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1. A forma classica do romance histérico I. As condigdes sdcichistoricas do surgimento do romance hisiérico O romance histérico surgiu no inicio do século XIX, por volta da época da queda de Napoleo (Waverley*, de Walter Scott, foi publicado em 1814). E 6bvio que, jd nos séculos XVII e XVIII, havia romances de temitica histdrica, e quem desejar pode até considerar as adaptagées de histérias e mitos antigos na Idade Média “precursoras” do romance histérico e ir além, retrocedendo & China e a {ndia. Mas por essa via nio se encontraré nada que possa de algum modo iluminar, em sua esséncia, o fendmeno do romance histérico. Os cha- mados romances histéricos do século XVII (Scudéry, Calprenéde etc.) sio histéricos apenas por sua tematica puramente exterior, por sua roupagem. Nao s6 a psicologia das personagens, como também os costumes retratados sio inteiramente da &poca do escritor. O mais famoso “romance histérico” do século XVIII, O castelo de Otranto**, de Walpole, trata a histéria ape- has como roupagem; somente importa aqui a exposicio da curiosidade e da excentricidade do meio, e nao o retrato artistic fiel de uma época histérica concreta. O que falta ao pretenso romance histérico anterior ao de Walter Scott é 0 elemento especificamente histérico: 0 fato de a particularidade dos homens ativos derivar da especificidade histérica de seu tempo. O grande critico Boileau, que se mostrava muito cético em relagio aos romances hist6- * Rio de Janeiro, Gamier, sd. (N.E.) ** Sto Paulo, Nova Alexandria, 2010. (N. E.) 34 | Gyergy Whocs , considera importante apenas a verdade . ricos de seus contemporineos hor ame di Social ens € exige que um sen! © Modo difere, i ica das personagt a m ri psicol — ak questdo da verdade histérica na descrigao fic, cional u s le idade permanece fora de seu horizonte. ta ~ sae romance social realista do século XVIII, que na figuraciy [Gestaltung] * dos costumes e da psicologia de seu tempo promove um aber, tura seminal para a realidade, também nio coloca o problema da determin;, dade temporal [Zeitbestimmtheit] concreta dos homens retratados. O es sente histérico é figurado com extraordindria plasticidade e verossimilhanc, mas é ingenuamente aceito como um ente: a partir de onde e como ele se desenvolveu € algo que ainda nao se pée no ato de figuragao do escritor Essa abstratividade na figuracdo do tempo histérico também tem consequéncia, para a figuracdo do espaco histérico. Sem grandes problemas, Lesage ain. da pode transferir para a Espanha a pintura altamente fidedigna que faz da Franga de sua época. Swift, Voltaire e mesmo Diderot fazem seus Tomances satiricos se desenrolarem em um nunca e em um lugar algum que ainda assim refletem fielmente os tragos essenciais da Inglaterra e da Franca daquele tem. po. Esses escritores captam os tracos essenciais de seu presente histérico com um realismo ousado e perspicaz, mas no veem historicamente aquilo que é especifico de seu proprio tempo. Essa postura inicial nio é alterada em esséncia pelo avango cada vez mais forte do realismo, que traz a tona os tracos especificos do Presente com grande vigor ficcional. Considerem-se romances como Moll Flanders* *, Tom Jones*** etc. Nessa representagao magnificamente realista do presente incluem-se acontecimentos significativos da €poca que, no enredo, esto ligados aos des- sioneonttem == especialmente em Smollett e Fielding, istenan do Gi bbe Serine ae . i concretizados de modo muito mais franceses contemporineos. Fielding até ane social ¢ como ae desse proceso de concretizaco do Possui certa Consciéncia dessa préxis, romance em direcdo a apreensao da parti- Lakics emprega frequent temente de representacto artistca, Em virias paren Seatatiem, Gestalneng, gestaltet etc. no sentido Glo", “figurado® etc. (NT) «77 Sto Paulo, Nova Cultural, 1996. QE) x * Nova Cultural, 2003. (N. E.) Oromance histonco | 35 cularidade dos homens ¢ dos eventos figurados. Ele chama a si mesmo, como escritor, de historiador da sociedade burguesa Uma andlise da historia pregressa do romance histérico teria absolutamen- te de derrubar a lenda romantico-reaciondria de que o IHuminismo teria sido estéril de qualquer sentido e compreensio da histéria ¢ somente os adversi- tios da Revolugdo Francesa, os Burke, De Maistre ¢ outros, teriam descoberto o sentido histérico. Basta que se pense nas extraordindrias conquistas histori- cas de Montesquieu, Voltaire, Gibbon etc. para langar tal lenda por terra. Para nés, porém, trata-se de concretizar o cardter particular desse sentido da histéria antes ¢ depois da Revolucio Francesa para visualizar com clareza sobre qual solo social e ideolégico o romance hist6rico péde surgir. E aqui temos de ressaltar que a historiografia do Huminismo foi, em suas linhas essenciais, uma preparagao ideolégica da Revolugao Francesa. A construgdo da histéria, que por vezes revela fatos ¢ contextos novos ¢ grandiosos, serve para provar a necessidade de revolucionar a sociedade “irracional” do absolu- tismo feudal a fim de extrair das experiéncias da histéria aqueles principios com os quais se pode criar uma sociedade “racional”, um Estado “racional”. Por isso, a Antiguidade se situa no centro da teoria histérica e da praxis do Iluminismo. A investigacdo das causas da grandeza e do declinio dos Estados antigos € um dos mais importantes pressupostos teéricos para a futura re- configuragao da sociedade. Isso se refere sobretudo a Franca, o pais que mais se destacou intelectual- mente no perfodo do Iluminismo militante. A situacdo da Inglaterra é um pou- co diferente. De fato, no século XVIII o pais encontrava-se em um profundo proceso de transformago econémica, em plena criacao das precondigées so- cioeconémicas da Revolugéo Industrial, mas do ponto de vista polftico jé era um pais pés-revolucionério. Quanto a realizacao e a critica da sociedade bur- guesa, 4 lapidacao dos principios da economia politica, a apreensao concreta da hist6ria como hist6ria desempenha um papel mais importante na Inglaterra que na Franca. Mas a consciéncia e a consisténcia na execucio desses pontos de vista histéricos especificos ainda so episédicas no desenvolvimento geral. Por volta do fim do século XVIII, 0 teérico mais importante é Adam Smith. James Steuart, que pés o problema da economia capitalista de modo mais hist6rico ¢ dedicou-se a investigacao do processo de formacio do capital, logo caiu em esquecimento. Marx caracteriza da seguinte maneira a diferenca entre esses dois importantes economistas: 36 | Gyergy Lukacs is demonstragao de como it apreensio do capital I consiste n ¢ —— : pr ceere entre as condigdes de proce So de heme . << de determinada classe e a forga de trabalho. ee = are pnear are os specail ee ‘ basicamente da oe dorcend come condigéo da grande industria ~» a E et ordees denne cae = é tome como ele ne cevctamente, a indistria manufa- ragdo na agricultura ¢ que se ; fe ‘ tureira. Em Adam Smith, tal processo de separacho jd se encontra PressuPosto sentido histérico que ocorre na prati- pecificidade histérica do presente tivo, caracteriza O lugar que Ivimento de nosso proble- concreto (isto é, Esse desconhecimento do alcance do ca, da possibilidade de universalizacao da es imediato, observada corretamente de modo instin' © grande romance social inglés ocupa no desenvol ma. Foi ele que conduziu o olhar do escritor ao significado . : hist6rico) do espago e do tempo, das condicées sociais etc.; foi ele que criou © meio de expressio literério, realista, para a figuracdo dessa especificidade espago-temporal (isto é, hist6rica) dos homens e das relag6es. Mas isso, tal como na economia de Steuart, deu-se por um instinto realista e nao chegou a uma clareza sobre a histéria come processo, sobre a histéria como precondi- Gao concreta do presente. Somente no ultimo perfodo do Iluminismo o problema do espelhamento artistico de épocas passadas emerge como uma questo central da literatura. Isso ocorreu na Alemanha. Todavia, a ideologia do Iluminismo alemao segue, ra ee = francés ¢ inglés e, no essencial, as gran- dorcrrvierin ds Momapor Lang! de ope oes eee ee para o entendimento do problens do ee te ‘importante contribuicao - rico falaremos mais adiant , nao seria mais que um “repertério” de nomes, Contudo, logo depois de Lessing, no “Sturm, Gad : histéria pelo escritorjé emerge como um problems Drang”, © dominio da von Berlichingen, de Goethe, nio apenas tis oy Consciente. © drama Getz drama histérico, mas também exerce ums inf nsigo um ae do ' direta na forma- > Theorien aber den Mehnoert (MEGA ; rs ers-aOcpl Sh Pa east Dis 1977, to. 7, Livro TV) (Ney Teo (NT) bras. Oromance histonca | 37 go do romance histérico em Walter Scott. Essa ascensio consciente do histo- ricismo, que encontra sua primeira expressao tedrica nos escritos de Herder, tem suas raizes na situagdo particular da Alemanha, na discrepancia entre o atraso econdmico e politico do pais e a ideologia dos iluministas alemaes, que, apoiando-se em seus predecessores ingleses ¢ franceses, levaram as ideias do Iluminismo a um patamar mais elevado. Com isso, nao sé as contradicées ge- rais que estao na base de toda a ideologia do Iluminismo aparecem de modo mais agudo que na Franca, como também a oposicdo especifica entre essas ideias ¢ a realidade alema sio alcadas energicamente ao primeiro plano. Na Inglaterra e na Franca, a preparacio econémica, politica e ideoldgica, a consumagio da revolugio burguesa e © processo de constituigio do Estado na- cional sio um tinico e mesmo processo. O patriotismo revoluciondrio burgués ainda pode ser forte e produzir obras importantes (a Henriada’, de Voltaire), mas, a0 orientar-se para o passado, o que predomina é a critica iluminista do “irracional”. Na Alemanha, a situagao é totalmente diferente. O patriotis- mo revolucionério colide com a desunido nacional e com uma fragmentagio politica e econémica cuja expresso cultural e ideolégica é uma mercadoria importada da Franga. Pois tudo que foi produzido nas pequenas cortes alemis em termos de cultura e, sobretudo, de pseudocultura nao passou de uma imi- tagio servil da corte francesa. As pequenas cortes so, portanto, njo apenas um empecilho politico para a unidade alema, mas também estorvam ideo- logicamente 0 desenvolvimento de uma cultura que teria de originar-se das necessidades da vida burguesa alema. A forma alema do Iluminismo tem ne- cessariamente de manter-se em aguda polémica com essa cultura francesa, e ela conserva esse tom de patriotismo revoluciondrio mesmo onde o contetido essencial da luta ideolégica é 0 conflito entre diferentes graus de desenvolvi- mento do Iluminismo (a luta de Lessing contra Voltaire). Dessa situacdo resulta necessariamente um retorno 4 histéria alema. A es- peranga de um renascimento nacional extrai suas forcgas em parte do reaviva- mento da grandeza nacional passada. A luta por essa grandeza nacional requer que as causas hist6ricas do declinio e da ruina da Alemanha sejam pesquisadas ¢ apresentadas artisticamente. Por isso, na Alemanha, que no século passado foi apenas objeto das transformacées histéricas, a historizacao da arte surgiu * Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008. (N. E.) 38 | Gyérgy Lukdes muito antes e de modo mais radical que nos paises econdmics ¢ politicamen. te mais avangados do Ocidente. . . Primeiro foi a Revolugdo Francesa, as guerras revoluciondrias, sucoming a queda de Napoleio que fizeram da histéria uma experiéncia des massas, ¢ em escala europeia. Entre 1789 ¢ 1814, as nagdes europeias viveram mais revolugées que em séculos inteiros. E a celeridade das mudangas confere 3 essas revolucdes um caréter qualitativamente especial, apaga 4S Massas a im- pressio de "acontecimento natural”, torna o caréter hist6rico das revolucées muito mais visfvel do que costuma ocorrer em casos isolados. Para darmos apenas um exemplo, basta ler as memérias juvenis de Heine em O livro de Le Grand*, em que ele retrata com vivacidade o modo como a répida mudanga dos governos afetou o menino Heine. Se a essa experiéncia vern unir-se o reconhecimento de que tais revolugdes ocorrem no mundo inteiro, fortalece- -se extraordinariamente o sentimento de que existe uma histéria, de que essa histéria € um proceso ininterrupto de mudangas e, por fim, de que ela inter- fere diretamente na vida de cada individuo. Essa elevagio quantitativa a0 patamar qualitativo mostra-se também na diferenca entre essas guerras ¢ todas as anteriores. As guerras dos Estados absolutistas da época pré-revolucionéria foram travadas por pequenos exérci- tos mercendrios. O comando da guerra tinha por principio afastar o mdximo possivel o exército da populacao civil (abastecimento por meio de armazéns méveis, medo de desercao etc.). Nao foi a toa que Frederico II da Prissia expressou a ideia de que a guerra deveria ser travada de tal modo que a popu- lacdo civil nada percebesse. “A ordem € a primeira obrigagao do cidadao” era a divisa das guerras do absolutismo. Isso muda de um sé golpe com a Revolucdo Francesa. Em sua guerra de- fensiva contra a coalizao das monarquias absolutas, a Republica Francesa foi forcada a criar exércitos de massa. No entanto, a diferenca entre os exércitos merceniict © 05 de massa € qualitativa e diz respeito Precisamente A relacio estabelecida com a massa da populagio. Se se trata de formar um exército de massas, em vez de recrutar pequenos Contingentes de marginais para o * Lisboa, Relégio d’Agua, 1995. (N. E.) Oromance histonco | 39 guerras ofensivas posteriores, mas outros Estados também foram obrigados a lancar mao desses meios quando tiveram de criar exércitos de massa. (Basta pensar no papel que a literatura e a filosofia alemas desempenharam nessa Propaganda apés a Batalha de Jena.) Essa propaganda, no entanto, nio pode limitar-se a uma Gnica guerra isolada. Ela tem de revelar o contetido social, os Pressupostos histéricos e as circunstancias da luta, estabelecer a conexio da guerra com a vida em sua totalidade ¢ com as possibilidades de desenvolvi- mento da nacio. Basta apontarmos aqui a importancia da defesa das conquis- tas da Revolucdo na Franca, 0 vinculo entre a Criagdo do exército de massas ¢ as reformas sociais na Alemanha e em outros paises. A vida interior do povo esta ligada ao moderno exército de massas de modo muito diferente daquele com os exércitos absolutistas, Na Franga, cai a barreira social entre 0 oficial nobre e a tropa: a ascensao aos mais altos postos do Exército esté aberta a todos, e sabe-se que tais barreiras caem precisamen- te por obra da Revolucdo. E mesmo nos pafses em luta contra a Revolugio & inevitével que surjam ao menos algumas brechas nas barreiras sociais. A simples leitura dos escritos de Gneisenau é suficiente para que se veja 0 claro vinculo entre essas reformas e a nova situagdo histérica criada pela Revolugio Francesa, Acrescenta-se a isso o fato de que, durante a guerra, € preciso des- truir as antigas linhas divis6rias entre 0 Exército e 0 povo. No caso dos exér- citos de massas, o abastecimento por armazéns méveis ¢ imposs{vel. Como tém de garantir suas provisdes por requisicao, é inevitdvel que esses exércitos estabelecam um vinculo imediato e ininterrupto com 0 povo do pais onde a guerra é travada. E verdade que, no mais das vezes, esse vinculo consiste em roubos e saques. Mas nem sempre é assim. E nao se pode esquecer de que as guerras da Revolucao e, de certo modo, as de Napoledo foram consciente- Mente travadas como guerras de propaganda. Por fim, a enorme expansio quantitativa das guerras tem um novo papel qualitativo e traz consigo uma extraordin4ria ampliagao de horizontes. Enquanto as guerras dos exércitos mercendrios do absolutismo consistiam em sua maioria em pequenas manobras em toro das fortalezas etc., agora é a Europa inteira que se transforma em palco de guerra. Os camponeses franceses lutam no Egito, depois na Itélia e entSo na Russia; tropas auxiliares alemis ¢ italianas participam da campanha contra a Riissia; tropas alemis e russas so deslocadas para Paris depois da queda de Napoledo etc. O que antes somente individuos isolados ¢ com vocacéo aventureira podiam vivenciar, isto 6, conhecer a Europa ou, no mi- 40 | Gyéegy lukdes uma experiéncia nimo, determinada parte da Europa, torna-se, ness¢ oe de massa, acessfvel a centenas de milhares ou milhoes re feelin Assim, criam-se possibilidades concretas paré que os es ejam na historia propria existéncia como algo historicamente aa Ke que lhes diz 5 xisténcia cotidiana, 7 algo que determina profundamente sua €? das convulsées sociais na prépria respeito diretamente. E desnecessério falar tne > gucessivas reviravoltas Franca. E evidente desde j& como as grandes, répidas € eta anacao. Mas de. desse perfodo conturbaram a vida econémica € cultural det mais tarde, os de vemos apontar para o fato de que os exércitos da Revolugao = euilisnns . Napoledo liquidaram total ou parcialmente os remanescentes lo ai ie muitos lugares conquistados por eles, por exemplo, na Rendnia e ee Al 3 ha, lia. A posicéo social e cultural da Rendnia em relacao ao restante hi acai que ainda pode ser fortemente sentida na Revolugao de 1848, é uma heranca do perfodo napoleénico. E amplas massas tomam consciéncia do nexo dessas con- vulsées sociais com a Revolugio Francesa. Também aqui nos limitamos a apontar alguns reflexos literérios. Ao lado das memérias juvenis de Heine, é bastante instrutivo ler o primeiro capitulo de A cartuxa de Parma” , de Stendhal, para ver a marca indelével que o domfnio francés deixou no norte da Itdlia. E da esséncia da revolucao burguesa, quando levada seriamente até o fim, que o pensamento nacional seja apropriado pelas massas. Foi somente em consequéncia da Revolug3o e do dominio napoleénico que o sentimento na- cional se tornou vivéncia ¢ propriedade do campesinato, das camadas mais baixas da pequena burguesia etc. Essa foi a tinica Franga que eles vivenciaram como pais préprio, como pitria criada por eles. Mas o despertar do sentimento nacional e, consequentemente, da sen- sibilidade e do entendimento para a histéria nacional nfo ocorre apenas na Franga. As guerras napolednicas provocam Por toda parte uma onda de sentimento nacional, de revolta nacional contra as cas, uma experiéncia de entusiasmo pela autonomia na maioria das vezes, esses mor de “regeneragao e Teagio”**, conquistas napoleéni- : nacional. E claro que, vimentos S80, como diz Marx, uma mistura - Assim é na Espanha, na Alemanha etc. Jé na * Ske Paulo, Globo, 2004. (N, E.) regencragio misturada : trazem 9 Teacio; mas a €m comum a marca da Espanha” (Karl Marx, 5 em nenhum lugar alcangou usonary Spsin’, MEGA 1/13, Berlin, Dietz, 19855 an O tomance histérico | 41 luta pela independéncia da Poldnia, a deflagragio do sentimento nacional polonés 6 um movimento progressista em sua tendéncia principal. Indepen- dentemente do modo como a mistura de “regeneragdo ¢ reagéo” se apre- sente nos movimentos nacionais singulares, esta claro que tais movimentos, que foram movimentos de massas, levaram a amplas massas a vivéncia da hist6ria, A reivindicagdo da autonomia e da particularidade esté necessaria- mente ligada a um novo despertar da histéria nacional, com recordagées do passado, da gléria passada, dos momentos de humilhagdo nacional, e pouco importa se isso resulta em ideologias progressistas ou reaciondrias. Assim, nessa vivéncia da histéria pelas massas, por um lado, o elemento nacional vincula-se aos problemas da reconfiguragao social, e, por outro, 0 vinculo da histéria nacional com a histéria mundial torna-se consciente em circulos cada vez maiores. Essa consciéncia progressiva do cardter histérico do desenvolvimento também comega a se evidenciar no juizo critico sobre as condigées econémicas e as lutas de classes. No século XVIII, apenas al- guns criticos isolados e brilhantemente paradoxais do capitalismo incipiente compararam a exploragio do trabalho pelo capital as formas de exploracio dos perfodos anteriores, revelando assim 0 capitalismo como a forma mais desumana (Linguet). Na luta ideolégica contra a Revolugio Francesa, essa comparacao em larga escala - sem duvida, economicamente inconsistente, reacionéria e tendenciosa ~ entre a sociedade antes e depois da Revolucio torna-se o grito de guerra do romantismo legitimista. A desumanidade do capitalismo, o caos da concorréncia, a eliminagdo do pequeno pelo grande, o rebaixamento da cultura pelo fato de todas as coisas se tornarem mercadoria, tudo isso é contrastado, em geral de forma reacionria e tendenciosa, com 0 idflio social da Idade Média, como 0 periodo da cooperagio pacifica de todas as classes, como a era do crescimento organico da cultura. Mas, se em geral a tendéncia reaciondria predomina nesses escritos polémicos, no devemos esquecer que é apenas nesse perfodo que surge a primeira representacio do capitalismo como um periodo historicamente determinado do desenvolvi- mento da humanidade, ¢ isso ndo nos grandes tedricos do capitalismo, mas €m seus oponentes. Basta mencionar aqui Sismondi, que, apesar de toda a confusio tedrica de suas posiges de principio, expds com muita clareza pro- blemas hist6ricos do desenvolvimento econdmico. Basta citar sua afirmacdo Je que na Antiguidade o proletariado vivia 4 custa da sociedade, a0 passo jue, na época moderna, é a sociedade que vive 4 custa do proletariado. 42 | Gyirgy Luktcs A partir dessas consideragées, fica claro que 4 tendéncia do historicismo a tornar-se consciente atinge seu Spice no perfodo apés a queda de Napo- ledo, na época da Restauracio, da Santa Alianga. E evidente que i espirito desse historicismo, que pela primeira vez domina ¢ torna-s¢ oficial, é rea- ciondrio ¢, em sua esséncia, pseudo-histérico. A concepsao da historia, ° periodismo e a beletristica do legitimismo desenvolvem © espirito histérico m dspera oposicao ao Muminismo, as ideias da Revolugao Francesa. O ideal do legitimismo € o retorno as condigdes anteriores a Revolugao Francesa, expurgando da histéria as maiores realizagdes da época. A hist6ria, segundo essa concepgao, é um crescimento calmo, vel, natural, “orginico”. Quer dizer: um desenvolvimento da sociedade a em esséncia € estagnacao, que nao altera em nada as instituigdes legitimas e consagradas da sociedade e, sobretudo, néo altera nada de modo consciente. A atividade do homem na hist6ria deve ser totalmente descartada. A Escola Hist6rica do Direito alma confisca ao povo até mesmo o direito de dar novas leis a si mesmo e defende que tudo deve ser deixado a cargo do “crescimento orginico” dos antigos e variegados direitos consuetudinérios feudais. Surge nesse terreno, sob a bandeira do historicismo, do combate ao espi- rito “abstrato” e “anistérico” do Iluminismo, um pseudo-historicismo, uma ideologia do imobilismo, do retorno a Idade Média. No interesse desses ob- jetivos politicos reaciondrios, o desenvolvimento histérico é inescrupulosa- mente distorcido, e 0 caréter mentiroso intrinseco & ideologia reaciondria é ainda mais intensificado pelo fato de que a restaurag3o na Franca é forcada por raz6es econdmicas a conformar-se socialmente com o capitalismo, que cresceu nesse interim, e até a apoiar-se nele econémica ¢ politicamente. (A situagao dos governos reacionérios na Prussia, na Austria etc. é semelhante.) E sobre essa base entéo que a histéria deve ser reescrita. Chateaubriand se impercepti- insuperada € harménica sociedade da Idade Média. Tal concepgio histérica da Idade Média torna-se crucial para * ‘ito do Pe ra a figuracéo da época feudal no romance Oromance hisorco | 43 vocado pela Revolucao Francesa. E 0 novo grau de desenvolvimento que come- Ga justamente com a Restauracao obriga os defensores do progresso humano a criar uma nova armadura ideoldgica. Vimos que o Iluminismo combateu com inescrupulosa energia a legitimidade e a continuidade dos resquicios feudais. Vimos também que o legitimismo pés-revoluciondrio detectou sua conserva- 30 como esséncia da histéria. A defesa do progresso apés a Revolucdo Fran- cesa tunha de resultar necessanamente em uma concepsio que demonstrasse a necessidade histonca da Revolucio Francesa, apresentasse provas de que esta fora o apogeu de um desenvolvimento histérico longo e gradual, ¢ no um subrto obscurecimento da consciéncia da humanidade, uma cataclismica “catastrofe natural” na histona da humanidade, ¢ de que a evolucio futura da humanidade $6 € possivel por esse caminho. Com 1880, porém, operou-se uma grande mudanga de visio de mundo na con ep

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