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Vincenzo Di Matteo" Heidegger e Freud: clareira e cegueira? A ocultagio nio ¢ antitese de uma consciéncia, ela per tence a clarcira, Freud nao viu esta clareia [.! € prigoso no somente para os homens, mas bg para os conceitos, aeranca-los da esfera em que se origi- raram e desenvolveram. Os dois pequenos textos, retirados dos pensadores que queremos confrontar, alertam-nos para as divergéncias, difi- culdades, ambigitidades ¢ até possiveis equivocos inerentes a um tal empreendimento. Mesmo assim, o subtitulo da Comu- ‘fo é,evidentemente, apenas uma provocagio retSrica, Nem Heidegger e os fildsofos que se identificam com seu pensa- mento, nem Freud e 0s psicanalistas concordariam com uma Jlistribuigio tio maniqueista do poder explicativo-compreen- sivo de suas respectivas teorias na tentativa de lancar alguma luz sobre a enigmética existéncia humana. A clareira de Heidegger “nunca é mera clareira, mas sempre clareir2 do es- conder-se”, nem a cegueira de Freud é tio completa a ponto de nada enxergar. Entre assumir a provoragio, defendendo, numa atitude apologética, um ou outro dos dois discursos ou cair na venta- ‘Gio de um eclecismo apaziguador, resta sempre a possibilidade dk um cabalho hermenéutico para compreender as razdes de A relevancia do tema Entre os numerosos fildsofos que se bateram com Freud no século XX, se destaca a figura de M. Heidegger tanto pela profunda e ampla incidéncia de seu pensamentorna filosofia de século que passou, quanto pela ‘desconstrugio’ impiedosa que outor em Filosofia, Professor do Departamento de Filosofia da UFPE. 20 Filosofia e Pscanslise opera da psicanslise freudiana. verdade que, por certos as- pectos, sta filosofia do Dasein pode ser aproximada do des- Eentramento do sujeito operado pela psicanilise. De uma maneira mais radical, porém, o filésofo alemao considera que a descrigio freudiana do aparelho psiquico ainda é prisioneira da ‘metafisica da subjetividade’ que herdamos da modernidade. Morivos para uma aproximacio do pensamento de Heidegger com 0 de Freud, portanto, nao faltam. Uma razio, de natureza mais te6rica, permite situar as eventuais conver. géncias na tradigio das erfticas a concepgao do sujeito modemno. Bima segunda, mais pritico-clinica, decorre do fato de que a rmetapsicologia freudiana do inconsciente e aanalitica do Dasein fundaram e inspiraram duas praticas ‘clinicas' (a psicanalitica e a daseinanalyser). Uma terceira, menor, talvez, mas de funda- mental relevancia académica, é dar continuidade a wm. ‘didlogo produtivo’ que se estabeleceu entre Filosofia ¢ psicandlise, con- siderando que hé varias probleméticas que se encontram ¢ desencontram no terreno’comum da antropologia, da ética e da cultura. Por fim, a razio certamente mais relevante é deter- minar $e ¢ té que ponto a metapsicologia freudianae a ontologia fundamental de Hleidegger, nas podem ainda ajudar 2 respon der aos eternos e novos desafios da Esfinge: quem ou o que € esse ser tdo profundamente marcado pela corporalidade, temporalidade e finitude? Objetivos Os objetivos que nos propomes, portant, sio fundamen- talmente: * Registrar ¢ avaliar criticamente o pensamento de Heidegger com relagio a psicanilise freudiana, * Determinar em que sentido a teorizagio psicanalitica seria devedora da metafisica da subjetividade objetivada € quais seriam esses conceitos metafisicos que susten- tam o dseurso metapsicol6gien «cinco da psicanlise freudiana, * Identificaras semelhancas ¢ diferengas entre uma anili- se do psiquismo e uma analitica do Dasein. Heidegger e Freud: clarsira¢ cegusira? a + Interrogar-nos pelo destino dessas duas construgses te6ricas para explicar e interpretar o ser humano. Delimitagio do tema Para atingir esses objetivos precisariamos rastrear, anali- sar, compreender, interpretar e sistematizar os textos da bibliogratia primariae da literatura secundiria sobre nova com- preensio do homem subjacente & metapsicologia e pratica clinica reudiana e ao Dasein heideggeriano. Isso implica tanto reconstruir geneticamente o persamen- to de Freud, na sua tentativa de explicar a eatrutura € funcionamento do ‘aparelho psiquico’, do método de investi- gacdo do inconsciente e das técnicas terapéuticas, quanto o do chamado Heidegger 1 ¢ 2, respectivamente, na sua descriga0 dos modos originérios do Dasein ¢ dos destinamentos da acontecéncia do ser, visando substituir 0 modo de pensar metafsico por um ‘novo pensar’, pés-metafscoe pés-cint- Considerando, porém, a extensa producao intelectual tanto de Freud como de Heidegger, as varias inflexdes das idéias dos dois pensadores e 0 tempo reduzido para ansliss-las e confronté- las adequadamente, tentaremos explorar as razdes que nos levaram a aproximar os dois pensadores, partindo fundamen- talmente da andlisedos Seminaries de Zolikon, umliveo naseido de uma série de semindrios ministrados por Heidegger em Zollikon (Suica) a partir do convite do psiquiatra Medard Boss, nos quais direta ou indirctamente c filésofo confronta 0 scu ‘Dasein’ com 0 ‘erro fatal’ de Freud ao assumir a distingio en- tre o consciente € o inconsciente. Limitaremos nossa anilise, porém, apenas aos Semindrios mantidos na casa de Boss, deixando propositalmente de lado 05 Dislogos e a correspondéncia entre os dois amigos." Nesses Semindrios, nio somente encontramos 0 pensa- mento maduro de Heidegger, como também o testemunho vivo da paixao com a qual confrontou seu pensamento com as cha- madas ‘ciéncias humanas’, de modo particular com as que poderiamos chamar de ciéncias ‘psi’: psiquiatria, psicanslise, psicologia. As criticas 4 psicandlise, portanto, devem ser situa- das ¢ compreendidas no horizonte mais amplo das criticas Filosofia e Psicanslise dirigidas a cincia moderna, em geral, € as cincias médicas e psicolégicas, em pasticulat.* Divisio Desdobrarei minha apresentacio em quatro momentos: ~ Situando 0 encontro de Heidegger com o pensameme de Freud no contexto da ‘geopsicanilise’s — Registrando as criticas especificas dirigidas & psicandlises — Avaliando essas critica; — Perguntando pelo destino dessas duas herancas. Heidegger a ‘geopsicanilise’ Com o termo ‘geopsicanslise’ proposto por Derrida se en- tende os modos espectticos de implantagio da psicandlise nas diversas partes do mundo.® Nesse sentido, o encontro de Heidegger com a psicanilise pode, talvez, melhor ser compre- endido tendo presente o destino peculiar da psicandlise na geogratia de lingua alema durante a primeira metade do séc. XX: Depois do ‘espléndido isolamento” nos primeiros anos do século passado, a psicandlise encontra sua primeira ‘terra pro- metida’ na Suiga de lingua alema (Bleuler, Jung, Bisnwanger, Max Eitingon, K. Abraham). A segunda fora Alemanha coma fundagio da Associagao Psicanalitica de Berlim, em 1908. “Sem cadvento do nazismo, que esvaziou da quase totalidade de seus intelectuais e eruditos, a Alemanha teria sido 0 mais poderoso pais de implantacio da psicandlise”. Nao foi, porém, somente g,nazisme a “quia obra de Freud, A propria psguitra alemi e filésofos de renome como Huser! e Jaspers mostra- ram-se bastante criticos com relagéo a ela. E preciso esperar 0 Fim da segunda guerra para que a psicandlise alema possa reerguer-se numa Alemanha dividida em torno do Instituto Freud ¢ do Instituto de Pesquisa Social, em Frankfurt ¢ vio mais em Berlim. Nio é de estranhar, portanto, se a mediagio de Heidegger coma psicanilise se dard mais pela Suiga germanica. A Socieda- Heidegger ¢ Freud: clarera e cegucira? 23 de Suiga de Psicandlise, pertenceram desde sua fundagio, em 1919, dois psiquiatras e psicanalistas cujos nomes estiveram atrelados de alguma maneira ao nome e pensamento de Heidegger: Binswanger e Medard Boss e foi especialmente atra- vés desse diltimo que se de uma aproximacao mais direta com a psicandlise na medida em que o psiquiatra-psicanalista suico vislumbrava no pensamento de Heidegger “insights fundamen- talmente novos ¢ inauditos no existir humano e seu mundo”* & 0 fildsofo “via a possibilidade de que seus insights filos6ficos rio ficassem limitados as salas dos filésofos, mas pudessem beneficiar um niimero muito maior de pessoas e, principalmen- te, pessoas necessitadas de ajuda” * Essa conviegio esta registrada, por exemplo, na seguinte passagem dos Semindrios quando, ao tratar do tema da temporalidade, Heidegger se dirige a seus ouvintes com as se~ guintes palavras: “Esta questio é de especial interesse pra os senhores, como psicoterapeutas, pois a questao do qué, quem e como éo homem, ¢ isto signifiea ao mesmo tempo o homem de hoje, € de importancia fundamental”."° Sem perder de vista o didlogo que Heidegger mantém tam- bém com: Priguatras ¢ psicélogos em geral, tentaremos fazer uma sintonia fina para captar especificamente aquele que man- tém com Freud e com a psicandlise na sua vertente te6rico- Sabemos que o filésofo alemao leu Freud." Conhece su- ficientemente alguns temas espectficos abordados expliciamen- te, tais como: atos falhos, representacio, terapia, transferéncia, afeto, recalque, pulsio, libido, instincias psiquicas (id, ego, superego), resistencia. Utiliza-se desse “tltimo conceito”, por exemplo, para explicar as criticas que Ihe sio dirigidas pelos participantes dos Seminarios, em margo de 1966: No inicio do seminério 0 Prof. Boss comy ses de seminirio como uma espécie de terapia de grupo que possibilitaria uma visio mais livre, um deixar ver tins adequado da consttuigio humans. No decorrer do uma tal terapia de grupo stegieiam, como uma ansli- se freudiana, resisténcias que se ditigiriam contra a liberracio. Apesar de uma certa familiaridade com a terminologia psi- canalitica freudiana, desconhece, porém, a releitura numa are Filosofia e Psicandlise perspectiva linguistica que Lacan estava realizando na década de cingiienta, ao levantar a bandeira de um retorno a Frend, a despeito de virias tentativas do psicanalista francés em estabe- lecer um dislago e uma amizade com o fil6sofo alemio.” A leitura heideggeriana, fundamentalmente, é a que predominou na tradigio fenomenolégica até a década de sessenta com sev “sim” ao método psicanalitico e seu “nao” 4 doutrina (teoria). Essa postura se evidencia, por exemplo, quando Heidegger, apesar de criticar a metapsicologia freudiana, exclama: Eo es- Slanko é que isto realmente funciona! Mas seri. que esse resultade é algo inteligente? Isto confere com a realidade?"" Mas, quais sio, afinal, as criticas mais diretas e recorrentes nos Semindrios As criticas Uma visao geral Segundo Heidegger, a teoria freudiana é perpassada por tum determinismo de origem metafisica €, consequentemente, ara saline ideation descoeaicacse| parecidaTcommiavda metafisica. A despeito de Freud querer substituir a metafisica pela sua metapsicologia de carster cientilico, ele ainda € prisio- Reiro da metafisica ocidental. Como, alifs, a propria eiencia tujos fundamentos no tematizades continuam de natureza metafisica. A critica & psicandlise, portanto, insere-se dentro de uma critica 3 citncia €& técnica que, por sua vez, faz parte de tam projeto mais amplo de desconstrugio da propria metafisica, mas que assume caracteristicas diferentes. No Heidegger de Sere Tempo ocupado coma descrigio de uma analitica do Dasein e uma ontologla fundamental, a desconstrugao consiste em mostrar como os conceitos que se encontram na metafisica, na citneia moderna, na metapsicologia freudiana padem ser reconduzidos amodos mais originarios do ser do Dasein. JA no Heidegger posterior, a desconstrugio se di ao mostrar que a metafisica dominante nas virlas épocas é um “destinamento” do ser, um apelo 20 homem dirigido pelo proprio ser. O iltimo desses destinamentos ou chamamento do ser é compreensio do ente como téenica calculadora, atingindo o préprie Dasein, destinatirio dos destinamentos gue corve'e favo de set objetivada e perder-se numa cadeia indefinida de produtos. Heidegger e Freud clareirae cegueira? 5. As crticas especificas Nio seguiremos a “ordem das matérias”, isto é, a ordem de aparigao seqiiencial das criticas, mas a que poderfamos cha- mata “ordem das razées", iniciando com uma diferenga essencial entre 0 que pode se entender com psicandlise Dasainanalyse, Ao comparar sua analitica do Dasein com a and- lise freudiana, Heidegger instaura um dislogo com seus ouvintes que passamos a transcrever: H: © que Freud entende quando ele fala em andlise? Este eselarecimento eu espero dos senhores. P: Froud quer significar a recondugio dos sintomas 3 sua origem, Hi: Por que entio ele chama uma recondugio de anise? P. Em analogia com andlise quimica que também re- trocede aos elementos, H: Tratar-se-ia, entio, de uma reconducio aos elemen- tos no sentido de que os dados, os sintomas sio decompostos em elementos na intengio de explicar ¢ sintomas pelos elementos assim obtidos. A ané lise no sentido freudiano seria, pois, uma recondug: no sentido da decomposgioa servo da explcago. Entretanto, nem toda recondugio a um de onde do ser ¢ existir precisa ser uma andlise no sentido que acabamos de ci- tar, Nem nas obras de Freud, nem em sua biografia escrita por Jones, encontra-se qualquer trecho que explique porque Freud ‘escolheu justamente esta palavra, andlise, como titulo de sua tentativa de pesquisa teérica.”"* Essa tiltima afirmacio de Heidegger é surpreendente nao apenas porque nio corresponde a verdade (?)"", mas porque insinua que existem outras formas de fazer uma anilise do ho- mem, mais profunda do que aquela freudiana, como a que ele realizou em Ser e Tempo, Palavras de Heidegger: a questio que surge necessariamente, de quem ou o qué © como éo homem é tratada em Sere tempo, exclusiva e constantemente, a partir da questio do sentido do ser. 16 Filosofia e Psicandlise Com isso ja esté decidido que 2 questo do homem em Sere tempo no colocada na forma de uma Antropo- logia que pergunta: 0 que é@ homem propriamente? A questzo do homem em Ser ¢ tempo leva hanaltica do Dasein. O que é, entio, o fator decisivo nesta analitica do Dasein? Nio se retrocedem, como fazia Freud, os sintomas aos elementos. Antes se pergunta por aguelas determinacdes que caracterizam o ser do Dasein com referéncia 3 sua relagio com o ser de modo geral."” Aanilise do Dasein nao remete a uma decomposigio, mas aum retroceder, a um reconduzir, um articular a unidade de uma estrutura sem contar que os elementos que a compse nio sio principios ou forcas, mas modes de ser do Dasein.”” E por essa razio, por exemplo, gue Heidegger pode criti- eran Rech fess Bee” No texto de Freud sobre atos falhos, por exemplo, tais, suposigdes sio aspiragées ¢ as forgas. Estas supostas aspiracses provocam e efetivam os fendmenos. Entio os atos fathos po- dem ser explicados de uma ot outra forma, isto é, podem ser provados em sua origem.® Em suma, para Heidegger a explicagio causal ou a regres- sio exigida por Freud leva a considerar que: “sé é real e verdadeiro aquilo que pode ser subordinado a ininterrupras conexdes causais de forcas psicolégicas, na opinido de Freud”.* Se, porém, admitirmos naturaimente que “ser = conexio cau- sal caleulivel de antemao. Nesta premissa também o homem é colocado como um objeto causalmente explicavel”. Ora, 08 Semindrios se abrem com um grifico meio esqui sito — virios semicfrculos e setas orientadas em sua diregio~ com as seguintes palavras: “A finalidade deste desenho é ape- nas mostrar que o existic humano em seu fundamento essential nunca €tum cbjeto simplesmente presence num lugar qualquer, e certamente nao é um objeto encerrado em si” O Dasein € uum ser aberto, uma “clarcira”, uma imagem que “nada tem a ver com luz (Licht) ~ nos diz Heidegger - mas vem de ‘leve’ [Leicht] (...) tornar livre.” Heidegger e Freud: clareira ¢ cegucira? O que pensar dessas criticas? E preciso reconhecer, como diz. um dos interlocutores de Heidegger, que “Freud queria transferir a causalidade das cién- cias naturais para 0 psiquico. Chegou assim & idéia de um aparato, de uma concepgio mecanicista”* De fato, a0 situar sua teoria na seqiiéncia dos golpes ante- riores desferidos contra 0 narcisismo humano pela teoria copernicana e darwiniana, Freud quer mostrar que o homem no é “senhor na sua propria casa”, nio é um ser de excecio dentro do universo.® Para dizer essa revolucio psicanalitica ou descentramento da consciéncia para o Inconsciente eo mundo das pulses, Freud se utiliza de modelos e conceitos tedricos retirados da fisica, quimica, biologia ¢ neurofisiologia do seu tempo. Essa explicagao tedrica (metapsicologia) est4 na ori- gem de varias e conflitantes interpretacdes que se sucederam 30 longo do primeiro século da psicanilise. Encontram-se registradas tanto na literatura psicanalitia quanto psiguitrica e filoséfica. As divergentes interpretagdes se justificam porque hi, de fato, um deseo de saber em Freud que deve ser sttuado.e com= preendido dentro de um projeto cientifico quanto nio cientificista. © ponto de partida é de um médico, um mediquinho dirs Lacan, que fazia o que podia para o que se chama de cura, E como todo médico, na seqiiéncia da moderna concepcio de homem que herdamos de Descartes, considera 0 corpo como uma maquina. A pritica clinica, porém, oconfronta com o enigma do corpo da histérica que desafia o saber médico da época. Para dar conta desse fendmeno, teoriza a respeito da estrutura e funcionamento de um aparelho psiquico, isto é, de tama méquina deseante,produtora de sonhos, sintomas, tra das espirituosas, atos falhos e sintométicos e adota um novo método de tratamento: a cura pela fala. Para Lacan, a descober- ta freudiana da talking cure € prometéica na medida em que revela aos homens 0 poder da fala e da linguagem ao mesmo tempo que pretende ensinar-Ihes o emprego desse poder. Em suma, o desafio e drama de Freud é como inscrever sua pratica, que lida com a dor, o sofrimento, o amor, a sexua- Tidade, a neurose, a loucura, o humor, a morte, numa palavra, as contingéncias do existir humano, no horizonte de um saber cientifico. Depois de renunciar a um projeto inacabado e invidvel Filosofia e Psicanise = O Projeto para uma psicologia cientifica” ~ faré também 0 lato de uma psicanilise cientifica, especialmente ao reconhecer a pulsio muda da morte e reconhecers, em Andlise termindvel e intermindvel®' ~ os limites da ‘cura’ psicanalitica. Conservara sua f&, porém, no deus logos, o deus da ciéncia, mesmo que, como Gronos que devora seus filhos, pode acabar com sua fi- tha predileta —a psicanalise- devido ao avango das pesquisas na rea do cérebro eda quimica.” Consideragées finais £ inquestionavel que ambos, tanto Heidegger quanto Freud, marcaram — cadaum a sua maneira ~ 0 século que fi dou. E verdade, também, que — a despeito das aproximagées possiveis ~ existem claras divergéncias te6ricas. Ao final desse rapido e pontual confronto entre essas duas construgées te6ricas para dar conta da existéncia humana, as- sim como é possivel reconstruf-lo a partir dos Semzindrios de Zollikon, resta uma pergunta incontornivel: © que fazer com essas duas herangas? Apresento apenas algumas consideracées prévias qui ciso ter presente para ensaia, numa outa oportunidade, uma resposta ‘Antes de tudo é preciso nio se deixar fascinar pela lingua em desses dois pensadores e se alienar na idolatria de suas formulas, Mais do que a linguagem esotérica ou cientificista de ume Pdetentera a prarmazis deve sera sTmaeaegeaN hue clan CaeTee gam, isto é, a problematica geral e especifica que abordam e as, Saidas que propoem. Sondar até que ponto podemos ficar com as duas constru- ges tebricas, sem sucumbir 3 sofistica linguageira contempo- ranea disposta a reduzi-las a um mera ‘jogo de linguagem’. Mesmo ndo renunciando a nenhuma delas, porque ainda nos podem ser dteis, é preciso dar algo de si no recebimento dessas herangas, atentos 20 nosso contexto cultural contem- porines, Nesse sentido, devemos esperar pelo deus dos poctas (Heidegger), apenas torcer para que o divino Eros leve a van- Heidegger e Freud: clareita cegucira? 19 tagem sobre 0 nio menos imortal Thanatos (Freud) ou po- demos e devemos construie nossa propria mitologia? Resumo As eriticas a coneepgio do sujeito moderno aproxi- mam a ontologia fundamental de Heidegger da mecapsicologa de Freud, Segundo Hleldegger, no en- tanto, 2 anilise freudiana do psiquismo mantém-se aprisionada 3 metafisica ocidental. Este artigo aponta semelhancas ¢ diferencas entre as analises desses dois autores, questionando também o destino das herangas deixadas por eles Résumé Les critiques & la conception du sujet moderne rapprochent Vontologie fondamentale de Heidegger ct fa métapsychologie de Freud. Selon. Heidegger Franalyse feudienne du psychisme reste enchaince 4a métaphysique occidentale. Cet article montre les accords et désaccords entre ces deux auteurs tout en refléchissant sur le destin de Phéritage qu’ils novs ont legue. Notas HEIDEGGER, M. Semindrios de Zollikon [1985]. S. Paulo:Edue/ Petrépolis:Vozes, 2001, (Editor: Medard Boss). p. 200. ? FREUD, S. O mal-estar na civilizagdo. $40 Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 193, » A citagio complets: "A clareira nunca é mera clareira, mas sempre clareira do esconder-se. Clarets da esconder-se quer dizer em sentido apropriade: que o inacessivel mostra-se em sua inacessbilidade, torna-se evidente. E isto pode significar por sua vez: purse completamente inacessivel ou mo- mentaneamente inacess(vel para mim.”, HEIDEGGER, 2001, p. 200. * Uma anilise mais abrangente dos Semindvios de Zolliten se encontra no artigo de LOPARIC, Z. Além do inconsciente: sobre a desconstrugio haeideggeriana da psicandlise, Disponivel em: hetp://wwwinterleft.com.br/ loparic/zeljko/alem-definitivol dae. Acesso em: 26.12.2003, 20 Filosofia e Psicandlise + £ supérfhuo relembrar que para Heidegger “A ciéncia como ta nio €rejeita- dla, de nenhuma mancira $6 a sua pretensio ao absoluto, 0 ser parkmetro dd todas as verdades, ¢ julgada pretensiosa” Ibidem, p. 36 “Cf ROUDINESCO, E. Por que a psicandlise. Ro de Jancito: Zahar, 2000, 108 * ROUDINESCO, £.; PLOM, M. Dicionério de Psicandlise. Ro de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 10 “HEIDEGGER, MSerninérios de Zolikon. Op. Cit p10. * idem, p. 11 "idem, p. 85. “CE LOPARIG, Z. Psicandlise: uma leitura heideggeriana. Veritas, Porto Alegre, x 43, 1, p25-41, mar. 1998, © HEIDEGGER, M. Semindrios de Zolliton. Op. Cit, p. 158-159. Nama carta a M. Boss de 4.12.1966, Heidegger acusa o recebimento dos Excrtos de Lacan, mas confesta que no momento nio consegue ler esse texto evidentemente battoco. (p.291). igus meses mais tarde, na carta de 24.04.1967 esereve ao amigo: “Estou enviando juntamente uma carta de ‘Lacan ~ esti parecendo que o psiquistea necessita de psiquiatra" (p. 292) \ HEIDEGGER, M Seminérios de Zollikon. Op. Cit, p. 48. ° Thidem, p. 139-140. “CL FREUD, 5. Linhas de progress ma terapiapsicanaliticg, Vol. XVI da ESB, p.202, Nesse pronunciamento de Freud, no 5° CongressoInternacio- nal Budapest, 918), sio mostradass analogiasexstentesenteeotrabalbo analtico € 0 dos quimicos. " Tbidem, p, 146-147. ™ Tbidem, p. 141 CL LOPARIG, Z. Heidegger véu? Campinas: Papirus, 1990, p. 235. Tbidem, p. 34-35 * Thidem, p. 36. Thidem, p. 36. > Ibidem, p. 33. MCh Thidem, p48. lem, p. 41. Heidegger ¢ Freud: clareira e cegucira? 21 ™ FREUD, S. Uma dificuldade xo caminbo da psicandlise. Vol. XVII da ESB, p. 171-179, » EREUD. S. O Projeto parame psicologia cientifica, Vol. I da ESB, %* FREUD, S. Andlisetermindvel eintermindvel. Vol. XXIII da ESB, ® CE. FREUD, S. Dois verbetes de psicandlis. Vol. XVIII da ESB, p. 3045 cf, também, Sobre o narcissmo: uma introducio. Vol. XIV da ESB, p. 95, % Cf, Entrevista de Heidegger concedida a0 Der Spiegel 1 CE final de O mal-estar na civilizagao, Referéncias HEIDEGGE! Petropolis: Vezes, 2001. (Edit , M.Semindrios de Zollikon [1965]. S. Paulo: Edue./ : Medard Boss). __ Entrevista de Heidegger concedida ao Der Spiegel FREUD. $. O Projeto para uma psicologia cientifica. Vol. 1 da ESB. ___- Sobre o narcisismo: uma introdugio. Vol. XIV da ESB. ___- Linhas de progresso na terapia psicanalitica. Vol. XVII da ESB. __ Uma dificuldade no camino da psicandlise, Vol. XVII da ESB. __ Dois verbetes de psicandlise. Vol. XVIII da ESB. _-Anéliseterminavele interminével. Vol. XXIII da ESB. 0 mal-estar na civilizagio. So Paulo: Abril Cultural, 1978, LOPARIC, Z. Heidegger réu? Campinas: Papirus, 1990. . Psicandlise: uma leitura heideggeriana. Veritas, Porto Alegre, ¥ Beat, p. 41, mar. 1998, ___. Além do inconsciente: sobre a desconstrugio heideggeriana da Pricandlise, Disponivel em: htp://www.nterleft.com.br/loparic/ zeljko/alem-definitivol.doc. Acesso em: 26.12.2003 ROUDINESCO, E. Porqueapsicanélise. Rio de Janciro: Zahar, 2000 ROUDINESCO, Es PLOM, M. Diciondrio de Psicandlise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998,

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