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A ARQUITECTURA DA CIDADE por ALDO ROSSI 1977 EDIGOES COSMOS LISBOA Te 8—MILKO— A zona da Praga de Duom ‘lo gotiea junto da Praga Mezeant! be fF INTRODUCAO FACTOS URBANOS E TEORIA DA CIDADE A cidade, objecto dest tectura. Ao falar de arquit gem visivel da cidade © 20 conjunto das suas arquitectaras, mas, de preferéncia, & arquitectura como construgio. Refiro-me & construgio, di cidade no tempo. Considero que este ponto de vista, independentemente dos meus conhecimentos especific global da cidade; esta 0, € aqui entendida como uma arqui- rnio entendo referit-me apenas & ima- por natureza, col ‘Assim como of primeios homens construlram para si habitagdes, © nna sua primeira construcio procuravam realizar um ambiente mais favo- ravel 2 sua vida, consteuindo um clima artificial, assim também cons- trufram segundo uma intencionalidade estética. Iniciaram a arquitec- tara a um tempo com os primeiros tragos da cidade; a arquitectura é, assim, congénita com a formagio da civilizagio e é um facto permaneate, universal © necessitio. Criagio de um ambiente mais propicio 4 vida ¢ intencionalidade cestética sio os caracteres estiveis da arquitectura; estes aspectos sobres- saem em qualquer pesquisa positiva ¢ iluminam a cidade como criagio omana, ‘Mas para dar forma concreta 2 sociedade, ¢ sendo congénita com esta e com a natureza, a um modo original, de qualquer out sara é 2 2B ‘A ARQUITECTURA DA CIDADE Estas slo as bases para o estudo positivo da cidade; esta delineia-se jf nos primeiros implantes ‘Mas com 0 tempo a cidade cresce sobre si mesma; adquire cons- Sria de si propria. Na sua construgio permanecem 03 motivos otigindrios, mas 20 mesmo tempo a cidade precisa ¢ modifica ‘08 mativos do seu desenvolvimento. Florenga é uma cidade conereta; mas a memoria de Florenga e a sua imagem adquirem valores que valem ¢ representam outras experiéncias. Por outro lado, a universalidade da sua experiéncia nunca nos permitirs aperceber completamente daquela forma precisa, daquele tipo de coisa que Florencs. conteaste entee particular e universal e ent sobressai da cidade ¢ da sua propria construgio —a sua arquitectura Este contraste entre particular e universal e entre individidual e colectivo € um dos principais pontos de vista de que se estuda 2 cidade neste livro; manifesta-se sob diversos aspectos, nas relagdes entre esfera piblica € privada, no contraste entre a projectagio racional da arquitectura urbana € 0s valores do locus, entre edi licos e edificios privados. ividual e colectivo Por outro lado, 0 met lemas quant ppelas suas relagdes com os qui uma das origem deste livro: os estudos que efectuei em separado sobre algumas cidades agravaram sempre « dificuldade de estabeles intervengio parece ter de se referir a critérios gerais de implantacio. Assim, enquanto por um lado nego que se possa de modo racional cestabelecer intervencoes ligadas a situagSes locais, por outro lado dow-me conta de que estas situagées S40, pe vengies. Por este motivo nio serd nunca demasiada a importincia dada, nos estudos urbanos, 20 trabalho monogrifico, ao conhecimento de cada dos factos urbanos, Menosprezando-os —mesmo nos aspectos ., mais particulares, mais irregulares da realidade, mas ss0 mesmo mais interessantes ainda — acabsremos por construit aquelas que caracterizam as inter~ INTRODUGAO cido pela teoria dos factos urbanos aqui indicada, pela identificagio da cidade com um manufacto ¢ pela divisio da cidade em elementos pri- mirios ¢ em érea-residéncia, Estou convencido de que existe uma seria possibilidade de progredir neste campo caso se pfoceda a um exame sistemitico © comparativo dos factos urbanos com base na primeiea classiicagao aqui tentada Sobre este ponto é necessitio dizer ainda o seguinte: embora a divisio da cidade em esfera publica ¢ esfera privada, elementos pri- imtios e drea-residéncia teala jé sido vérias vezes indicada e propos nio teve nunca, contudo, a importincia de primeito plano que merece. Esta divisfo esti intimamente selacionada com a arquitectura da cidade, visto que esta arquitectura é parte integrante do homem; é a sua construgio. A arquitectura é 2 cena fixa das vicissitudes do homem, carregada de sentimentos de geragdes, de acontecimentos publicos, de tuagédias privadas, de factos novos e antigos. O elemento colectivo © 0 privado, sociedade e individuo, conteapem-te © confundem-se na cidade, que € feita de tantos pequenos seres que procuram uma siste- rmatizagio e, juntamente com ests, um pequeno ambiente para si mais conveaiente ao ambiente geral ‘As casas de habitagio e a rea sobre a qual seu fluis nos sinais desta vida quot Observem-se as secgées horizontais da cidade que os atqueélogos zos oferecem; sio como que uma trama primordial e eterna do viver, como que um esquema imativel, ‘Quem recordar as cidades da Europa apés os bombardeamentos a tltima guecra tem perante si a imagem daquelas casas desventradas, fem que entre escombros permaneciam firmes os cortes das habitagdes familiares, comas cores desbotadas das tapegaras, os lavat6ris suspensos zo vazio, o emaranhado das canslizagbes, a intimidade das divisbes des- truidas. E bem assim, paca ads mesmos, esteanhamente envelhecidas, as casas da nossa infincia no fluir da cidade. “Também as imagens, gravurss € fotografias dos desventramentos fos oferecem esta visio; destruigdes e desventesmentos, expropriacbes ¢ transformagies bruscas no uso do solo, bem como especulagio obsoleseéncia, s40 alguns dos meios mais conhecidos da dinimica urbana; por isso tentazei analis{los completamente, Mas 4 parte qual- quer sua avaliagio, eles ficam como a imagem do destino interrompido do individvo, da sua participagio, muitas vezes dolorosa e dificil, no Bs sistem tornam-se no A ARQUITECTURA DA CIDADE destino da colectividade, a qual, porém, como um todo, parece expri- éncia, nos monumentos urbanos. Os momumentos, sinais da vontade colectiva expressos mediante os rincipios da arquitectura, parecem colocar-se como elementos pri- juais pontos fixos da dintmica ur Princlpios e modificagées do real constituem a estrutura da criagio. human: cestudo procuts, pois, ordenar ¢ dispor os principais problemas da cigncia urbana, © nexo destes problemas, ¢ as suas implicagées, reportam a ciéncia urbana ao coajunto das ciéncias humanas; mas creio que neste quadro esta citacia tenha uma autonomia prépria, apesar de, no curso deste estado, varias vezes me interrogar sobre quais slo as caracteristicas de autonomia e os limites de uma ciéncia urbana, Podemos estudar 2 Gidade sob muitos pontos de vista; apresenta-se porém autonoma- mente quando 2 consideramos como dado dltimo, como construgio, Por ovtmas palavris, quando anailsamos of fictot usbanot por aquilo que eles si0, como construsio altima de uma elaboragio com- plexa, tendo em conta todos os dados desta elaboragio que nfo podem set abrangidos pela da arguitectura, nem pela sociologia, nem Tnclino-me a crer que a ciéncia urbana, entendida deste modo, Jr um capitulo da histéria da cultura, e pelo seu carécter = capftulos principais. No decorrer deste estudo ocupo-me de diversos métodos para encitat o problema do estudo da cidade; entre estes métodos sobressai © método comparativo, Também aqui a comparagio metédica da regular das diferengas crescentes seri sempre para nds 0 guia mais seguro para esclarecer as questdes até aos seus iltimos ele- mentos. Por isso falo com particular conviesio da importincia do método histérico; mas insisto tmbém no facto de que nio podemos considerar o estado da cidade simplesmente como um estudo histérico. Devemos antes colocar particular atengio no estudo das permanéncias, i que a histéria da cidade se resolva unicamente nas per- manéncias. Creio, de facto, que os elementos permanentes podem 26 INTRODUGKO set considerados também com critétio anilogo ao dos elementos patol6- gicos. significado dos elementos permanentes no estudo da cidade pode ser comparado com 0 que cles t8m na lingua; € particularmente evi- dente que o estudo da cidade apresenta analogias com o da linguistica, sobretudo no que respeita a complexidade dos processos de modificagio. © as permanéncias. Os pontas fixados por De Sausurre (*) para 0 desenvolvimento da Linguistica poder-se-iam transpor como programa para o desenvolvi- mento da ciéncia urbana: descrigio ¢ histéria das cidades existentes, investigacio das forgas que estio em jogo, de modo permanente e uni- versal, em todo os factos urbanos. E, como é natural, a sua necessidade em se delimitarem e definirem. Remetendo a um deseavolvimento sistemitico um programa deste tipo, procurei deter-me principalmente nos problemas histéricos € nos métodos de descrigio dos factos urbanos, nas relagbes entre os factores locais e a construgio dos mesmos factos, aa identificagio das forgas principais que actuam na cidade, entendidas como forgas que esto em jogo de modo permanente ¢ universal. ‘A iiltima parte deste livro procura colocar o problems politico da cidade; © problema politico € entendido aqui como um problema de lo que a cidade se realiza a si mesma segundo uma propria importante dos nossos cia de cidade; por ou Existe na realidade um continuo proceso de influéncias, de per- smutas, muitas vezes contraposigdes entre os factos urbanos, tal como se concretizam na cidade, e as propostas ideais, Afirmo aqui que = historia da arquitectura e dos factos urbanos realizados € sempre a A ARQUITECTURA DA CIDADE historia da arquitectura das classes dominantes; seria necessésio ver em {que limites € com que sucesso as épocas de revolugio contrapdem um proprio modo conereto de organizar a cidade. 1a realidade, sob 0 ponto de vista do estudo da -nos perante duas posigies muito diferentes; seria estas posighes a partic da histéria de cidade grega e a partir da contei- posigio da anilise ati a do concreto usbano e da repiblica pla- ica. Abrem-se aqui importantes questdes de método. Inclino-me a crer que a posigio at ica enquanto estudo dos factos abrin decisivamente o caminho ao estudo da cidade e também & ‘geografia urbana © & tara urbans Contudo, é indul que nos nio podemos aperceber do valor cconcreto de'certas experigncits se néo agitmos tenda em consideragio estes dois planos de estudo; de facto, algumas ideias de tipo puramente espacial modificaram de modo notavel ¢ em formas e com intervengbes directas ou indirectas os tempos e os modos da din4mica urbana. ‘A anilise destes modos é para nés de extrema importancia, Para a elaboragio de uma teoria urbana podemo-nos referir a uma mole imponente de estudos; mas devemos té-los em conta das mais diversas maneiras ¢ valermo-nos deles no que importa & construgio de uum quadro geral de ums especifica teoria urbana, Sem pretender tragar um quadro de seferimento para uma histéria do estudo da cidade, pode-se afirmar que existem dois grandes sistemas: © que considera a cidade como o produto de sistemas funcionais gera- dores da sua arquitectura, e portento do espago urbano, e 0 que consi- dera 2 cidade como uma estrurura espacial. No primeiro caso a cidade nasce da anilise de sistemas politicos, 0 segundo ponto de vista pertence de preferéncia 4 arquitectura e a geo- gratia. ‘Se bem que eu part segundo ponto de vista, como dado ini- 1s dos primeiros sistemas um A formulago de questdes muito importantes. 10 decorrer desta obra fago referéncia a autores de diferentes, proveniéncias, procuranda considerar algumas teses que creio funda- independentemente da sua qualificagio. Os autores de que me valho nio so muitos se se considera a quantidade de material disponivel; ‘mas & parte a observasio geral de que ou um livso ¢ um autor fazer 28 INTRODUGAO concretamente parte de uma pesquisa ¢ que 0 seu ponto de vista cons- 10 essencial para esta pesquisa, ou, se nio, cité-los indo tem qualquer significado, preferi debater 2 obra de alguas autores que creio contudo serem fundamentais para um estudo deste tipo. As teorias de alguns destes estudiosos, cujo conhecimento me € bastante fa ruem as proprias hipéteses desta pesquisa. Seja de que parte se pretenda iniciar a fundamentagio de ume teoria urbana aut6- ‘noma aio podemos prescindir dos seus contributos. Permanecem naturalmente fora da discussio aqui empreendida alguns contributos que sio fundamentais e que serio retomados, como igdes de Fustel de Coulanges (*), de Mommsen e de mitos vio e vém, passando pouco ¢ pouco de um para o1 Cada getagio narra-os de maneira diferente e acre recebido do passado novos elementos. Mas por detris desta realidade, que muda de uma época pata outea, existe uma realidade permanente {que de certo modo consegue subtrair-se 3 acgio do tempo. Nela devemos reconhecer 0 verdadeiro elemento portador de tradicio teligioss. As relagies em que 0 homem se vem a encontrar com os deuses na cidade antiga, 0 culto que ele Ihes zende, os nomes por que os invoca, as ofer € 08 sactificios que Ihes tributa sio tudo coisas ligadas a notmas invio~ liveis. Sobre elas 0 individuo aio tem qualquer poder. Cteio que a importincia do ito ¢ a sua natureza colectiva, o seu ccaticter essencial de elemento conservador do chave para a compteensio do valor dos monumentos e, pars nés, do valor da fundagio da cidade ¢ da transmissio das ideias na realidade urbana. Neste meu esboso de teoria urbana dou de facto um grande valor aos monumentos; e detenho-me frequentemente a considerar-thes 0 significado na di a completamente satisfat6ria. Este trabalho teri que ser levado avante; «e estou convencido de que a0 fazé-lo seri necessirio profundar a rela- (*)_ Fesran ps Coutanons— Cidade Antigs, Lello Irmio,Lisbos.—(N. T-) 29 A ARQUITECTURA DA CIDADE lo entre monumento, rito ¢ elemento mitolégico no sentido indicado por Foustel de Coulanges Pois se 0 tito é 0 elemento permanente e conservador do mito, também 0 € 0 monumento, o qual, no proprio momento em que teste munha 0 mito, torna possiveis as formas rituais. Isto 6, a individuali- zagio das forgas que estio em jogo, de modo permanente ¢ universal, fem todas 08 factos urbanos. Este estudo deveria ter inicio na cidade grega; permitir razor notiveis contributos 20 significado da estrutura urbana, a qual possi, tas origens, uma inscindivel relagio com o modo de sef € com 0 com. portamento das pessoas. Os contributos da antropologia moderna sobre a estrutura social das povoagdes primitivas abrem novos problemas ao estudo das plantas das cidades; estas exigem 0 estudo dos factos urbanos segundo os seus Entendo por motivos essenciais 0 estabelecimento de fundamentos para o estudo dos factos urbanos ¢ 0 conhecimento de um nimero cada vez maior de factos ¢ a integragio destes no tempo e 0 espago. Reparemos na relagio entre realidade de cada um dos factos urbanos utopias urbanas; getalmente esta relagio € estudada e dada por resol- ‘Vida adentro de um certo periodo, num contexto bastante modesto © com resultados precios. imites entre os quais podemos integrar uma anilise ipo no quadro das forcas permanentes ¢ universais que esto em jogo na cidade? convencido de que as polémicas entre o socialismo utépico importante material de estudo; mas no as podemos continuar a consi- derar no seu aspecto meramente politico, devendo ser aferidas com para a globalidade dos factos \sio € a extensio de resultados ‘dade resolvem os problemas mais dificeis truncando os periodos entre sie ignorando assim, ou aio podendo CD A Cidade An 30 ea Editors (2 volumes), Lisboa.—(N.T:) INTRODUGAO, colher, mediante resultados diversos que constituem todavia a impor- tincia do método comparativo, os cafacteres universais e permanentes das forgas da dinimica urbana. Os estudiosos de urbanistica, obeecados por algumas caracteris- ticas sociolégicas da cidade industrial, descuidaram uma série de faetos de extrema importincia e que enriquecerio a citncia urbana com um contributo tio original quanto aecessétio, Refiro-me aos implantes ¢ as cidades de colonizacio iniciadas pela Buropa sobretudo apés a descoberta da América Sobre este assunto pouco existe; Freire (*), por exemplo, tsata da influéncia de certas tipologias de edificios urbanos levadas pelos porta- ‘gueses para o Brasil e de como clas estavam estruturalmente ligadas a0 tipo de sociedade que se estabeleceu naquele pals. A relagio entre familia rural e familia latifundista da colonizacio portuguesa no Brasil, seportada 4 familia teocritica ideada pelos jesultas ¢ as espanhola & francesa, tem uma enorme importincia na formagio da cidade da América do Sul. Apercebi-me de que este tipo de estado pode trazer um contributo fundamental ao estudo das utopias urbanas e da constituigio da cidade, mas 0 material que possuimos é ainda demasiado fragmenticio. nna passagem da cidade capitalista 4 cidade socialista e é-nos ginar concretamente a medida desta modificasio. Também aqui tem validade 2 relagio que se estabeleceu com os factos linguisticos. Dividi este liveo em quatro partes; na primeira ocupo-me de pro as de descrisio ¢ de classificacio ¢, portanto, de problemas tipol6- ‘na terceira, da arqui- ¢, por conseguinte, da ria urbana; finalmente, na quarta, refiro-me &s principais questoes da dinimica urbana e ao problema da politica como opsio. ed, 1952), 2 vols, od. Livros at A ARQUITEGTURA DA CIDADE Todos estes problemas so percortidos pela questio da imagem urbana, da sua arquitectura; esta imagem toca o valor do iateizo terri- 16rio vivido e construido pelo homem, Esta questio pds-se sempre nos nossos estudos, tanto ela é congé- ita com os problemas do homem. Vidal de la Blache (*) disse que «..A moiteira, os bosques, 05 campos cultivados, as zonas incultas aglutinam-se num conjunto inseparivel, de que o homem traz consigo a recordagiio». Este conjunto inseparivel é, a um tempo, a patria natural artificial do homem. Também para a arquitectura é vilida esta acepgio de natural. Penso na definigio que Milizia dé da esséncia da arq como imitagio da natureza: «...A arqu formado pela natureza; mas tem um seguindo a natural indisteia para con: ragoes», uit as suas primeiras habi- Por fim, estou convencido de que o esquema de teoria urbana apre- sentado neste livro poder’ compreender mais do que um desenvolvi- mento € que este desenvolvimento poder assumir acentuagies e direc bes imprevistas. Mas estou igualmente convencido de que este pro- gresso no conhecimento da cidade s6 poder ser real © eficar se no Procurar reduzir novamente a cidade a umn qualquer seu aspecto parcial, perdendo de vista o seu significado. Chegado a este ponto estou também convencido de que seri neces- sitio ocaparmo-nos dos estudos urbanos e da sua organizacto na escola ena pesquisa, reconhecendo-lhes a necesséria autonomia Este meu esbogo de uma fundamentada teoria urbana, qualquer que seja 0 juizo que se qusira fazer sobre 0 seu talhe e # sua colocagio, €0 momento de uma longa pesquisa ¢ pretende abrir o disc tanto sobre os resultados obtidos quanto sobre o desenvolvimento desta pesquisa. o boo, 1984, 32 De La Buacus— Prinpie de Grgrafio Hamons, Ed. Cosmor, Lis: ed, Paris 1921) — (1, T.) CAPITULO 1 ESTRUTURA DOS FACTOS URBANOS we 3._ Questoes Funcionaliemo ingénuo.—5. Problemas de plexidede dos facts urbanos.—7. A teoria da permanncia e of 1. Ao descrever uma cidade ocupamo-nos preponderantemente da sua forma; esta forma & um dado concreto que se refere a uma expe- ritacia concreta: Atenas, Roma, Paris. Esta forma resume-se na arquitectura da cidade ¢ & a partir desta arquitectura que me ocuparci dos problemas da cidade. Ora, por ar tectura da cidade podem entender-se dois aspectos diferentes: no ps meito caso é possivel assemelhar a cidade a um grande manufacto, uma obra de engenharia e de arquitectura, maior ou menor, mais ou menos complexa, que cresce no tempo; no segundo caso podemo-nos referir fa freas mais delimitadas da cidade, a factos urhanos caractetizados por ‘uma sua arquitectura ¢, portanto, por uma sua forma. Num ¢ noutro caso apercebemo-nos de que @ afquitectura no representa senio um aspecto de uma realidade mais complexa, de uma particular estrutura, ‘20 mesmo tempo, sendo o dado diltimo verificivel desta reali- sui o ponto de vista mais concreto com que afrontar 0 dade, co problema. ‘Apercebemo-nos mais facilmente disto se pensarmos num facto uubaao determinado, ¢ logo se dispde perante nés uma série de pro- blemas que nascem da observagio daquele facto, além de que entrevemos ainda questies menos claras: as que se referem a qualidade, & natureza singular de cada facto urbano. ‘Em todas as cidades da Europa existem grandes edificos, ou con- juntos edifcados, ou agregados que constituem verdadeiros bocados de cidade ¢ cuia fungio dificilmente € a origindris “Tenho presente neste momeato o Palicio da Razio de Padua, Quando se visita um monumento deste tipo ficase surpreendido por uima série de questdes que com ele estio intimamente ligadas; m5 ‘A ARQUITECTURA DA CIDADE .do impressionado pela pluralidade de fungdes que um tipo pode conter e por estas fungies serem, por assim dizer, totalmente independentes da sua forma, ¢ no entanto € exactamente esta forma que nos fica gravada, que vivemos e percorremos, aquela que pot sua ver estrutura 2 cidade. ‘Onde comega a individualidade deste palicio e de que depende? ‘A individualidade depende certamente mais da sua forma do que da sua matéria, embora esta tenha um papel importante; mas depende também do facto de a sua forma ser organizada ¢ tornada complexa no espago ¢ no tempo, Apercebemo-nos de que, se o facto arquit nico que nds examinamos fosse, por exemplo, c ‘nfo teria o mesmo valor; neste caso a sua are ‘em si, poderiamos falar do seu estilo € io apresentaria ainda aquela riqueza de m urbano, 1 e algumas fungbes originirias mantiveram-se, outros da forma temos uma certeza estilistica, enquanto outros sugerem contribuigdes longinguas; todos pensamos not valores que se mantiveram ¢ temos de constater que, embora estes valores tenham uma conexio prépria na matéria e seja este 0 tinico dado empirico do problema, no entanto referimo-nos a valores espiritusis Chegados a este ponto temos de falar da ideia que nés temos deste cda meméria mais geral deste edificio enquanto produto da colec- , € da relagio que nés temos com a colectividade através dele. Sucede ainda que quando visitamos este palicio, quando percor- remos uma cidade, temos experigncias diferentes, impressoes diferentes. Pessoas hi que detestam um lugar por estar ligado 2 momentos nefastos da sua vida, outras atribuem a um lugar um earieter fousto; também ‘estas experigncias © a soma destas experigacias constituem a cidade, Neste sentido, embora seja extremamente dificil, dada a nossa educagio moderna, temos que reconhecer uma qualidade a0 espago. Era este 0 sentido com que os antigos consagravam um lugar, ¢ este sentido pres- supe um tipo de andlise muito mais profunda do que a simplificadora que nos € oferecida por alguns testes psicoldgicos relacionados apenas com a legibilidade das formas. Bastou determo-nos na consideragio de um tinico facto urbano para que uma série de questées tenba surgido ante nds; estas sto referl- 36 truido recentemente, itectura seria talvez ava ‘da sua forma, mas 15 com que reconhe- ESTRUTURA DOS FAGTOS URBANOS veis, ptincipalmente, a alguns grandes temas, como a individualidade, © locus, 0 desenho, a meméria, e com elas esbosa-se um tipo de conhe- ‘cimento dos factos urbanos mais completo e diferente daquele que esta- ‘mos habituados a considerar; trata-se agora de ver quanto de concreto ‘hd neste completo, Reafirmo querer ocupar-me aqui ‘da cidade, através da fo ‘oral dos factos urbanos concreto através da arqui- jue esta parece condensar 0 empiricos do nosso estado ¢ pode ser efectuada mediante delimitagtes da observasio, Isto é,em parte, o que entendemos por morfologia urbana —a descrigio das formas de um facto urbano—, mas esta alo é sengo um que para além dos elementos descritos estava «l’éme de la cité»; por ourras palavras, estava a qualidade dos factos urbanos. Os gedgrafos franceses aperfeigoaram assim um importante sistema desc lo procuraram atingir o objectivo indicado que cidade se constr6i a si mesma na sua totalidade © que esta constitui «la raison d'etre» de si mesma, deixaram por explorar © significado da estrutura divisada. Nem podiam fazer de outro modo, dadas as premissas de que haviam partido; todos estes estudos adiaram uma anilise do concreto que esti em cada um dos factos urbanos. 2, Procurarei examinar mais & frente estes estudos nas suas Linhas principais; € necessério introduzir agora uma consideragao funda- mental ¢ feferit-me a alguns autores que orientam esta pesquisa. Ao interrogarmo-nos sobre a individualidade ¢ a estrutura de um determinado facto urbano deparou-se-nos uma série de interrogagées cujo conjunto parece constituir um sistema capaz de analisar uma obra de arte, Ora, apesar de toda a presente pesquisa ser conduzids por forma a estabelecer a natureza dos factos urbanos ¢ a sua identifieagio, pode-te desde ja declarar que admitimos a existéncia de qualquer coisa ‘na natureza dos factos urbanos que os torna muito semelhantes — € 10 86 metaforicamente—a obra de arte; sio uma construgio na matéria, 37 A ARQUITECTURA DA CIDADE «e, no obstante a matéria, de algo diferente: sio condicionados, mas também condicionantes (1). Esta artisticidade dos factos urbanos est muito ligada & sua quali- dade, 20 seu snicum; portanto, & sua anilise ¢ 4 sua definicio. Esta iquestio € extremamente complexa. Ora, desprezando 08 aspectos psi- eolégicos da questio, creio que os factos urbanos sio complexos em sie que 4 nds nos & possivel analisi-los mas dificilmente defini-os, ‘Sempre me interessow particularmente a natureza deste problema © estou convencido de que ela se refere precisamente & arquitectura da ‘cidade. Consideremos um facto urbane yuer, um edificio, uma rua, ‘um bairro (*) e descrevamo-lo; surgitio todas aquelas dificuldades que recedentes 20 falar do palicio da Razto de Pidua, iidades dependerio também da ambiguidade da nossa Tinguagem ¢ patte poderio ser superadas, mas restara sempre um tipo de experiéncia s6 possivel a quem tenha percorrido aquele palécio, aguela rua, aquele bairro. ‘O conceito que nés temos de um facto urbano serd sempre um tanto, diferente do tipo de conhecimento que tem quem vive aquele mesmo facto. estas consideragées podem de algum modo limitat 0 nosso excopos € possivel que este consista principalmente em definir aquele facto turbano sob o ponto de vista do manufacto. Por outras palavras: definir c classificar uma rua, uma cidade, uma tua na cidade; o lugar desta rua, f sua fungi, a sua arquiteccura, © sucessivamente os sistemas de ruas possiveis na cidade e tantas outras coisas. Deveremos portanto ocuparmo-nos da geografia urbana, da topo~ ‘grafia urbana, da arquitectura e de out iplinas. Aqui, jf a questio ‘io é ficil mas parece possivel e nos parigrafos seguintes efectuar uma anilise neste sentido. Isto significa que, de mancira mais etal, podemos estabelecer uma geografia lgica da cidade; esta geografia I ¢ essencialmente aos problemas da linguagem, igio, da classificacto. Questies fundamentais, como as tipolégicas, ainda nfo foram objecto de um sério trabalho sistematico no campo das ciéncias urbanas aqui usada no sentido que @ autor Ihe dé no 2° Capi es ESTRUTURA DOS FAGTOS URBANOS Na base das classificagées existentes esto muitas hipéteset no. verifi- cadas, e necessatiamente, portanto, generalizigSes sem sentido. Mas nas préprias ciéncias que feferi estamos a assistir a um tipo de anilise mais vasta, mais concreta e mais completa dos factos urbanos: 62a relativa & cidade como «a coisa humana por exceléncia», é a que possivelmente se relaciona também com aquelas coisas que s6 te podem apreender vivendo concretamente um determinado facto usbano. Esta concepgio da cidade, ou melhor, dos factos urbanos como obra de arte, tem percortido o estudo da prépria cidade; ¢, sob a forma de intuigdes e descrigbes diversas, podemo-la reencont ‘A quettio da cidade como obta de arte foi, porém, posta explici- tamente e cientificamente sobretudo através da concepsio da natureza ‘urbana dos factos colectivos ¢ eu sustenho que qualquer pesqui ‘nfo pode ignorar este aspecto do problema. Como sio relacioné factos urbanos com as obras de arte? Todas as grandes manifestagées da vida social tém em comum com a obra de arte o facto de nascerem da vida inconsciente; este afvel € colectivo no ptimeito caso, indi- vidual no segundo; mas a diferenca & secundiria porque umas sto produzidas pelo piblico, as outeas para 0 piblico: € precisamente © ico que Ihes fornece um denominador comum. Com esta posigio, Lévi-Strauss reconduziu a cidade a0 ambito notou que a cidade, para além de qualquer outra obra de arte, esti entre fo elemento natural € o artificial, objecto de natureza e sujeito de cul- ura @). Esta anilise também havia sido avangada por Mautice Halbwachs jcas da imaginagio ¢ da meméria colectiva 0 Estes estudos sobre a cidade colhida na sua complexidade estrutural tém um precedente, ainda que inesperado e pouco conhecido, em Carlo Cattaneo. Cattaneo nfo pbs nunca de modo explicito a questio da artist cidade dos factos urbanos, mas a estreita conexo que tém no seu pensa~ mento as cigncias e as artes, como aspectos do desenvolvimento da mente humana ao teal, ornam possivel esta aproximagio. Ocupar-me-ci, pois, da sua concepgio da cidade como principio ideal da histéria, do ‘ 39 A ARQUITECTURA DA CIDADE ce, mio obstante a matéria, de algo diferente: s1o condicionados, mas também condicionantes (). Esta artisticidade dos factos urbanos est muito ligads & sua quali- dade, 20 seu snicum; portanto, & sua anilise ¢ & sua definigio. Esta iquestio € extremamente complex. Ora, desprezando 03 aspectos psi ecolégicos da questio, creio que os factos urbanos sio complexos em sie que a nds nos é possivel analisi-los mas dificilmente defini-los. ‘Sempre me interessow particularmente a natureza deste problema e estou convencido de que ela se refere precisamente & arquitectura da cidade. Consideremos um facto urbano qualquer, um edificio, uma roa, ‘um bairro (*) e descrevamo-lo; surgitio todas aquelas dificuldades que ‘vimos nas piginas precedentes 20 falar do palicio da Razio de Pidua, fe destas dificuldades dependerio também da ambiguidade da nossa inguagem © parte poderio ser superadas, mas restari sempre um tipo de experiéncia 86 possivel a quem tenha percorrido aquele palécio, aquela rua, aquele bairro. (O conceito que nés temos de um facto urbano seré sempre um tanto, diferente do tipo de conhecimento que tem quem vive aquele mesmo facto. sas consideragies podem de algum modo limitar o nosso escopos € possivel que este consista principalmente em definit aquele facto turbano sob 0 ponto de vista do manufacto. Por outras palavras: definir ce lassificar uma rua, uma cidade, uma rua na cidade; o lugar desta rua, a sua fungio, a sua arquitectura, ¢ sucessivamente os sistemas de Tuas possiveis a cidade ¢ tamtas outras coisas. Deveremos portanto ocuparmo-nos da geografia urbana, da topo- grafia urbana, da arquitectara e de outras diseiplinas. Aqui, ja a questio ido € ficil mas parece possivel e nos parégrafos seguintes procuriremos, efectuat uma anilise neste sentido. Isto significa que, de maneira mais geral, podemos estabelecer uma geografia logics da cidade; esta geografia ogica deverd dedicar-se essencialmente aos problemas da linguagem, da descricio, da classificagio. Questdes fundamentais, como as tipolégicas, ainda nfo foram objecto de um sério trabalho sistemético no campo das ciéncias wrbanas. @ aqui wsada no sentido que o au ON. T) ESTRUTURA DOS FAGTOS URBANOS Na base das classificacées existentes estio muitas hipSteses niio verif- cadas, ¢ necessariamente, portanto, generalizagées sem sentido. Mas nas préprias ciéncias que seferi estamos a assistir a um tipo de anilise mais vasta, mais concreta ¢ mais completa dos factos urbanos: € 4 selativa & cidade como «a coisa humana por exceléncian, € a que possivelmente se selaciona também com aquelas coisas que a6 te podem apreender vivendo concretamente um determinado facto urbano. Esta concepgio da cidade, ou melh obra de arte, tem percostido o estudo da pr de intaigdes © descrigdes diversas, pode € em muitas manifestagées da vida social e religiosa: concepgio esti sempre ligada a um lugar preciso, uum lugar, um acontecimento © uma forma na cidade. ‘A questo da cidade como obra de arte foi, porém, posta explici- tamente e cientifcamente sobretudo através da concepgio da natureza dos factos colectivos e en sustenho que qualquer pesquisa urbana ‘io pode ignorar este aspecto do problema. Como sio relacionéveis os com as obras de arte? Todas as grandes manifestagbes sm em comum com a obra de atte 0 facto de naseetem urbanos como 4a vida inconsciente; este nivel & colectivo no primeiro caso, indi- Vidual no segundo; mas a diferenga & secundéria porque umas sio produzidas pelo pablico, as outras para o piiblico: é precisamente 0 pblico que hes fornece um denominador comum. Com esta posigio, Lévi-Strauss reconduziu a cidade 20 émbito de uma temética rica de desenvolvimentos imprevistos. Ele também © elemento natural o artificial, objecto de natureza ¢ suj a andlise também havia sido avangada por Maurice Halbwachs icas da imaginagio ¢ da meméria colectiva 0 urbanos. rados sobre a cidade colhida na sua complexidade estrutural tem um precedente, ainda que inesperado e pouco conhecido, em Carlo Cattaneo. Cattaneo nfo pis nunca de modo explicito a questo da ar ide dos factos usbanos, mas a estreita conexio que tém no seu pensa- mento as cigncias © as, como aspecios do desenvolvimento da ‘mente humana no real, tornam possivel esta aproximagio. Ocupas-me-ci, pois, da sua concepgio da cidade como principio ideal da histéria, do ‘ 39 ‘A ARQUITECTURA DA CIDADE vvinculo entre 0 campo ¢ a cidade ¢ de outras questdes do seu pensa- mento relativas aos factos usbanos. Tnteressa observar aqui como & que ele se coloca perante a cidade: taneo nfo faré nunca dis- tingio entre cidade e campo, uma vex que o inteito conjunto dos lugares hhabitados € obra do homem, «...Cada regio distingue-se das selva gens nisto: de ser ela um imenso depésito de fadigas... Aquela terra Bo é portanto, obra da natureza; é obra das nossas mos, € uma patria ‘A cidade ea regito, a terra agricola os bosques tormam-se a coisa hhumana porque sio um imenso depésito de fadign, sio obra das nossas ‘mas em quanto pétriaartiflal e coisa consteuida elas sfo também wuaho de valores, sio permanéncia e meméria. A cidade esté na sua his Portanto 2 rclagio entre o lugar ¢ os homens, ¢ a obra de arte que € o facto altimo, essencialmente decisivo, que conforma ¢ orienta 2 evolugio segundo uma finalidade estética, imp6e-nos um modo com- plexo de estudar a cidade. B naturalmente teremos que ter também em conta 0 modo como 6s homens se orientam na eidade, a evolugio © a formagio do seu sen- ‘na minha opiniio, 0 sector mais estudos americanos ¢ em particular da 1 parce selativa & concepsio do espago logia e nas caracteri- 0 haviam sido avangadas também por Max Sorre (*) sobre um material anilogo: ¢ patticularmente sobre as observagses de Mauss (**) acerca da correlagio entre 05, rromes dos grupos eos nomes dos lugares nos esquimds. Seri talvez volear 2 estes arguments; por agora tudo isto nos serve apenas sa e deveri ser retomado apenas quando leragio um maior aimero de aspectos do facto urbano até procurar compreender a cidade como uma grande representagio da condigfo humana. Procuto ler aqui esta representagio através da sua cena fixa € pro~ funda: a arquitectura. Por vezes intertogo-me como € que péde acon Daseada em grande parte no! ticas urbanas. Observagies des Somns, Max — Lar fondemonts dt le Gugraphie Hhanane, 2 vole Coli, Macs Mances — ver nots f 20 cap 40 ESTRUTURA DOS FAGTOS URBANOS tecer nunca se ter analisado a arquitectura por este seu valor mais profundo: de coisa humana que forma a realidade e conforma a mat segundo uma concepgio estética. E, assim, ela mesma € no 86 0 lugar da condigéo humana, como até uma prépria parte desta condigio, que se representa na cidade e nos seus monumentos, nos bairros, nas resic déncias, em todos os faetos urbanos que sobressaem do espaco habi- tado. A pattic desta cena os tedricos penetraram aa estrutara urbana, procurando sempre perceber quais exam os pontos fixos, 08 verdadeiros ‘ns estruturais da cidade, aqueles pontos onde se procestava a acgi0 da razto. Retomo agora a hipétese da cidade como manufacto, como obta de arquitectura ou de engenharia que cresce no tempo; € uma das mais seguras hipéteses sobre a qual podemos trabalhat vez tenha ainda validade contra muitas mis dado & pesquisa por Camillo Sitte quando procurava leis na construgio da cidade que prescindissem dos factos exclusivamente técnicos e se dessem plenamente conta da abeleza» do esquema urbano, da forma tal como ela ¢ lida: .. sistemas para eo sistema ciz- cular. As variantes resultam geralmente da fusto dos trés métodos. ‘Todos estes sistemas tém um valor artistico nulo; seu exclusivo escopo € regulamentagio da rede viéria; & portanto um escopo purumente técnico. Uma rede vidtia serve unicamente para a circulagio, nio é ‘uma obra de arte porque alo é captada pelos sentidos ¢ nio pode ser que nas. péginas abarcada de oma 56 vez senfo no plano. E por antiga Roma, de Veneza ou de Nusemberga. Sob 0 ponto 0 é-nos absolutamente indiferente. Artsticamente impor tante & apenas o que pode ser abarcado com o olhar, 0 que pode sex pono: um sn came pn )- A cham de Sie ¢ fer reportada a certas capeténcias americanas de qu falvarnos acima, onde a artisticidade se pode ler como figurabilidade. que @ ligio de Si & indubitével. refere-se i técnica da construgio urbana; xistité também sempre 9 momento, concreto, do desenho de uma 4 A ARQUITECTURA DA CIDADE praga e um principio de transmissio légica, de ensinamento, deste desenho. E 0s modelos também sempre serio, de algum modo, uma rua, uma praga. Mas pot outro lado a ligio de Sitte contém também um grande equivoco: que a cidade como obra de arte seja redutivel a qualquer episédio artistico ow 4 sua legibilidade ¢ Zo, afinal, & sua experiéncia concreta, Cremos, pelo conttirio, que o todo & mais importante que cada uma das partes; e que apenas o facto urbano na sua totalidade, por consequéncia também o sistema viério e a topografia urbana até as coisas, que se podem aprender passeando de um lado para 0 outro numa rua, constituem esta cotalidade. Naturalmente, como me preparo para fazer, deveremos examinar esta arquitectura total por partes, Comecarci, pois, por uma questio que abre o caminho 20 pro- blema da classificagio; é a da tipologia dos edificios e da sua relagio fom a cidade, Relaglo esta que constitui a hipdtese de fundo deste rei de diversos pontos de vista, considerando sempre ica, Durand escrevia: «De méme que le murs, le colonnes, ete. ss éléments dont se composent Jes Gdifices de méme les édifices sont les elements dont se composent les villes» 6. 3. A concepgio das factos urbanos como obra de arte abre o ‘caminho ao estudo de todos aqueles aspectos que esclarecem a estrutura da cidade. cidade, como coisa humana por excel arqnitectara ¢ por todas aquelas obras que Ihe constituem 0 modo real de transformagio da natureza Os homens da idade do bronze adaptaram a paisagem as neces icas a primeira transformagio do mundo segundo as neces- homem. ESTRUTURA DOS FACTOS URBANOS ‘Tio antiga como homem é, portanto, a patria No mesmo sentido destas transformagies se cons meiras formas 0s primeiros tipos de habi ficios mais complexos. O tipo vai-se constituindo, pois, de acordo com as necessidades ¢ as aspiracbes de beleza; tinico ¢ contudo variadissimo em sociedades diferentes, esti ligado & forma ¢ 20 modo de vida, rico que 0 conceito de tipo se constitua como funda- ‘mento da arquitectura ¢ se vi repetindo na pritica como nos tratados. Sustenho pois a importincia das questdes tipolégicas; importantes questdes tipoldgicas percorreram sempre historia da arquitectura © eas péem-se normalmente a0 afrontarmos problemas urbanos. rata qualquer edificio compreende sieuagio, a sua forma, a distibuigio das suas partes Penso pois no conceito de tipo como em qualquer coisa de per- manente e de complexo, um enunciado Igico que esté antes da forma € que a constitui ‘Um dos maiores tedricos da arquitectura, Quatremere de Quincy, compreendex a importincia destes problemas ¢ deu uma definito magis- tral de tipo e de modelo. “..A palavta spo allo representa tanto a imagem de uma coisa & copiat ow a imitar perfeitamente quanto a ideia de um elemento que deve ele préprio servir de xegta a0 modelo... O modelo, entendido segundo a execugio pritica da arte, é um objecto que se deve repetir tal qual é;0 tipo pelo contritio, um objecto segundo 0 qual cada um pode conceber obras que s¢ nfo assemelhem nada entre si. Tudo € preciso e dado no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo. Assim, Inés vemos que a imitagio dos tipos aZo tem nada que o tentimento ou o espirito ao possam reconhecer. ‘Em todos 08 palses a arte de fabricar com regea nasceu de um ‘terme proexistte, mm vad & necessitio um antecedente; nada, em renitum género, vem do aad; ¢ isto no pode deixar de se aplicar todas as invengdes dos homens. Assim, n6s vemos que todas clas, no obstante as transformagies posteriores, tem conservado sempre claro, sempre manifesto ao sentimento ¢ 2 rizio, o seu principio elementat. E como uma espécie de niicleo em volta do qual se coordenaram em seguida os desenvolvimentos ¢ as ‘A ARQUITECTURA DA CIDADE de que 0 objecto era susceptivel, Por isto chegaram até nés mil coisas de todos os géneros, e uma das principais ocupagies da ci da filosofia, para apreender-Ihes as razées, & indager-Ihes a origem € a causa primitive, Bis 0 que se deve chamar tipo em arquitectura, como em qualquer outro ramo das invengées e das instituigies humanas, Entregimo-nos esta discussio para dar bem a compreender 0 valor da palavra-tipo tomado metaforicamente uma quantidade de obras, ¢ 0 erro daqueles que ou o desconhecem porque nio é um modelo, ou 0 falseiam impondo-lhe 0 rigor de um modelo que implicaria a5 Na primeira parte da proposisfo 0 autor elimina a possi de algo a imitar ou a copiat, porque neste caso nto haveria, sfitma a segunda parte da proposigio, «a exiagio do modelo», allo se fara arquitectura ‘A segunda proposigio afirma que a arquitectura (modelo ou forma) existe um elemento que desempenha um papel prdprio; no portanto algo a que o objecto arquitectSnico se adequow na sua confor- magio, mas algo que esti presente no modelo. Este algo, de facto, € a tegra, o modo consttutivo da arquitectua. Em termos Idgicos pode-se dizer que este algo é uma constante, Um argumento deste tipo pressupée conceber o facto arquitecténico com uma estrutura; uma estrutura que se revela ¢ é cognoscivel no préptio facto. Se este algo, que podemos chamar 0 elemento tipico ox simples- mente o tipo, & uma constante, é revelivel em todos 08 factos axquitec- ténicos, Portanto, é também um elemento cultural ¢ como tal pode ser pesquisido nos diversos factos arquiteeténicos; a tipologia tornse assim em grande parte o momento analtico da arquitectua, ¢ € melhor individualizavel ainda 20 nlvel dos factos usbanos. AA tipologia apresenta-se, portanto, como o estudo dos tipos iio ulteriormente redutiveis dos elementos urbanos, de uma cidade como de uma arquitectara. A questio das cidades monocéntricas e dos edificios centrais ou qualquer outra € uma especifica questio tipol6gica; nenlrum tipo se identifica com uma forma, se bem que todas as formas arquitee- ténicas sejam recondutiveis a tipos. Este processo de redugio € uma operacio légica necesséria; e nto € possivel falar de problemas de forma ignorando estes pressupostos. “4 ESTRUTURA DOS FAGTOS URBANOS Neste sentido todos os tratados de arquitectura so também tratados de tipologia ¢ na projectagio € dificil distinguir os dois momentos. tipo € por conseguinte constante e apresenta-se com caracteres de necessidade; mas, ainda que determinados, reagem dialecticamente da consteugio ¢, fa daquela igecja. por fim, com a colectividade que participa na Inclino-me a eet que 08 tipos da casa de habitagio aio tenham raudado desde a antiguidade até hoje, mas isto no significa, com efei suster que no tenha mudado 0 modo concreto de viver desde a anti- guidade até hoje © que nifo hsjam sempre novos possiveis modos de ‘A casa com galeria 6 um esquema antigo ¢ presente em todas a5, casas urbanas que queremos analisar; um cosredor que serve uma série de divisdes é um esquema necessisio, mas sto tai e tantas as dife- engis entre cada uma das casas em cada uma das épocas que realizam que apresentam enormes diferencas entre si leremos dizet por fim que o tipo € a pr6pria ideia da arquitectura, © que mais perto esti da sua esstacia. F portanto aquilo que, nio obs- tante cada transformacio, sempre se tem imposto «20 sentimento € 4 razio», como o principio da arquitectara e da cidade, problema da tipologia nunca foi tratado de maneiza sistemitica com a amplitude que é necesséria; este problema esti a surgir hoje aas eseolas de arquitectura e conduzirs a bons resultados. Estou na realidade convencido de que os préprios arquitectos, se quiserem alargar funda- mentar o préprio trabalho, deverfo ocupar-se novamente de argumentos desta _natureza (8) ‘Nio me é possivel, aqui, ocuparsme mais deste problema. Certificimos que a tipologia é a ideia de um elemento que desem- ‘penha um préprio papel na constituigio da forma —e que € uma cons- tante. Procurar-se-i ver as modalidades com que isto acontece e subordi- nadamente o valor efectivo deste papel. 45 ‘A ARQUITEGTURA DA CIDADE B certo que todos os estudos que possulmos neste campo, & parte poucas excepsdes e as actuas tentativas de superagio, aio consideraram muito atentamente este problema. \diram e desviaram, procurando imediatamente algo factos urbanos em ge Pode ja dizer-se que foi formulada quando —e ¢ este o primeito passo a fazer — considerdmos o problema da desctigdo e da classificacio, Ora, grande parte das classificagées existentes no passaram para além do problema da fungio, 4. Ao colocirmo-nos perante um facto urbano indicimos as prin- cipais questées que surgem; entre elas a individualidade, 0 /nen, mems- sia, 0 proprio desenho. Nao se refeiu a funcio. enso que a explicagio dos factos urbanos mediante a sua fungio seja de sefutar quando se trate de esclatecer a constituigio a confor. magi deles; exemplifcaremos factos urbanos proemientes em que a fungio mudow no tempo ou como até nto existe uma fangto expecta, I portanto evidente que uina das teses deste estodo, que quer asteverat no estudo da cidade o8 valoces da arquitectura, é negar esta explicagio mediante a fungio de todos of factos urbanos; sustenho até que esta expliagio, em ver de esclarecedors éregressva, porque impede estudar 2s formas e conhecer 0 mundo da arquitectura segundo as suas verda deiras eis. FE nevessitio dizer jé que isto no significa recwsar 0 conceito de fongio no sea sentido mais prdpri, o sentido algebrico, que implica que 0s valores sio cogaosctveis um em fangio do outro ¢ que entre as fungées e 2 forma procura estabelecerrclagdes mais complexas que 48 lineares de causa-efeito, que sio desmentides pela realidad. Refatamos aqui precisamente esta ultima coneepeio do funcions- lismo ditada por um ingénuo empicismo, segundo o qual as fungées fesamem a forma ¢ constituem univocamente o facto usbano e a arqui- Um sal coneeito de fungio, marcado pela fsiologia, assemelha a forma a um drpio, pelo que so as fungBes qu justifcam «sua formasio 46 ESTRUTURA DOS FACTOS URBANOS € 0 seu desenvolvimento € as alteragdes da fancio implicam uma alte- raglo da forma. Funcionalismo e organicismo, as duas principais coren- Se ge im petcorido a arg i por um lado 0 tipo reduz-se a um mero esquema distributive, um dia- grama dos percursos, por outro a arquitectura ni possui qualquer valor auténomo. ‘A intencionalidade estética € a necessidade que presidem 20: ‘urbanas e Ihes estabelecem as complexas relagbes nfo podem ser ulterior mente analisadas. Se bem que o funcionalismo tenha origens mais longiaquas, foi is autor também jtagio humana: ainda aqui a fungio integral do obj deve ser tida presente ao estudarmos as virias fases da sua construcit tecnolégica e os elementos da sua estrutura» (8). A partir deste tipo de colocasio do problema facilmente se comecam 2 considerar apenas os motivos para que 0 manufacto, 0 objecto, a casa servem. A pergunta: «Para que secvem?» acaba por resultar uma simples justficagio blo- queando uma anilise do rei Este conceito da fungio € pois assumido por todo o pensamento arquitecténico ¢ urbanistico, ¢ particularmente no Ambito da geografia, chegndo a caracterizar, como se viu, mediante o funcionalismo ¢ 0 organism, grande parte da arquitectura moderna . [Na classificagio das cidades ele torna-se proeminente respeito & ppaisagem urbana ¢ 4 forma; embora muitos autores manifestem diividas sobre a validade ea exactidio de uma classificagio deste tipo, consi- deram que ado existe uma alternativa concreta pera uma qualquer classi- Gicagio eficaz. Assim, Chab spds ter declarado 2 impossibilidade de dar uma definigio precisa da cidade, pois que atras dela existe sempre tum residuo impossivel de discernir com precisio, estabelece depois fungdes, embora logo a seguir declare a sua insuficiencia ‘A cidade como aglomerado € explicada precisamente com base naquelas Fuagbes que aqueles homens queriam exercer; a fungio de uma cidade torna-se na sua «raison d’étre» e € sob esta forma que ela se revela. Em muitos casos o estudo da morfologia reduz-se a um mero estudo da fungio, 47

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