You are on page 1of 29
dizeres, determinando, pelo j4-dito, aquilo que constitui uma formagdo discursiva em relagao a outra. Dizer que a palavra significa em relagdo a outras, é afirmar essa articulagao de formagdes discursivas dominadas pelo interdiscurso em sua objetividade material contradit6ria, Os sentidos nao estao assim predeterminados por Propriedades da lingua. Dependem de relagdes constitutdes has/pelas formagdes discursivas. No entanto, & preciso nio Pensar as formagdes discursivas como blocos homogéneos funcionando automaticamente. Elas so constituidas pela Contradi¢ao, so heterogéneas nelas mesmas e suas frontei, sao fluidas, configurando-se e reconfigurando-se continuamente em suas relagdes Chegamos entio nogio de metéfora que é imprescindivel na anilise de discurso. Ela nao é considerada, como na etérica, como figura de linguagem. A metéfora (cf. Lacan,1966) é aqui definida como a tomada de uma palavra por outra, Na andlise de discurso, ela significa basicamente “iransferéncia”, estabelecendo 0 modo como as palavras significam, Em principio nao ha sentido sem metéfora, As palavras no tem, nessa perspectiva, um sentido proprio, preso a sua Iiteralidade. Segundo Pécheux (1975), 0 sentido € sempre uma Palavra, uma expresso ou uma proposi¢do por uma outra Palavra, uma outra express20 ou proposigdo; e € por esse relacionamento, essa superposicdo, essa transferéncia (meta. Phora), que elementos significantes passam a se confrontar. de ‘modo que se revestem de um sentido. Ainda segundo este autor, © sentido existe exclusivamente nas relagdes de metdfora (ealizadas em efeitos de substiwigdo, pardfrases, formagio de Sin6nimos) das quais uma formagio discursiva vem'a ser historicamente o lugar mais ou menos provisorio, B. E pela referéncia a formagiio discursiva que podemos compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos. Palavras iguais podem significar diferentemente Porque se inscrevem em formagdes discursivas diferentes. Por 44 ie exemplo, a palavra “terra” nao significa o mesmo riven tim agricultor sem terra e para um grande propitro rua significa diferente se aescrevemos com letra: _ pee he ss miniscula terra etc. Todos esses us: eee igdes de produgao diferentes podem ser apes ae formagGes discursivas. Eisso define em ~~ ~ ‘trabal tho do analista: observando as condigdes de ee 7 ificando o funcionamento da meméria, ele deve om uma formagao discursiva (e nfo outra) para compreen ti ji esta dito. sentido do que ali est f ie A evidéncia do sentido, que, na realidade é a : K6gico, no nos deixa pereeber seu caréter'm ail 8 toricidade de sua construgdo. Do mesmo modo podsion sr que a evidéncia do sujeito, ou melbon bus ean renee 5 ue “eu” sou “eu”), apaga 0 ee Be sentiticayo: © sujeito se constitui ae Hclecdo 1ue se da ideologicamente pela sua insrigdo * i 1a SOCIE! io discursiva — que, em um a , Fssa, Rare sob a forma de sujeito de direito ee Bs for it historicamente, a0 i-sujeito corresponde, historic i eapitalxn ao meso tempo determined por conighes Iernas e autonomo (responsavel pelo que diz), um su} seus direitos e deveres. e Sujeito ; ‘lise de Discurso € re-significar Fos ie clog a ane da consideragdo da linguagem. re asim de uma definigdo discursiva de ideologia a suraremos expor a seguir. ; 0 fato mesmo da interpretagdo, ou melhor, o Sa te ete sentido sem interpretagio, atest a presenga da ideologia. io ha sentido sem interpretagdo e, além disso, eae objeto simbolico o homem é levado a interpreta ocando-se diante da questio: 0 aque isto quer dizer? Nesse ovimento da interprelagio o sentido aparece-no 45 evi i i evideocin como se ele estivesse ja sempre I4. Interpreta-se ¢ a0 Naturationn nee @interpretago,colocando-annograu zero, Simbblice Por eae Braduzo na relagio do histrico e do nbélico. inismo — ideol6gico ~ de a sin Qo : igico ~ de apagamer letpretacio, hi transposigZo de formas materiaisem cute, no tivessem sua espessura, sua opaci : ; ssura, pacidade — pa icepetaas or determinagdes historicas que se meted produzirevige i niutalizadas. Este 6 0 trabalho da ideologia: Com sen ec deneias,colocando o homem narelagdo imagingia igdes materiais de existéncia, inconsciente so estruturas-funcioname a — es lamentos, M, Pécheux ai =u crater comum é a de dissimular sua ita de evidenchag a etsPtio funcionamento,produzindo.um tecido como “ue uta ietivas"y entendendo-se “subjetivas” nao ‘am o sujeito” mas, mais fortemente, como “nas A evidéncia d ‘0 ~ a que faz com que uma palavra lo sentido — a que fa designe uma coisa - apaga o seu carter mater fpninanes as Pelavras Fecebem seus sentidos de formagdes Same aelstes, Hi €0 efeito da determinagao ists “apg ta sone se Suet pea eologa Esse 0 paadono pelo qu Senet ncia: sua interpelacdo pela ideologia. 46 __ Siio essas evidéncias que dio aos sujeitos a realidade como tema de significagdes percebidas, experimentadas. Essas idéncias funcionam pelos chamados “esquecimentos”, que ‘eferimos anteriormente. Isso se da de tal modo que @ bordinagiio-assujeitamento se realiza sob a forma da .omia, como um interior sem exterior, esfumando-se a inagao do real (do interdiscurso), pelo modo mesmo com jue ele funciona. Assim considerada, a ideologia ndo € ocultagdo mas fungao relacdo necesséria entre linguagem e mundo. Linguagem e yundo se refletem no sentido da refrac, do efeito imaginario ‘um sobre 0 outro. A relagdo da ordem simbélica com o mundo se faz de tal Jo que, para que haja sentido, como dissemos, € preciso que Iingua como sistema sintético passivel de jogo — de equivoco, jeita a falhas — se inscreva na hist6ria. Essa inscri¢dio dos tos lingtifsticos materiais na historia é que € a discursividade. sentido é assim uma relagio determinada do sujeito ~ fetado pela lingua - com a histéria. £ 0 gesto de interpretagao realiza essa relaco do sujeito com a lingua, com a historia, ‘0s sentidos. Esta é a marca da subjetivagdo e, ao mesmo ‘tempo, o trago da relagiio da lingua com a exterioridade: nao hé iscurso sem sujeito. E nao hd sujeito sem ideologia, Ideologia inconsciente esto materialmente ligados. Pela lingua, pelo ‘processo que acabamos de descrever. Para pensarmos a ideologia, nessa perspectiva, pensamos a ‘interpretagiio. Para que a lingua faga sentido, € preciso que a historia intervenha, pelo equivoco, pela opacidade, pela espessura material do significante. Daf resulta que a interpretagdio € necessariamente regulada em suas possibilidades, em suas condigdes. Ela ndo € mero gesto de decodificagio, de apreensio do sentido. A interpretagio nao é livre de determinagGes: no € qualquer uma e ¢ desigualmente distribufda na formagao social. Ela € “garantida” pela meméria, sob dois aspectos: a. a meméria institucionalizada (0 arquivo), 47 7 {rabalho social da interpretagio onde se separa quem te a 3 ay direito a ela; b. a meméria constitutiva (o aiearne — hist6rico da consttuigdo do sentido ( l, retivel, o saber discursi © ; v0). O gesto intrpetapto se faz entre a memséria institucional (0 rinvoya retin memra (interdiscurso), podendo assim tanto : locar sentidos. Ser ir Et Significa ser (necessariamente) imével, nada nao agindrio, 0 sujeito s6 tem acesso a parte do que diz. Ble & naterialmente dividido desde sua constituigao : ele é sujeito dee Sujeito d. Ele € sujeito a lingua cd hist6ria, pois para se constitu, ara (se) produzir sentidos ele é afetado por elas. Ele & assim ado, pois se no sofrer os efeitos do simbolico, ou seja, Se no se submeter & lingua ¢ & historia ele niio se constitui, ele fala, ndio produz.sentidos. ‘Devemos ainda lembrar que osujeito discursivo € pensado como go” entre outras, Nao € uma forma de subjetividade mas um gar” que ocupa para ser sujeito do que diz, (M.Foucault, 1969): a posigdo que deve e pode ocupar todo individuo para ser sujeito que diz. O modo como o sujeito ocupa seu lugar, enquanto Zo, nao Ihe é acessfvel, ele ndio tem acesso direto dexterioridade (interdiscurso) que o constitu. Da mesma maneira, a lingua também o € transparente nem o mundo diretamente apreensivel quando trata da significagio pois vivido dos sujeitos ¢ informado, {ituido pela estrutura da ideologia (M, Pécheux, 1975). ei ¢ Aldeologia, por sua vez, nesse modo de a conceber, nio nual Gao conjunto de representagdes, como visio de 10 ocultagao da realidade, Na mundo ou idade. Nao ha alié Felidae sem ideologia. Enquanto prética significante, a iceologia aparece como efetodarelagao necesséra do suelo Som i lingua © a com a histria para que haja sentido, E sone naa uma relagao termo-a-termo entre linguagem/ raeeroeeetsamento essa rlagao toma-se possvelporgue a I fervém com seu modo de funci imaginatio. Sao assim as imagens que permitem ava ne Palavras “colem” com as coisa m que as Gissomos, © nom 88 £0l8as. Por outro lado, como ‘Nese sentido € que 0s sujeitos so intercambisveis. Quando it ideologia que faz com que haja falo a partir da posigiio de “mae”, por exemplo, 0 que digo deriva sentido, em relagdo & formagio discursiva em que estou screvendo minhas palavras, de modo equivalente a outras falas também o fazem dessa mesma posigao. Quando, ao abrir a a para um filho altas horas da madrugada, a mie fala “Isso si0 oras?” ela esté, na posigdo-mie, falando como as mies falam. te. Podemos até dizer que ndo é a mae falando, é sua icdo. Ela af esté sendo dita. E isso a significa. Isso Ihe da tidade. Identidade relativa a outras: por exemplo na posigao de professora, de atriz etc. © trabalho ideolégico é um trabalho da meméria_€ do esquecimento pois é s6 quando passa para o anonimato que 0 dizer produz scu efeito de literalidade, a impressio do sentido- Id: € justamente quando esquecemos quem disse “colonizagio”, ‘quando, onde e porqué, que o sentido de colonizagio produz ‘seus efeitos. Da mesma forma, é sob o modo da impressiio do sentido-Ié, com a meméria jé trabalhada pelo esquecimento, 49 signifi i Signifique produzindo 0 efeito de evidéncia do sentido Bree 428 impress do sujito sera origem do que iz, E alham, ambos, a ilus 2 Eten a ilusGo da transparénci inp ans hn tm Zeros aulltos so transparentes eles im sua materialidade se.con em processos em que a linguz ‘deologia concorrem conjuntamente. *Hist6riae a Nio é vigente, na Anilise de Discurso, de sujeito empiricame: inci icamente coincident Atravessado pela linguagem e pela hist a nogio psicolégica fe consigo mesmo. ‘6ria, sob 0 modo do 48 que 0 dirigente sindical e o dos docentes assinam uma faixa negra com palavras que falam em voio e medo, inscrevendo-se na filiago dos sentidos produzidos pelo fascismo, tendo a ilusio que os sentidos ali significam segundo sua vontade imediata. O dizer tem hist6ria. Os sentidos ndo se esgotam no imediato, Tanto € assim que fazem efeitos diferentes para diferentes interlocutores. Nao temos controle sobre isso. Mas tentamos, Faz entrada, assim, em nossa reflexdo, a nogiio de contradigao junto a de equivoco. O Sujeito e sua Forma Histérica A forma-sujeito histérica que corresponde a da sociedade atual representa bem a contradigdo: é um sujeito a0 mesmo tempo livre € submisso, Ele é capaz de uma liberdade sem limites ¢ uma submissio sem falhas: pode tudo dizer, Contanto que se submeta a lingua para sabé-La, Essa é a base do que chamamos assujeitamento. Tomando em conta a relagao da Iingua com a ideologia, podemos observar como, através da nogao de determinagio, 0 Sujeito gramatical cria um ideal de completude, participando do imagindrio de um sujeito mestre de suas palavras: ele determina o que diz. No entanto, nem sempre ele se apresentou com essa sua caracteristica, que & propria ao que chamamos Sujeito-de-direito ou sujeito juridico, que é 0 da modemnidade. Nao podemos reduzir pois a questo da subjetividade ao lingilistico; fazemos entrar em conta também sua dimensio hist6rica e psicanalitica. Embora a subjetividade repouse na Possibilidade de mecanismos lingilisticos especificos, nao se pode explicé-la estritamente por eles. Para nfo se ter apenas uma concepeio intemporal, a-histérica ¢ ‘mesmo biol6gica da subjetividade —reduzindo.o homem ao ser natural ~€ preciso procurar compreendé-la através de sua historicidade. E af ppoclemos compreender essa ambiguidade da nocao de sujeito que, se determina o que diz, no entanto, € determinado pela exterioridade na ‘sua relago com os sentidos, como dissemos mais acima, 50 me la Haroche (1987) mostra-nos que a forma-sujeito religioso, i iioivs Ga Tose Malis repesentou na oc a-sujei : ete ee acre soci, 0 suet eve de omarse proprio proprietario, dando surgimento a0 sujeito-de-direito contre responnabiidede: X subordinagioexplieta home ao discurso religioso dé lugar & subordinagio, menos licita, do homem as leis: com seus direitos € oo = fia de um sujeito livre em suas escolhas, 0 sujei nia, de liberdade isivel porque preserva a idéia de autonomia, d Heid, de nfo determinagio do suelo. # ua fora de Cn s terfstica do forma jeitamento mais abstata e caracterstica do formalismo fdieo, do capitalismo, Por seu lado, a injungio no tradigZo é a garantia da submisso do sujeito ao saber. S| de-direito se acrescentar que a nogiio de sujeito-« sae ndvun © seo nfo wom i é de uma estrutura soc idade psicoldgica, ele é efeito i ee i .. Em conseqiiéncia, erminada: a sociedade capitalista. i A jet 10 tempo, processo: sterminagdo do sujeito mas h4, ao mesm« individualizagao do sujeito pelo Estado. Este proceso € damental no capitalismo para que se possa governar. Submetendo 0 sujeito mas ao mesmo tempo apresentndo“> ‘como livre ¢ esponsével, 0 assujeitamento se fz ees jue © discurso aparega como instrumento (limpi ne epsamento.e um reflexo (justo) da realidade, Na transparénei fa Linguagem, € a ideotogia se Bases as ss ue do sentido e do sujeito. 8 siitotes nogio elieraldaeo semi eral naconeepio lingUfstica imanente, € aquele que uma paliyaaitem independentemente de seu uso em qualquer contexto, Das ‘cariter bdsico, discreto, inerente, abstrato e geral. . st se levamos em conta, como na Anilise de Discurso, a ideologia, somos capazes de aprender, de fornia critica, a ilustio que esté na base do estatuto primitivo da literalidude: o fato de que ele é produto hist6rico, efeito de discurso que sulie as determinagoes dos modos de assujeilamenty das diferentes formas-sujeito na su historividade e emi relagao as diferentes formas de poder. 0 falante niio opera coma literalidade como algo fixo e irredutivel, uma vez que nao hé um sentido tnico e prévio, mas um sentido instituido historicamente na relago do sujeito com a lingua e que faz parte das condigdes de producao do discurso, A literalidade € uma construgdo que o analista deve considerar em relago ao processo discursivo com suas condigdes. Se a ilusdo do sentido literal - ou do efeito referencial, que representa a relagao imanente entre palavra e coisa, considerando que as “estratégias” retoricas, “manobras” estilfsticas nfo sao constitutivas da representagio da realidade determinada pelos sentidos de um discurso - faz o sujeito ter a impressdo da transparéncia, é tarefa do analista de discurso expor o olhar leitor 3 opacidade do texto, como diz M-Pécheux (1981), para compreender como essa impressio é produzida e quais seus efeitos Incompletude: Movimento, Deslocamento ¢ Ruptura A condigio da linguagem é a incompletude. Nem sujeitos nem sentidos estio completos, jé feitos, constituidos definitivamente. Constituem-se e funcionam sob 0 modo do entremeio, da relagdo, da falta, do movimento. Essa incompletude atesta a abertura do simbélico, pois a falta é também o lugar do possivel. Entretanto, niio é porque o processo de significagiio é aberto que nao seria regido, administrado. Ao contrario, € pela sua abertura que ele também esté sujeito & determinacao, & institucionalizacao, a estabilizagao e A cristalizagdio. Esta é ainda uma maneira de referir a linguagem aos limites moventes e tensos entre a parifrase e a polissemia. 52 Ao dizer, 0 sujeito significa em condigdes determinadas, impelido, de um lado, pela lingua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiéncia, por fatos que reclamam sentidos, € também por sua meméria discursiva, por um saber/poder/ dever dizer, em que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formagées discursivas que representam no discurso as injungdes ideoldgica Sujeito A falha, ao jogo, ao acaso, e também & regra, a0 saber, & necessidade. Assim o homem (se) significa, Se 0 sentido e 0 sujeito poderiam ser os mesmos, no entanto escorregam, derivam para outros sentidos, para outras posigdes. A deriva, 0 deslize € 0 efeito metaférico, a transferéncia, a palavra que fala com outras Entre o jogo e a regra, a necessidade e 0 acaso, no confronto do mundo e da linguagem, entre o sedimentado ¢ 0 a se realizar, na experiéncia e na histéria, na relagdo tensa do simbélico com © teal € © imagindrio, o sujeito e o sentido se repetem ¢ se deslocam. O equivoco, o non-sens, 0 irrealizado tem no processo polissémico, na metéfora, o seu ponto de articulacio. Em termos tedricos, isso significa que trabalhamos continuamente a articulagao entre estrutura e acontecimento: nem o exatamente fixado, nem a liberdade em ato. Sujeitos, a0 mesmo tempo, a lingua e & hist6ria, ao estabilizado e ao irrealizado, os homens e os sentidos fazem seus percursos, mantém a linha, se detém junto as margens, ultrapassam limites, transbordam, refluem, No discurso, no movimento do simbélico, que nao se fecha e que tem na lingua e na hist6ria sua materialidade. Quando dizemos materialidade, estamos justamente referindo 3 forma material, ou seja, a forma encarnada, no abstrata nem. empirica, onde ndo se separa forma e contetido: forma lingufstico-hist6rica, significativa. A linguagem nio € transparente, os sentidos nio sto contetidos. E no corpo a corpo com a linguagem que 0 sujeito 33 (Ge) diz, E 0 faz nfo ficando apenas nas evidéncias produzidas pela ideologia, dos sentidos: eles nio retornam apenas, eles se Projetam em Outros sentidos, constituindo outras possibilidades dee sujeitos se subjetivarem, Pela natureza incompleta do sujeito, dos sentidos, da linguagem (do simb6lico), ainda que todo sentide ce filie a rare ade de constituigdo, ele pode ser um deslocamento nessa Dat termos proposto a distingso de trés formas de repetigao: pagahe Petis%o empitica (mnemdnica) que & a do efeito Papagaio, s6 repete; b. a repeti¢do formal (técnica) que € um outro modo de dizer 0 mesmo; svinebetisio hist6rica, que é a que desloca, aque permite 0 mevimento porque historiciza o dizer eo sujeto, fared fluir odiscurso, nos seus percursos, trabalhando 0 equivoco, a falha, strom ssindoas evidéncias do imagindrioe fazendo oinealionts itromper no jé estabelecido, 34 SSS ait ida, produaida peta ideologin, representa satura Be iscosc'dos suite prod pelo pagent de sn sstlidade, ou sea, pela sua des-hstoricizaco. espe pcessos de identificagdo regidos pelo imaging Bvaziados de sua hstoridade Processos em que percese 2 ficando-se s6.com (nas) i jentanto ie, © possivel pela interpretacdo out sempt lize, deriva, trabalho da metéfora. 35. Ill. DISPOSITIVO DE ANALISE r da Interpretaco te das caracterfsticas que evocamos acima ¢ dos itos que apresentamos, cabe comecar a refletir sobre ivo da andlise. Se a linguagem funciona desse modo, 10 deve proceder 0 analista? Que escuta ele deve ibelecer para ouvir para ld das evidencias e compreender, olhendo, a opacidade da linguagem, a determinagdo dos pela hist6ria, a constituigdo do sujeito pela ideologia elo inconsciente, fazendo espago para o possivel, a Jaridade, a ruptura, a resisténcia? ‘Como dissemos mais acima, a proposta € a da construgao de dispositive da interpretagio. Esse dispositivo tem como racteristica colocar 0 dito em relago ao nao dito, 0 que 0 eito diz em um lugar com o que € dito em outro lugar, o que dito de um modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, ilo que o sujeito diz, aquilo que ele no diz mas que constitui falmente os sentidos de suas palavras. ‘A Anilise de Discurso ndio procura o sentido “verdadeiro”, mas real do sentido em sua materialidade linglifstica ¢ hist6rica. A ologia no se aprende, 0 incoasciente nao se controla com 0 - A propria lingua funciona ideologicamente, tendo em sua ‘esse jogo. Todo enunciado, dirdM. Pécheux (idem), giisticamente descritivel como uma série de pontos de deriva ossivel oferecendo lugar & interpretacao. Ele € sempre suscettvel ser/tomar-se outro. Esse lugar do outro enunciado é o lugar da nterpretagdo, manifestacdo do inconsciente ¢ da ideologia na odugdo das sentidos ¢ na constituigaio dos sujeitos. E também mrelaco A interpretaczio que podemos considerar 0 interdiscurso exterior) como a alteridade discursiva: “é porque hi o outro nas jedades e na historia, diz M. Pécheux(1990), correspondente a te outro linguajeiro discursivo, que ai pode haver ligagdo, ificagdo ou transferéncia, isto é, existéncia de uma relagao indo a possibilidade de interpretar. E € porque ha essa ligagao gue as filiagbes histéricas podem-se organizar em memérias, € a8 Jagdes sociais em redes de significantes”. 59 ieee i tos eel) el | ‘Temos afirmado que no hd sentidos “literais” guardadosem | algum lugar ~ seja 0 cérebro ou a lingua—e que “aprendemos” usar. Os sentidos e os sujeitos se constituem em processos em que ha transferéncias, jogos simbolicos dos quais nao temos o controle e nos quais 0 equivoco ~ 0 trabalho da ideologia e do inconsciente ~ estio largamente presentes As transferéncias presentes nos processos de identificagiio dos sujeitos constituem uma pluralidade contraditoria de filiagdes hist6ricas. Uma mesma palavra, na mesma lingua, significa diferentemente, dependendo da posigdo do sueito € da inserigdo do que diz em uma ou outra formagio discursiva. O analista deve poder explicitar os processos de identificagio pela sua andlise: falamos a mesma lingua mas falamos diferente. Se assim &, o dispositivo que ele constr6i deve ser capaz de mostrar isso, de lidar com isso. Esse dispositive deve poder levar em conta ideologia ¢ inconsciente assim considerados, © dispositive, a escuta discursiva, deve explicitar os gestos de interpretagio que se ligam aos processos de idemtficayao dos sujeitos, suas filiagdes de sentidos: descrever a relagao do Sujeito com sua meméria, Nessa empreitada, descrigao e interpretagio se interrelacionam. E é também tarefa do analista distingui-las em seu propésito de compreensii Podemos mesmo dizer momentos da andlise que a interpretagdo aparece em dois 2. em um primeiro momento, é preciso considerar que a interpretacdo faz parte do objeto da anilise, isto é, 0 sueito que fala interpreta e o analista deve procurar descrever esse Besto de interpretacdo do sujeito que constitui o sentido submetido & andlise; b. em um segundo momento, é preciso compreender que nao hd descrigdo sem interpretagao, entdo o préprio analista esta envolvido na interpretagao. Por isso € necessétio introduzir-se um dispositivo te6rico que possa intervir na oo analisa, ito com io do analista com os objetos simbélicos que luzindo um deslocamento em sua rela¢ pe eae i s| Lo vai f io: esse deslocamen : ie rine earemeto da deserigio com 8 interpretagSo. la ita Oque se espera do dispositive do anal a eee ber oe sigdo neutra m: i ae da interpretagio€preiso que clestravesseoefeitode Se rencia de ln jagem, da literalidade do sentido © 48 are do sujelto, Esse dispositivo vai assim investir = Hdade da linguagem, no descentramento do sigh en Be crcrarorieo. isto , no equivoco, na fa ialidade. No trabalho da ideologia. ° Tapa consinsdo pelo analista. Lagrem pe Se most : fe do cenit astuacurmeclepoe pt a ‘itua, compreende, © Ov! iterpretagao = raebjeos Simbtco que é seualvo. Ele piermacait Bi at) exp (ese ofits da ntepeao io Porisog av que o alsa de dicuro, 2 diferenga do bemeneu cla se asec oo Hr he pei conemplao proceso de produgio iminar os efeitos de evidéneia produzidos Ri: igh oa Fe eae sem pretender colocar- Sa erpretagao fora da historia, fora da lingua 0 fae ae disposi teico de formato sr tia aaron dessa lusBes, mas a tirar provello dels, Bo fa flimediogao rica. Para que, no funcionamento do discur = Reread efeitos, ele nfo refita apenas no sentido do a erongte sagem, da ideologia, mas reflita no sent “ aac’ Isto significa colocar em suspenso a inerpretagio Ponteraplar, Que, na sua origem grega, tem a ver com des ve momento em que o her6i contempla antes da luta: . sua tarefa, Ele a pensa. 6 nm ress caso tata-se da teoria, no sentido de que ndo handle da andlise, trabalhanse, a intermitencia entre deseroang ; intermiténcia ent incre creo erm te decane analista. Eassim que oanalistade discuso ‘encaraalinguagem a is em conta, cle constr finalmente seu dispositivo » que cle particulariza, a partir da questi: a face aos materiais de andlis sneileol sie ic € que constituem seu cor ae ee wise compreender, em funglo do dominio cientico a i ele vincula seu trabalho. Com esse dispositi medida de praticar sua andlise, te Sse auspice » © € a partir dese dispositi ue cle interpretard os resultados a que ele chegar pela andi 4 do discurso que ele empreendeu. a Para isso € preciso que ele compreenda como o di iscurso As Bases da Anilise Um dos primeiros pontos a consid perp lerar, se i € aconsttuigdo do corpus (E, Orlandi, 1998). nS A delimitaga di ' A delimitagdo do corpus ndo segue critérios empiricos ae) Ins te6ricos. Em geral distinguimos 0 corpus rntal € de arquivo, Quanto a nat i eae u iatureza da linguagem, mos Aandlise de discurso interessa i levemo ju 88a-Se por priticas Aiscursivas de diferentes naureas: imagem, rom: fea = a letra, etc, ue ance bjetiva, nessa forma de anélise, a exaustividade gue chamamos horizontal, ou seja, em extensio, nem a completnde, Ouexaustividade em relagZo ao objeto empirico, a" . a eS incsgotivel Isto porque, por definigao, todo discurso ane sibeleee na relag2o com um discurso anterior e aponta para outro. Nao hi discurso fechado em si mesmo mas um Processo discursive do qual se podem estados diferentes. reat rere oz ena ele a) | | ‘A exaustividade almejada — que chamamos vertical - deve considerada em relagdo aos objetivos da andlise e & sua itica. Essa exaustividade vertical, em profundidade, leva a seqtiéncias tedricas relevantes e nfo trata os “dados” como ras ilustragdes. Trata de “fatos” da linguagem com sua jemGria, sua espessura semantica, sua materialidade ifstico-discursiva. ‘Assim, a construgdo do corpus ¢ a andlise esto intimamente : decidir o que faz parte do corpus ja ¢ decidir acerea de lades discursivas. Atualmente, considera-se que a melhor ira de atender & questo da constituigdo do corpus é nstruir montagens discursivas que obedegam critérios que 1rrem de princfpios te6ricos da andlise de discurso, face aos jetivos da andlise, e que permitam chegar sua compreensio. isses objetivos, em consondncia com 0 método ¢ os jimentos, nfio visa a demonstragZo mas a mostrar como discurso funciona produzindo (efeitos de) sentidos. E af nfo podemos evitar uma distingio produtiva que existe tre discurso e texto, Esta, por sua vez, traz necessariamente sigo a que existe entre sujeito e autor. _ Ottexto é a unidade que o analista tem diante de si e da ual ele parte, O que faz ele diante de um texto? Ele 0 remete iatamente a um discurso que, por sua vez, se explicita em suas regularidades pela sua referéncia a uma ou outra formacdo discursiva que, por sua vez, ganha sentido porque deriva de um jogo definido pela formagdo ideolégica ‘dominante naquela conjuntura, A dificuldade esta em que nao hd um contato inaugural com o discurso (ou discursos), com 0 material que é nosso objeto de anilise. Isto porque ele no se dé como algo jé discernido e posto. Em grande medida o corpus resulta de uma construgao do proprio analista. 63 A andlise € um processo que comega pelo préprio estabelecimento do corpus e que se organiza face a natureza do material & pergunta (ponto de vista) que o organiza. Daf a necessidade de que a teoria intervenha a todo momento para “reger” a relagao do analista com o seu objeto, com os sentidos, com ele mesmo, com a interpretagao. Consegiientemente, também nao dizemos da anélise que ela € objetiva mas que ela deve ser o menos subjetiva Possivel, explicitando 0 modo de produgdo de sentidos do objeto em observagio, Por isso mesmo, concluida a andlise, o que podemos avaliar €acapacidade analitica do pesquisador, pela habilidade com que cle pratica a teoria, face a sua responsabilidade tedrica, Portanto, ¢ sta capacidade de escrita— explicitagdo da andlise ~ para interpretar os resultados de seu processo de compreensio do discurso que analisou. Uma vez analisado, o objeto permanece para novas e novas abordagens, Ele niio se esgota em uma desctigo. E isto no tem a ver com a objetividade da anélise mas com o fato de que todo discurso é parte de um processo discursive mais amplo que recortamos e a forma do recorte determina o modo da anilise ¢ 0 dispositivo tedrico da interpretagio que construimos. Por isso 0 dispositivo analitico pode ser diferente nas diferentes tomadas que fazemos do corpus relativamente a questio posta pelo analista em seus objetivos, Isto conduz a resultados diferentes, Por exemplo, se analisamos um texto do século XVII, Pensando 0 discurso jesuitico na colonizagao do Brasil, vamos Propor um dispositive que mobiliza nogdes que nio serio as mesmas se considerarmos 0 mesmo texto em funcdo de uma andlise que visa compreender como neles se encontram tragos do discurso machista, por exemplo. Os textos, para nds, nao Sao documentos que ilustram idgias pre-concebidas, mas ‘monumentos nos quais se inscrevem as miiltiplas possibilidades de leituras. Nem tampouco nos atemos aos seus aspectos formais 64 ja repetigo € garantida pelasregras da lingua ~ pols nos sua materilidae, queé lingusticohistériea logo nfo a egras mas as sus condigoes de produ em relasio mmemria, onde intervém a idsologia, 0 ineonsciente © i falha, 0 equivoco. O que nos int : aiereae emi mas 0 Seu fupcionamento no siseuso, E este ‘cionamento que procuramos descrever e compreender. Ima Questo de Método éa tre ial fundamental que € a que se faz.ent uma passagem inicial fun t rfc lingtistica (o material de linguagem bruto: coletado, Kamo existe) €0 objeto discursivo, este sendo defini rela ja rimeiro tratament de que 0 corpus ja recebeu um pi tame tise superficial, feito em uma primeira instancia, pelo sta, ¢ ja se encontra de-superficializado. izacio? Em que concerne esse processo de do-superfcializagio? i amos material e na andlise do que chamami erialidad lls o como se i, o quem diz em qe eens a em sua sintaxe e enquant _ Isto é, naquilo que se mostra em s r ES, de enunciagdo (em que o suit se mareano que iz), sistas \dermos © m sndo-nos pistas para compreen oc surso que pealsatons se textaliza, Observames iso em i imagem que se tem de de formagGes imagindrias (a i se tem de im iversitéri te, de um candidato a reitor, itor universitério, de um docente, de Be ncsn social te) em suas relagdes de sentido ede forgas (de que lugar fala“x", “y”,etc), através dos vestigios que deixam no fio do discurso. Com isto procuramos dar conta do chamado esquecimento _nmero 2 (do dominio da enunciago) que da impressio de i ito s6 poderia ser dito daquela maneira. ue aquilo que € dito s r apelin imei de andlise, trabalham “esse primeiro movimento i satibo i llusio: construimos, a pi de desfazer os efeitos dessa ilust 3 a pe i is oem que analisamos material bruto, um objeto discursivo pos it € dito em outros, em ito nesse discurso ¢ o que tr0s, © otis afetados por diferentes memérias discursivas. 65 Co obscrmatt parecer afo modo de funcionamento do discuso, Tat gelato que existe entre diferentes superficies Tneufstieas face ao mesmo processo discursive. Com 10s arelagio do discurso com as formagées discursives, an gable dliseursivo nd ¢ dado, ele supde um trabalho do analisine paras chegaracle preciso numa prea etapa de fetes era superficie lingiifstica (0 corpus bruto), 0 side empitic, de um discurso concreto, em um objeto tstco, Fo Gum objet lingisicamente de-speticializao,podurido per gta primeira abordagem anata qe trata enicamente a Fase illdade™ do pensamento, ilusio que sobrepde are at A partir desse moment, estamos em medida de analisar reveeamente a dscursividade que € nosso objetivo porque ja Produ acabado, no qua esivamos press ecajor ieee F ado, no qual es presos, e cuj it eum lingistica € ideologicamente, A andlise: ‘a vin iustamente deslocar 0 sujeito face a esses efeitos. Esse €jdum capa ye ne fe compreensio que se sustenta em uma primeira lise praticada pelo dispositivo analitico. No ilo grenela ue apresentamos, construfmos 0 objeto euro, coloando oextoexposo no campus Vote Sen edo Vince om 0 texto por nds formulado como contaponto eae a ssa jd é uma ‘construcao da andlise e desfaz. pedo quanto tal para fazer aparecer o proceso. Com io, jfestamos nos colocandotericamenteem guarda, do ista dos efeitos do discurso, e produzind eae vai organizando 0 corpus. cnieaea Nosso i con Gsto Ponto de pata é 0 de que a anise de discuso visa smpreender como un objeto simbslico preduz sentdos, A {aformacdo da superficie linglistica em um objeto dscursivo Go Brimeiro passo para essa compreensio.Inciase 0 trabalho de andlise pela configurag20 do corpus, delineando-se » fazendo recortes, na medida mesma em que se vai 6 idindo um primeiro trabalho de andlise, retomando-se sneeitos € nogdes, pois a andlise de discurso tem um dimento que demanda um ir-e-vir constante entre teoria, sulta ao corpus andlise. Esse procedimento dé-se ao longo todo 0 trabalho. ‘Comegamos por observar 0 modo de construgdo, a truturagio, o modo de circulagao c os diferentes gestos de ftura que constituem os sentidos do texto submetido & lise. A partir desse momento estamos em condigdo de senvolver a andlise, a partir dos vestigios que af vamos icontrando, podendo ir mais longe, na procura do que jamamos processo discursivo. No exemplo que tomamos, s6 podemos compreender o que é sse modo peculiar de significar do discurso politico iversitdrio, se aprofundarmos a andlise ¢ atingirmos, em uma sgunda fase, 0 processo discursivo. Nessa nova passagem, yora do objeto para o processo discursivo, passamos ao mesmo smpo do delineamento das formagdes discursivas para sua fagdio com a ideologia, 0 que nos permite compreender como ‘se constituem os sentidos desse dizer. No caso de Vote Sem ‘Medo, é nesse passo que vemos, na rede de filiago de sentidos suas relagdes desenhadas pela ideologia, o compromisso desse dizer com a meméria do fascismo, como um efeito que os r6prios locutores podem até mesmo des-conhecer mas que esté 16 com sua eficécia. Entre as intimeras possibilidades de formulacdo, os sujeitos dizem x ¢ nao y, significando, produzindo-se em processos de identificagio que aparecem ‘como se estivessem referidos a sentidos que ali esto, enquanto _produtos da relagio evidente de palavras e coisas. Mas, como dissemos, as palavras refletem sentidos de discursos j4 realizados, imaginados ou possiveis. E desse modo que a hist6ria se faz presente na lingua. Processos como parifrase, metéfora, sinon{mia so presenga da historicidade na lingua. Dito de outro modo, esses processos atestam, na lingua, sua capacidade de historicizar-se. 61 Fatos vividos reclamam sentidos 0s sujcilos se movem entre o real da lingua eo da histéria, entre w acaso ea necessidade, 0 Jogo ea regra, produzindo gestos ae interpretaco, De seu lado, © analista cnconira, no texto, as pistas dos gestos de interpretagiio, que se tecemt na historicidade. Pelo seu trabalho de aniilise, pelo dispositive que constr6i, considerando os provessos discursivos, ele pode explicitar o modo de constituigaio dos sujeitas e de produgio dos sentidos. Passa da superficie lingiiistica (corpus bruto, textos) para o objeto discursivo e deste para o processo discursivo. Isto resulta, para o analista com seu dispositivo, em mostrar o trabalho da ideologia. Em outras palavras, é trabalhando essas etapas da anilise que ele observa 0s efeitos da lingua na idcologia e a materializago desta na lingua. Ou, 0 que, do ponto de vista do analista, € 0 mesmo: é assim que ele apreende a historicidade do texto. Destaca-se af a textualizagao do politico, entendido discursivamente: a simbolizagao das relagdes de poder presentes no texto. Textualidade cursividade Quando falamos em historicidade, nao pensamos a histéria refletida no texto mas tratamos da historicidade do texto em sua materialidade, O que chamamos historicidade € 0 acontecimento do texto como discurso, 0 trabalho dos sentidos nele, Sem diivida, hé uma ligago entre a histéria externa e a historicidade do texto (trama de sentidos nele) mas essa ligaga0 nio é direta, nem automitica, nem funciona como uma relagao de causa-e-efeito, Nao vemos nos textos os “contetidos” da histéria. Eles siio tomados como discursos, em cuja materialidade esté inscrita a relagio com a exterioridade. Entre a evidéncia empirica ¢ 0 céleulo formal exato, trabalhamos, na Andlise de Discurso, em ivel, menos Gbviae menos demonstravel, ‘mas igualmente relevante, que € a da materialidade historica da linguagem. O texto, referido a discursividade, € o vestigio mais 68 importante dessa materialidade, funcionando como unidade de anilise. Unidade que se estabelece, pela historicidade, como unidade de sentido em relagao a situagao. pode ter desde uma s6 letra até muitas frases, enunciados, pdginas etc. Uma letra “O”, escrita em uma porta, ao lado de ‘outra coma letra “A”, indicando-nos os banheiros masculino € feminino, é um texto pois é uma unidade de sentido naquela situagdo. E isso refere, em nossa meméria, o fato de que em nossa sociedade, em nossa hist6ria, a distingsio masculino! feminino € significativa e é praticada socialmente até para distinguir lugares préprios (e impréprios...). Por isso esse “O” tem seu sentido: tem sua historicidade, resulta em um trabalho de interpretacdo, Do mesmo modo, “Vote Sem Medo” tem seus sentidos, dos quais apontamos alguns, Mas um texto pode s também, todo um livro, que faz. sentido na situagio literaria, apresentando-se como um romance, por exemplo, Portanto € aextenso que delimita o que é um texto. Como dissemos, 6 0 fato de, ao ser referido a discursividade, constituir uma unidade em relagio a situagao. Ser escrito ou oral também ndo muda a definigdo do texto. Como a materialidade conta, certamente um texto escrito ¢ um oral significam de modo especffico particular a suas propriedades materiais. Mas ambos sao textos. Se o texto é unidade de andlise, s6 pode sé-lo porque representa uma contrapartida & unidade te6rica, 0 discurso, definido como efeito de sentidos entre locutores. O texto é texto porque significa. Entdo, para a andlise de discurso, 0 que interessa nao ¢ a organizagio lingilistica do texto, mas como 0 texto organiza a relago da Iingua com a hist6ria no trabalho significante do sujeito em sua relagdo com o mundo. E dessa natureza sua unidade: linguistico-hist6rica. Consideramos o texto nao apenas como um “dado” lingufstico (com suas marcas, organizagao etc) mas como “fato” discursivo, o trazendo a meméria para a consideragao dos elementos submetidos & andlise. Sio 0s fatos que nos permitem chegar & ‘meméria da lingua: desse modo podemos compreender como 0 texto funciona, enquanto objeto simbslico. Como os textos sio fatos de linguagem por exceléncia, os estudos que nao tratam da textualidade nao alcangam a relagio com a meméria da lingua. Para compreender - como se propée a andlise de discurso - 0 leitor deve-se relacionar com os diferentes processos de significagio que acontecem em um texto. Esses processos, pot sua vez, so fungao da sua historicidade. Compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos, é compreendé-lo enquanto objeto linguistico-hist6rico, & explicitar como ele realiza a discursividade que 0 constitu Os textos individualizam — como unidade ~ um conjunto de relagdes significativas, Eles so assim unidades complexas, constituem um todo que resulta de uma articulagio de natureza lingu{stico-hist6rica. Todo texto é heterogéneo: quanto 8 natureza dos diferentes materiais simbélicos (imagem, som, grafia etc quanto & natureza das linguagens (oral, escrita, cientifica, literéria, narrativa, descricao ete); quanto as posig&es do sujeito. Além disso, podemos considerar essas diferengas em fungio das formagées discursivas: em um texto niio encontramos apenas uma formagio discursiva, pois ele pode ser atravessado por vérias formagées discursivas que nele se organizam em fungdo de uma dominante, Segundo 0 que pensamos, 0 discurso é uma disperstio de textos ¢o texto € uma dispersao do sujeito. O sujeito se subjetiva de maneiras diferentes 20 longo de um texto. Hi pontos de subjetivagao ao longo de toda a textualidade. O discurso luniversitario, por exemplo, se constitui de uma dispersio de textos: os de professores, de alunos, de funciondrios, de administradores, textos burocraticos, cientificos, pedagégicos etc. Toda essa textualidade faz parte do discurso universitério, Inclusive os das eleiges de cargos de diregao, reitoria etc. 70 outro lado, mesmo textos ainda nfo eseritos ou ditos 0 vira compor esse conjunto de textos que compoem € discurso universitéio, Daf que D. alagiepe : ault (1969), diré que © discurso ), retomando Foucat d que o diseurso € i jo modo de inscriga dispersio de textos cuj bo ren i i im espago de reg r lite definir como wi ago de regularidades i ints inciativo-discursivas. iativas, dirfamos enui < . rso universivario” ndo é tanto enviar a um enofania de \s efetivos mas a um conjunto virtual, a dos textos yeis de serem produzidos conforme as coergOes de Unt iva. De tal modo que um texto con Jo discursiva, De tal mi C : »0*Vo Medo” afinado no campus na 6poca das eleiydes para i sital leve is curso universitério & faz parte do disc te im também outros enunc! conta. Assim tamb rns eauneladas aus 62 ‘as condigdes histérico-i irem nas mesmas condig selene z se discurso € se con: ém fazem parte desse cate iivamente As coergdes da formagao em que se inscrever fe so em. discurso, por prinefpio, no se fecha. B um n OTE en Elenio é um conjunto de textos mas uma ps ee ‘ to IS sideramos o discurso no conjunt que consideram curso i ay eten it lade na histéria, coma stituem a sociedade na renga de que ftica discursiva se especifica por ser uma pritica simbdlica ah io 6 Im sujeito néo produz s6 um discurso; um discurso nio aum texto. os mo vimos acima, na dispersdo de textos que constituem discurso, a relagio com as formagdes discursivas é :ntal, por isso, no procedimento de andlise, ae ; iscurso e eselarecer as rela remeter os textos ao discul = com as formagses discursivas pensando, por sua vez, a . Este € 0 percurso que constitu destas com a ideologia. i iferentes etapas da anélise, passando-se da suprfii i iscursivo. Correspont : {stica ao proceso discur resp nent, pela anise dos esquecimentosechegamos mas per dos sentidos na observacao das posigdes dos sujeitos. n Podemos entio concluir que a andlise do discurso nao esti interessada no texto em si como objeto final de sua explicagao, mas como unidade que Ihe permite ter acesso ao discursa, © trabalho do analista é percorrer a via pela qual a ordem do discurso se materializa na estruturago do texto (e a da lingua na ‘deologia). Isso corresponde a saber como odiscurso se textualiza, © texto, como dissemos, 6a unidade de andlise afetada pelas condigdes de produgdo e é também o lugar da relagio com a Tepresentagdo da linguagem: som, letra, espago, dimensio Girecionada, tamanho, Mas é também, ¢ sobretudo, espago Significante: lugar de jogo de sentdos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade. Como todo objeto simbélico, ele é objeto de interpretagio. O analista tem de Compreender como ele produz sentidos, o que implicaem saber fanto como ele pode ser lido, quanto como os sentidos estio rele, Na anilise de discurso, nlo se toma o texto como ponte de partida absoluto (dadas as relagdes de sentidos) nem de chegada. Um texto é 36 uma pega de linguagem de um proceso discursivo bem mais abrangente e é assim que deve ser considerado, Ele € um exemplar do discurso, Feita a anilise, ndo é sobre o texto que falar o analista mas Sobre o discurso, Uma vez. atingido o processo discursivo que & Tesponsdvel pelo modo como o texto significa, o texto ou textos Particulares analisados desaparecem como referencias especiticas para dar lugar & compreensio de todo um processo discursivo do qual eles ~ e outros que nem conhecemos sto parte, Eles tampouco estdo relacionados apenas aos processos discursivos que eram objeto daquela andlise em particular ¢ Permanecem abertos a novas andlises. O que temos, como Produto da andlise, éa compreensio dos processos de produgio de sentidos e de constituigtio dos sujeitos em suas posigdes A mediagdo de um dispositive analitico, da teoria e dos objetivos do analista do ao texto seu estatuto como unidade de analise. Os textos, enquanto objetos que se constituem em materiais da Anélise de Discurso, sio provisérios. A duragao 2 texto se dé de um lado, empiricamente, porque so ‘ituidos de materiais tangiveis, ¢, de outro, na ayers cles permanecem (so acondicionados a ae Perera institucionalizada. Feita a andlise, no en ai ica einde dos textos, Uma vez. atingido proseaso sivo este € que dé a0 analista as indicagdes de qu cle daita para compreender a produgio dos sentidos. Os textos cessi Jixam de ser seus objetos. jeito: nario e O Real tor e Sujeito: O Imagindi ; a relagio isting ‘amos propondo estabelecem uma te tenos diuro qe tem us conapare mae eto, O sujeito, driamos, es so aim cm oar est para o texto Seago do ilo como texto ada dispersdo, no entanto a auoria impli: n disciplina, organizagao, unidade. ae im como defnimos o discuso como efit de sentido ente Bsc cnsldramos, ans conrapartida,otextosomosend> Fi podemos,empircanentrepesetarcomo endo en ei ein umnspets lings ohana es Jim também consideramos © sujeito como reslando da pelago do inviduo pela ieolosia, mas o autor, no entant, be nino de unidade e delimita-se na prtica social com Mungo espeifica do sujeio. — Como diz Vigna (1979), oscuro ndotemcomo fungio constitu a aT ik Necelao oe funn deeds gar apemanéeiade unaceta reeset Pasi dics, a ase de to ico un ro wal eye, mie rf s Frater rem ss Ct ita oo COND 0 a ch it stit autor ao const 1 daunidade €0text0,0 sujeito se constitu como; ; feria estoscomt ompletude imaginérias. i ui él c faz p a Andie de Discurso como um seu principio. Stated da reflexdo distinguir algo que faz te mn distinggo B entre real e imaginério. O = . O que temos, fitcurso, € a descontinuidade, a dispersdo, ai . 0 equivoco, a contradic ras tml ain . constitutivas i com tant 10 do sentido. De outro lado, a nivel das face mules, ssentagdes, em termos de real do € texto, sujeito e autor, Trata-se de considerar agindvia) na dispersio aus de consider unidade inazindria) na disperso (al de Teeth. sper ds textos do sujet de our, unidade an dlcumesi dade do aut ‘Assim, mesmo seo prprio do discurso Sisto € su incomplete, su ded, e que um ext se Ufteroetnco ois pode seratetado por distin fommagdes iscunivay, citrents posites do eto ele 6 reid ela fore do main da imi ascents uma relago de dominnciadeuma foro. deamon tte cinsinin Ese és um feo Cee po inanstiooquetne nado deli Fungdo-Autor Pode fo di A oemos eno dizer que a autora € uma fungo do suit. A shaeio-sutor, que ¢ uma fungao discursiva do sujeito, esuelecese a ado de outs fungces, estas enunciativas, que Figg itcutor © © enunciador, ta como as define O. Ductot Goh locator €aguele que se representa como “eu” no S lor € a perspectiva que esse “eu” ‘eu constréi. ae Sue 8 fungo-autordiscursva tal como a concebemos? ts resfoner vamos fzerum contro por Focal (71) doit Foucault idem), bs processosintemos de controle Bese ae sd a tuo de princpios de eassificagto, de ordenag, de distribu, visando domesticar a dimensio sramantecimento ¢ de acaso do discurso. Normatizando-e, amos. Tal controle pode ser observado em nogies como i de disciplina, e, 4 7 justamente, na de autor. Essas tém um papel multiplicador mas tm também fungao itiva e coercitiva. O autor € entdo considerado como principio de agrupamento discurso, como unidade e origem de suas significagdes, como de sua coeréncia, ‘Mas para Foucault (ibid) o prinefpio da autoria nao vale para ‘nem de forma constante: ha discursos, como as conversas, eitas, decretos, contratos, que precisam de quem os assine , segundo Foucault, néio de autores. Em meu trabalho desloquei essa nogio de modo a considerar, iferena de Foucault, que a propria unidade do texto ¢ efeito sursivo que deriva do prinefpio da autoria. Dessa maneira, ibufmos um alcance maior e que especifica 0 prinefpio da ttoria como necessério para qualquer discurso, colocando-o origem da textualidade. Em outras palavras: um texto pode ndo ter um autor espectfico mas, pela fungiio-autor, sempre imputa uma autoria a ele. Retomamos entio Foucault (idem): 0 prinefpio do autor limita acaso do discurso pelo jogo de uma identidade que tem a da individualidade e do eu, E assim que pensamos a “qutoria como uma fungdo discursiva: se 0 locutor se representa “como eu no discurso e o enunciador é a perspectiva que esse eu ‘assume, a funcdo discursiva autor € a fungiio que esse eu assume fenquanto produtor de linguagem, produtor de texto. Ele é, das dimensdes do sujeito, a que esté mais determinada pela ‘exterioridade — contexto sécio-hist6rico — e mais afetada pelas ‘exigéncias de coeréncia, ndo contradigdo, responsabilidade etc. Sendo a autoria a funcdo mais afetada pelo contato com 0 social e com as coergées, ela estd mais submetida ds regras das instituigdes e nela sio mais visfveis os procedimentos disciplinares. Se o sujeito é opacoe o discurso ndio é ransparente, ‘no entanto o texto deve ser coerente, néo-contraditério ¢ seu autor deve ser visivel, colocando-se na origem de seu dizer. do autor que se exige: coeréncia, respeito as normas 1 estabelecidas, explicitagdo, clareza, conhecimento das regras ‘extuais, originalidade, relevancia e, entre outras coisas, unidade, nlo-contradi¢ao, progresstio e duragio de seu discurso, ou melhor, de seu texto. Essas exigéneias tém uma finalidade: elas procuram tomar o sujeito Visivel (enquanto autor) com suas intengGes, objetivos, diregio argumentativa. Umsujeito visivel é calculével, identificdvel, controlével. ‘Como autor, 0 sujeito ao mesmo tempo em que reconhece uma exterioridade & qual ele deve se referir, ele também se remete a sua interioridade, construindo desse modo sua identidade como autor. ‘Trabalhando a articulago interioridade/exterioridade, ele “aprende” a assumir © papel de autor e aquilo que ele implica. A esse proceso, chamei (E. Orlandi, 1988) assungio da autoria. Segundo ela, o autor é © sujeito que, tendo 0 dominio de certos mecanismos discursivos, Tepresenta, pela linguagem, esse papel na ordem em que est inscrito, na posigdo em que se constitu, assummindo a responsabilidade pelo que diz, como diz etc, No basta falar para ser autor. A assungao da autoria implica uma {nsergo do sujeito na cultura, uma posicdo dele no contextohistdrico- social. Aprender a se representar como autor & assumir, diante das insténcias institucionais, esse papel social na sua relago com a Tinguagem: constitur-se e mostrar-se autor (E. Orlandi, 1988), O sujeito precisa passar da multiplicidade de representagées Possiveis para a organiza dessa dispersio num todo coerente, apresentando-se como autor, responsdvel pela unidade ¢ coeréncia do que diz Essa representacdo do sujeito, ou melhor, essa sua fungdio, tem seu plo correspondente que € 0 leitor. De tal modo isso é assim que cobra-se do leitor um modo de leitura especificado ois ele esté, como o autor, afetado pela sua inserg40 no social ena histéria. O leitor tem sua identidade configurada enquanto tal pelo lugar social em que se define “sua” leitura, pela qual, alids ele € considerado responsével. Isso varia segundo a forma histérica, tal como para a autoria: ndo se é autor (ou leitor) do ‘mesmo modo na Idade Média e hoje. Entre outras coisas, porque 16 diferente nas diferentes €pocas, te 0 modo de capatiyio do Se tas Al individualiza (se identifica) n jet nos modos como ele st indi = isego com as diferentes instituigbes, em diferentes formagées tials, omadas na hist6ria, Trabalham af as diferen lo confronto do politico com o simbélico. relagdo com a interpretagao é sim como também € diferent 'A Anilise: Dispositivo e Procedimentos oy 0s procedimentos da Andlise de Discurso tem a nogio de funcionamento como central, levando oanalista.acompreendé-lo pel : hservagio ds process e mecanismos de costiga de setidos ¢ ilo langando mio da pardfase e da metifora como element ip Fenrieat Tum certo grau de operacionalizago dos conceites. Vamos au etomaro que jreferimos no item Uma Questo Ge Método, a saber, que a andlise se faz por exapas gue rrespondem 2 tomada em consideragio ene a i feridas a seu funcionamento,¢ vamos a procedimentos que dio forma ao dispostivo. $0 andlise tém, como seu correlato, 0 percurs Esa cape oe du tentoao discus, no conto com OCP que nos faz, passar do ‘ material empirico. = Elas esto assim dispostas em sua correlagio: I Etapa: ‘Superficie Lingiistica Texto oe Bape: Passagemdo —Objeto Discursivo — Formagio Discursiva ’ parao 3 Btapa: Processo Discursivo _ Formagiio Ideol6gica cura mei lista, no contato com o texto, procul Na primeira etapa, o anali > com o etn, proc iscursividade ¢ incidindo um primeiro lance de andl rata caseamnenenant e ir \imero st jestd considerado o esquecimento niimero Bc nciacio, desfazendo assim ailuso de que aquilo que = dito s6 poderia s-Io daquela maneira, Desnaturaliza-se arelag palavra-coisa. n Nesse momento da anélise é fundamental 0 trabalho com as paréfrases, sinon{mia, relagdo do dizer e no-dizer etc. Esta etapa prepara o analista para que ele comece a vislumbrar a configuragao das formagées discursivas que estdo dominando a pratica discursiva em questéo. O que ele faz € tornar visivel o fato de que ao longo do dizer se formam familias parafrésticas relacionando 0 que foi dito com © que no foi dito, com o que poderia ser dito etc. Estes outros dizeres ai observados dao as delimitagdes das formagées discursivas que intervém, fazendo as palavras significarem de maneira x ou y Na segunda etapa, a partir do objeto discursivo, o analista vai incidir uma anélise que procura relacionar as formacées discursivas distintas - que podem ter-se delineado no jogo de sentidos observado pela andlise do proceso de significagio (paréfrase, sinonimia etc.) - com a formago ideolégica que rege essas relagdes. Ai é que ele atinge a constituigao dos Processos discursivos responsaveis pelos efeitos de sentidos produzidos naquele material simbdlico, de cuja formulacao 0 analista partiu. Ao longo de todo o procedimento analitico, 40 lado do mecanismo parafrastico, cabe 20 analista observar ‘© que chamamos efeitos metaféricos. A definigio do efeito metaférico permite-nos, pondo em elagdo discurso ¢ lingua, objetivar, na andlise, 0 modo de articulagao entre estrutura ¢ acontecimento, O efeito metaférico, nos diz M. Pécheux (1969), é 0 fendmeno semiintico produzido Por uma substituigao contextual, lembrando que este deslizamento de sentido entre x ey & constitutivo tanto do sentido designado por x como por y. Como esse efeito é caracteristico das linguas (naturais), por oposicio aos eédigos ¢ as I{nguas artificiais, podemos dizer que no ha lingua sem esses deslizes, logo nao hé lingua que no ofereca lugar interpretagao, Em outras palavras, a interpretagZo € constitutiva da propria lingua. E onde esté a interpretagio est a relagdo da lingua com a histéria para significar. 8 A metéfora é constitutiva do processo mesmo de producao de sentido e da constituigio do sujelto, Falamos do vi 0 desvio mas c da metéfora nao vista como transferéncia, Na representagio abaixo podemos obasetar 0 trabalho produzido pelo deslize (a deriva), pelo efei metaférico, lugar da interpretagao ¢ da historicidade. abcd a e,bed a efed a efgd a efgyh resentagdo, o ponto de partida (a, b, ¢, d) € 0 ponto Be chose fg, através dos deslizamentos de sentidos ~ efeitos metaforicos ~ que se deram de préximo em préximo, sio totalmente diferentes. Mas essa diferenca € sustentada em um mesmo ponto que desliza de préximo em prdximo, o que nos leva a dizer que ha um mesmo nessa diferenga. © processo de produgio de sentidos est necessariamente sujeito ao destize, havendo sempre um “outro” possivel que © constitu. Como dissemos, 0 deslize de a para ¢ faz parte d sentido de a e de e. Tanto 0 diferente como o mesmo sio produgZo da hist6ria, so afetados pelo efeito metaforico. a representagao dessa figura, vemos af a historicidade F oresennda pos deslizes produzidos ns relagdes de parfase que instalam o dizer na articulagio de diferentes formagoe discursivas, submetendo-os 2 metéfora (transferéncias), aos deslocamentos: possiveis “outros”. Falamos a mesma lingua 9 ‘mas falamos diferente. Dizemos as mesmas palayras mas elas podem significar diferente. As palavras remetem a discursos que derivam seus sentidos das formagdes discursivas, regides do interdiscurso que, por sua vez, representam no discurso as formagoes ideol6gicas. Como dissemos, o interdiscurso significa justamente a relagdo do discurso com uma multiplicidade de discursos, ou seja, ele é um conjunto nao discernivel, nio representavel de discursos que sustentam a possibilidade mesma do dizer, sua meméria. Representa assim a alteridade por exceléncia (0 Outro), a historicidade. Desse modo € que temos dito que a historicidade deve ser compreendida em andllise de discurso como aquilo que faz com que os sentidos sejam os mesmos ¢ também que cles se transformem. 0 efeito metaférico, o deslize - proprio da ordem do simbélico ~ lugar da interpretagao, da ideologia, da historicidade. Essa é a relagdo entre a lingua e 0 discurs lingua é pensada “como sistema sintético intrinsecamente passivel de jogo ea discursivdade como inscrigao de efeitos lingiiisticos materiais na hist6ria” como diz M. Pécheux (1980). Efeitos materiais na historia, deslizes, pardfrase, metdfora. Eis um conjunto de nogdes que sustentam a possibilidade da andlise. Num retorno continuo do objeto de andlise para a teoria, num movimento constante de descriga0 € interpretagio, o analista tece as intrincadas relages do discurso, da lingua, do sujeito, dos sentidos, articulando ideologia e inconsciente. Este modo de conceber o deslize, 0 efeito metaférico, como parte do funcionamento discursivo, liga-se 4 maneira de se conceber a ideologia. Pensando-se a interpretacdo, esse efeito aponta-nos para 0 “discurso duplo e uno”. Essa duplicidade faz referir um discurso a um discurso outro para que ele faga sentido; na Psicandlise, isso envolve o inconsciente, na Andlise de 80 Discurso, envolve também a ideologia. Essa duplioidades esse equivoco é trabalhado como a questio ideolégica fundamental, pensando a relagdo material do discurso lingua ¢ a da ideologia ao inconsciente. E nesse lugar, em que lingua e histéria se ligam pele equivoco, lugar dos deslizes de sentidos como efeito metaférico, que se define 0 trabalho ideol6gico, o trabalho da interpretagio. Como esse efeito que constitu os sentidos constitui também os sujeitos, podemos dizer que a metéfora esta na base de constituigdo dos sentidos e dos sujeitos. Estas caracteristicas dos mecanismos discursivos, esses efeitos ¢ articulagdes devem estar presentes no modo como 0 analsta constr seu dispositivo de modo a que deslocamento produzido pelo dispositivo em seu olhar leitor trabalhe « interpretagio enquanto exposigio do sujeito a historicidade (ao equivoco, a ideologia) na sua relagao com o simbélico. Nas condigdes de produgio desse dispositivo deve ainda entrar a questio feita pelo analista pois ela é que o orienta na construgao do fato que ele vai analisar, determinando assim as caracterfsticas do material simbélico que ele submeterd A sua observagio. No exemplo analisado teriamos: Vote Sem Medo a 9 Vote Com Coragem ‘Onde podemos observar os deslizes ( sem “com; medo & coragem) tendo como condigdo de produgo o campus © como uestio do analista: sendo as posigoes em jogo autodenominadas de esquerda, de que posicdo (politica académica, partidéria) material (real) estdo falando esses sujeitos? Que efeitos de sentidos so af produzidos, que propriedades esto sendo constitufdas (atribudas) para os eleitores’? 81 0 Dito e 0 Nao Dito Se as novas maneiras de ler, inauguradas pelo dispositive te6rico da andlise de discurso, nos indicam que o dizer tem relagdo com 0 no dizer, isto deve ser acolhido metodologicamente e praticado na andlise, © nao-dizer tem sido objeto de reflexio de alguns lingistas dos quais tomo como exemplar o trabalho desenvolvido por O. Ducrot (1972). Distinguindo, na origem de sua reflexao, como diferentes formas de ndo-dizer (implicito), 0 pressuposto e o subentendido, este autor vai Separar aquilo que deriva propriamente da instdncia da linguagem (pressuposto) daquilo que se dé em contexto (subentendido). Se digo “Deixei de fumar” 0 pressuposto é que eu fumava antes, ou seja, ndo posso dizer que “deixei de fumar” se ndo fumava antes. O posto (0 dito) traz consigo necessariamente esse pressuposto (nio dito mas presente). Mas 0 motivo, por exemplo, fica como subentendido. Pode- se pensar que € porque me fazia mal, Pode set também que no seja essa raziio. O subentendido depende do contexto. Nao pode ser asseverado como necessariamente ligado 20 dito. Essa teoria ~ a da semantica argumentativa — desenvolveu-se aprofundando certas nogdes, modificando outras, mas mantém o fato de que o nao-dito € subsididrio ao dito. De alguma forma, o complementa, acrescenta-se. De todo modo, sabe-se por af que, ao longo do dizer, hé toda uma margem de néo-ditos que também significam. Na anillise de discurso, hi nogdes que encampam o nio-dizer: a nogdo de interdiscurso, a de ideologia, a de formacio discursiva. Consideramos que hi sempre no dizer um nio-dizer necessério. Quando se diz “x”, 0 ndo-dito “y” permanece como uma relagio de sentido que informa o dizer de “x”. Isto é, uma formagio discursiva pressupde uma outra: “terra” significa pela sua diferenga com “Terra”, “com coragem” significa pela sua relagdo com “sem medo” etc. Além disso, 0 que jé foi dito mas 4 foi esquecido tem um efeito sobre o dizer que se atualiza em 82 ‘uma formulagio, Em outras palavras, 0 interdiscurso determina ointradiscurso: 0 dizer (presentificado) se sustenta na meméria (auséncia) discursiva. lembrar que hi outra forma de se trabalhar onao-dito na andlise FE dioxin Tatese do slncio (E. Oran, 1993), Este pode ser pensado como a respiragdo da significagio, lugar de recuo nevessério para que se possasgnifcur, para que osentido farasentido. Eosiléncio ‘como horizonte, como iminéncia de sentido. Esta éuma das formas de siléncio, 2 que chamamos siléncio fundador:siléncio que indica que o sentido pode sempre ser outro, Mas hi outras formas de siléncio que atravessam as palavras, que “falam” por elas, que as calam. sse modo distinguimos osiléncio fundador (que, como dissemos, Pe oan si iiqn) coslenciamenioos politicado siléncio ue, por sua vez, se divide em : iléncio consttutivo, pois uma palavrt apaga outras palavras (para dizer & preciso nao-dizer: se digo “sem ‘medo” no digo “com coragem”) eo siléncio local, que é a censura, aguilo que € proibido dizer em uma certa conjuntura (é 0 que faz.com que 0 sujeito nfo diga o que poderia dizer: numa ditadura nao se diz.a ppalavra ditadura nfio porque nao se saiba mas porque nao se pode dizé- Jo). As relagGes de poder em uma sociedade como a nossa produzem sempre a censur, de tal modo que hi sempre siléncio acompanhando aspalavras. Daf que, naanélise, devemos observar o que na esti sendo dito, oque nfo pode ser dito, etc, Emnosso exemplo,cabe perguntar: 0 {que Vote Sem Medo silencia, 0 que ele no deixa dizer? Essas reflexdes podem levar a seguinte questio: se 0 niio- dizer significa, entdo o analista pode tomar tudo o que nd foi dito como relativo ao dito em andlise? Nao hai limite para isso? Esta 6 uma questiio de método: partimos do dizer, de suas condigdes ¢ da relagdo com a meméria, com o saber discursivo para delinearmos as margens do ndo-dito que faz 0s contornos do dito significativamente. Nao é tudo que niio foi dito, é s6 0 nao dito relevante para aquela situacio significativa. Nao é pois uma questo de tudo ou nada, nem de critério positivo. Hé recortes que mostram o ndo-dizer que constitui 0 processo discursivo em questo em cada uma de nossas andlises. 83 Mas isso significa também que € preciso que a teoria eo método explicitem de que no-dizer estamos falando, de como © consideramos e quais so os procedimentos para sua andlise. ‘0 indicadores das diferengas entre, por exemplo, uma posigtio pragmética, uma posigdo enunciativa e uma posigiio discursiva. Nao é do mesmo nio-dizer que estamos falando em cada uma dessas teorias. E a maneira de analisar 0 nfio-dito, em cada uma delas, difere e da como resultado conclusdes diferentes, com conseqiiéncias diferentes a respeito de nossa compreenstio dos sentidos e dos sujeitos em sua relagdio com 0 simbdlico, com a ideologia, com o inconsciente, _ Este é um ponto crucial nas diferentes formas de anilise da linguagem, pois, de certo modo, estao articuladas: a. as diferentes concepgdes de lingua (sistema abstrato, material ou empirico; sujeito a falhas, um todo perfeito, um sistema fechado em si mesmo} b. diferentes naturezas de exterioridade (contexto, situagio empirica, interdiscurso, condigdes de produgio, circunstincias de enunciagiio); c. diferentes concepg6es do nio-dito (implicito, siléncio, implicatura etc). No caso que analisamos, como dissemos, ao dizer “Vote Sem Medo” estamos silenciando outro dizer “Vote Com Coragem” que produziria sentidos em outra dirego, de acordo com outra meméria, significando outra posigdo dos sujeitos etc. Além disso, saindo dessa famflia parafrastica, hd outros dizeres que af no so ditos € que significariam diferentemente: por exemplo, expor o programa do candidato em relago a possiveis politicas educacionais como em uma faixa que dissesse “Vote no candidato x, Vote na Escola Pablica”, ou “Vote no candidato y, Vote a favor da privatizagao”.... Esses seriam textos que fariam presentes outras discursividades, que engajariam os candidatos. em politicas universitérias mais definidas. Isso s6 para dar um exemplo de como 0 que nao € dito, o que é silenciado constitui 84 igualmente o sentido do que € dito. As palavras se acompanham de siléncio e sio elas mesmas atravessadas de siléncio. Isso tem que fazer parte da observagao do analista. Entre o dizer ¢ 0 no dizer desenrola-se todo um espago de interpretagdo no qual o sujeito se move. E preciso dar visibilidade a esse espago através da andlise baseada nos conceitos discursivos e em seus procedimentos de andlise. A eleigdo do reitor naquele campus certamente foi decidida menos pelo que foi dito e muito mais pelo que no foi dito mas foi sugerido, ou calado (censurado) eficientemente. O enunciado “Vote sem Medo”, na medida em que evoca, sugere, o enunciado “Sem Medo de Ser Feliz”, prdprio da formagio discursiva do PT, beneficia-se dessa relagdo, sem dizé-la, produzindo um efeito que torna mais complexa a carga significante de “Vote sem Medo", conjugando sentidos de discursividades equivocas. Mais carregada € essa equivocidade, se pensamos que 0 confronto politico no campus € entre grupos de esquerda. O discurso, niio esquegamos, ¢ efeito de sentido entre locutores. Tipologias e Relagées entre Discursos Sio muitos 0s critérios pelos quais se constituem tipologias na andlise de discurso. Uma das mais comuns é a que reflete as distingSes institucionais ¢ suas normas. Temos entio 0 discurso politico, o jurfdico, o religioso, o jomalistico, o pedagégico, médico, 0 cientifico. Com suas varidveis: 0 terapéutico, 0 mistico, 0 didatico etc, Também as diferengas entre disciplinas podem estar na base de tipologias: 0 discurso histérico, sociolégico, antropolégico, 0 biolégico, 0 da fisica etc. Hi ainda diferengas relativas a estilos (barroco, renascentista ete), a géneros (narrativa, descrigao, dissertagdo), a subdivisdes no interior dos ja categorizados (em relagao ao politico: neo-liberal, marxista etc) e assim por diante. Nao terminarfamos nunca de expor as ramificagdes de tipos e subtipos, variedades etc. Pois bem, ao analista a tipologia pode até ser itil em alguns ‘momentos mas nio faz parte de suas preocupagdes centrais. 0 85 que caracteriza o discurso, antes de tudo, ni é seu tipo, é seu modo de funcionamento. Os tipos resultam eles mesmos de funcionamentos cristalizados que adquiriram uma visibilidade sob uma rubrica, uma etiqueta que resulta de fatores extra- discursivos, l6gicos, psicolégicos, sociolégicos ete. que interessa primordialmente ao analista sao as propriedades internas ao processo discursivo: condigées, remissio a formagGes discursivas, modo de funcionamento. Certamente 0 fato de um discurso ser politico, estabelece um seu regime ¢ validade e cabe ao analista detectar essa ordem, esse regime. Mas ele ndo o faz, pela classificagiio a priori — discurso politico ~ mas pela observacao de seu funcionamento. Discursos, a priori, no tidos como politicos, podem estar funcionando como tal. Assim € que ao invés de estacionar nas macro-caracteristicas, derivadas de tipologias jd estabelecidas, procurei estabelecer um critério para distinguir diferentes modos de funcionamento do discurso, tomando como referéncia elementos constitutivos de suas condigdes de produgao e sua relagao com 0 modo de produgaio de sentidos, com seus efeitos. Distingui assim (E. Orlandi, 1989): a. discurso autoritério: aquele em que a polissemia é contida, o referente est apagado pela relagdo de linguagem que se estabelece € 0 locutor se coloca como agente exclusivo, apagando também sua relago com o interlocutor; b. discurso polémico: aquele em que a polissemia é controlada, o referente € disputado pelos interlocutores, € estes se mantém em presenga, numa relagio tensa de disputa pelos sentidos; c. discurso liidico: aquele em que a polissemia esté aberta, 0 referente esté presente como tal, sendo que os interlocutores se expdem aos efeitos dessa presenca inteiramente nio regulando sua relagdo com os sentidos. E interessante fazer algumas observagdes a uma tipologia como esta que propomos. Primeiramente, ela obedece 0 86 princfpio discursivo pois nao se faz a partir de categorizagoes aprioristicas e externas mas internas ao funcionamento do pr6prio discurso: a relagdo entre os sujeitos, a relaco com 08 sentidos, a relagdo com o referente discursivo. Além di importante dizer que as denominagGes ltidico, autoritério, polémico nao devem levar a pensar que se esti julgando os sujeitos desses discursos; ndo € um juizo de valor, é uma descrigiio do funcionamento discursivo em relagio a suas determinagdes hist6rico-sociais e ideol6gicas. Nao se deve assim tomar, por exemplo, 0 Itidico no sentido do brinquedo mas do jogo de linguagem (polissemia) e nao se deve tampouco tomar pejorativamente 0 autoritério como um trago de cardter do locutor, uma questéo moralista, mas uma questio do fato simbélico (a injungao a pardfrase). As ilagdes feitas a partir da compreensao do funcionamento sio resultado das interpretagdes do analista ¢ devem estar apoiadas em um quadro tedrico de referéneia, Dito isso, é preciso acrescentar que uma sociedade como a nossa, pela sua constituigdo, pela sua organizagdo e funcionamento, pensando-se o conjunto de suas préticas em sua materialidade, tende a produzir a dominancia do discurso autoritério, sendo 0 liidico 0 que vaza, por assim dizer, nos intervalos, derivas, margens das priticas sociais e institucionais. O discurso polémico é possivel e configura-se como uma pritica de resisténcia e afrontamento. Por outro lado, ndo hé nunca um discurso puramente autoritério, lidico ou polémico. O que hé séo misturas, articulagdes de modo que podemos dizer que um discurso tem um funcionamento dominante autoritario, ou tende para. autoritério (para a pardfrase) etc. Alids, um modo de se evitarem essas categorizacoes € dizer, em relagio aos modos de funcionamento discursivo que apontei acima, que o discurso em anélise tende para a pardfrase, ou para a monossemia (quando autoritério), tende para a polissemia (quando liidico) e se divide entre polissemia e pardfrase (quando polémico). Assim se evitam 87 as etiquetas definidoras, que sao interpretadas m carga ideol6gica que palavras como “autoritétio” que pela sua remissio a um funcionamento discursivo. Resta dizer que ha relag6es de miltiplas e diferentes naturezas entre diferentes discursos e isso também & objeto de andlise: relages de exclusio, de inclusio, de sustentagao miitua, de oposicdo, migragdo de elementos de um discurso para outro, etc. Hd casos em que esta relagiio € flagrante, sendo bastante vistvel, como nesse texto produzido por um doente mental, afetado por dois discursos, 0 do terapeuta e 0 da igreja (Os exemplos foram coletados por Ana Elisa Bustos Figueiredo, na realizagfio de seu doutorado “ A Doenga Mental ¢ as Religides Pentecostais”, realizada no IPUB, na UFRJ) : “ Eu tenho muita dor de cabeca; de noite eu no durmo; eu choro; eur sonho que minha mie tinha morrido ontem (...) eu choro de noite; eu fico agoniado; eu sonho com Iemanj (...) Eu tenho uma doenga na cabega; a cabega me d6i; eu choro. A Igreja me ajuda; minha cabega pra de chorar.(..) ‘Quando eu t6 If esses caboco nio me perturba; eu tenho fé em Deus. (...) Eu quero também tomar meu remédio pra mim ficd bom.”. Ou na desse outro, vivendo as mesmas condigées: * Eu ‘vou internar por causa do pobrema da Igreja em mim (..) Quando a Pomba Gira baixa eu caio; a gente chora na Igreja; é o Espirito Santo; ele mostra as coisas (..)”. Pelo procedimento analitico, em que trabalhamos com pardfrases (repetigdo) e metéfora (deslize), vemos que hd Tecortes que mostram essa repetigdo e deslocamento: Eu sonho que minha mie tinha morrido/ eu sonho com Iemanja eu tenho dor de cabega / eu tenho uma doenga na cabega eu choro de noite/ eu fico agoniado Esses caboco (nio) me perturba/ Minha cabega déi/ Minha cabega chora 88 Onde dor de cabeca, doenga na cabeca e caboco se substituem. ‘Temos ainda em posicao parafrdstica: choro de noite/fico agoniado/me perturba. E, numa posigdo sintética exemplar: minha cabega chora (pira de chorar), em que déi e chora se substituem flagrantemente quase como atos falhos. Ha uma sobreposigdo dos discursos religioso ¢ terapéutico em que o sujeito se significa, significando a “doenga mental” de distintas maneiras, em diferentes modos de subjetivar-se. Por essa sobreposigao, dor de cabega, doenga mental, caboco, deménio, se equivalem. A sobreposigo nao significa que sfo iguais os sentidos de “minha cabega d6i” /*“minha cabeca chora”. Hf ai deslizamentos = efeitos metaféricos — muito significativos (que cabe ao terapeuta interpretar, com os recursos tedricos dispontveis em seu dominio de conhecimento). Do mesmo modo, em *a Pomba Gira baixa, eu caio”/ “a gente chora na Igreja; 6 0 Espirito Santo”, Pomba Gira ¢ Espirito Santo se substituem num sincretismo religioso em que novamente duas variedades de discurso, no caso, religioso, se relacionam mutuamente, ‘Como dissemos, no texto que apresentamos como exemplo, as relagdes so até bastante visiveis. Em outros casos ser menos visivel, mas todo texto é sempre uma unidade complexa; nio ha texto, nfo hi discurso, que nao esteja em relagio com outros, que no forme um intrincado né de discursividade. Ea natureza dessas relagdes é importantissima para o analista, O leitor comum fica sob 0 efeito dessas relagdes; 0 analista (ou o leitor que conhece 0 que € discurso) deve atravess-los para, atris da linearidade do texto (seja oral, seja escrito), deslindando o novelo produzido por esses efeitos, encontrar 0 mado como se organizam os sentidos. Marcas, Propriedades e caracteristicas: 0 formal, 0 discursivo e 0 conteudista Ao olhar os textos, 0 analista defronta-se com a necessidade de reconhecer, em sua materialidade discursiva, 05 indicios (vestigios, pistas) dos processos de significagao 89 af inscritos. Ele parte desses indicios. No entanto, para praticar a andlise de discurso ~e nao a andlise lingiifstica ou a anélise de contedido ~ ele precisa ter em conta algumas distingdes tedricas ¢ metodolégicas. Como a Anilise de Discurso se constitui na relagio de pressuposigo com a LingUifstica e numa proximidade — porque se interessa pelo social e pelo hist6rico ~ com as Ciéneias Sociais, ela também tem de mostrar os meios pelos quais se demarca delas em sua pritica analitica. Diferencia-se da Lingiifstica, porque ndo trabalha com as marcas (formais) mas com propriedades discursivas (materiais) que referem a lingua 3 hist6ria para significar (relaco lingua-exterioridade). Em uma palavra, a andlise de discurso trabalha com as formas materiais que retinem forma- e-contetido. As marcas formais, em si, nao interessam diretamente ao analista, O que Ihe interessa € 0 modo como elas esto no texto, como elas se “encarnam” no discurso. Daf o interesse do analista pela forma-material que Ihe permite chegar as propriedades discursivas. Uma marca como anegagiio s6 interessa ao analista enquanto propriedade, por exemplo, do discurso politico polémico, tal como podemos observar no exemplo de Courtine (1975) “ Nao é de X que vem a violéneia € de Y”, que mostra a anterioridade de um discurso que afirmaria “E de X que vem a violéncia”. Pensando-se que X é 0 Socialismo e Y 0 Capitalismo, podemos antever 0 forte investimento nas relagdes de sentidos af estabelecidas: de quem afinal, vem a violéncia? Quais as posigdes-sujeitos que sustentam uma ou outra interpretagao (X ou Y)? Por outro lado, a diferenga da Andlise de Contetido, instrumento tradicional de andlise de textos das Ciéncias Sociais, no é pelo contetido que chegamos A compreensiio de como um objeto simbélico produz sentidos. O contetido “contido” num texto serviria apenas como ilustragdo de algum ponto de vista 90 4 afirmado alhures. No exemplo que demos mais acima, nfo é ‘© contetido da palavra “caboco” que interessa ao analista mas a forma material caboco, com sua meméria, com sua discursividade (mistico, religiosa), que, ao ser posta na relagao com cabega, com 0 demSnio, com a loucura, em um discurso como 0 que analisamos, produz seus efeitos de sentido. Nao atravessamos 0 texto para extrair, atrds dele, um contetido. Paramos em sua materialidade discursiva para ‘compreender como os sentidos — e os sujeitos ~ nele se constituem e a seus interlocutores, como efeitos de sentidos filiados a redes de significagio. E a isso que referimos quando. dizemos que na Andlise Lingiifstica c na Andlise de Contetido se trabalha com produtos ¢ na Andlise de Discurso com os processos de constituigdo (dos sujeitos e dos sentidos). Enunciagiio, Pragmatica, Argumentagio, Discurso HG uma proximidade e um trnsito constante entre esses campos de conhecimento. O que eles tem em comum € que ‘9s fatos de linguagem por eles tratados referem a linguagem a0 seu exterior. A Pragmética tem sido considerada de modo mais amplo muitas vezes incluindo a enunciagao, a argumentagio e 0 discurso. Ora, é preciso distinguirem-se af 05 Fatos e 0s métodos e teorias. Do ponto de vista dos fatos, 4 muito em comum, na medida em que todos esses campos, pelo modo como consideram a linguagem, distinguem-se de uma abordagem lingiiistica imanente. No entanto, ha diferengas bastante nitidas entre eles. A maneira como concebem 0 sujeito (na enunciagao, 0 sujeito € um sujeito origem de si; na argumentagdo 0 sujeito € 0 sujeito psico- social; na Andlise de Discurso, como vimos, 0 sujeito é lingufstico-hist6rico, constitufdo pelo esquecimento ¢ pela ideologia) e o modo como definem o exterior (na pragmatica o exterior € 0 fora e nao 0 interdiscurso) marcam as diferencas tedricas, de distintos procedimentos analiticos, com suas conseqiléneias priticas diversificadas. 91 Em suma, penso que o que faz a diferenga é a propria nogio de lingua trabalhada na andlise de discurso — como um sistema sujeito a falhas —e o da ideologia como constitutiva tanto do sujeito quanto da produgdo dos sentidos. CONCLUSAO Discurso ¢ Ideologia Fizemos um percurso em que iniciamos pela construgéo dos conceitos, a delimitag3o do campo do discurso~ enquanto objeto especifico ~ que se encontra entre a Linguistica e as Ciéncias Sociais, passamos pelo estabelecimento da metodologia ¢ chegamos aos procedimentos analiticos dela decorrentes. Desse modo, pensamos ter dado ao leitor uma base para o que eu chamaria de estabelecimento minimo de uma capacidade de leitura em Andlise de Discurso. ‘A partir dessa base, 0 leitor poder colocar-se na posi¢ao de analista e investir nos conhecimentos que poderdo expandir seu campo de compreensilo, Se ele assim pretender, ele pode aprofundar, caso contrério, ele teri ao menos a nogio de que a relago com a linguagem nao é jamais inocente, no é uma relagdio com as evidéncias e poderd se situar face & articulagio do simbélico com o politico. Dessa maneira ele poder compreender como 0 simbélico € 0 politico se conjugam nos efeitos a que ele, enquanto sujeito de linguagem, est (as)sujeit(ad)o. Inauguram-se assim novas priticas de leituras que problematizam as maneiras de ler. E em decorréncia, por que no, também se deslocam suas maneiras de produzir sentidos. A diferenga do que pensa a Pragmética, asseveramos que 0 sujeito discursive nao realiza apenas atos. Se, ao dizer,-nos significamos e significamos 0 préprio mundo, ao mesmo tempo, a realidade se constitui nos sentidos que, enquanto sujeitos, praticamos. E considerada dessa maneira que a linguagem & ‘uma pritica; nao no sentido de efetuar atos mas porque pratica sentidos, intervém no real. Essa é a maneira mais forte de compreender a praxis simbélica. O sentido é histéria. O sujeito do discurso se faz (se significa) na/pela hist6ria. Assim, podemos compreender também que as palawras nao estZo ligadas as c diretamente, nem s40 0 reflexo de uma evidéncia. E.a ideologia que torna possfvel a relagdo palavra/coisa. Para isso tém-se as 95 condigées de base, que ¢ a lingua, e 0 proceso, que é discursivo, onde a ideologia toma possivel a relagio entre 0 pensamento, a linguagem e 0 mundo. Ou, em outras palavras, retine sujeito e sentido, Desse modo o sujeito se constitui e 0 mundo se signi Pela ideologia, Assim como, parafraseando a Psicandlise, se pode considerar que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, na Anilise de Discurso, consideramos que a ideologia se materializa na Jinguagem, Ela faz parte do funcionamento da linguagem. E assim que a Anélise de Discurso permite compreender a ideologia - ¢ o seu funcionamento imagingrio e materialmente articulado ao inconseiente - pelo fato mesmo de pens‘-la fazendo intervir a nogao de discurso. Se pensamos a ideologia a partir da linguagem, e néo sociologicamente, podemos compreendé-la de maneira diferente, Nao a tratamos como visio de mundo, nem como ocultamento da realidade, mas como mecanismo estruturante do processo de significago. Pelo que pudemos expor, a ideologia se liga inextricavelmente & interpretacZo enquanto fato fundamental que atesta a relagfio da hist6ria com a lingua, na medida em que esta significa. A conjungao lingua/hist6ria também s6 pode se dar pelo funcionamento da ideologia. E € isto que podemos observar quando temos 0 objeto discurso como lugar especifico em que se pode apreender o modo como a lingua se materializa na ideologiae como esta se manifesta em seus efeitos na propria lingua. Ao se propiciar a tomada em considerago do imaginario na relagio do sujeito com a linguagem, dé-se um novo lugar’ ideologia e compreende- se melhor como se constituem os sentidos, colocando-se na base da andlise a forma material: acontecimento do significante em um sujeito afetado pelo real da hist6ria. Acontecimento que se realiza na/pela eficdcia da ideologia. B assim, podemos dizer que esse percurso que apresentamos ao leitor abre uma perspectiva de trabalho em que a linguagem niio se dé como evidéncia, oferece-se como lugar de descoberta. Lugar do discurso. 96 BIBLIOGRAFIA CANGUILHEN, L. (1980). Le Cerveau et la Pensée , Paris, MURS. COURTINE, J. J. (1982). “La Tocque de Clementis”, xerox, sd. COURTINE, J. J.(1984). “Définition d“Orientations Théoriques et Méthodologiques en Analyse de Discours”, in Philosophiques , vol.IX, n. 2, Patis. DUCROT, O. (1972). Dire et ne pas Dire, Herman, Paris. FOUCAULT, M. (1971). L “Ordre du Discours, Gallimard, Paris FOUCAULT, M. (1971). LArchéologie du Savoir, Gallimard, Paris. HAROCHE, C. (1987). Vouloir Dire Faire Dire , PUL, Lille, trad. bras. Querer Dizer, Fazer Dizer, E. Orlandi et alii, Hucitec, Sao Paulo. LACAN, J. J, (1966). Ecrits , Seuil, Paris. MAINGUENEAU, D. (1984). Nouvelles Tendances en Analyse de Discours, Hachette, Paris, Novas Tendéncias em Andlise do Discurso, trad. bras. Freda Indursky, Pontes, Campinas. ORLANDI, E. (1983). A Linguagem ¢ Seu Funcionamento, Brasiliense, Sdo Paulo, 2°, 3*, 4* edigdes, Pontes, Campinas ORLANDI, E. (1990). Terra @ Vista, Cortez/Editora da Unicamp, Sao Paulo. ORLANDI, E. (1996). Interpretagdo, Vores, Rio de Janeiro. ORLANDI, E. org. (1998). A Leitura e os Leitores, Pontes, ‘Campinas. ORLANDI, B. (1988). Discurso e Leitura, Cortez/Editora da Unicamp, So Paulo. ORLANDI, E. (1993). As Formas do Siléncio, Editora da Unicamp, Campinas. ORLANDI, E. (1993*). Discurso Fundador, Editora Pontes, Campinas. PECHEUX, M. (1969). Analyse Authomatique du Discours, Dunod, Paris. PECHEUX, M. (1975). Les Vérités de la Palice, Maspero, Pais, 99 trad. bras. Semdntica e Discurso, E. Orlandi et alii, Editora da Unicamp. PECHEUX, M. (1980). “Lire L’archive aujourd hui” , in Archives et Documents , trad. bras., “Ler 0 Arquivo Hoje”, in Gestos de Leitura , E, Orlandi (org.), Editora da Unicamp, Campinas. PECHEUX, M. (1984). “ Sur les Contextes épistémologiques de I’analyse de discours” , Mots , 9, St. Cloud. PECHEUX, M. (1983). “ R6le de la Mémoire” in Linguistique et Histoire, CNRS, Paris, trad. bras., Papel da Meméria, José Horta Nunes, Pontes, 1999. PECHEUX, M. (1983). “ Discours: Structure ou Evennement”, Ilinois University Press, trad. bras., Discurso: Estrutura ou Acontecimento, E, Orlandi, Pontes, Campinas. VIGNAUX, M. (1979). “Argumentation et Discours de la Norme” , in Langages, n. 53, Larousse, Paris. 100 ‘ieee n euithetiitentitecteunan: wate

You might also like