponivel, minha triste ti- tha... Cavalheiro, precisamos ficar sozinhos. 131 PARIS Deus me livre de- perturbar.a devocio! Julieta, quinta-feira cedo irei despertar-vos! Adeus até entéo ¢ guardai este santo beijo! (Sai.) JULIETA Oh! Fechai a porta ¢, quando tiverdes feito isso, Vinde chorar comigol Nao ha esperanca, nao ha remédio, nfo hé socorro! FREI LOURENCO. Abt Julieta! J@ conheso tua dor que ultrapassa Qs limites de meu espirito. Soube que na proxima quinta-feira, e sem que nada possa retardé-lo. deves casar-ie com esse conde. JULIETA Nao me digais, frade, que ouvistes isto, a nao ser que possais dizer como poderei evité-lo! Se em vossa sabedoria nao podeis auxiliar-me, ao menos minha determinacao! E, com’ este pu- nhal, acabarei imediatamente com minha alma! Deus uniu meu coracio com o de Romeu, vos, Rosas maos; € antes que minha mio, selada por vés a Romeu, scja o sclo de novo contrato, ou que meu verdadeiro coracio, por-traigdo € revol ta, vé para um outro, isto acabard um ¢ outro De modo que, dai-me logo um conselho nascido de vossa longa experiéncia, ou, do contrario, entre mim ¢ o rigor de minhas dores decidiré 2 questao esta faca sangrenta, resolvendo 0 que a autorida- | de de vossos anos ¢ vosso suber nao podem levar 132 aprovai Ercepanr vnnen He, © Stadamde te, mm & honroso termo! Nao demoreis em falar! Quero morrer, se 0 que ides dizer nao fala de remédio! FREI LOURENCO Para, filha; vislumbro certa esperanga que recla- ma uma execugio igualmente desesperada, como desesperado 0 que. queremos evitar. Se tens su- ficiente forga de vontade para _tirar-te_a_vida,_a ‘Fim de nao te casares com P4ris, talvez te arris- casses_a_um_simulacr: jara_evitar tal e. desonra, tu que lutas com a morte para dela es- capar. Se te atreves, eu te darei um remédio. << JULIETA ‘Oh! De preferéncia a casar com Péris, mandai- me que me arroje do alto das amcias de longin- qua torre, ou ande por caminhos infestados de ladr6es, ou ordenai que me esconda onde exis tam serpentes, que me encadeeis com ursos voci- ferantes! Encerrai-me durante a noite num ossud- rio, todo coberto pelos ossos dos mottos que se entrechocam com as tibias apodrecidas e os cra. nios amarelos e descarnados! Enterrai-me numa cova recém-cavada, ou fazei que seja amortalhada com um tadaver, coisas todas clas que, ouvindo- as, me aterrorizavam, e o farei sem temor nem vacilagéo alguma, para viver esposa imaculada de meu doce amor! FREI LOURENCO Escuta, entdo. Volta para casa, mostra-te alegre © dé Yeu consentimento em casa com Paris. Amz. nha € quarta-feira; procura ficar sé, 2 noite, em teu quarto, nfo deixando que a ama durma con. 133 “igo. ual . Taacdnat : gota deste licor destilado. amente correrd por tuas veias um humor Frio ¢ letargico, porque nenhuma pulsagao conti- chun seu curso, tudo pararé. Nenhum calor, ne- tables son eee que existas. As rosas de teus \éblos ¢ de tuas fa a murcharso até ficarem pai aoe . As janelas desteus olhos se c 0, como quando os fecha a morte A luz da vida. Teus membros, privados de toda flexibili- dade, se mostrarao hirtos ¢ rigidos como os de um cadaver. Tudo dard aparéncia de que estés mor- ta. E assim permanecerds quarenta e duas horas, despertando depois como de um placido sono. Na manha do dia marcado para teu-casamento, quan~ do te forem levantar, encontrar-te-fo morta no teu Icito. Entao, como é de habito cm nosso pais, ataviada com teus melhores trajes num atadde aberto, conduzir-te-4o para a mesma antiga cripta onde repousa toda a familia dos Capuletos. Nesse interim, antes que acordes, Romeu scré informa- do por cartas minhas de nosso plano ¢ voltara. Ele e eu velaremos juntos o teu despertar até que voltes a vida e, naquela mesma noite, Romeu te levaré para Mantua. Assim, livrar-te-ds dessa imi- nente desonra, se algum capricho ef€mero ou pa- vor feminino nao abaterem tua coragem no mo- mento decisivo. L JULIETA Dai-me. Oh! no me faleis de pavor! FREI LOURENCO Toma; agora parte. Sé forte ¢ feliz em tua reso- 134 lugdo. Vou agora mesmo enviar um frade @ Man- tug com carias minhas para teu senhor- JULIETA ETA aime forca e forga me socorreré! Adeus: querido padre! (Saem.) na casa de Capuleto. eto, Senhora Capu- dois Servidores.) CENA II: Saléo (Entra Capul leto, a Amae CAPULETO a Eoavida todas as pessoas aqui inseritas. (Sal 0 convtiro Servidor.) E tw, vai arranjar-me vinte habeis cozinheiros. SEGUNDO SERVIDOR ; ; Ngo haveré nenhum mau, senhor, pois terei 0 cuidado de averiguar se sabem lamber os dedos. CAPULETO Como poderds examina-los? SEGUNDO SERVIDOR Por minha fé senhors que no sabe lamber os dedos; aquele que ndo souber lamber os comigo. mau cozinheiro é aquele de modo que dedos nao viri 135 CAPULETO Est bem, vai. (Sai o Segundo. Servidor.) Desta Vez, vamos ser apanhados desprevenidos! Entio, minha filha foi ver Frei Lourengo? AMA Sim, por certo. CAPULETO. Bom, talvez possa ele fazer-lhe algum bem. Co- mo € rebelde e voluntariosa a ordindria! (Entra Julieta.) AMA Vede, como ela volta da confisséo com um ar contente! CAPULETO Entflo, cabeguda! Onde foste passear? JULIETA Onde me ensinaram a arrepender-me do pecado ca desobediente oposic&o a vés e a vossas ordens: ¢ me foi ordenado, pelo santo Frei Lourenco, que me prosternasse a vossos pés para pedir 0 vosso Perdao. Perdoai-me, eu vos suplico! Doravante, eu me deixarei conduzir sempre por vis, CAPULETO Mandai buscar 0 conde, informai-o disto! Ama- nh, de manhi, terei atado este né nupcial JULIETA Encontrei 0 jovem senhor na cela de Frei Lou- 136 rengo ¢ dei-lhe 0 que pode conceder 0 amor: nos limites da modéstia. CAPULETO | Muito bem! Estou encantado! Isso vai admiravel- mente! Levanta-te! A coisa esta indo como devia. Preciso ver o conde! Sim, por minha £6, ide bus- cfclo, ¢ trazci-o aqui! Verdadeirariente, juro por Deus, que toda a nossa cidade est muito agra- decida a esse reverendo e santo frade! JULIETA Ama, queres acompanhar-me & minha cémara p: ra ajudar-me a escolhet os ornamentos que acha- res convenientes para enfeitar-me amanhi? SENHORA CAPULETO. Antes de quinta-feira, no; temos tempo bastante. CAPULETO Vai, ama, vai com ela. Iremos & igreja amanha, (Saem Julieta e a Ama.) SENHORA ‘CAPULETO Vamos ficar atrapalhados para acabar nossos pre- parativos. J4 est anoitecendo. CAPULETO Nao hé nada! Trabalharei sem parar e tudo aca- bara bem. Garanto-vos; esposa. Ide procurar Jus lieta, ajudai-a a embelezar-se. No me deitacel esta noite; deixai-me ficar 6. Desta vez, fare o Papel de dona de casa... Foram todos embora! 137 Bem, irei eu mes! I, smo A casa do Conde Pari , irei eu my ris para ‘ihowainenie lave Gea oes ie mace te leve, depois que i: chosa voltou a razor Men Peavena capri (Saem.) CENA III: Quarto de Julieta. (Entram Julieta ea Ama.) JULIETA Sim, esses atavios s40 os melhores; mas, querida ama, cu te Togo que me deixes sO esta noite, pois preciso orar muito para comover os céus a que me favorecam em minha situacio que é, como sabes muito bem, falsa e cheia de pecado. (Entra Senhora Capuleto.) SENHORA CAPULETO Como! Est4s muito atarefada? Precisas de meu auxilio? JULIETA Nao, senhora, jd escolhemos todo o necessirio, © que convém para a ceriménia de amanha. Assim, eu vos peco que me deixeis s6 e que a ama passe esta noite perto de vés, pois estou certa de que 138 tendes as mos completamente ocupadas com esta tarefa tdo stbita. SENHORA CAPULETO Boa noite; deita-te ¢ descansa, sidade. pois tens neces- (Saem Senhora Capuleto ea Ama.) LIETA / Adeus! $6 Deus sabe quando nos veremos de no- Vol Sinto um vago ¢ frio temor que me causa es {Smecimento, ao correr por minhas veias, ¢ quase gela o calor da vida, Vou chamé-las de volta para gue me infundem valor... Amal... Que facia Gta aqui2. ... B uma cena terrivel que devo repre~ Sentar s6i Vem, frasco!... E se esta droga néo produzir qualquer efeito? Teria de casar-me ama- tha de manha?, ,. Nao, ndo! Eis o que impedira! Fica ai! (Coloca perto dela um purnhal.) E se fosse um veneno com que o frade quisera dar-me astu- tamente a morte por temor A desonra que este ca~ samento Ihe causaria porque me uniu a Romeu? Receio que sim... Entretanto, creio que nao deva ser, pois sempre deu provas de ser um santo homem. E se, quando for depositada na tumba, ucordar antes da tempo marcado para que Ro- meu venha libertar-me? & uma idéia horrivel! Nao ficarei asfixiada, ent&o, dentro da catacum- ba, por cuja espantosa boca jamais entra ar puro, ¢ 14 morrerei sufocada, untes que Romeu che- gue?... Ou, se viver, ndo ¢ possivel que o horri- vel pensamento da morte ¢ da noite junto com © terror do lugar, um sepulero, um receptéculo anti- “| aaron de 139 te Fs - 80; onde durante centenas de anos os ossos de todos os meus antepassados mortos foram enter tados; onde Teobaldo coberto de sangue, hé pou- co enterrado, jaz apodrecendo na mortalha; onde, segundo dizem, em certas horas da noite, se ret nem 0s espfritos... Ail Ail Nao sera possivel que, ao despertar cedo demais entre odores infectos ¢ Britos, como os da mandragora arrancada da ter- ra, no enlouqueca como todos os mortais que os escutam? Oh!... Se despertar, perco a razio cercada por todos esses tremendos horrores? E. loucamente brincarei com os restos de meus ante- passados? E arrancarei Teobaldo, desfigurado, da mortalha onde esté? E dominada pela minha jou- cura, com os ossos de algum antepassado servin- do de bastao, quebrarei meu cérebro desesperu do?... Oh! Vedel Parece que estou vendo 0 es- Pectro de meu primo perseguindo Romeu, cujo corpo foi espetado pela ponta de uma espadal... Para, Teobaldo, paral... Jé vou, Romeu! Bebo isto em tua intengao! (Cai no leito, atrds das cortinas.) CENA IV: Saldo na casa de Capuleto. (Entram Senhora Capuleto e a Ama.) SENHORA CAPULETO Ouve, segura estas chaves ¢ vai buscar-me mais especiarias, ama. 140 AMA aaielai Estao pedindo tamaras e marmelos na pastelaria (Entra Capuleto.) CAPULETO | Vamios, despertai, despertai, despertai! O galo jé cantou pela segunda vez e soou o toque de reco- Iher.?* So trés horas. Tem cuidado com os pas- téis, boa Angélica, ¢ nao poupes gastos! AMA Ide, ide, senhor intrometido! Ide para a cama! Estareis passando mal amanhd, se nfo dormir- des! CAPULETO | Nao, nao irei! Ora, quantas vezes, por motivos me- nos importantes, no passei noites acordado ¢ nunca fiquei doente? SENHORA CAPULETO Sim; fostes um cagador de camundongos em vos- 80 tempo, mas, hoje, velo para preservar-vos de semelhantes vigilias! (Saem Senhora Capuleto e a Ama.) CAPULETO Zelos, zelos! (Entram trés ou quatro Servidores, com espetos, lenha e cestas.) Entio, rapaz, que trazes ai? 141 PRIMEIRO SERVIDOR Coisas para © cozin! ” que &. heiro, senhor, mas nfo sei o CAPULETO Anda depressa, anda depressa. (Saf o Primeira Servidor.) E tu, vai buscar troncos mais secos! ama Pedro, que ele te diré ondé encontré-los! SEGUNDO SERVIDOR Tenho uma cabega, senhor, que saberé encontrar os troneos e nao irei incomadar Pedro por causa CAPULETO = Pela Santa Missa, dizes bem! Um gracioso filho da mae, ah! Vao crescer-te troncos na cabega! (Sai © Segundo Servidor.) Bom Deus, jé 6 dia'e no tardaré a chegar o conde com a misica, segundo prometeu! (Mdsica no interior.) Est& chegando! ‘Ama! Mulher! Ent&o? Entao, ama, estou falando! (Volta a Ama.) Vai acordar Julieta! Veste-a bem! Eu irei conversar com Paris. Vamos, depressa, gue 0 noivo ja esié chegando! Anda depressa estou dizendo! , (Saem.) 142 CENA V: Quarto de Julieta. (Entra a Ama.) Senhora! Vamos, senhora! Julieta! Esta dormindo Semo um anjo! Vamos, meu cordeirinho! Senho- fa! Vamos, dorminhoca! Meu bem, acordal! Va Tos, senhora noival Nem uma palavra? Agora geta's aproveitando um pouco de song. Dormi uma Suimana seguida, porque na noite qué vem o Con- fe Paris ndo vos deixaré descansar muito. Ficai certa, Deus me perdoe! Santa Virgem ¢ Amém, como esté ela adormecida! Mas ¢ preciso tordielal Senhora, senhora, senhora! Sim, ¢ se deixais que o conde vos apanhe na cama? Que Gusto nab tercis! Nao é verdade? (Abre as corti- has) Como! Vestidz? Nem se despiu! Deitoux ‘asim? Devo acordar-vos? Senhora! Senhora! St- thora! Ai, ail Socorro, socorro! Minha senhora morreu! Oh! em que dia infeliz nasci cu! Um pour co de aqua vitae! Senhor! Senhora! (Entra Senhora Capuleio.) SENHORA CAPULETO Que barulho € esse? AMA Que dia lamentdvel! SENHORA CAPULETO Que aconteceu? 143 AMA Olhai, oth Oh! dia aziago! SENHORA CAPULETO Ai de mim! Ai de mim! Minha filha, minha pro- pria vida! Revive, abre os olhos ou morrerei con- tigo! Socorro, socorro! Pede. socorro! (Entra Capuleto.) CAPULETO Que vergonha! Trazei Julieta! J4 chegou o es- poso dela! AMA Esta morta, defunta, morta! Ai, que dia! SENHORA CAPULETO Ai, que dia! Esté morta, morta, morta! CAPULETO Deixai-me vé-la, Ai, morreu! Esté fria. Esté com © sangue parado e os membros rigidos! Ha muito tempo que a vida ¢ estes labios se separaram! A morte caiu sobre ela como gelo precoce sobre a mais linda flor de todo o campo! AMA Oh! lamentavel dia! SENHORA CAPULETO Oh! calamitoso dial CAPULETO A morte, que de mim a arrebatou para fazer-me 144 gemer, uta minha Ifngua e néo me deixa falar. (Entram Frei Lourengo e Paris com Musicos.) FREL LOURENCO, oe . Entio, a noiva jé est pronta para se dirigir para a igreja? CAPULETO Pronta para ir, mas para nunca voltar! © meu filho, na véspera de tuas bodas, a morte deitou- se com tua esposa! Vé, ali estd ela, flor como era, foi por ela deflorada. A morte € meu genro, a morte ¢ meu herdeiro; com ela casou minha filha! Ouero morrer © tudo’ legar-Ihe! Vida, bens, tudo para a morte! PARIS . Hé tanto tempo esperava ver a face desta manha ¢ ela me apresenta espetaculo semelhante? SENHORA CAPULETO Maldito, infortunado, infeliz, odioso dia! A hora mais miserdvel que jamais vi no permanente labor de sua peregrinagéo! Uma s6, uma pobre, uma 86 ¢ amada filha, tnica coisa para alegrar-me ¢ consolar-me, e a morte cruel a arrebatou de mi- nha vista! AMA Qh! horror! Oh! horrivel, horrivel, horrivel dial »» © dia mais lamentavel, mais dolordso que jamais D” preseAcieil Oh! dia! Oh! dial Oh! ‘dia! Oh! odioso dia! Nunca houve um dia tao negro quan- to este! Oh! deplordvel dia! Oh! deploravel dial 145 PARIS Enganado, divorciado, ultrajado, injuriado, assas- sinado! Oh! morte, mil-vezes detestével! En nado por ti! Cruel! Cruel! Por ti aniquilado! Oh! amor! Oh! vidal A vida nao, mas o amor na morte! — CAPULETO . Desprezado, desolado, odiado, martirizado, morto! Tremendo instante! Por que vieste agora assassi- nar, matar nossa solenidade? Minha fithal Minha filha! Minha~aima e nao minha filha! Morta es- ta! Ai, minha filha esté morta ¢ com minha filha esto enterradas todas as minhas.alegrias! FREI LOURENCO Sil@ncio, por favor! Que vergonha! O remédio para a dor nao esta nessas dores. O céu e vos ti- nheis parte nessa bela donzela, Agora, o céu tudo possui ¢ assim seré methor para a donzela, A parte dela que vos correspondia nao pudestes preser- var da morte, mas o céu guarda sua parte para a vida eterna. Vossa Ansia era que ela subisse, pois teria constituido vossa gléria poder vé-la enal- tecida. E agora chorais, vendo-a exaltada sobre as nuvens, to alta quanto © proprio céu? Oh! Neste amor, amais téo mal vossa filha que enlouqueceis, vendo-a tao ditosa. A melhor esposa nio ¢ aque: la que vive muito tempo casada, mas a esposa que morre ainda jovem. Secai vossas l4grimas e depositai vosso rosmaninho nesse belo caddver; ©, como € de habito, conduzi-o para a igreja, ador- nado com seus melhores atavios; pois, embora a 146 tena natureza ordene que nos lamentemos, as lagrimas da natureza sao escdrnios da razio. ‘APULETO odo aquilo que destindvamos para a festa, des- viado do fim para que foi determinado, servird para 0 negro funeral. Nossos instrumentos tornar- se-Zo sinos melancélicos; nosso festim de bodas, lutuoso banquete funerério; nossos epitalamios, cantos finebres, nossas flores nupciais servirao para cobrir 0 corpo amortalhado e todas as coisas serio mudadas para seus contrdrios! SS - FREI LOURENCO Senhor, retirai-vos, e vés, senhora, ide com ele, bem como vés, Senhor Paris. Que cada um de vés se prepare para acompanhar este belo corpo até o sepulcro. Os céus se mostram de mau humor por alguma ofensa, ndo os irriteis mais, contra~ riando seus altos designios. (Saem Capuleto, Senhora Capuleto, Paris e 0 Frade.) PRIMEIRO MUSICO Palavra de honra, podemos guardar nossas flau- tas e irmos embora. AMA Ah! Sim, sim! Guardai-as, meus bons rapazes, pois estais bem vendo, é um caso muito triste (Sai.) 147 PRIMEIRO MUSICO Sim, € verdade, 0 caso nfo admite remédio. (Entra Pedro.) PEDRO Misicos! © musicos! “A paz do coragio”, “A paz do coragao”. Se quiserdes que eu continue vivo, tocai-me “A paz do coracio”! PRIMEIRO MUSICO Por que “A paz do coragio"? Porque meu proprio coragio toca “Meu coragéo esté cheio de dor". Oh! tocai-me alguma alegre lamentagdo para consolar-m PRIMEIRO MUSICO Nada de lamentag6es! Agora nfo é hora de tocar! PEDRO Ent&o, no quereis? PRIMEIRO MUSICO Nao. PEDRO Peis, entao, irei eu canté-la e muito bem. PRIMEIRO MUSICO Que nos dareis? 148 PEDRO . a Nao ser4 dinheiro, sem dtivida, mas a diversao. Eu vos darei o menestrel! PRIMEIRO MUSICO Ent&o, eu vos darei a entrada. PEDRO ‘Com minha adaga que serviré de batuta! Ah! mi- nhas colcheias!... Esperai s6 para ver! PRIMEIRO MUSICO Se nos levais 0 compasso com a adaga, sereis vés quem dard conta de nés. SEGUNDO MUSICO Por favor, guardai vossa adaga ¢ soltai um pouco vosso espirito. PEDRO Entfio tende cuidado com meu espirito! Vou ata- car-vos com um espirito de ago mais agudo do que minha adaga. Respondei-me como homens! Quidndo o pesar pungente o coragao nos fere Triste depressdo a mente nos oprime A miisica, entéo, com seu som argentino, Por que “som argentino”? Por que ‘‘a musica com seu som argentino"? Que dizeis, Simao Bordio? PRIMEIRO MUSICO Ora, claro, senhor, porque a prata tem um doce som. 149 PEDRO Muito bonito! Que dizeis, Hugo Rebeca? SEGUNDO MUSICO. “Som argentino” a » Porque os miisicos tocam pela PEDRO. Melhor ainda! Que dizei: Joao Cravelha? TERCEIRO MOSICO Palavra de honra, nfo sei 9 que dizer. PEDRO Oh! cu vos pego perdao, sois.o: cantor. Eu direi por vés: E “musica com seu som argentino” por- que os musicos nao fazem soar ouro: A miisica ent&o com seu som argentino Répida ajuda traz que acalma o sofrimento. (Sai.) PRIMEIRO MUSICO Que homem mais insuportavel! SEGUNDO MUSICO Que se enforque! Vamos, entraremos por aqui, aguardaremos © enterro ¢ ficaremos para jantar. (Saem.) 150 x6, ae t ATO QUINTO CENA I: Mantua. Uma rua. (Entra Romeu.) ROMEU Se puder acreditar na aduladora visio do sono, meus sonhos pressagiam prdximas e alegres noti- cias. © senhor de meu peito esté placidamente assentado em seu trono e durante todo o dia uma desusada animaciio me cleva acima da terra com pensamentos ucariciadores. Sonhei que minhu dama chegava e me encontrava morto (estranho sonho que concede a um morto a faculdade de pensar!), ¢ entéo ela me insuflava tanta vida com beijos em meus Iébios que cu ressuscitava ¢ me tornava imperador. Ai de mim!... Como nao devera ser doce a posse do set amado, quando 36 a sombra do amor € to rica de deleites! . (Entra Baltasar usando botas.) Noticias de Verona! Que hé, Baltasar? Nao me trazes cartas do frade? Como est minha dama? Meu pai est& pasando bem? Julieta esta bem? Pergunto-te novamente, porque nada pode ir mal, se sla passa bem. BALTASAR Ela esté bem ¢, assim, nada pode ir mal... O corpo dela jaz adormecido no sepulero dos Capu- 151 letos ¢ sua parte imortal vive entre os anjos. Eu mesmo a vi ser enterrada na cripta de seus ante- passados ¢ imediatamente empreendi viagem para relatar-vos. Oh! perdoai-me se trago estas tristes noticias, pois tal missdo me foi confiada por vés, senhor. ROMEU Sera possivel?... Entdo, estrelas, ndo creio em vosso poder! Ja sabes onde moro. Vai procurar-me tinta ¢ papel. Aluga-me cavalos de posta. Parto esta noite. BALTASAR Sulplico-vos, senhor, tende paciéncia. Vosso sem- blante esté pélido e violento, pressagiando alguma desgraca ROMEU Estas enganado! Deixa-me e faze 0 que te pedi Nao trazes para mim cartas do frade? BALTASAR N&o, meu bondoso senhor. ROMEU Nao importa. Vai-te e aluga os cavalos. Daqui a pouco estarei contigo. (Sai Baltasar.) Bem, Julieta, esta noite descansarei contigo!... Procuremos os meios!... Oh! mal, como entras rapidamente no coragao dos homens desesperados! Lembro-me de um boticario, e muito perto daqui mora, a quem vi nfo ha muito coberio de farrapos, com aspecto tétrico, colhendo plantas medicinais. Descarnadas eram suas, faces, uma espantosa miséria havia-o 152: consumido até os assos ¢ do teto de sua sérdida botica pendiam uma tartaruga, um crocodilo des- secado e outras peles de peixes informes. Nas estantes, distinguia-se um miser4vel amontoado de caixas vazias, potes de terra esverdeada, bexi- gas e sementes mofadas, pedagos de barbante ¢ velhos pies de rosa escassamente espalhados para fazer mais ostentagio. Notando aquela pentria, disse para mim: “Se neste momento um homem precisar de um veneno, cuja venda, em Mantua, & punida com a morte, aqui vive um infeliz mise- rével que bem poderia ceder-Iho”. Oh! essa idéia antecedeu minha necessidade e esse mesmo homem necessitado € quem me deverd vendé-lo! Se bem me lembro, esta deve ser a casa. Como é dia santo, a botica esté fechada. Olé! Boticdrio! (Entra o Boticdrio.) BOTICARIO Quem esté chamando tio alto? ROMEU Vem aqui, homem! Vejo que és pobre. Toma: ai estéo"quarenta ducados; dé-me uma dose de vene- no, uma substincia téo forte que, difundindo-se por todas as veias, caia morto quem, farto da vida, a beba e faga sair a alma do corpo téo violenta- mente quanto a p6lvora inflamada répida se pre- cipita fora do bojo fatal de um canhao! BOTICARIO Possuo essas droga mortais, mas a lei de Mantua pune com a morte quem as fornecer, pos! fo me pe ~ ROMEU Estés tao desprovido de tudo e cheio de inforttinio © temes morrer? A fome esté em tuas faces, a necessidade e a opresséo assomam famintas cm teus clhos, 0 desprezo e a pobreza estdo pendidos de teus ombros, 0 mundo nao é teu amigo, nem tampouco a lei do mundo! O mundo ndo possui lei para te fazer rico, logo, nao sefas mais pobre, mas quebra-a e toma isto! BOTICARIO - Minha pobreza consente, mas nao minha vontade. ROMEU. Pago tua pobreza e nfo tua vontade. BOTICARIO Colocai isto no liquido que quiserdes, e bebei tudo. Mesmo que tivésseis a forca de vinte ho- mens, cairieis morto imediatamente. ROMEU Aqui esta teu ouro, o pior veneno para as almas humanas, causando mais mortes neste mundo odioso do que essas pobres misturas que nao ousas vender. Eu te vendo o veneno, tu nada me vendeste. Adeus! Compra alimentos e procura refazer tuas carnes... Remédio, e nao veneno, vem comigo para o timulo de Julieta. La deverei servir-me de ti. (Saem.) 154 CENA II: Cela de Frei Lourengo. (Entra Frei Jodo.) FREI JOAO Santo frade franciscano! Irmao! (Entra Frei Lourengo.) FREI LQURENGO Parece-me bem ser a voz de Frei Joao. Bem. vindo de Mantua! Que diz Romeu? Ou, se envia escrito seu modo de pensar, dé-me sua carta. FREI JOAO Ta em busca de um irmio descalgo de nossa Or- dem, que nesta cidade visitava os enfermos, para que m2 acompanhasse; mas os guardas da cidade, suspeitando que viéssemos de uma casa onde rei- nava a peste Infecciosa, fecharam as portas ¢ néo nos deixaram sair. Assim, minha pressa em partir para Mantua 14 ficou parada. FREI LOURENCO ‘Quem levou, entao, minha carta para Romei? FREI JOAO ‘ Nao pude envid-la,.. aqui esté ela de novo... nem acher um mensageiro que quisesse trazé-la para vés, tio temerosos estavam com a infecgZo. FREI LOURENCO Sorte fatal! Por minha Santa Ordem, nao era insignificante a carta, pois encerrava uma mensa- acentee le 135 a ow on bx sorbmsye . gem de grande importancia e cujo deseuido pode acattetar graves conseqiiéncias. Frei Jo%o, vai buscar-me imediatamente uma alavanca de ferro que levards logo para minha cela, FREI JOAO Vou logo buscé-la, irmao. (Sai) FREI LOURENCO Agora, preciso ir sozinho ao timulo. Dentro de trés horas, acordaré a bela Julieta. Ela me amal- digoaré sabendo que Romeu nio teve conheci- mento destes acontecimentos! Mas vou escrever novamente para Mantua e, até que Romeu chegue, eu a esconderei em minha cele. Pobre cadaver vivo, encerrado na tumba de um morto! (Sai.) CENA III: Cemitério onde se levanta 0 mauso- 'éu dos Capuletos. (Entram Paris e um Pajem, trazendo flores e uma tocha.) PARIS Da-me essa tocha, rapaz. Sai e permanece distant. Mas, antes, apaga 2 luz, pois no quero que me vejam. Deita-te ao pé daqueles ciprestes ¢ cola teu ouvido ao solo cavo; assim, nenhum passo 156 pisaré a tilha do cemitério, revolvida e frouxa por causa dos timulos que se cavam, sem que tu escutes. Dé entio um assobio para mim. Serd © sinal que me advertiré de.que alguém se apro- xima. Da-me essas flores. Faze 0 que digo e anda. PAJEM (A parte.) ; Estou quase com medo de ficar so: cemitério. Entretanto, vou arrisear-me. ho aqui no (Afasta-se.) PARIS Doce flor, teu leito nupcial cubro de flores! Oh! desgraca! Teu dossel € po © pedra que, com 4gua olorosa, virei regar de noite, ou, entdo, na falta dela, com’ as légrimas destiladas pelos meus pran- tos. As exéquias que por ti farci celebrar cobri- tGo de noite teu timulo de flores, quando terci, entéo, oportunidade de por ti chorar. (O Pajem assobia.) O pajem me avisa de que alguém estd-se aproximando. Que passos malditos vagueiam esta noite para perturbar minhas exéquias ¢ o verda- deiro culto do amor? Como! Com uma tocha? Encobre-me, noite, durante alguns instantes! (Afasta-se. Entram Romeu e Baltasar com wma tocha, um alvido, etc.) ROMEU Dé-me esse alvito ea barra de ferro. Espera, Seguta esta carta. De’ manha cedo, entregaca a meu sebhor e pai, Da-me a luz; por tua vida, eu Ke Advitto, ougas o que ouvires, ou vejas 0 que Wires, permanece afastado c no interrompat o 157 X. que eu estiver fazendo! Se desco a esse leito da morte, & em parte, para rever o rosto de meu amor, mas, principalmente, para tirar de seu dedo morto um precioso anel, que vai servir-me para lum uso muito caro. De modo que podes sair da- qui. Mas, se, curioso, voltares para espiar-me, 0 que poderei fazer em seguida, juro te pelo céu, & esquartejar-te, membro apés_membro, e espa- thar teus restos por este faminto campo santo! A hora e minhas intengdes so cruéis ¢ selvagens, mais furiosas e muito mais inexordveis do que os tigres famintos ou 0 oceano rugidor! BALTASAR Vou-me embora, senhor, ¢ nfig.vos incomodar. ROMEU S6 assim mostraré tua amizade. Pega isto. Vive ¢ sé feliz. Adeus, bondoso camarada. BALTASAR (4 parte.) Mesmo assim, vou ocultar-me perto daqui. Temo seus olhares ¢ receio suas intengdes. (Afasta-se.) ROMEU Tu, detestével mandibula, seio da morte, saciada com 0 mais caro pedago de terra, assim forgo tuas maxilas apodrecidas para que se abram, e, apesar de tudo, eu te fartarei com mais alimento! (Abre a sepultura.) PARIS Esse € 0 banido e orgulhoso Montecchio que 158 assassinou o primo de meu amor e de cuja dor, acredita-se, morreu a linda eriatura, ¢ vem agora para cometer alguma torpe profanagio nos cor- pos amortalhados! Vou prendé-lo. (A proxima-se.) Etesa tua impia labuta, vil Montecchio! Pode a vinganga ser levada além da morte? Miscrivel fondenado, considera-te preso! Obedece ¢ vem comigo, pois deves morrer. ROMEU. Devo morrer, verdadeiramente, ¢ para morrer vim!... Bom e gentil_mancebo, nao tentes um homem desesperado. Foge daqui ¢ deixa-me! Pensa nesses que partiram ¢ que eles te fagam medo. Rogo-te, donzel; nao acrescentes um novo pecado sobre minha cabega, desesperando-me até © furor, Oh! vai-te! Pelo céu, gosto mais de ti do que de mim, porque armado contra mim mes mo vim até aqui. Ndo te detenhas! Foge logo! Vive e dize para o futuro que a cleméncia de um louco te obrigou a fugir! PARIS. . Desafio teus esconjuros e prendo-te, traidor que és. ROMEU a ‘Queres -provocur-me? Defende-te, entdo, rapaz! (Lutam.) PAJEM ‘Oh! meu Deus, esto lutando! Vou chamar a guar- dat . (Sai.) 159 PARIS Oh! Fui atingido! (Cai.) Se és misericordioso, abre @ tumba € coloca-me junto de Julieta. ROMEU Por minha f€ que o farei!... Vejamos de perto esse rosto... Parente de Mercticio, 0 nobre Con- de Péris!... Que dizia meu criado, durante a viagem, quando minha alma agitada nao podia escuté-lo? Creio que me dizia que Paris ia casar-se com Julieta... Nao disse isso, ou seré que foi Julieta, imaginel tal coisa?... Oh! dé-me a mao, tu que, como eu, foste inscrito ino livro funesto da desgraca! Eu te enterrarei num timulo triunfal! Um timulo? Oh! nao! Uma lanterna, jovem assas- sinado! Porque aqui descansa Julieta e sua formo. Sura transforma esta cripta num régio saldo de fese tas, radiante de luz. Morte, repousa af, enterrada Por um homem morto!... (Colocando Paris no mausoléu.) Quantas vezes, quando os homens esta0 Prestes a morrer, experimentam um momento clo alegria, que seus guardites chamam- deo relly. pego precursor da morte! Oh! Como posso chamar iso de um relémpago? © meu amor! Minha espo- Sal A morte, que sugou o mel de teu hilito, ne. nhum poder ainda teve sobre tua belezal Ainda nao foste vencida! A insignia da beleza ostenta pélido estandarte da morte ainda nao fol aqui desfraldado!... Teobaldo, é tu quem jaz nessa sangrenta mortalha? Oh! que maior favor posso fazer por ti do que, com esta mao que corte xy 160 qe j ele que foi teu ini- oe ean ert Akt quertaa Julietal Por rie Ris ke ido tela? Terel que acreditar que 0 thneasma incorpdreo da morte est& amoroso ¢ que o monstr magro e detescado fe guard nas tTev3s réservando-te para ser teu amante? Assim 0.tem © por isso permanecerei sempre a teu lado, sem jamais sair deste palécio de noite sombria! Aqui, aqui quero permanecer com os vermes, que $40 teus servidores! Oh! Aqui fixarei_minha eterna morada para libertar esta carne, farta do mundo, do_jugo_do_mau_influxo das estrelas!... O hos, olhai uma derradeira vez! Bragos, dai vosso tlti- mo abrago! E vés, 6 labios! portas da vida, com um legitimo beijo selai o pacto infindo com a morte devoradora! Vem, amargo condutor! Vem, guia repugnante! Tu, desesperado piloto, lanca enfim sobre o recife escarpado tua barca exausta, farta de navegar! Por minha amada! (Bebe.) 0 honesto boticario! Tuas drogas sfio rdpidas! Assim, morro... com um beijo! (Morre.) (Entra de outro lado do cemitério Frei Lourengo, trazende uma lan- terna, uma alavanca e uma pd), FREL LOURENGO, Que Sao Francisco me proteja! Quantas vezes tropegaram esta noite com as tumbas meus velhos pés! Quem esta af? BALTASAR, Aqui esta alguém, um amigo, que vos conhece bem. 161 FREI LOURENCGO Deus te bendiga! Dize-m: i > ! 1e, Meu bom amigo; aque- ta tocha, que em vio dé luz aos. vermes © 35 vazias caveiras, no arde no mausoléu dos Capu- letos? BALTASAR Assim €, venerdvel senhor, ¢ 14 esti meu amo de quem gostais. FREI LOURENCO Quem é? BALTASAR Romeu. FREI LOURENCO Ha quanto tempo esté 14? BALTASAR Mais de meia hora FRE! LOURENCO Vem comigo a cripta BALTASAR Nao me atrevo, senhor. Meu amo nio sabe que estou uqui ¢ me ameagou terrivelmente de morte, se aqui ficasse para espiar o que ia ele fazer FREI LOURENGO Fica entio. [rei eu sozinho. Q medo se apodera de mim. Oh! muito temo um funesto desenlace! 162 BALTASAR ‘Estando cu dormindo ao pé daquele cipreste, so hei que meu amo e um outro se batiam ¢ que meu amo matava 0 outro. FREI LOURENGO Romeu! (Avancando.) Ai! Ai! Que sangue é este ue mancha os umbrais de pedra deste sepulcro? Que sigaificam estas espadas ensangiientadas, sem Gono, nesta mansao de paz? (Penetra no simulo.) Romeu! Como ésté palido! Quem mais? Como! Paris também? E banhado em sangue? Ab! que hora terrivel € culpada por este lamentével infor- tinio?... A dama esta despertando. . - (Julieta acorda.) JULIETA © frade consolador! Onde esta meu senhor? Lem- bro-me bem do lugar em que devia estar ¢ exata- mente aqui estou. Onde esti meu Romeu? (Barulho no interior.) FREI LOURENGO Estou ouvindo um barulho! Senhora, abandone- mos este antro de morte, contagio ¢ sonho mons- truoso! Um poder superior 2 nossas forgas, ¢ que nfo pudemos evitar, Hrustrou- nosso Danse. Vem, Safamos daqul. Teu_esposo ai jaz morto em teu ‘seio: ¢ Paris, também, Vem, etl te farei_ingressar numa comunidade de santas religiosas. Nao percas Tempo com perguatas, pols a guarda estd-se apro- ximando! Vamos, vem, boa Julieta! Nao me atrevo 4 permunecer mais tempo! 163 JULIETA Ide, parti, ent&o, porque nao sairei daqui. (Sai Frei Lourenco.) Que & isto? Uma taga apertada na mao de meu fiel amor? O veneno, estou vendo, ia A ‘tai os Montec- correi a casa dos Capuletos; desper chios; outros déem busca. Vejamos o lugar onde focorreram estes desasires; mas, como sc origina- ram, nfo podemos saber sem conhecer as circuns- foi a causa de seu prematuro fim!.,. Oh! ingrato! tancias. Tudo bebeste sem deixar uma s6 gota amiga que me ajude a seguit-te? Beijarei teus lébios!... Tal- vez haja neles um resto de veneno para fazer-me morrer como um reconfortante! (Beija-o.) Teus labios esto quentes! (Voltam alguns Guardas com Baltasar.) SEGUNDO GUARDA . ‘Aqui esté 0 criado de Romeu! Nés 0 encontramos no cemitério. PRIMEIRO GUARDA (Dentro.) Guia-nos, rapaz! Para que lado? SRINMEIRO GUARD: i incipe. JULIETA Guardai-o bem até que chegue o princip Que €? Um rumor? Preciso entéo apressar-me Oh! bendita adaga! (Arrebata a adaga de Romeu.) Est 6 a tua bainhal (dpunhala-se,) Enferruja-ie (Volta Frei Lourengo com outro Guarda.) aqui e deixa-me morrer! TEROEIRO GUARDA +S Aqui estd um frade que treme, suspira e chora. oo (Cai sobre o corpo de Romeu e morre. Nés Ihe tiramos este alvio e esta pé, quando ia Enira a ronda com o Pajem de Pans t por este lado do cemitério, PAJEM PRIMEIRO .GUARDA © lugar € este; ali onde arde a tocha. Grave suspeita! Prendei também o frade PRIMEIRO GUARDA © chfio esté ensanglientado. Revistai o cemitério. Ide alguns de vés e prendei quem quer que PRINCIPE acheis... Que espetéculo desolador! Aqui jaz Que infelicidade to cedo se levantou que tita assassinado o conde € Julieta sangrando, quente * moss& pessoa de seu matinal repouso? e mal acaba de morrer, depois de haver estado aqui dois dias sepultada! Ide buscar o principe, 164 (Entram o Principe e séquito.) (Entram Capuleto, Senhora Capuleto e outros.) 165 CAPULETO Que aconteceu, qu ja gei 4 que esto ja is todas as. pastes? * Pee SENHORA CAPULETO © povo nas ruas grita “Romeu”, alguns, “Julieta”, € outros, “Paris”, e todos correm com grandes clamores em dire¢io de nosso mausoléu. PRINCIPE Que terror & esse que causa sobressalto’ a nossos ouvidos? PRIMEIRO GUARDA a Soberano, aqui jaz o Conde Paris assassinado, Romeu morto ¢ Julieta, jf antes morta, quente e que acaba de ser morta. PRINCIPE Procurai, indagai e diligenciai saber como ocorreu esta horrivel matanca. PRIMEIRO GUARDA ‘Aqui esto um frade ¢ 0 criado do defunto Romeu com varias ferramentas para abrir a tumba desses mortos, CAPULETO Oh! céus! Oh! minha esposa, olbai como sangra nossa filha! Esta adaga se enganou, pois, vede, sua bainha est4 vazia no cinto de Montecchio ¢ erradamente se embainhou no seio de minha filha! 166 SENHORA CAPULETO - ‘Ai de mim! ste espetculo de ae morie|é como um Gao que ehama minha velhice para o sepulcro! (Entram Montecchio e outros.) PRINCIPE ‘Aproxima-te, Montecchio, pois cedo te levantaste para ver teu filho tombado ainda mais cedo. MONTECCHIO t ‘Ail, meu suserano, minha _ es} esta hoite! A dor pelo filho exilado fez parar seu alento, ‘Que nova desgraga conspira contra minha idade? PRINCIPE Olha e verds! MONTECCHIO © tu, leviano! Que modos sdo esses de precipitar-te para o timulo antes de teu pai? PRINCIPE Sela por um momento 2 boca do ultraje, enquanto esclarecemos estas ambigiiidades ¢ ficamos saben- do sua origem, causa e verdadeira seqiiéncia; e tho, serei_o chefe de vossas dores e vos conduzirel até_a morte, Calma, por enquanto, para que a desventura seja escrava da resignacio. Fazei com- parecer as partes suspeitas. FREL LOURENCO. Eu sou a principal, se bem que a menos capaz de praticar semelhantes atos. Entretanto, sou 0 167 “mais suspeito, porque a_hora_e_o lugar depoem, contra mim nessa horrivel carnificina, e aqui estou disposto_a_acusar-me e defender, sendo_mesmo condenado e desculpado. PRINCIPE Entao, dizei-nos logo 0 que sabeis do assunto. FREI LOURENCO Vou ser breve, pois 0 curto prazo que me resta de vida nao € tao grande quanto o sombrio relato da historia. Romeu, aqui morto, era esposo dessa Julieta ¢ ela, ali morta, era fiel esposa deste Ro- meu. Eu os casei, ¢ o dia em que secretamente se casaram foi © iiltimo de Teobaldo, cuja morte Prematura foi causa de que o novel esposo viesse a ser banido desta cidade, pelo qual, e nao por Teobaldo, sofria Julieta. Vés, a fim de levantar. Ihe © assédio da dor, a prometestes ao Conde Paris, procurando casa-la com ele, contra a von. tade dela. Entdo, veio ter comigo e, com o sem. blante perturbado, implorou-me que encontrasse algum meio para livrd-la desse segundo casamento ou, do contrério, ali mesmo, em minha cela, se mataria. Ento, instruido por minha arte, dei-lhe uma pocdo soporifera que agiu como eu esperava, pois nela produziu a aparéncia da morte. Enquanto isso, escrevi a Romeu que viesse aqui esta harrivel noite, para ajudar-me a retirar Julieta de sua falea tumba, quando 0 efeito da pocdo tivesse cessade Mas © portador de minha carta, Frei Joao, foi detido por um acidente €, ontem de noite, devol- veu-me a missiva. Entéo, sozinho, na hora pre. vista para o despertar de Julieta, vim tirdla da 168 cripta de seus antepassados, com a intengao de manté-la, secretamente, na minha cela, até que achasse ocasiaéo de mandar avisar Romeu. Mas, a0 chegar, breves minutos antes do instante em que deveria despertar, aqui jaziam mortos prema- turamente 0 nobre Paris e o fiel Romeu. Ela des- pertou; supliquei-Ihe que saisse daqui e suportasse com paciéncia este golpe dos céus; mas, naquele momento, um rumor se fez ouvir que me obrigou a fugir, sobressaltado, do mausoléu. Ela, comple- tamente desesperada, negou-se a seguir-me e, se- gundo tudo faz prever, atentou violentamentc contra a prépria vida. Eis tudo o que sei. Quanto a0 que respeito diz ao casamento, a ama estava avisada. De modo que, se_neste_acontecii I to alguma coisa saiu mal por minha culpa, sacrificai mento fatal, sob 0 peso da mais severa le PRINCIPE Sempre o consideramos como um santo homem. Onde esta 0 criado de Romeu? Que pode dizer? BALTASAR> Levei para meu amo noticias da morte de Julieta © ent&io, a toda pressa, veio de Mantua até este lugar, este mesmo mausoléu. Recomendou-me que femetesse pela manh& esta carta a seu pai e, entrando no témulo, ameagou-me de morte, se nao partisse para deixé-lo sé. PRINCIPE Dime a carta, Quero vé-la. Onde esté o pajem do 169 conde, que foi chamar 0s guardas? Que fazia teu patrfo neste lugar, rapaz? PAJEM Veio com flores para juncar a tumba de sua dama Disse-me que ficasse A parte, o que fiz. Entio, chegou um homem com uma luzepara abrir a sepultura. Pouco depois, meu amo tirou a espada contra ele, ¢, ent&o, saf correndo para chamar a guarda. PRINCIPE Esta carta mostra que séio verdadeiras as palavras do frade. Nela estéo narrados, os. incidentes de tais amores, a falsa noticia da morte de Julieta, ¢ aqui cle escreve que comprou veneno de um pobre boticario ¢ veio para este mausoléu para morrer © repousar ao lado de Julieta, Onde esto esses inimigos? Capuleto! Montecchio! Vede 0 flagelo que caiu sobre vosso édio € como os céus acharam ‘meio ae, pelo -amor_destruir vossas alegrias! E por haver tolerado vossas_discdrdias, perdi,. também, dois -parentes! Todos fomos punidos! CAPULETO © irmao Montecchio, dé-me tua mao! Este é © dote de minha filha, pois nada mais posso pedir MONTECCHIO Mas eu posso oferecer-te mais. Mandarei levan- tar-lhe uma estdtua de ouro puro, para que, en- quanto Verona assim se chamar, nenhuma estétua seja mais apreciada do que a da constante e fiel Julieta. 170 CAPULETO Igualmente rica seré a de Romen junto de sua dama, Pobres vitimas de nossa inimizade! PRINCIPE ‘Uma ldgubre paz acompanha esta alvorada. O sol no mostrar seu rosto por causa de nosso luto. Saiamos daqui para falarmos mais demoradamente sobre estes tristes acontecimentos. Uns serfio per- doados ¢ outros punidos, pois nunca houve hist ria mais triste do que esta de Julieta e Romeu. (Saem.) Im ROMEU E JULIETA

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