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_ Sabor de Manga Carlos Diamantino Alknim 2° Edigao Cronicas ——_________ eee Copyright © 2010 by Carlos Diamantino Alkmi Ficha técnica Revisado com novas fotos Edicao: Carlos Diamantino Alkmim Projeto grafico: Pedro Diamantino Revisao: Salma Nazira Direitos Autorais reservados ao autor. Néo é permitido a reprodus: total ou de parte dos textos, desta obra, sem citagéo de fonte. . SUMARIO RUA DO BAR SOBRADO DA USINA MANGA AO ENTARDECER ATRAVESSIA RUA DO TOMBA SOSSEGO BEIRA DO RIO, MANGUEIRA E MANGUBA CAMPO DE FUTEBOL BIRO-BIRO E CACHOPA RUA DO CASCAVEL AJARDINEIRA O VAPOR NO CAIS OS PES DE UMBU A BANDA PASSOU FULO DO CAIS PAULO ALKMIM: 100 Anos de Histéria Contadas em Prosa MANGA - SUA HISTORIA 15 25 29 39 45 53 59 67 77 85 93 107 113 121 125 128 133 ais do porto no ano de1966 0— tio Sao Francisco recebe 0 maior volume de agua da sua hist6ri Uma cheia que parece querer levar tudo. A cidade de Janudria, dizem 98 comentarios, esta completamente tomada. O Minas Hotel, de Donaldo Diamantino, esté debaixo d’dgua. Itacarambi, proxima & Manga, a carde de 45 quilometros, vive a cada dia mais apavorada com jvel inundacdo das casas ribeirinhas. O barranco vermelho ver nando como se fosse uma geleira. Comparando com outras épocas, a cheia deste ano de 1969 supera todas as expectativas. com seus cingiienta metros de altura, com tés O cais de Manga, pavimentos de escadas e um paredao de trés metros, nao comporta mais tanta dgua. Atinge na data de hoje, o ultimo degrau. Até mesmo o pequeno quiosque de madeira, coberto de folhas de flandres, é reforcado para uma emergéncia. Como uma cobra traigoeira, 0 rio vai dando o bote pelas costas da cidade, invadindo lentamente nas madrugadas a regido da Boa Vista, formando um imenso lago no caminho do campo de aviacao. Até mesmo algumas garcas, socé-boi, marreca-caneleira, ireré, inhambu e pato-de-crista comegam a habitar as a poss! desmoro: galo-de-campina, margens da lagoa. A garotada diverte-se como nunca. Os banhistas fazem acrobacias nos fantdsticos pulos do alto do cais. Verdadeiras proezas, dignas de se exibirem nas disputas olimpicas. Na bomba da Usina, ficou ainda mais perigoso para se tomar banho. Ali, retine-se todas as tardes quase uma dezena de pessoas. Pelados, apenas os galhos do frondoso juazeiro os protegem dos olhos curiosos. ‘As canoas lutam contra a correnteza das dguas barrentas, que sempre esto acompanhadas de objetos e corpos mais estranhos, desde bananeiras com cachos amadurecidos a melancias, abdboras, pés de milho verde, cachortos mortos, porcos, cavalos, bois, vacas, com urubus em cima e, até corpo de defunto fresco boiando. Um pavor para as populagées das margens do caudaloso rio: “Se bobear, as 4guas levam mesmo. E 0 pior, as piranhas de afiadas presas nao perdoam ninguém. As mortes s4o sempre as maiores surpresas. O rio ta bravo, nao brinca com ele!” sao os conselhos dos mais velhos. Nessa época, 0 rio Sao Francisco ganha, além dos canoeiros, que exploram suas correntezas com a travessia de passageiros de um lado Para 0 outro, como o legendario velho Leonel, também os cagadores 40 PAGANS © 4guas, arrancados dos barrancos pela forca das ira uma corrida de conquistadores. Os mais espertos ou seg uem melancias, ilhas de plantacées de verduras, bichos galhos das Arvores, canoas desgovernadas, perdidas Aguas barrentas, e uma dezena de outros produtos, que tia so comercializados. Os peixes, apavorados com o s barrentas 4guas, pulam do leito com suas caldas brilhantes, do no forte sol. ca, apesar de perigosa, é farta. O rio €a maior riqueza da regiaoe dem livremente saborear de seus produtos. Nao é dificil pescar, oro. Tem, ainda, a crumaté, o piau, o pird, e 0 gogd, com muito de caldo grosso para um pirao apimentado com malagueta. 41 + eo mergulhdo de voo rasante, também se alimentam dos mergulhos. Jar de marrecos marrons desfila bem proximo alhadas na regido. Sempre em forma da com isso, quebra a forga do vento. pescado! peixes em seus certeiros ‘Ao entardecer, um co! as Aguas em busca das lagoas esp’ “y” um marreco puxa 4 fila e, letra A roca do lider nos voos, passando para © final da fila, é um espetaculo da natureza. as canoas levam € trazem gente de um Indiferente s cheias, principal e mais conhecido canoeiro, de calcas lado ¢ do outro. O de algodao ¢ um insepardvel chapéu frouxas de listras largas, camisas de palha amarelado, é 0 seu Leonel. Com mios ageis, olhos brilhantes ¢ remadas seguras, 0 rio € seu maior amigo. Diariamente, dezenas de viagens sobre as margens marrons do Velho Chico, transportando os camponeses da margem direita para comprar mercadorias no comércio da cidade de Manga. A fé em Deus é fundamental para enfrentar a violéncia das aguas. Nos tempos de seca, a distancia de lado a lado nao passa de quinhentos metros, mas, com esta cheia bruta de 69, j4 ultrapassa a um quilémetro. Para superar a correnteza do rio, que desce rumo as terras baianas, a canoa de seu Leonel sobe uns trezentos metros € coma pericia de um navegador, deixa deslizar 0 casco de madeira pelas dguas, sendo levada pela correnteza. Com a forga espiritual € fisica, mantém sob controle a embarcagéo, impondo ritmos ensaiados nas fortes remadas, espantando as 4guas lado a lado, rumo ao seu destino. O tempo aumenta consideravelmente na travessia. Nos dias de 4guas mansas uns quinze minutos - com fortes cheias passa de trinta. Nos fins-de-semana, a feira .m“e Os camponeses preferem os sébados para negociarem. oO ae a a canoa é transporte de tudo. os a s produtos para venderem na cidade. um novo tom. O comércio recebe novo 42 impulso, tudo ¢ comprado e de tudo é vendido. Desde as galinhas vivas, leitoas no ponto de corte, cabritos, a fresca verdura, como o tomate, a cebolinha verde eo alface. Nao faltam as vermelhas e saborosas melancias eas verdes espigas do milho. Os comerciantes da Rua do Bar, onde se concentra © maior comércio varejista, vendem as alvas rapaduras, as pingas de Janudria ou as baratas “tampa de sabugo”e o famoso fumo Arapiraca. Comercializam, ainda, ferramentas para agricultura, chapéus, camisas, botinas de borracha, linhas de pescar, foguetes, entre outras mercadorias. Para alegrar o ambiente, aparecem sempre os tocadores de sanfona, que comemoram alguma data santa, um batizado ¢ até mesmo um casamento. No entardecer, o rio Sao Francisco espera todos. As canoas ancoradas aguardam pacientemente os Passageiros. Nao amedrontam ninguém as barrentas dguas e se acontecer alguma morte foi Deus que chamou, Amém. Os fortes goles da pinga, as baforadas do cigarro de palha, os punhados de farinha de mandioca para tira-gosto 0 inseparavel “Nome-do-Pai” acompanham toda aquela gente como se 0 rio fosse parte das suas vidas. Na face molhada de suor, a certeza da chegada. Os olhos distantes dos barranqueiros labutadores navegam nos horizontes do gigante e assustado rio Sao Francisco, bailando sobre as ondas de tons marrons com todas as suas cores e sons. 43 nn SOSSEGO rigem do nome nio explica claramente os seus moradores: nanimes em afirmar que esto “sossegados” na miséria. Assim bairro na periferia da cidade de Manga. Chegando das Itacarambi ou Janudria, depara-se com um corroido todos 540 o ge serrata um das de Miss6es, f que impede a passagem dos animais selvagens. S6 que a encontra do lado de c4. As casas do Sossego so pedacos de ados com barro vermelho, a espera de sopros para desabar, nao tém quintais, nao tem frente, nem fundos. E um jogo mata-burros maioria ja Se aus amonto; Nio tem rua, lied os. de esconde-esconde de alguma coisa imagindria, um labirinto que os mais auténticos brinquedos da “Estrela” nao conseguiram inventar para divertir as criangas. ‘A miséria passou a ser um divertimento para aquelas centenas de pessoas. Nao tem 4gua para matar a sede. As donas “marias” caminham alguns quilémetros com as latas na cabega até o salvador rio Sao Francisco. Nio podem adoecer. Todos os sintomas sio encarados como crénicos. O medo da morte est4 rodeado nos muros de pedras do cemitério proximo, As graves doencas, como a de Chagas, transmitida pelos burbeiros residentes nas gretas das paredes de barro, estao indiferentes 4 grande e majestoso Hospital do SESP, com seus muros desgastados pelo abandono dos politicos, parecendo um elefante branco em um Tuseu ecoldgico. Os bichos, como galinhas, bodes, jumentos, cavalos ‘até bois e vacas, passeiam entre a populacao do sossego. : Os cachortos, de costelas cobertas pelas finas pelancas, conseguem, mavés de muito esfor : 0, latir e preencher de sons aquele mundo Squecido, Algumas cantigas, j4 muito antigas, quebram as tardes do 53 ee \ =. sol poente de alguém esperangoso ou entregue de vez a desiluség, . apesar de tudo, as criangas existem, e sorriem e as barrigas ee esticada nos volumosos umbigos reclamam do nada. A bola de meia estufada pelo uso, rasga 0 chio solto das areias marrons. No ar 9 Brito de goooool. A noite é como um buraco, onde os contatos s4o apenas Possiveis nos mitidos botecos, onde a luz do candeeiro de querosene resplandece as faces rugosas. As bocas espumam nos cantos com a “cana” amarga que faz esquecer 0 desassossego do bairro do Sossego. Todos sao biscateiros, Uns rogam algum pedaco de terreno meia-a-meia, fazem carretos nos barcos ancorados no cais. As mulheres séo lavadeiras, passadeiras, empregadas domésticas ou esposas “fis”, casadas na igreja de Sio Sebastido ou na moderna igreja de Nossa Senhora Aparecida — igreja construida com a doagao do coronel Bembem (Domiciano Pastor), depois de uma promessa de sua esposa, dona Amarante Pastor, caso ele ganhasse na loteria, apés ela ter sonhado com os ntimeros. O seu bilhete foi premiado. Ele ganhou na época uma fortuna. Bembem cumpriu a promessa e a igreja matriz foi edificada, com a pedra fundamental assentada no ano de 1943, Também os dedos de prosa nas portas dos casebres séo a rotina daquela gente. Falar dos outros nao é bom, mas todos falam. O radinho € 0 amigo inseparavel do anoitecer; muitas vezes emudece por falta de pilha. No mundo noturno do “sossego”, todos dormem cedo, 4s oito, hora do boa noite, mesmo que 0 est6mago reclame dos maus tratos, pela falta do minimo necessdrio para descansar nas esteitas, cobertas de lengéis de algodéo ou pedagos de retalhos emendados, colorind dor ane don ge gente. O amanhecer é sempre acompanhado ee 7 amen nas drvores que protegem de cert - Lavar o rosto, com a agua estocada nos tambores¢ 54 } & CRUZ A SER COLOCADA Wo LOCAL Do FuTURG Le.) tas de querosene trazidas do rio, ¢ assustar com o desperta da vida, cotidiano que nao mais comove ninguém, nem eles mesmos. Os rachados pelos terrenos quentes dos longos caminhos estao sempre rontos a outras caminhadas, no rocar do algodao, no plantar do feijao das, no colher dos preciosos sabugos de milho. O fogo de lenha a as tiltimas esperancas das panelas, nem sempre cheias ao meio- § Mesmos direitos. Os latidos dos caes nao incomodam ninguém ¢ Gatos nos cios no assustam os pesadelos dos negros ou dos brancos Que fingem dormir. As galinhas sao acasaladas obrigatoriamente, para | botarem sempre os seus preciosos ovos. Nao se tem tempo para paqueras € trocas de sentimentos com os galos topetudos, de crista alta ¢ esporas acirradas, prontos para o confronto na defesa do terreiro, A maior festa do Sossego é quando de longe buzina a jardinei do Nelson. O horario muda constantemente: doze horas, duas ¢ . cinco. Depende das condigées de trafego na estrada de terra, BR-135, A jardineira de cara esticada desponta como sempre na curva da Lees Danta, riscando a areia e levantando uma poeira que faz alguns tossitem sem incomodar. Os regalados olhos dos moradores do bairro é como se estivessem 4 espera do “Salvador”, sentado nas poltronas da velha jardineira, A algazarra da meninada representa minutos de forcada alegria. A jardineira passa, a realidade fica no Sossego. BIRO-BIRO E CACHOPA gO dia est lindo, as ruas cheias de pogas de 4gua fresca, Choveu toda amadrugada, ainda caem alguns respingos. Manga est4 de maos unidas agradecendo ao Nosso Senhor pelo milagre da preciosa Agua do céu. H4 mais de uma semana a populacéo manguense toga a Deus em preces pelas ruas da cidade. Saindo do Cruzeirinho, em fila indiana, passando pela beira do rio, uma parada em frente 4 Igreja de Nossa Senhora Aparecida, sobe a rua do cemitério, desce por detrés do Hospital, até alcangar a Boa Vista. Mais de 10 quilémetros de caminhada, latas d’4gua sobre as cabecas ou abracadas, misturadas aos verdes galhos de rvores, flores perfumadas e muita fé nas oragées e na cantoria. Indiferente a0 forte sol, homens e mulheres, criangas e velhos rogaram com os olhos no céu 0 pedido ao Santo da sua devocdo, pela volta das chuvas. A terra molhada, a testa brilhando de suor, as maos grossas pelo calor da enxada, renasce a esperanga de alimentos frescos e sadios. Hoje, o ar tem cheiro de chuva, tem esperanca. © Mercado Central, de desgastadas paredes amarelas, tem uma aparéncia arquiteténica graciosa. No seu espaco, o corredor de paredes ovaladas, abre caminho a todos. Encostado na parede, um Visitante de grande temporada, balanga um velho pandeiro de madeira com forro de pele surrada, com algumas latinhas redondas batendo ininterruptamente. A voz rouca é de Biro-Biro, cantando sempre letras de cantigas desconhecidas, olhos arregalados no escuro, reclama alguns Trocados. Apalpando de minuto a minuto o velho chapéu jogado no ftio cimento do Mercado, estica, como nao querendo nada, as magras mios até a sua insepardvel companheira, a imprevisivel Cachopa. ett 7 Aindaécedo, 0 dia est4 comecando. Cachopacom seu vestido de cabelo esticado, um pedago de cigarro de palha na orelha chita colorida, e a ressaca do dia anterior. Pernas cruzadas direita, cabeca baixa, cosp' decentemente, em respeito a0 velho Biro-Biro, nao liga as algazarras de alguns meninos.Quando alguém se aproxima, a lenta voz de Biro-Biro pergunta: - Quem é? O que qui qué? Deu trocado? Cachopa sempre atenta as perguntas do companheiro, responde: _ Nao, € 0 home do vapor € inté parece que um vai encostar de hoje prd manha, vindo da Bahia l4 nas pedras do porto. Uma boa noticia! Biro-Biro apruma 0 corpo, acende um téco de cigarro de palha, dé uma lambida, risca 0 fésforo € engole com prazer a fumaca do cigarro fedorento, jé bem lambido. Diz: - Se é assim, vamos ajeitar na beira do barranco, pernoitar pru lie espiar 0 apito. Quem passou, Cico ou outro la de baixo? Cachopa, sem entender a pergunta, respondeu sem titubear a voz: - Foi o ld de baixo! O pandeiro recomeca a tocar, agora mais forte. A voz de Biro-Biro forca nova! Um vapor é um tesouro, é dinheiro de gente de longe, tira foto, dé roupa, Os marinheiros, sempre conhecidos, dos dois, dio comida com fartura. E dia de festa para os dois. come ania ¢ comera a alinhavar uma calca marron 4° » vai colorindo de linhas vermelhas os joclhos, ¢ 0 tampa \- 7B da bunda. A mao esquerda est4 trémula. De longe, o Velho Genso, atento aos movimentos de Cachopa, Brita: - Ei, Biro-Biro, solta dinheiro pra Cachopa tomar uma !...A muié t4 tremendo como uma vara verde. Prontamente, a resposta preparada de Biro-Biro sai com toda raiva: - Vai mexer com sua mie, fio de uma égua parida, nao vé que a muié r queta no seu canto e fica océ a mexericd! Todos j4 estéo acostumados com o palavrio de Biro-Biro. Pior é quando Cahopa enche a cara de cachaga - ai o velho vira o capeta. Mas ¢ dia de vapor, é dinheiro na certa! Passa de meio-dia. O dia tem um vento morno de chuva. Bom sinal, vai molhar ainda o chao a noite a dentro. Com alguns trocados na algibeira, Biro-Biro, ajudado por Cachopa, levanta com dificuldade. Chapéu na cabeca, pandeiro amarrado ao lado da algibeira, chinelo de dedo de couro cru, calca creme com manchas de mofo na bunda, estica os olhos brancos remelentos no invisivel. Poe a frente a bengala, um forte pau rolico, Pronto para se orientar e defender-se da meninada ou dos cachorros mordedores. Mais atrés vem Cachopa, com uma trouxa na cabeca, uma Barrafa vazia no bolso do vestido de chita, pés no ch4o, onde se pode ver as rachaduras dos calcanhares. Ela arrasta-se em passos cadenciados no chao vermelho das ruas de Manga. Alguns cumprimentos de velhos conhecidos ¢ sempre com um insepardvel cigarro de palha mastigado com sabor, os dois procuram uma drvore para descansar e cozinhar alguma coisa. Nao vio muito longe. Debaixo da frondosa mangueira da Pensao de Dona Leondina, mae do comerciante Pedro Tavares, ajeita um foguinho com trés pedras. - o dia foi até calmo. Cachopa ficou do seu omprar dois centimetros de fumo de rolo ¢ uma tora caindo. Confirmado pelo Agente dos vapores: # c ‘Antonio Nascimento” vai chegat 20 amanhecer do dia. j "passou na cidade baiana de Carinhanha. Apesar da subida, 0 Antoni! Nascimento é bom de marcha. Biro-Biro € Cachopa e, também, Uf cachorro preto de pelos rabujentos, se acomodam, enconstando-s¢ paredao do cais. O rio estd baixo, é més de maio. $6 as aguas da barragem de Ti 80 arias e algumas chuvas perdidas ou milagrosas alimentam o leito do io Francisco. A noite foi rdpida, a lua ajudou a segurar Cachopa, ao lado de Biro-Biro. O que mais incomodou foi o rabugento cachorro com seus latidos. Biro-Biro teve que dar, com sua bengala, umas porretadas na calda do animal e, por pouco, nao acertou a cabeca da companheira. {0 dia tinha um dourado sol, nao choveu de madrugada. As nuvens O cais comega a receber um grande ntimero de curiosos, a rua do Bar parece um salao de festa, gente pra ld e pra cd. Alguns passageiros om destino a Janudria ou Pirapora acomodam suas bagagens nas @cadarias do porto. Cachopa, com todo carinho, arruma as coisas de Biro-Biro, mais proxima 4 margem do rio, para melhor receber as Esmolas dos passageiros do vapor. Biro-Biro, esticando os olhos sem lz, pergunta a todo momento: - Apontou? E numa das perguntas, a Fspostas positiva de Cachopa pés em movimento os punhos do velho 81 Biro-Biro no pandeiro, acantarolar o pedido de esmola. Sempre musica desconhecida, sem rima, sem pausa, sem ritmo. O vapor Anténio Nascimento ancora no porto de Manga. Antes, trés apitos convidam a populagao a recepciond-lo. Sao mais de onze horas. O cais cheio, gente que nao acaba mais. Uma festa que enche Manga de novidades. O chapéu de Biro-Biro, sob os olhos auspiciosos de Cachopa, vai recebendo de pingado a pingado as notas mitidas. De repente, cidadao bem vestido, terno de linho azul, gravata de cores branca e azul, maquina fotografica, oferece educadamente uma gratida Biro-Biro. Cachopa aproveita a conversa ¢ estica os portando uma com a rapidez de um nota de mil ao velho dedos ao chapéu; amassa algumas notas e joga-as, gato, no busto. Biro-Biro, atento aos movimentos, grita: _ Ti levando pra cachaca, diabo do inferno. O Cachorro late, balangando o rabo. Um cidadao assustado propée uma novidade ao casal: tal? Lé arrumo um confortavel - Vocés querem ir comigo para a Capi -Vamos? lugar para vocés. O Senhor est4 muito velho, ja sofreu muito... ..Meio atordoado Biro-Biro, pergunta - De vapor ou de carro? Se for de vapor, eu embarco agora, levando a minha companheira € 0 Dornel, meu cachorro. Satisfeito com a resposta, o cidadao tira uma foto dos dois, vai 2° comandante do vapor, enquanto Biro-Biro e Cachopa atrumam as trouxas. aphenidilions © primeiro apito do Anténio a ie oe L ee a de imediato e 0 terceiro ja despe' i toa cob fry Gt on vai perdendo seu colorido. Cada o par 10.Um cachorro, de pelos negros> focinhos 2 espumando, rabo caido ¢ olhos arregalados, late desesperadamente pelas ruas da cidade. Amedronta alguns, outros nio, Ninguém sabe seu nome. Nao tem dono, nao tem morada. No latido, o animal expressa uma saudade de um velho de cabelos brancos, maos secas, pandeiro de lado, que nao mais se encontra nestas terras. ropelando nas ek Mingau, ork porramalts Joao Come Cru, , juventude, ou JA Jantor, na sua indiferenca mpre por perto acordando toda a cidade: eira do Nelson té saindo! is torrenciais pela regiao, atoleiros nas estradas de terra le dezembro. A Jardineira acorrentada nos seis pneus, , nariz esticado, cor verde-cana desbotada, bagageiro as, caixotes, leitées, galinhas, couro de boi curtido e le outras bugigangas. qui, outro acold, j4 passam das 7 horas. Com a calma lhe deu” aparece 0 motorista e proprietdrio: seu Nelson ira. Estatura mediana, dentes amarelados pelas marcas da » entamente brinca com o palito caido nos labios. Ao seu lado, vel amigo e herdi das viagens, 0 Toninho trocador. Mecanico, conselheiro e sempre carregado de correspondéncias, cheques Scados no Banco do Brasil , encomendas de remédios, noticias Cartas de namorados, duplicatas, entre outras. Dizem que pre as cartas e encomendas chegam ao seu destino. Mas, fazer 93 o qué! ‘A buzina estufa com todo seu potencial, pelos ventos : mornos das . Muitos despertam ced ruas de Manga. pertam ceco Para ver a Jardineira passat. uma hora de atraso, que nao foi muito considerado, afinal ja alguns dias, atrasar até quatro horas, pois, foi Tern ais importante ou alguma pessoa convalescendo de Esta com aconteceu de, a esperar alguém m: grave moléstia. A Jardineira também servia de ambulancia. As poltronas de couro marrom, com listas brancas, estavam todas tomadas, trés iam em pé. Adiante embarcariam mais trés ou quatro. -Vai amontoar gente em todos os cantos; ajeita antes pra nao ter formigamento! Resmungava Dona Otilia. Ao passat pelo bairro do Sossego, a meninada fazia a maior folia e até se jogarem no aredo da Lagoa Danta. am mais dois. Com passagens na mao alguns mais devotos rezam uma ligeira peito o crucifixo. Os correm atrds, pegando punga, Uma ligeira parada e embarcar tinham que entrar. Nome do Pai, orago ao Santo protetor, outros aconchegam no mais apegados na fé fazem o sinal de joelhos com grande dificuldade. ‘A fé aumenta com a presenca do padre Ricardo, um alem4o que virou manguense de cora¢4o. Fundador da primeira escola de segundo grau do municipio, Gindsio da Fundag4o Educacional Manguense, construido proximo a caixa d ‘agua. No seu siléncio, sua profunda fé! Ele, apenas espreita, com seus olhos azuis, por cima dos éculos de metal. A Jardineira ultrapassa 0 mata-burro, segue firme no areao da fazenda Lagoa Danta, rompe a ladeira rumo ao distrito de Sao Joao das Missdes. O vento abana os lengos coloridos amarrados nos cabelos ao Pociram Proteger-se da poeira ou dos respingos de som caipira, muitos computa o i: a pitha pert | 0 Brasil: “Coracao de ne “een Sa a milsica, é foe tole Por terem a falecida desapareci ee — jo a pouce, solta solucos de saudades i outros cantam por cantat. : - Musica bonita. O dia que esse homem letrou essa melodia tinha muito amor expulso do coragéo. Comentou poeticamente, dona Alecrim do Padre. O sorridente Nelson tira por alguns instantes os éculos raiban, d& uma cogada nos cabelos e cochicha com o trocador. Ninguém entende muito bem, mas, parece, pelos movimentos, que ha muito barro préximo a ponte de Missées. - Para seu motorista que Romancio té numa vomitacao que faz medo, parece que © home vai botar 0 est6mago no assoalho. Gritou enfurecido Edson do Correio, ainda ressaqueado. Antes mesmo da freada, dona Otilia passou urn ramo de mastruz pra cheirar. - Isso € 0 mais dos santos remédios; encosta na testa, depois mastiga a pontinha do talo. Nao pée tudo na boca que af ele volta pra yomita¢ao. Nao tinha jeito; o homem néo parava de vomitar. O fedor de azedo tomava conta, ninguém suportava. Assim que a jardineira que parou, foi aquela correria; tinha muita gente de maos-agarradas & boca, outros agarrando a bexiga ¢ ndo podia ficar mais nem um segundo sem urinar. - Vala-me Deus, seu Romancio té virando os olhos; acuda que a coisa é pior do que se parece! Jogaram 4gua fria na testa, o bafo da cachaga exalava por todos os lados. - Também enche o rabo da pinga e vem viajar, tem mais é que agonizar... Nio se sabia onde as vozes saiam. Todos passageiros j4 comecavam a se acomodar nas poltronas. Por sorte, todos respeitavam os lugares antes ocupados. Seu Nelson aproveitou e deu uma ligeira olhada no calibre dos pneus, posi¢éo das correntes, o amarrados das bagagens, tudo nos conforme. E rezar e passar a ponte da localidade de Missées. A \ Jandineira roncava forte, motor a élco dicsel, marca Chevrolet. bom de estrada, Todos eram undnimes em afirmar. -Pare mais uma vez que a mala de Zé Merilo caiu na grota atras! Vociferou Lourdes, do Zé Picolé. Nao andaram duas léguas ¢ tinha mais uma vez de parar. Jd passavam das 10 horas. Duas horas ¢ meia de viagem ¢ nao rodou nem duas Iéguas. Pelo visto, s6 chegariam 4 pras quatro da tarde. Assim que parou a Jardineira, Toninho trocador desceu de dentro do énibus, subiu pela escada traseira até o porta malas. Parecia um amontoado de ferros velhos. O galho agarrou duas caixas de rapadura ¢ arrastou abaixo a mala de Zé Merilo. Todos debaixo esperavam, de olhos esbugalhados, a atengao de Toninho _ Vé se acha uma valise de couro ensebada, marrom, junto com a gaiola vazia. - Té aqui dona Ailsa do Cartério. Respondeu prontamente o herdi trocador. Zé Merilo estava apavorado com receio de perder algumas pecas de uns radios velhos pra conserto. - Onde foi parar meu saco de lona? - Oxente, foi o saco que perdeu ou foi a mala? Entrou na conversa Heloina, do Jucio. Toninho andando alguns passos para trés deparou com o saco agarrado nos galhos de uma arvore, logo na beira da estrada. ‘ -Vamos seguir viagem; vé se paramos sé em Missées para um cafezinho rdpido. Fiquei sabendo que o trecho da ponte oferece passagem; vamos com Deus! Quando Nelson falava assim era sinal de bons caminhos. Todos ae oa Para dentro da calorenta jardinert uma fumaga preta pel eA pelo cano de descarga que provocava tosse. Nelson enrugava i i gava a testa, as veias dos bragos esticavam como querer arrebental- 96 Ce ' { . Os musculos erguiam-se fortalecidos pela vontade de vencer o barro se. vyermelho que 9647 Indiferente 208 © ma marmita, ava nas brechas das correntes. rancos € barrancos, Maria, do Pascolino, tira da ainda morna. Uma galinhada com farofa faz arregalar 0S colhos dos conterraneos. Binoca também saboreia um beiju de tapioca, enquanto Arlinda, do Joaquim Mendonga, oferece, 20s vizinhos de poltronas, um auténtico pao-de-queijo mineiro ¢ bolo de puba. Também os biscoitos de péta ¢ pedacos de bolo de mandioca sao oferecidos pela professora Maria José. A viagem vira uma festa de Para completar © card4pio, Mundico de Florzinha, abre uma panela lotada de carne-de-sol com farinha de mandioca - um jaba do sertéo- , que deixa todos de olhos brilhando. _ 6 falta & branquinha!, lembra Marquelo, do Erasmo. Ed vai a jardineira. A torcida sempre forte. Dedos dobrados, labios lo de oragées, vores de entusiasmo quando o motor solta um remexend: berto de vitria. Parecia que voava. Outras vezes afundava e a traseira encostava no batro. O nariz da Jardineira procurava félego esticando sacola w aniversario. rumo ao céu. - E...tem que descer, esté muito arriscado, o peso € muito. O perigo évirar de lado. Seguramente ordenou 0 motorista Nelson. ~ Salve Maria Santissima, tenho muito pela vida, preciso me cuidar. Lamentou aimpaciente D. Rosa da Caixa d’agua. Obarro cobria uma boa parte da lataria. Descer foi um sacrificio, jogaram alguns pedacos de madeira, aliviando os pés do Barro. Alguns arrotos assustavam. p -Ainda bem que ninguém peidou!, diz Dedé de Bertim, ainda com aboca cheia de farofa. a a feia! Caso nao chova, mais logo, podemos até fugir desse diel ais Agora o medo é 0 peso daquelas nuvens um forte nto. — Philemon, meio amargurado, com igarto de palha esquecido no canto da boca. Mais otimista, 7 Melquiades respondeu: ~ Chuva do Norte sé tem cara feia, e cara feia, como sabe, nao mete medo. O vento vai Id separa toda a tempestade. -Que Deus tenha ouvido suas palavras. Agradeceu Nildinha de Clara. Toninho trocador espalhou ramos de drvores verdes sobre a lama escorregadia. Forgou, também, umas lascas de pau-seco nas correntes das rodas traseiras. Na frente da Jardineria, o perito trocador Toninho, orientava seu Nelson. - Vem, joga uma primeira e solta. Samba pro lado da cerca, agora aperte; td saindo, nao arrede; nao arrede, segue na reta; nao desvie; © barro est4 cedendo, isso, firmou a dianteira em terra firme; agora & sé manter a velocidade...est4 fora. Cuida com a cerca do curral. Bateu palmas a platéia entusiasmada. Agora é saborear o cafezinho de Missoes. - Com essa amargura e secura, tenho mais que molhar a goela com uma boa dose... -Tem parceiro. E aqui, nas Missdes tem uma mistura que é remédio. Quem sabe se encontra uma folha de figo ou, até mesmo, uma casca de laranja ou imburana! Dilagovam Romancio ¢ Manoel Barnabé, em tom baixo, para os ouvides criticos néo os incomodarem, sobre os efeitos milagrosos da cachaga. Edson do Corteio, pai do Zé Cabinho, também se prontificou a.acompanhar os conterraneos “pra rebater as de ontem’. - Depois vem despejar a porcaria dentro do carro e, ainda com cheiro de imburana. Nao quero ver defunto esticado na viagem. E melhor que encha o talo e fique por ai mesmo. Falou severamente Minda, das Marianas. A jardineira atravessou a ponte lentamente, sobre o riacho Sao Joa, que se encontrava transbordando ¢ expulsava 4gua por todos os lados. oR a fartura de fazer atin A cidade jé esperava a barrenta jardineira, A buzina aus © lugarejo. Na esquina da rua Principal, encostado na famosa Igreja de Sao Joao, local das festas juninas, encontrava-se ° gostoso cafezinho. Uma dezena de criangas oferecia de tudo, desde suco de groselha, banana mac, umbu, jenipapo, pé-de-moleque, biscoito de polvilho, bolo de fub e broa. Ninguém perdia a oportunidade de esticar as pernas, remexer o pescogo, esfregar a nuca, respirar fundo e saborear algum alimento. Os mais cat6licos procuravam os bancos da Igreja, aproveitando os ligeiros minutos para agradecer as trés léguas vencidas. O vaqueiro Romancio, limpava a goela com boa dose da Novaquino, na companhia do pedreiro Manoel Barnabé. Aconselhado, Romanico mastigou uns pedacos de torresmo quente. - E bom para a digestéo quando o estémago passa mal. Receitou Zé Cheba. Na altura da viagem, j4 se encontravam oito em pé e mais trinta e seis sentados. Ao todo eram quarenta e quatro, e embarcaram mais cinco. A respira¢ao passou a ficar bem mais dificil. Por sorte, a estrada ligando Miss6es a Itacarambi era considerada asfalto. Os mais prevenidos amarraram, no lado direito da barriga, alguns ramos verdes de matruz, outros colocavam no peito, pedacos de jornal, evitando passar mal. Toninho trocador dava gostosas gargalhadas explicando a origem do \ cachorrinho que ganhou em Manga. Chamava Pé de Estrada, pois em todas as viagens estariam juntos para animar com seu agudo latido. O Cigarro, do fumo Arapiraca, exalava fumaceira, fazendo um nevoeiro. O bafo da pinga misturada ao suor dos corpos agarrados como a se colar um ao outro. ~ Se Sdo Geraldo nao tiver pena chegaremos a Januéria asfixiados. Precisa desses homens dar essas baforadas de fedorento tabaco na cara da gente, Visivelmente nervosa Gracinha, doMateus, trocava opinides 99 com dona Ailsa, escriva. -O pior € que tem dois meninos cagados e, apesar de serem de pouca idade, parecem ter comido um gambd. _ Nao fale assim das criangas Joao Borrola! Lembre que o senhor j4 foi pequeno, ou nao foi? Afinal, vocé nao nasceu barrdo! , afirmou Rosa do Correio. A medida que a Jardineira engolia caminho, o cheiro foi se tornando insuportdvel, ao ponto de Nelson parar e fazer uma vistoria. Descobriram num saco de estopa com uma pele de jacaré, ainda nao curtida, debaixo da poltrona traseira. -Esse saco foi embarcado nas Missées, parece levar algum bicho catinguento morrido h4 pouco. Vamos tirar ¢ por no bagageiro. Ordenou seu Nelson. = Oh, dé um pouco da atengao de sua pessoa. O que tem ai dentro é um couro de jacaré sadio, estd vendido, teve bom prego. A qualquer momento, como sabe, pode cair uma santa chuva e desfazer da pele. Por molde qué nao tire daqui nao. Justificou piedosamente o desconhecido passageiro. - Nao, perdoa-me a franqueza, mas tenho que tomar essa decisio. Nao é s6 o senhor que viaja ¢ tem muita gente nesse carro. Tomarei os cuidados necessdrios para nao molhar a pele. Explicou Toninho trocador. - Se assim o diz, assim o quer! Cedeu o novo passageiro de cara amarrada. Conhecedor da estrada, como sua palma da mio, Nelson procurava decididamente os trechos mais seguros. A rodovia nao metia mais tanto medo. O pior trecho era a lama branca préxima a Itacarambi, chamado de Sariema, O trecho da estrada escorregava como um quiabo. Ali, ¢ a sorte que anda junta. Uma chuvinha mansa brincava na estrada. Se permanecer assim, tudo bem. Mas se apertar, tudo vai abaixo. -Pare, pare...pare se nao eu fago aqui! Ordenou seu Anfrisio, jacom 0s suspensorios arreados, em direcdo da porta sanfonada da jardineira. Mais uma parada, desce seu Anfrisio e no vai muito longe ¢ se agacha entre uns ramos altos. -Que me perdoe o compadre, mas parece que engoliu um trator. Ouviu o barulho Zé de Sérgia, pergunta Geralda do Cheba. Passam mais de cinco minutos ¢ parece entre as ramagens calmamente seu Anfrisio. Para complicar, ainda mais, a lotaco da jardineira, viajava, naquele dia, o fiscal do INPS, 0 Joao Costa, com seu 150 quilos de peso. Sozinho, tomava o lugar de duas pessoas. O seu ronco se confundia com o do motor. -Nio é possivel homem de Deus que venha agora rotar pinga na cara das criancas. VA pras bandas de ld. Expulsava Ritinha, o vomitador Romancio. - Pro lado de cd, nao! Quer livrar de coisa fedorenta e jogar pras bandas dos outros. Respondeu dona Otilia Parteira. -Respeite minha pessoa! Sou homem de bem, trabalhador, pegador de boi no cerrado, além de honesto e viajo a negécio com meu dinheiro. Homem nenhum me dar trocado pra... -Escute aqui homem da peste... nao atinja minha moral que sou arriscada a Ihe dar umas bofetadas nesta cara de urubu lambido. Sou mulher honesta! Defendeu-se Heloina das acusagées de Romancio. A confusao estava tomando rumos sérios e precisou uma parada. Alguns desceram. Uma longa fila de homens se formou atrés da jardineira pra urinar. O bate- boca continuou: ~Pensa que é homem e vai soltando palavras de desonra - t4 enganado. Dona Heloina, apdés comer um bolinho de arroz, ainda com boca cheia, nao Parava de oferecer oportunidades & discuss4o. Com a cabeca Romancio ficou mais a frente € sossegou. olhada pela chuva, : ; . : de carros. Pelo visto, nao dava Logo, adiante. tinha um ae wee passagem para ninguém. A Sariema baal num oe leito $8. ° Le Pardide veio até a porta sanfonada da Jardineira € explicou a situagao: ~ Olhe! Carro grande esta passando, principalmente acorrentado, E apontar e riscar a lama. Nao deixava de ser uma boa nao tenha recel ; : noticia. Joaquim Sedan ¢ Gonzaga de Zuleide, motoristas experientes, ali se encontravam e entusiasmaram Nelson. Apontando 0 nariz da jardineira em diregéo a estreita rodovia, Nelson apertou 0 pé no acelerador. Parecia que as drvores brincavam de esconde-esconde. De repente aconteceu uma explosao no meio do carro. - Salve santissima, té pegando fogo... - Socorro, té fumacando na travessia... - Santa Bernadete, 0 que aconteceu? - -Livre meu filho de uma morte estupida! Gritavam por todos os ccantos. Nelson sabia do acontecido. A Jardineira ficou manca de um lado, mas nao parou. Tinha que seguir até o final da lama. Agarrados uns aos outros, os passageiros faziam uma corrente que mais pareciam um bolo de arame farpado jogados num saco de plastico. Batendo coma. uma boiada com chocalhos, a Jardineira parou e largando um sorriso no ar abafado, Nelson explica 0 acontecido: - Se parasse ali nao chegariamos nunca. O estouro foi a corrente do lado esquerdo das rodas traseiras que arrebentaram. Joguei toda sorte € estamos a meio caminho, disse 0 motorista. - A meio caminho quer dizer que vamos enfrentar tudo desse jeito. Impacientemente, pedia explicacao Alipao, em pé, batendo a cabega no teto da jardineira, com seus dois metros de altura. ~ O dificil agora é 0 trecho do Fabido, Se nao choveu nesta madrugada, 102 iat eee a foe chovide muito, 86 Deus sabe! Orientava : oo 1ega a cidade de Iracarambi, onde, para MUHTOS, nde € Jacaré. Nome antigo que a populacéo procura evitar, muitas vezes até brigam. Uma ligeira lubrificada e aprumar. Acertaram as correntes dos pneus. Uma dezena de felizes passageiros subiu. Uma diizia de outros ajeitaram nos espagos pouco convidativos. O Toca fita deliciava com misicas alegres de Luiz Gonzaga, alguns mais romanticos pediam Nelson Gongalves. Fon...Fon...A buzinachamavaos retardatarios, Sao aproximadamente duas horas da tarde. Pela frente umas dez léguas, metade do caminho ficou. Outra metade estar por vim. Nome do Pai e as oragées. - Aqui é meu lugar, comprei passagem na pensio da dona Heloisa dois dias antes, agora vern o senhor e espreguiga, como se fosse o dono. Gritava Raimundo Rufino, delegado de Policia, em Manga, enfurecido por ter perdido o lugar. - Agora o senhor me explica se tem razdo: ver de Manga até o Jacaré sentado e ainda quer ir do Jacaré até a cidade de Janudria, hem? Explique se nao td certo? Explicava o recente passageiro. - Ou vocé levanta ou sai na marra! Apertava Rufino. - Nao quero bater boca com ninguém. ‘Agora se quer provar fora mande parar o carro ¢ mediremos. Mas, sem arma de fogo. Sem medo, 0 passageiro estava decidido a ficar sentado. Apés uma longa mediasao, ele foi convencido a pendurar no ferro central e seguir viagem. Todos mostravam cansaco. Alguns roncavam téo forte, como Joao Borrola, que parecia que ia explodir. A viagem corria bem. E torcer para 0 Fabio estar seco. - Esté trovejando. Sinal de estiagem! falou Melquiades. - Serd? Ou chuva de tempestade. Agourou Geralda Cheba. - Vire sua boca pra ld, é tudo bom sinal de Deus. Garantiu Cicero da Igreja. 103 Assim rolava o papo na Jardineira. Chegando ao Fabiao um bom tempo esperava. A farofa corria solta na casa de dona Joana, que, com sorriso largo, recebia todos os sessenta passageiros, com carinho. A mesa estava completa com panelas de frango, farofa, arroz € aquele feijio quente. O aroma da comida fresquinha enchia todo o ambiente. - © Dona Otilia! chegou em Santa hora! Uma crianga t4 pra nascer ¢ sei que a senhora é parteira de mao cheia. Agradecia de maos postas dona Joana do Fabiao. - Estou pronta! Vamos ver a mae! Se prontificou a parteira. Mas antes teve que tomar a santa dose de pinga que lhe dava coragem e forca para a delicada missao. Se nao, era tremedeira na certa. Ai, podia nascer anjo € marcar o sepultamento. Nao demorou muito e dona Otilia colocava mais uma crianca no mundo. Os berros do recém- nascido se ouvia de longe.As boas noticias favoreciam a viagem. O pior trecho tinha uma pareia de bois que puxaria os carros no atoleiro. Com votos de boa viagem a Jardineira tomou rumo. Nao precisou de ajuda, O trecho estava em boas condi¢ées ¢ néo teria mais problemas. Romincio deliciava com Barnabé, uma pinga tampa de sabugo. A velha dona Otilia explicava o recente parto. As criangas nao cagaram mais. O barulhento cachorro cansou e por sorte dormia. A tarde era de um vento apreciavel. Um cheiro mais saudavel penetrava, espremido, pelas gretas das estreitas janelas. - Seu Nelson, o senhor é um santo e tem um anjo da guarda que o protege! Agradecia Domingos Barbeiro, que viajava com, antecedéncia, para comprar logo sua fantasia de carnaval em Januaria. Todos os anos ele era o porta-estandarte da melhor escola de samba da cidade de Manga. Todos ofereciam uma palavra de amor ao maravilhoso, proprietario da conducio. Sao 18 horas ¢ 30 minutos. Foram dez horas de suspense. Mas tudo correu bem. A jardineira buzinava nas ruas de paralepipedos de Janudria. Até a proxima viagem... se Deus quiser! 104 pela estrada de tera,atual Br -135, 1966, proximo a cidade de Séo Jodo das Misses oS mais luxuoso vapor do Rio Sao Francisco, 0 Wenceslau Bras, las cores azuis ¢ claras, apartamentos de luxo, salas decoradas quadros, frequentado restaurante ¢ uma arejada cobertura, cionando aos turistas todo o conforto de uma inesquectvel m cinco estrelas. Inclusive com sala de projecao de filmes. im € 0 vapor exclusivamente voltado ao transporte de turist: partes do mundo: Franceses, ingleses, alemaes ameri iqueses, entre outros. As passagens sao vendidas na cidade do Rio de Janeiro. O vapor j4 vem com sua capacidade esgotada na primeira classe. Sé séo vendidas passagens de segunda classe, préximo aos imensos pordes de ago, também junto a cozinha, e, até mesmo, ao lado caldeira onde hd um calor dos infernos. Sem camarotes luxuosos, como na primeira, os passageiros dormem nas esteiras ou nas coloridas redes nordestinas, penduradas nos ferros agarrados ao teto da embarcacao. Para as refeigdes, ¢ preciso levar, até a porta da cozinha, os copos, os pratos € os talheres, quase sempre de aluminio, para serem servidos pelas cozinheiras com suas grandes conchas. Mas, indiferentes algumas posicées sobre primeira ou segunda classe, 0 que mesmo importa é a satisfagao de encontrar no cais novidades raras para os manguenses. Ha mais de uma semana que o quadro negro encontra-se na parede da agéncia da Cia de Navegacio, localizada na movimentada Rua do Bar, informando sobre o horario de saida e provavel chegada do majestoso Wenceslau Brds, saindo de Pirapora com destino a Juazeiro na Bahia. Uma multidio caminha em diregao ao cais, alguns vestem as suas melhores roupas, outros enchem os balaios de frutas como umbu, laranja, bananas, coco e tangerina. Os garotos estao euféricos com a possibilidade de ganhar algumas gorjetas, mais polpudas, dando informagao aos turistas. Tudo é mudado com a chegada do luxuoso vapor. A rotina de Manga & quebrada quando 0 apito do Wenceslau Brés desponta na curva da bomba da usina. Os olhos brilham no suspiro fundo, bem fundo: o vapor apontou, como um sonho! O seu casco preto resplandecente nas aguas marrons, a grossa fumaca que se mistura ao vento, as cores fortes das roupas dos turistas brindam de alegrias a todos, como uma festa de mil cores. As maquinas forograficas disputam os angulos para uma melhor foto. Deslizando ‘mponentemente, o imenso vapor desperta a cidade, com mais um forte apito, ao atingir o perfil do modesto cais, completamente tomado de curiosos. A grande roda de madeira, trangada de vergalhées de aco, lentamente, vai perdendo suas forgas, jogando volumosa porco de d4gua para cima. A campanhia de controle da marcha é ouvida a distancia €, os maquinistas percebem o aproximar de mais uma cidade. Vagarosamente eles controlam o leme da embarcagao. Ancorado, o vapor ¢ amarrado em dois grandes troncos com precisa habilidade dos marinheiros, vestidos de calgao caque azul ¢ camiseta branca com o logotipo amarelo, simbolo da Cia. de Navegacao do Sao Francisco ~ uma cara larga, com dois grandes olhos amarelos, pintado no lado esquerdo do peito. A prancha de madeira é langada ao rio, uma ligeira lavada e imediatamente estendida aos pés dos visitantes. Percebe-se ansiedade de ambos os lados: os turistas que chegam e os manguenses. Os olhares imperdiveis em tudo ¢ em todos. As desgastadas escadas de cimento, ja muito antiga, estéo toda tomada pelas malas, sacos, méveis de mudangas, cachorros, criangas vendendo de tudo, curiosos procurando, mais de perto, assistir o mais vibrante espetdculo da pacata cidade. Os gringos, a principio, ficam assustados com os regalados olhos em suas roupas, nos seus bustos rosados, nas suas pernas bronzeadas, nas méquinas possantes e, mais ainda, no semblante vivido de satide, nao muito encontrado nos habitantes de Manga. Muitos querem trocar uma palavra com os turistas, mas ficam meio atordoados, quando recebem Fespostas em idiomas nunca ouvidos a nao ser nas confusas missas do Padre Abel ou do Padre Estevao. Acidade nao tem muito a oferecer, apenas duas Igrejas sao os pontos mais visitados. A velhae desprezada Igreja de Sao Sebastido, conservando seu estilo barroco, é demoradamente visitada por muitos turistas, 0 que chama & atencao de muitos manguenses que nada mais veem em sua velha pardquia, A mais moderna éa Igreja de N. S. Aparecida, em frente ar 109 ao antigo Grupo Escolar Olegirio Maciel, o unico na cidade, também com suas paredes envelhecidas, rodeado de drvores € protegido por um muro de pilastras de madeira pintada de um vermelho encarnado. Atrds da Igreja, na mesma praca, encontra-se o imenso hospital do SESP, tio inexplicavelmente jogado ao desprezo pelas autoridades. E notar a boca torta dos turistas, que visivelmente, néo entendem o isolamento dos principais prédios publicos, numa cidade tao carente. A visita ao Mercado Central é imprescindivel. Pouco é oferecido em suas lojas ou em suas bancas, apenas, o retrato preto e branco da pobreza. Mas, ali se pode se encontrar uma rapadura alva, um queijo fresco, uma barra de batida, uma boa tapioca, uma carne seca, um tablete de doce de buriti, éleo de pequi, conservas de pimenta, ¢ as famosas pinga da regiao. O vapor néo fica mais que meia hora. O primeiro apito chama as dezenas de passageiros espalhados nas ruas da cidade. Ninguém arreda pé do cais, alguns mais curiosos entram no vapor. O jogo de cartas ¢ 0 passatempo mais praticado, uma ligeira pescada, ouvir musica nos toca-discos, um som de violéo, uma gelada cerveja e como maior atragao, um belo filme projetado na cobertura do atraente vapor, deixa os manguenses deslumbrados com tanto conforto. Manga, que nao tem luz elétrica, encontra-se impossibilitada de ter um cinema. Lamentam néo ter 0 vapor passado & noite. Os cavados biquinis, das loiras européias, agitam 0 semblante dos curiosos, que em cada mergulho nas mansas 4guas é acompanhado com entusiasmo por todos. O terceiro apito significa a partida imediata. A caldeira lotada até a boca de lenha, solta grandes labaredas. Os foguistas, vestidos de calgao caqui azuis, boné e luvas de couro grosso, empurram as vermelhas brasas para o fundo. Com o toque de campanhinha do contramestre, dirigido da cabine de comando, localizada no Ultimo andar da embarca¢ao, 3s méquinas iniciam o acelerar das aguas com a imensa roda. O basro 110 espalha com a forca da mar arrancada de ré, vapor Francisco, Alguns parentes segunda classe acomodados cha mais forte, lentamente com uma ligeira comega a dirigir-se ao centro do Rio Sao abanam as mios de longe onde seguem na em redes ou nas surradas esteiras de palha, Ss que retornam as suas terras natais, OS manguenses aguardaram o ultimo apito, ¢ ao longe, o Wenceslau Braz, caprichosamente, despede com um triste e demorado agudo som, o seu Pupupuuuu, do mundo manguense, ultima cidade em territério mineiro. Agora é tocar marcha até a cidade baiana de Carinhanha. Manga volta ao cotidiano.A passagem do vapor é assunto para uma ou duas semanas, conversados nas portas das residéncias, nos bares, nas ruas. Alguns contam os trocados , resultado da venda dos doces de leite, de buriti, de umbu e de batata-doce. Indiferente aos comentarios, os ricos turistas procuram viver em suas viagens todas as tiquezas que a natureza brasileira oferece e que muitos poucos brasileiros tem condi¢4o de desfrutar. alguns visitantes nordestino: No cais, Até quando os vapores passarao? A cada dia menos embarcagées navegam nas dancarinas 4guas do Rio Sao Francisco. Os manguenses sentem distanciar a alegria e os sonhos que preenchem as vazias ruas - uma festa com sabor de saudades. M1 FULO DO CAIS ] leito do Rio Sao Francisco foi, por muitos anos, o Gnico caminho dos imigrantes nordestinos que fugiam da seca, rumo as riquezas do Sul. Hoje, é bem diferente, o asfalto é 0 caminho mais rapido ¢ o Sul nao tem mais aquele brilho de sonhos de ouro. A miséria se alastra. Mas voltando algumas décadas passadas, lembro-me de um crioulo, forte como um touro, que se orgulhava em narrar a sua caminhada até as terras do extremo Norte de Minas. Nascido em Cabrobré, cidade do sertéo Pernambucano, Fulé (Floriano de Jesus) dizia ter caminhado umas quinhentas léguas, légua de bei¢o, viajando em alguns trechos em lombo de burro, mais algumas centenas de léguas nas caronas dos paus-de-araras, e rasgando o mundo de um extremo ao outro, chegou as margens do “Velho Chico”. De acordo as suas narrativas, pegou uma barcaca de nome Santa Maria na cidade de Juazeiro da Bahia e foi parar em Bom Jesus da Lapa. Ao visitar a gruta milagrosa de Bom Jesus, Fuld se benzeu e molhando a testa com a dgua benta que pingava das pedras da gruta, pediu ao Bom Jesus uns milagres: Uma terra pr4 plantar, uma mulher e filho pra viver e gente boa pra prosear. Saiu da gruta com o Sol causticante. Um mundo de gente se amontoava em todos os cantos para agradecer ou pedir um milagre. Era dia 6 de agosto, dia do Bom Jesus da Lapa. Esperou o préximo vapor que vinha subindo, lentamente, as 4guas do Sio Francisco, com destino ao porto mineiro de Pirapora. O ultimo Potto. O grosso apito do Otdvio Carneiro despertou 0 leve sono de Fuld. No britho dos seus olhos, o escuro destino. Se acomodou na segunda » Mais préximo a caldeira da embarcacio. O calor era sufocante. Ja 125 era noite, as redes de dormir, com suas cores berrantes, foram esticadas nas vigas de ferro. Os causos foram engolindo a madrugada adentro. Foram trés dias de mansa viagem no deslizar das 4guas, passando pelas cidades ribeirinhas de Carinhanha ¢ Malhada. Ali se assisti um dos mais belos espetaculos da natureza, quando as dguas do afluente Rio Carinhanha, ao desembocar no Sao Francisco, mantinha sua cor mais clara, quase azul, nao se misturando ao Velho Chico, com sua cor marrom, formando uma imensa estrada de 4guas onduladas. Finalmente chega-se a primeira cidade mineira: Manga. No cais, foi recebido, silenciosamente, pelo compadre Alcidao. Fulé, homem forte, muisculos torneados, mais pareciam bolas de ferro. A cidade era uma solidao. A seca, também, estava presente naquelas terras. Antes de buscar um pedaco de terra, Fulé precisava encontrar pedagos de pao - a fome assustava. E se dispés a carregar nas costas sacos de mantimentos, normalmente com 60 quilos, do cais até os armazéns da cidade. Parecia carregar um pacote de algodao. Os tempos passaram, as terras nao vieram, mas a mulher € os filhos ja se amontoavam na pequena casa, bem préximo ao porto. Fuld recebeu © sobrenome “do cais”, aceitou com felicidade. Ali no cais ele tirava todo seu sustento e da familia. Sentado nos degraus, ele muitas vezes buscava no horizonte do Rio, o seu primeiro mundo - Cabrobré. Também, buscava no olhar uma embarcagao que viesse com muita carga para a cidade de Manga. Ninguém mais assustava quando Fuld passava em passos largos, pés descalgos, corpo lavado de suor, dois sacos de 60 quilos nas costas. oO dinheiro est4 curto € tenho que esticar, dizia Fuld. Um dia, como todos os outros dias, o vapor Fernao Dias, ancorou em Manga. Muito milho para embarcar em seus grandes pordes. Fuld comandou uma verdadeira tropa de carregadores. No correr de dois dias, o cansago era um peso insustentavel. Os passos j4 se bailavam € 126 re a prancha do Vapor, Fuld deixou cair 0 negro corpo € do Velho Chico e engolfou em golpe mortal. sobi

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