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CAPA / BIOLOGIA EVOLUCIONARIA O que € uma especie? Ainda hoje cientistas continuam a debater essa questdo. Uma melhor definigao podera alterar a lista das espécies ameagadas POR CARL ZIMMER S vocé vistar © Parque Provin- cial de Algonguin, em Ontério, Canada, poders owvie os uivos soltérios dos lobos «, com um pouco de sore, observari ao menos de relance uma aleateia correndo, ao longe, através da floresta, Mas qoando chegar em casa todo contente por ter avistado aqueles animais, qual a espécie de lobo voct dir ter encontrado? Se for trar a vida com dois ou tes centstas, alvex ous diferen- tes respostas, Pode até acontecer de um deles far em dlivida ¢ the dizer que se trata dessa ou daquela espéce No século 18 naturalists europeus rnomearam de Canis eaon os lobos do Canad ¢ do leste dos Estados Unidos, porque eles pareciam di- ferentes de Canis haus, © lobo-inzento da Ex ropa e da Asia, No inicio do séeulo 20, natualistas americanos decidizam que oslobos de Algonquin pertenciam, na ver dade, 3 mesma espécie do lobo-cinzento eurasiano, ou stay Canis lupus. Mais recentemente, entretanto, pesquisadores re 16 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL AULAABERTA canadenses estudaram © DNA dos lobos e trouxeram & tona a velha questo. Els argumentaram que os verdaderos lobos cinzentos (C. lupus) seriam apenas as po- polagées que habitam o oeste da América do Norte. Os lobos do Parque Provincial de Algonquin, de acordo com os pesquisa dores, constituiriam uma espéce diferen- te, que eles renomearam C. fycaon. utros especialistas em lobos nao aceitam que haja evidéncias suficientes para separar C. lupus em duas espécies dlstintas. Os dois lados, porém, concor- ddamaque aidentidade doslobosdo Parque de Algonquin ficou muito mais confusa devido ao problema do intereruzamento (hibridizagio). Os eoiotes~ outra espécie do género Canis ~ vém se expandindo a lestee inter eruzando com C. lyeaon. ‘Agora, boa parte da popu: Iagio de coiotes do lado les: te carrega o DNA do lobo, « vice-versa. C. Iyeaon, entretanto, esti imercruzando com lobos-cinzentos na borda oeste da Area de distribuigio desses animais. Assim os animais do Parque de Algonquin nao esto apenas misturando ‘© DNA de C. Iycaon com o DNA de C. Jupus mas, também, passando adiante © DNA do coiote “Meesmo que C. fycaon, no passado, te- tha sido considerado uma espécie, pode- Fia ecuperar esse status? Muitos pesquisa dores acreditam que a melhor maneiea de concebermos a espécie é véa como uma ‘populagio cujos membros eruzam princi- palmente entre si, tomnando aquele grupo _geneticamente distinto das outras especies. "Nocaso dos lobos dos coiotes fica dificil dizer exatamente onde termina uma espé- cie e comeca a outra. “Preferimos cha- mé-la de Canis soup”, diz Bradley White, dda Universidade de Trent, em Ontério. ine \ ‘4. 051L0B0 itustram bom por que concelto de expla cia tanta confusso, Canis lycaonera ume espécle de obo que vagava pels lorestas de Onto no sécule 18. Os biélogosrecasaicaram esses animals como C. pls no come¢o do século 20, antes do renomaélos para C.Iycaon hé poucos anos. Alguns especaists agora ‘considera esses lobos uma mistura de véras espéces, Inculndo colotes (Cans Iarang) obos-cinzentos. 4% Esse debate vai além da mera con- que milhares de animais pertencentes DEFINIGOES COMPLICADAS ‘gf vengio de nomear corretamente as es- A mesma especie, C. ian, ainda pros- Esurpreendente vero quanto os centisas {Epécies.Oslobos do sudeste dos Estados pram no Canadé, vém debatendo para chegar a um consen- 32 Unidos sao considerados uma espécie a Como ficou demonstrado, no caso _ so sobre algo tio simples e decidir se esse parte, 0 chamado lobo-vermelho (Ca- dos lobos do Parque de Algonquin, ou aquele grupo de organismos constitu nis rufus). Muito se tem feito para sal- definir espécie pode ser muito impor ou mio uma espécie. Talvez isso se deva var essa espécie da extingZ0, com pro-_tante para as medidas de preservagio a0 tim, que deu nomes as espais, cat gramas de reprodugio em cativeiro © ambiental, tanto no que diz respeito regados de uma certeza absoluta, evan- projetos de reintrodugio ao seu habitat as espécies ameagadas quanto em re-do o pliblico a pensar que as regras sio natural. Cientistas canadenses, entre- lagdo a seus habitats. “Podemos dizer muito simples. Ou possivelmente isso se tanto, argumentam que o lobo-verme- que, por um lado, trata-se de assun- devaa 1,8 milhio de espécies que os cen- tho é, na verdade, apenas uma popula- to esotérico, de outro, de problema ristas vém nomeando de uns séulos para ‘0 isolada de C. iycaon do lado sul. Se _préticose, talvez, de problema legal”, cf ou, ainda, talvez, as leis como a En- for assim, entio 0 governo nao esté, de avalia Alan Templeton, da Washing. dangered Speciés Act (ei que estabelece fato, salvando uma espécie da extingo, con University em St. Louis. as regras para as espécies ameagadas nos SSOENTIFIC AMERICAN BRASIL AULAABERTA 17 SABEDORIA POPULAR Antigo sistemas de classifcagdo, ‘ainda ulizados pelo povo San e por outros poves indiganas, nomsiam Piantas e animais baseando-se nas taracteristeas observavei. Matodos Clentiicos que surgicam dopois, como a taxonomia de Lineu, muitas voz0s {azem categorizagdes semelhantes. Estados Unidos). Mas © que sabemos, de ato, € que 0 debate sobre o conc to de especie ocorre hi décadas, “Nao hi consenso, entre os bilogos, sobre 0 aque ver a ser uma espécie™, admite Jo- nathon Marshall, bidlogo da Southern Urah University. De acordo com altima estimativa existem em circulagdo, pelo menos, 26 concstos publicados, © mais norével quanto a todas esas discordincias € que, hoje, 0 nosso co- nhecimento sobre como a vida evolu em novas formas aumentou muito dee aque se iiciou o debate sobre as espécies. Os taxonomistas, até pouco tempo ais, identifcavam espécies apenas pela carac terscas vss, como nadadeieas, pelos e penas. Agora podem ler sequéncias de DNA edescobritoda uma riquera de di- versidade biol6gica. “Templeton ¢ outros especalsas con- sideram que o debate finalmente chegou 4 um ponto ctitieo. Fes acreditam que agora seri possvel combinar muita das ideias concorrentes em um tinico con- ceito bisico. A unifcasio se aplicaria a «qualquer tipo de organismo, de sais a mirorganibmos. Ess pesquisadores 6 peram com isso chegar a um métodlo mais 18 SCIENTING AMER.CAN BRASIL AULA ABERTA poderoso para reconhecer novas espécis. Mnito antes do alvorecer da cizncia 0s seres humanos jf nomeavam especies Para obterem sucesso durante as suas ati- Vidades de caga e de coleta, os humanos de entdo precisavam saber que animais cagar e que plantas coleae. Ataxonomia, aaciéncia que trata da nomeacio das esp cies, surgiu no séeulo 17 ese frmou no sé= culo seguinte, gragas ao trabalho de Carl Linew. Esse naturalista sueco inventou tum sistema para organizar 0s seres vivos em grupos, os quais abrigavam grupos cada vez menores. De acordo com 0 novo sistema todos os membros de um grupo particular compartilhavam determinadas caracteristcas. Os seres humanos per- tenciam & ordem dos mamiferos ¢, den- tro dessa ordem, familia dos primatas, nesta familia, ao género Homo, e género Homo, 3 espécie Homo sapiens. Linew acreditava que cada espécie sempre ha- via existido desde o momento da criagao. Existem tantas espécies quantas foram as formas que 0 Ser Infnito criou no inicio dos tempos, escreveu. ‘Anova ordem de Lineu tomou 0 t= balho dos taxonomistas muito mais el, ‘mas a tentativa de traga limites entre a5 nao foi bem-sucedida. Duas es- pécies de camundongos podem intercru- zar onde as suas éreas de distribuigio se sobrepdem, levando & questio do nome a dar aos hibridos formados. Dentro de tama mesma espécic, também, ainda havia ‘muita confusio. O lagépode-escocés da Ielanda (ave galiforme da fara dos fa- sianideos), por exemplo, apre- senta uma pequena diferenga nna plumagem quando compa- rado com 0 lagépode-escoct | da Esedcia, que também i: fere_ do lagépode-scocts. da Finlindia, Os naturalistas no. chegaram a um acordo sobre a possibildade de essas aves pertencerem a especies diferentes de lagGpode-escocs, (user apenas variedades ~ subgrupos em foutras palaveas~ de uma tnicaespéce. ‘Charles Darwin se divertia com essa questio. “E engragado ver como dife- rentesideias se manifestam nas diferen- tes mentes dos naturalists, quando eles falam em ‘espécies”, escreveu em 1856, “Tudo iso resulta da tentatva de dfinir coindeinivel” As espéces, de acordo com Darwin, nunca foram entidades fixas que surgiram quando da criagio. Flas evo- luiram, Cada grupo de organismos que chamamos de espéciesurgiu como uma variedade a partir de espéces mais anti- sas, Com 0 passar do tempo, a selecio- natural os transfor mou, enquanto se adapeavam a0 am- biente. Entretanto foutras_variedades tas Uma variedade antiga, no final, toma-se completa mente diferente de todos os outros or sganismos ~ isso & ‘© que entendemos como uma espe cm si, “Eu vejo 0 termo ‘espécie” como um conceit arbiterio, cunhado apenas por mera conveniéneia, para designar tum grupo de indlividuos muito seme- Ihantes entre si, disse Darwin. ‘Como os taxonomistas que o precede ram, Darwin 6 podia estudar as espécies a olho nus por exemplo, observando a cor das penas de um pissaro, ou contando as placas de uma eraca. Essa situagio per

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