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FOMOS CONDENADOS A CIDADE WALTER ROSSA SUMARIO Apresentacio. 1" Parte: Planeamento € Patriménio Urbanis Fomos condenados a cidade: topicos de reflexio (outubro de 2007). 15 ‘um conceito em transicao. Valorizacao do patriménio urbanistico portugues. (outubro de 2005), . os 25 Apontamentos sobre hist6ria ¢ salvaguarda em desenvol Gunho de 2006) : sen 35 Planear a salvaguarda em desenvolvimento: contributos para o debate Ganeiro de 2006) one IS Hist6ria(s) do pat (ezembro de 2012). os 59 (alguns) Lugares da morfologia urbana na urbanfstica contemporanea Gunho de 2013) st io urbanistico: (re)fazer cidade parcela a parcela, iro de 2013) 7 2 Parte: Urbanismo Portugués da 1* Modernidade 133 A relevincia da cartografia para @ construglo da hist6ria de urbes como Aveiro (etembro de 2006). 135 008), 147 As cidades novas do univers urbanistico portugués: invariancia € evolugio. (dezembro de 2010) 167 cidades da razao: Vila Real de Santo Ant6nio ¢ arredores (outubro de 2008). 191 Parte: Coimbr: 219 oimbra como territério: notas para uma crénica da sua formacio urbani (maio de 2003) eee BL Urbanismo € poder na fundacio de Portugal: a reforma de Coimbra com a instalag2o de Afonso Henriques (maio de 2011) 233 4 Sofia: 1° episédio da reinstalagio moderna da Universidade Portuguesa (agosto de 2006) ee soe B53 Fundamentacio € explicacio da proposta apresentada ao Concurso Publico de Idetas para a Reabilitagao da Rua da Sofia Gutho de 2003) 267 Parte: Lisboa. 285, Lisboa Quinhentist, 0 terreiro © 0 pacer Prentincios de uma afiemagio da capitalidade Gunho de 2002) _ 287 © elo em falta: Juvarra, o sonho e a realidade de ‘um urbanismo das capitais na Lisboa Setecentista (novembro de 2011) 313 ica do Baiero das Aguas Gutho de 2009) 337 Dissertagao sobre reforma e renovagao na cultura do territério do pombalismo Caovembro de 2005) 363 No 1° Plano Gunho de 2008) 389 APRESENTACAO, Retnem-se aqui uma selec4o de 20 textos da minha producao cientifica nos 105 anos, seis deles apresentados em publico, mas por publicar. A primeira vez que organizei uma edic3o semelhante! compilei um conjunto de trabalhos feitos até a0 meu doutoramen- to (2001). Agora fago-0 com o que desde ento produzi até a minha agregacao (2013), impondo a restri¢’o de nao incluir nenhum dos teabalhos sobre o patriménio de influéncia portuguesa no Oriente. Os propésitos resumem-se a organizar, normalizar e tornar acessiveis 98 contetidos de forma digna, muito em especial a estudantes ¢ colegas. Nao € um servigo, mas um dever. Pese embora tratar-se de uma coletiinea e de, assim, cada texto ter suas autonomia, data e contexto, a escolha e arrumagio foi feita por forma a que o todo tivesse um significado em si, se nao um uma ideia que procurei enunciar no titulo ¢ subtitulo. Nessa década alargada procurei que a minha investigacdo, até entdo essencialmente focada em temas de hist6ria do urbanismo portugués, evoluisse para Onde desde © inicio apontava, ou seja, seguindo duas linhas paralelas © colaborantes: a) aprofundar 0 conhecimento sobre os fenémenos urbanisticos segundo uma perspetiva cada vez mais dirigida as suas este turas © processos; b) desenvolver ¢ ensaiar formas de aplicacio do Conhecimento te6rico-hist6rico sobre as cidades nas agdes de projeto Planeamento urbanistico, bem como na sua gestao estratégica ¢ titica "89-2001), A urbe €0 traco: uma década de estudos sobre o urhanismo bra: Almedina, 2002, HISTORIA(S) DO PATRIMONIO URBANISTICOsS A cidade € 0 mais complexo artefacto de producio € uso coletivo. Como tal é uma das mais partilhadas tematicas de estudo disciplinar necessariamente, interdi inar. Além da sua historiografia especifica, que pelo menos no inicio muito deve dita bist6ria local, é compreensi- vel que também a Hist6ria da Arte desde cedo tenha integrado a cidade no seu elenco de temas. Fé-lo por diversas formas, desde a abordagem indireta proporcionada pelas representagdes, a0 estudo dos planos e da forma urbana em si, passando pelas manifestagdes artisticas no espago urbano, ete: Mas no seu amago estrutural a cidade sempre colocou problemas ctodol6gicos a Histéria da Arte, designadamente a impossibilidade da sua percepcao global sem recurso a abstracoes especializadas, a autoria difusa e coletiva, a constante mutabilidade. As abordagens da t6ria a Arte a cidade ocorrem através do confinamento da realidade estuda- 4 a algo que as suas metodologias Ihe permitam tratar. Isolam planos © autores, focam sectores e/ ou espacos urbanos, destacam componentes specifics da forma e paisagem urbanas, fixam-se numa cronologia, ste. E significative como isso fica impli ‘amente claro na leitura glo- bal de Histéria da Arte como Historia da Cidade, a jé classica e em boa medida ultrapassada colectinea de textos de Giulio Carlo Argan36, * Conferéncia a0 IV Congresso de Historia da Arte Portuguesa, Homenagem a José sto Franca, realizado pela Associacao Portuguesa de Historiadores da Arte entre 21 ilo ARGAN (1969-1982), Historia da Arte como Historia da Cidade. Sto Martins Fontes, 1995, 59 em especial no admiravel ¢ premonitério texto de 1969 Urbanistica, espaco e ambiente>?, Na sua vertente mais focada sobre © espaco da cidade, podemos dizer que a Hist6ria da Aste aborda a cidade como expressao arquitecténica, recorrendo amitide a sua taxonomia, bem como a um posicionamento mais contemplativo que interativo, incidindo sobre © resultado num dado momento ¢ nao sobre 0 proceso. Nisso é, alias, acompanhada pela propria Histéria da Arquitetura, com quem mantém (e convém que mantenha) uma promiscuidade proficua da qual aqui nao € possivel ocupar-nos agora. De ambas as historiografias decorrem narrativas ex- traordinariamente tteis e estimulantes para o conhecimento das cidades que, contudo, no ambicionam o holismo intrinseco a0 urbano, nem o H Porém 6 sao limitacdes redutoras se 0 historiador da arte ¢/ ou da seu organicismo estrutui arquitetura delas no tiver consciéncia ética € metodolégica. E que se esta abordagem pode parecer querer advogar 0 estabelecimento de limi intencio precisamente a contraria westigadores, tes a acto dess requerer-thes consciéncia disciplinar ¢ metodolégica no trabalho que idade cientifica desenvolvem, para com isso poderem usufruir da au necessiria ao exercicio de uma frutifera interdisciplinaridade. ‘Sabemos como as obras historiograficas que estabeleceram diferengas € partindo dos seus lugares disciplinares de mudangas foram aquelas em qu enunciacio, os autores fizeram incursdes metodolégicas, cruzaram dados € olhares, enriquecendo de forma nova e Gnica o conhecimento. No fundo, € recorrendo a George Kubler, falo das cabecas de série das diversas historiografias. Nao quero nem ouso, tirando partido do contexto, fazer uma abordagem critica a obra magistral de José Augusto Franca Lisboa Pombalina e 0 Tluminismo®®, mas invoco-a como exemplo claro desses 97 A tradugto para portugues ma e expaco e ambiente, 0 que distorce considerav« Urbantstica, spazio e ambiente 58 George KUBLER (1962), The shape of time, remarks on the bistory af things. New. Haven: Yale University Press. 1962. 2 José Augusto FRANGA (1962), Lisboa Pombalina e sminismo Lisboa: Wertrand. 1987 60 avangos. Hist6ria da Arte, Sociologia da Arte, por tltimo, Histéria Urbana ou do Urbanismo? Que importa? Porque tio global, talvez apenas Historia, Hist6rias que sio sempre narrativas datadas do passado, contribuindo decisivamente para a compreensio do presente que as determinaram e, assim, dataram. Narrativas que se vao atualizando até que uma nova abor- dagem, uma nova cabeca de série surge, na maior parte dos casos sem consciéncia pr ai de 0 ser. A importincia da identificagao e classificacao historias reside apenas na lucidez da sua utilizagio como recursos, ou seja, no despiste dos propésitos ¢ metodologias com que foram construidas. Apesar de ja hd muito esclarecida impoe-se (porque a propésito ¢ crucial) um breve lembrete sobre a diferenca entre urbano ¢ urbanismo, projetando-a entre Hist6ria Urbana e Hist6ria do Urbai mo, A primeira diz respeito , a segunda ao espaco onde aquela decorre. Independentemente de 08 enfoques poderem ser mais ou menos concentrados na imagem, na forma ou na estrutura que, necessariamente, vida urbana e espaco urbano autonomamente tém, a existéncia de ambos é evidenciada pelo simples facto de sem um nao conseguirmos explicar 0 outro. Em suma, vida urbana e espaco urbano nao podem ser a mesma coisa, menos ainda pode uma ser considerada representagio da outra. Tém de ser estudadas em conjunto como coisas diferentes que exigem instrumentos ticos diversos. Gompoem um sistema, 0 sistema urbano, que como {al € mais do que a soma daquelas duas. E para a compreensio do mesmo ue as Hist6rias Urbana e do Urbanismo pretendem contribuir, por sua ver compondo entre © que é a Hist a obra que acima ¢ Cidade, a tal a que Argan se refere Por razdes Obvias € A Histéria do Urbanismo, ¢ Ao tanto A Urbana, que a Hist6ria da Arte di maiores contributos. Sobre a diferenca entre Histéria do Urbanismo e Histria 2 forma como se ‘estrutura e organiza um espaco, como este & do e materializado, outro estuda a forma como se desenvolve a vida quotidiana $20 aspectos con eptares mas que nio devem ser confundos" Carlos Alberto Ferreira de ALMEIDA; Miro Ke BARROCA (2002), 0 gotico. Hisérta da Arte em Portugal. Lisboa: Presenga. 2002: 134, *m Walter ROSSA (2000), "Hi Urbanismo € Mentidade: a arte incons- Ja Comunidade.” Histrta, Li Publicagoes © conteddos sido em Walter ROSSA (1989-2001), 4 urbe ¢ ot ues. Coiba: Almedina. 2002) Nestas encruzilhadas epistemolégicas tm também presenca deter- minante as relagdes entre Historia(s) e Teoria(s). Uma(s) nutre(m) a(s) outra(s), mas também no sio a mesma coisa. Tentando ndo complicar, podemos considerar que Teoria € 0 corpus estruturado de conheci- mento de uma Area disciplinar, 0 que inclui as suas metodologias de desenvolvimento, mas necessariamente a construgio desse mesmo co- nhecimento, ou seja, a sua hist6ria. Do que resulta a Obvia utilidade da Histor to de cada teoria © até dos seus instrumentos metodolégicos. Resulta € das suas metodologias para a construcdo e desenvolvimen- ainda 0 quanto as mudangas de paradigmas da construgio das historias influenciam a evolugio das respetivas teorias, quando nao sio mesmo com uma narrativa propria, a teoria. No fundo € na Hist6ria que reside a base metodolégica ¢ cientifica, ou se quisermos, a base de rigor da teoria do urbanismo. Ha pouco questionei a capacidade holista de abordagem do artefacto urbano pelas historias da Arte e da Arquitetura, 0 que pelo menos para a liltima pode parecer estranho, pois ndo ha diivida que 0 espago urbano, jens de na- ainda que determinado pelas vivencias, é materializado por tureza essencialmente arquitect6nica. Contudo uma coisa € matéria, outra € esséncia. E s6 no dominio ingénuo de algumas utopias € que a cidade é um macrocosmos de casa grande ou entao, também inocentemente, um mero somatorio das suas componentes arquitectOnicas. Precisamente, uma das componentes essenciais da cidade € a sua permanente mutabilidade segundo estruturas da vida e do espaco de longa ou mesmo infinita du- ragio, ou seja, um conjunto de invariaveis que funcionam segundo o tal sistema a que ha pouco me referi. Porque estruturais ndo sio 0 mesmo que as invariantes formais, cuja identificacao operativa alguns te6ricos € historiadores da arquitetura propuseram para séries formais ¢/ ou ti- polégicas em contextos especificos! Ea transformacao permanente que faz da cidade, que até aqui classifi- quei como artefacto, um organism, ou seja, nunca pode ser considerada 47 6 texto classico e seminal da wtlizagio deste conceito é Fernando CHUECA GOITIA (2947), Invariantes castizos de la arquitectura espanota, Madeid: Doseat. 1947 62 um objeto. Alids como artefacto permanecer4 infinitamente incompleta. HG partes da cidade que sdo objetos artisticos, mas 0 todo por certo que no © é, mesmo quando vista apenas segundo o seu espaco. A imagem, a forma ¢ a estrutura do espaco urbano, ou seja, aquilo que como um todo designamos Urbanismo, estdo para além das fronteiras da Arte, convocando além desta para a sua compreensio um conjunto de outras reas de conhecimento ¢ de aco. Era sobre isso que j em 1969 Argan dissertava nos primeiros paragrafos do texto acima notado. Por extensdo, € ébvio que o mesmo sucede com as respetivas his- tOrias, ou seja, a Historia do Urbanismo, que carece primacialmente da Hist6ri Urbana, integra necessariamente os contributos, instru- mentos e metodologias das historias de diversas reas disciplinares que, de uma forma ou de outra, refletem sobre 0 espaco urbano, designadamente da Hist6ria da Arte, mas também da Arquitetura, da Ciencia, da Técnica, ete ‘Tudo fica mais claro quando visto segundo a perspectiva das heran- cas na sustentabilidade do futuro, ou seja, 0 patriménio. As teorias da conservacio ¢ restauro, apuradas e aplicadas aos objetos artisticos arquiteténicos, socobra perante a cidade, ou melhor, perante 0 seu urba- nismo, Por det ico € como qualquer organismo vivo, uma cidade nto regride, ou seja, nao se restaura. Podem-se restaurar os seus edificios, 4 sua arquitetura, até (o que apenas em tese & possivel) as carateristicas materiais do seu espaco puiblico. Mesmo assim o seu espaco urbano nunea volta a ser como era antes, pois a vida urbana induz-lhe uma evolugdo incessante E por isso que acdes com esse fundo de intensdes estiticas ou regres- sivas, $6 resultam se integradas nos impariveis processos de evolugao, assim adquirindo argumentos provindos de dominios da vida publica com maior peso que 05 da Cultura e que, obviamente, nao deixam de © ser. Economia (no sentido macro da gestio dos recursos segundo logicas de sustentabilidade) ¢ qualidade de vida (quando integrando indicadores da relevancia da lentidade no bem estar) sto apenas dois exemplos fortes daquilo a que me refiro. 63 Por alguma razao para contextos urbanos a expressio-conceito con- servacao evoluiu para conservacdo integrada (consagtada em 1975 pela Carta Europeia do Patriménio Arquiteténico do Conselho da Europa), 0 de salvaguarda para salvaguarda em desenvolvimento*, etc. O mais significative € que, até pelo pouco que acabiimos de ensaiar, est em evolugio 0 proprio conceito de patriménio aplicado as realidades ur- banisticas. Quais os valores de heranca que determinam a identidade dlo espaco urbano? © que pode € © que nao pode mudar na voragem da evolugio urbana quando nio queremos descaracterizar, quando no queremos perder © miinus da identidade urbana? Devemos procurar as respostas em torno das componentes do espaco Urbano na imagem, na forma ¢ na estrutura ¢ correspondentes inter re- lacoes, ou seja, no Urbanismo. Como € ébvio é em especial na imagem que a arquitetura enquanto edificado desempenha um papel relevante. Na forma nem tanto € na estrutura é quase nulo, Ou seja, quando vamos ddo mais mutavel para o mais estivel © papel do edificado vai-se dissipan- do, £ também esse 0 percurso do material e conereto para o intangivel € abstrato, Se na sua globalidade a forma urbana é jé algo que exige um considerivel grau de abstracio, o que dizer da estrutura que na realida de € algo que nao existe, uma imaterialidade conceptual na fundagao & interpretativa na anilise. Penso que isso pode ficar claro ao invocarmos as formas de percep- cdo € de representacio. Enquanto para a imagem urbana (na pritica comum a vida ao espaco) qualquer forma de representagio imagética direta (fotografia, gravura, pintura) serve os requisitos basicos, para a forma é necessario recorrer a intermediacao de plantas, fotografias aéreas e de satélite, maquetas reais ou virtuais, ou seja, meios que 2 Ver os textos também publicados nesta parte do volume “Valorizagio do patriménio Lurbuntstico portugues.” Pedra & Cal. Lisboa: Gecorpa. n'28, 2005: 46 ¢ “Apontamentos sobre Historia e Salvaguarda em Desenvolvimento.” Seminario Internacional de Projeto de Requa lificacao © Cultura Urbana, Salvador: Faculdade de Arquitectura da Universidade Federal a salvaguarda.” Revista Cedoua. Coimbra: CEDOUA/Faculdade de Direito da Universidade {de Coimbra. 0°17, 2006: 35-50 € Adelino GONGALVES (2011), Patriménto urban(isic}o e Planeamento da saleaguarda: o apresentada Fa dade de Giéncias © Tecnologia da U por si s6 0 cidadao comum nao domina sem alguma formacao prévia, pois requerem um razoavel recurso a abstracao. Mas é na represen- taco da estrutura urbanistica que os requisitos de especializacao ¢ abstracdo atingem um grau superior, sendo por exemplo frequente fo recurso & geometrizagio, Em suma: a estrutura do espago urbano (ou estrutura urbanistica) & uma abstracio do real especifica do Urbanismo como area do conhe- cimento. Nela € para ela utilizamos instrumentos de andlises comuns 0s que utilizamos para os edificios, ou seja, recorremos a Arquitetu Porém © mesmo nao sucede quando analisamos a estrutura da vida urbana, para 0 que sao necessirios contributes di iplinares de areas como a sociologia, a antropologia, a economia, a geografia, etc. Seguindo entio os instrumentos que a Arquitetura para tal disponibi- liza, a estrutura urbanistica corresponde em boa medida aos principios de composicao, ou seja, a0 sistema de relagdes geométricas que subjazem a forma e, necessariamente, & imagem do espaco urbano, no que o ter- ritério enquanto suporte é um elemento fundamental. Composicio com todas as suas componentes harménicas, ritmicas, dindmicas, timbricas, proporcionais, homotéticas, etc., mas também de perturbacéo € excecio, denunciando 0 préprio rufdo, ou seja, a dissonancia, a excecdo seja ela positiva ou negativa, E quando um aspeto da estrutura compositi do espago urba- no entea em rotura, que fica em causa a sua identidade urbanistica, sendo que como sistema tende, com tempo, a recuperar 0 equilibrio, hecessariamente um novo equilibrio, quase inevitavelmente menos coerente © harménico que 0 precedente. Mas ha processos inversos, de restruturagao, integrados em agdes de reurbanizagio, alids cada vez mais desejadas A composicao urbanistica nao consiste apenas no que numa abs- ‘acao representamos em planta, ou seja, no bidimensional horizontal Os planos verticais e os sistemas de vistas nos quais a topografia é um dado crucial, sdo apenas exemplos do que também é€ fundamental para 4 sua compreensio, Se a forma como inicialmente se procedeu a divisto dlas parcelas € a relagio destas com 0 espago puiblico & determinante, 65 também 0 € 0 como se ocupam essas parcelas*3 ¢ 0 como, por sua ver, 0 edificios sio compostos. A dita arquitetura de programa, de que a Baixa de Lisboa resultan- te da reurbanizagao empreendida com o Plano de 1758 € um exemplo clissico, é apenas a forma mais simplista de assegurar a harmonizacio compositiva de conjuntos edificados, pois a mesma € comummente obtida através de regras de modulacio simples que nao quartam a liberdade de transformacio, variagao e identificagio dentro de um mesmo sistema compositivo harménico. : Dito de uma forma inocente €, assim, arriscadamente redutora, nao é apenas quando se juntam duas parcelas para nelas fazer uma construcdo com a leitura de um s6 edificio, que se poe em causa a estrutura urb: nistica prévia, mas também quando se altera a morfologia das coberturas: ou se muda a légica compositiva dos vaos. Por conseguinte nada que nao saibamos hd muito. Contudo convém saber porqué para que se estabele- ‘cam regras que, sempre que necessirio, permitam a evolucio através da como todos sabemos ¢ ja aqui renovagao € reabilitaglo integradas, poi referi, a mudanca é imparavel * raco aqui wma siviautlizagio dos tes amesos) como cee pra ane en mori bane Yer ML, CONZEN (90 te snaty i oun plan amass. London: Institute of Bash Geogesph aoe 1908), Une of Town Mavs nthe Sty of Urban History” Ts Sua of ran Mstory Lando I} Byon (ed), Bard Arno 998: 113-130 66 Fig, 2: Perfil desde o rio Mondego até a Praga 8 de Mai percorrendo as ruas de Ferreira Borges e do Visconde da Luz, Coimbra. sao meros os casos em que conjuntos urbanos foram sujeitos a uma profunda transformacdo em Oitocentos, sem que a resultante tenha destruido a estrutura composi rae identitdria prévia. Ou scja, temos novas arquiteturas que, em vez de destruit, enriqueceram a identidade urbana. O sistema composto pelas atuais Praca Velha e rua de Ferreira B ges em Coimbra é um bom exemplo, onde até contamos com ruidosas intervengSes posteriores que ilustram como pode ocorrer © contrario. Vej €, Por exemplo, como se respondeu a considerivel subida operada no perfil da rua através d restruturacdo ou renovagio dos edificios € como até se elevaram cérceas, tudo sem romper com 0 parcelirio € com © sistema compositivo bisico das fachadas. Situagdes extremas ajudam-nos também a perceber este conceito de estrutura urbanistica. A renovagdo (€ esse 0 termo usado pelo urba- nista Manuel da Maia) de Lisboa apés 0 terramoto de 1755, foi feita segundo um plano e uma gestio que, pese embora a absoluta novidade (incluindo uma grande alteragdo da topografia, com escavacao, terra- Planagem e aterro) recriou os elementos estruturantes fundamentais 4 malha urbana prévia. Refiro-me essencialmente as duas pracas ¢ as vias estruturantes que as ligam, bem como a ligagio nascente poente, © assegurada pela rua Nova, hoje pela rua do Comércio, entretanto jada pelas estruturalmente descaracterizadoras avenidas do Infante Pom Henrique e da Ribeira das Naus. Foi uma profunda alteracdo estrutural que, contudo, nao péde deixar integrar algumas memGrias, até pelas articulagdes que tinha de asse- Surar com © que nao fe Iterado. Note-se a extraord 67 morfoldgica, mas também arquitect6nica, com que, a0 longo do Chiado, © plano se fez ao Bairro Alto, o que face ao que se implementou noutros locais, por certo em pouco se ficou a dever & topografia. Como sabemos, a alteragio morfoldgica do seu sector inferior € inicial, foi decidida pos- teriormente e perante a impossibilidade do lancamento da rua do Alecrim sem um profundo rebaixamento topogrifico. Invoquei assim dois exemplos que, espero, com maior clareza permi- tem perceber ao que me refiro quando falo dessa componente essencial do espaco urbano que € a estrutura, a tal imaterial © mais sensivel a descaraterizagao urbanistica. £ nela que consiste 0 conceito que, com um grupo de colegas, desde h4 algum tempo tenho vindo a desenvolver sob a designacao patriménio urbanistico. Nao queremos pura e simplesmen- te consolidar!4 mais um chavao na jé longa lista do jargao disciplinar, mas tdo s6 evidenciar € estudar aspetos estruturais que respondam. as perguntas que ha pouco formulei, mas que agora importa repetir: — Quais 0s valores de heranga que determinam a identidade do espago urbano? — 0 que pode ¢ que nao pode mudar na voragem da evolucao urbana quando nao queremos descaracterizar, quando nao queremos perder 0 minus da identidade urbana? © Patriménio Urbanistico, conceito atras enunciado, &, assim, patri- ménio imaterial essencialmente corporizado pelo conjunto de edificios de um niicleo, nele se destacando 0 edificado anénimo ou genérico (até ha bem pouco tempo designado de acompanbamento) € nao exclusi- vamente os elementos notiveis, sejam eles monumentos, edificios ou espacos publicos. No fundo € um sistema de relacdes formais estaveis sobre o qual a urbe se cria € recria num continuo recurso a arquitetura, transformando cores, antincios, perfis de arruamentos, transito, drvores ¢ plantas, ete, O patriménio urbanistico € o sistema imaterial residente “4 uma matéria-conceito tratado em quase todos 0s textos publicados nesta seco do 10, impondo-se também acrescentar 0s seguintes: Adelino GONCALVES (2006), "Questo amento da salvaguarda,” Revista Cedowa. Coimbra: CEDOUA/Fa 17, 2006; 35-50 © Adelino GONGALVES (2011), saloaguarda, Coimbra: dissertacio de dowtors- jogia da Universidade de Goimbea. 2011 da vida urbana ¢ da sua evolugdo ¢ transformagio sem solugdes de con- tinuidade. A resu ‘ante € a paisagem urbana (imagem € forma) e a sua funcao central consiste na estruturagao fisica da vida, ou se quisermos, da ecologia urbana. © patriménio urbanistico é um bem inevitavelmente hist6rico e ident Sem com isso estar a aderir a tese reducionista de Aldo Rossi (1931-1997)5 dos elementos primarios € monumentais, a maior parte das éreas e paisa- gens urbanas (algumas de grande qualidade) é constituida por elementos de arquitetura considerada comum, ordinéria ou até mediocre. E nelas que 1 sociedade processa o quotidiano, E sobre elas que a Hist6ria da Arte tem tendido a nao se debrugar, mas com a evolugao do contexto civilizacional talven deva inflectir interesses. Ou seja, considerar essas areas e expressdes urbanas como objetos artisticos € assim dar um contributo inestimavel & Historia da idade © ao planeamento do seu desenvolvimento integrado. Atravessamos um momento ico na definigao de uma nova urba- nidad no qual identidade, a sustentabilidade, a ecologia urbana, a Participacao cidada se estao a configurar como cruciais. Estamos a passar de uma modernidade marcada pela maquina para a do cognitivo, na qual 4 sensibilidade a imagem vai cada vez mais desempenhando um papel central. Talvez se fe siga a forma e, por tiltimo, a estrutura logrando-se assim o pleno urbanistico. © reconhecimento da cidade como a resultante concentrada de um Palimpsesto de épocas € acdes, jé nao é suficiente para uma urbanidade dispersa sobre o territério com as mais diversas expressdes, em que cada vex mais as relagdes polinucleadas, interpoladas e em rede(s) assumem um Protagonismo crucial para o entendimento dos seus fenémenos. No fundo nas cidades ja passmos do palimpsesto para o hipertexto", o que antes * Aldo ROSSI (1966), 4 arquitectura da cidade. Lisboa: Edigbes Cosmos. 14 {i Ulizo aq os textos Andes CORBO?. (2000, “a Suisse comme hyperville” Ze Vso, i: Soc rang des architects & Eons de Hips Ny Andre CROBOY C01 eroire comme palimpsese et autres ests. Pace: Vmpeimect, cl Dor Sebastien Maro que tem desensolvi eateconceto outros most @ partir dele que desenvolveu a sua propo: ch (4999), “Lan de la mmoie le terstone ovine des architects & Es lade hoje € apenas centro, 0 territ6rio passou a conter a periferia, © urbano fundiu o rural, ete. Tudo esté em mutacio nesta época-portal para a terceira modernidade. E necessario que as histérias também facam €s8€ Percurso, ou seja, se reescrevam, porque sem Histéria nao ha susten- tabilidade. Ou, utilizando o titulo de uma recente coletinea de textos de Fernando de Terin, fazer EI pasado activo: del uso interesado de la historia para el entendimiento y la construcctén de la ciudad. Nunca houve nada de novo que sufocasse 0 que existia sem o reciclar. E um principio vilido para 0 todo. E também aplicavel ao conhecimento. Uma boa monografia sobre uma personalidade da arte, da arquitetura, da gestio urbana seré sempre um trabalho relevante € merecedor de todos os elogios ¢ apoios. Tal como uma urbanografia ou um estudo sobre uma rua, praca, bairro ou muralha. Por conse- guinte uma das novas metas epistemolégicas para 0 nosso tempo é fazer o mesmo cada vez melhor com maior visdo ¢ contexto interdis- ciplinar. Isso € mesmo um pilar fundamental para a sustentabilidade do conhecimento, Contudo, face ao nexo desta comunicacao, penso que ha outras no- vas metas no que diz respeito A Historia do Urbanismo e historias afins Conceitos como 0 de estética podem e estdo cada vez mais a ser apli- cados por profissionais das mais diversas areas disciplinares aos dados que apuram. Assim acontece com formulas matemiticas, com modelos moleculares, com chips, etc. E numa I6gica de conhecimento sao de facto belos, de uma estética estruturante. O mesmo sucede com as estruturas urbanisticas que se descobrem sob 0 manto do aparente ¢ da materialidade. Por ultimo, nesta ja longa incursio reflexiva sobre 0 que fazemos € Procuramos na investigacio em Urbanismo, quando ha pouco me referia As componentes compositivas da estrutura urbanistica, no fundo estava 4 utilizar jargdo © semantics comuns musica, @ poesia e a literatura. Cada uma destas artes assume A sua maneira formas geométricas, anali- ticas ou descritivas, proprias. Essa convergéncia estrutural (uma espécie Ascher fez uso desta expressio no seu livro Les nouveaux principes de des rlles nest pas a Vordre du jour publicada pelas Editions de lAube em rhantsme. La fin oon 70 de ecumenismo metodolégico baseado nas geometrias como descrigio do real) no é uma matéria nova, pelo menos no ambito da filosofia. Quero agora apresentar, de forma resumida (pois nao € possivel aqui lustrar nem comentar os multiplos passos do proceso), dois exercicios simples, diversos mas interligados, dessas procuras de valores urb: nisticos. $40 trabalhos em curso, com muito ainda por apurar, mas o que vou expor sao ja alguns resultados consolidados. A area que os une € © Bairro Alto (Lisboa), uma urbanizacao de inici iva privada das primeiras décadas do século XVI, algo que hoje classificariamos como um loteamento especulativo numa urbanidade em crescimento vertiginoso. Ja muitos se debrugaram sobre aquela caracteristica unidade urbanistica de Lisboa*7, tendo em alguns casos apurado dados seguros € relevantes para a compreensao da sua estrutura, em espe no que diz respeito a volumetria e composigao de algados. Por limitages de tempo, nao os vou aqui carrear, tal como a factologia ¢ cronologia, que sto bem conhecidas. A metodologia corresponde Aquilo que temos vindo a designar como desenhar a bistéria. A ideia & simples: verter sobre a cidade atual, representada pelo levantamento georeferenciado mais recente, toda a informagao histérica geoferenciével disponivel ¢ com isso ir interpretan- do regressivamente 0 que se passou, preenchendo os vazios deixados pel andlises comparativas. No fundo € a aplicacao a nossa investigagio do documentacao com deducio baseada, entre outros processos, em Principio de reverse engineering desenvolvido para a informatica e gestio Por Elliot J. Chikofsky. Contudo procuramos evitar a presenca de alguns Fuidos, designadamente preconceitos estilisticos © historiogrificos, ou Seja, procuramos concentrar-nos no desenho € assim essencialmente na estrutura © na forma 10 (1879), Lisboa antiga: 0 isboa: rev. Gustavo de Matos Scqueies. 5 vol, 1954-1966, Mario SAA(1929), Origens do Batrro Atto de Lisboa: verdadeira noticia. Lisboa: Solugao Editors. 1929 ¢ Helder CARITA (1990), © Bairro Alte: tpologias e modas arguitectontcos. Lishos. Cimacs Municipal de Lisboa, 1994 Fig. 3: Eugénio dos Santos ¢ CARVALHO € Carlos MARDEL (atrib.), Desenho de evolucao do Plano da Baixa, 1756/1758, Instituto Geografico Portugues, 354 Na viagem de regressio cronoldgica a grande paragem é no processo de renovagio pés-terramoto de 1755. Por entre projetos diversos, en: quanto © sector superior € mais tardio do Bairro Alto nao sofreu entio grandes interven¢des, 0 ini into a Catequefaraz/ Cais do Sodré foi profundamente restruturado, até com algumas mexi- das topograficas. Falo, por exemplo, das ruas da Emenda ¢ das Flores. Os desenhos so mais expres fos que as palavras, mas contamos com 1 0 Livro de um conjunto fundamental de 171 documen raliagdes ou ido entre Tombo do Bairro Alto do acervo da Torre do Tombo, prod 1755 © 1756 pelo Juizo da Inspecao dos Bairros de Lisboa, ort Fig. 4: Livro de Avaliagdes ou Tombo do Bairro Alto, 1755/6, ‘Torre do Tombo, fs 172 ¢ 88. Trata-se do levantamento sistematico das propriedades afetadas ou nao pela ¢: guracio, rofe, por forma a ter registo das suas localizagio, confi- iimensio ¢ propriedade. Além dos indispensaveis magistrados, dos técnicos que aqui frequentemente interveio foi o engenheiro militar Eugénio dos Santos, que nos raros casos de lotes com confi- guragio mais complexa ali teve de registar croquis de relacionamento Beométrico das medicdes. © desenho deste tipo de dados nao é, por regra, facil, pois é ne- cessario encontrar um ponto de arranque seguro, ou seja, do qual tenhamos a certeza que os dados do tombo correspondem a uma co- ordenada geografica*®. Neste caso levamos muito mais tempo que 0 habi | Porque custou perceber que tudo batia certo se aplicéssemos stentes de investigacio Vera 2s, deste trabalho, as medidas em perfil endo em planta. Ou seja, a medicio foi feita sobre a inclinagdo acentuada do terreno € nao nivelada. Assim tudo passou a bater certo e foi possivel repor 0 parceldrio resultante dessa primeira fase da urbanizagio iniciada em 1513 e, mais importante, ter ‘uma leitura do parcelrio de toda a unidade morfoldgica, ou seja, de todo 0 Bairro Alto. Foi entio possivel fazer a anilise do processo segundo 0 qual a urbanizagio foi progredindo no terreno, atingindo o topo da colina a0 longo da frente ocidental da Muralha Fernandina. Note-se como a0 longo das ruas preexistentes (a Calgada do Combro ¢ a rua para 4 Cotovia, hoje da Misericérdia e de Sio Pedro de Alcantara) a mor: fologia dos lotes confirma um parcelério também preexistente, tendo sido nas suas costas que a urbanizagio se desenvolveu faseadamente Instalou-se 0 tradicional sistema de rua e travessa com orientacdes que dependem da topografia, ou seja, dando uma especial atencio a0 escoamento das aguas. ff notavel como essa diversidade de fases € partidos foi feita garantindo a continuidade do sistema viério, ou seja, da cidade. [A anilise © reconstituigdo da estrutura urbanistica do bairro revelou-nos ainda como, apesar da topografia dificil, foi utilizado um médulo compositivo nico para toda a urbanizagao, o qual estende para a zona de Santa Catarina, Trata-se de um lote com 30x60 palmos, 0 chao a que se referem intimeros documentos e autore E um médulo que dota os quar res de uma ductilidade geomé- trica apreciavel, mas que nao ilude numa leitura da composicio da estrutura urbanistica numa grande escala. Some-se-lhe, claro, 0 que alguns colegas, entre os quais se impde Hélder Carita, ja apur: ram sobre a composigio dos edificios erguidos lote a lote, pois com isso se confirma estabelecimento de um sistema global harménico. proporcional de medidas. 49 Ver a obra referida na nota 47 74 Fig. 5: Modulacdo 30x60 palmos do Bairro Alto (Lisboa). Sio conclusdes relevantes, pois permitem estabelecer relagdes de conti ‘uidade direta entre priticas urbanisticas anteriores, ou seja, medievas, em ‘odo 0 territ6rio nacional, e contempordneas e posteriores em ensanches Quinhentistas no mesmo espaco, mas também no da expanso, Confirma- “se assim, uma vex mais, a leitura de uma continuidade de processos, com uma paulatina evolucao € racionalizagao geométricas, que ha muito vimos Propondo para a urbanistica portuguesa e para a qual a indagacio das ¢struturas urbanisticas dos casos tem vindo a ser determinante. 75 Permite ainda a reconstituicdo fiel da morfologia urbana de uma parte da cidade de Lisboa que nao surge representada no levantamento mais antigo que até hoje se conhecia, 0 de 1650 subscrito por Joao Nunes Tinoco. © que dele hoje temos € uma c6pia a qual foi acres centada uma legenda e ja Vieira da Iva50 suspeitou que tivesse tido como base um levantamento anterior. Passando para o segundo exercicio numa sequela do primeiro, comeco por dizer que estara hoje identificado parte desse levantamento. Trata-se de um desenho com cerca de 1,80x0,50 metros do acervo da Bil joteca Nacional do Rio de Janeiro, aliés disponivel em linha>!, Foi feito a lépis Ge que persistem diversos trogos da quadricula de notacao topogritica) € passado a tinta sépia sobre uma folha de papel com formato bastante irregular. Representa parte da cidade de Lisboa, precisamente entre 0 ponto onde o desenho de Tinoco acaba a ocidente © a Junqueira (uma extensio de cerca de 4 quilémetros), 0 que faz com que 0 desenho te- nha uma escala proxima da relacio 1:2,000. Georeferenciamo-lo ¢ esta a ser estudado pela equipa do Gabinete de Estudos Olissiponenses®?, mas posso adiantar alguns dados. ‘Toda essa area urbana e periurbana est representada com definicao de quarteir6es, mas nao de lotes. Tem quase uma centena de ntimeros inseridos em ruas e escadas, mas no tem anexa a respetiva legenda, que se esta a fazer. Os equipamentos puiblicos € edificios religiosos tém inserido 0 nome sobre o desenho. Aqui e ali surgem pequenos apontamentos em perspectiva, bem como algumas anotacées, entre as quais a mais significativa é a seguinte: “Aquy se pode fazer hua Ibateria] de forma ¢ [...] @ q se nao [...] embargue de S, Amaro até © Corpo Santo”, Esta frente @ Rocha do Conde de Obidos, no local para 0 qual em 1719, a pedido de Jo4o V (1707-1750), Filipo Juvarra 50 A, Vieira da SILVA (1950), Plantas topogrdficas de Lisboa. Lisboa: CAmara Municipal de Lisboa. 1950, 51 Planta da cidade de Lisboa, na margem do Rio Teo: desde o Balrro Alto até Santo Amaro, BNR), Cactografia, Arm. 01 e cartonsséa, 52 Comp (1678-1736) chegou a esbocar um farol monumental, que assim nao sofreria 0 dito embargo. ig. 6: Colagem digital da Planta da cidade de Lisboa, na margem do Rio Tejo: desde 0 Bairro Alto até Santo Amaro, ¢, 1581-1590, Fundasio da Biblioteca Nacional (R), Cartografia, Arm. 014,01,018 (aqui representada parcialmente e com os contornos dos quarteirdes reforcados) com a (c6pia da) Planta de Lisboa de Jodo Nunes TINOCO de 1650 (também em reproducio parcial. De facto em todo o desenho se nota um especial cuidado no desenho dos elementos defensivos \cirinhos, 0 que € um dado relevante para 4 sua datacao. Mas para essa tarefa fundamental contamos com mais melhores elementos. Primeiro a marca de gua, que identificémos como sendo de um papel usado em bulas papais promulgadas nas décadas 7 de 1560 © 157055, Mais revelador € 0 facto de no local onde a partir de 1629 se instalou 0 convento de Sao Joao de Deus, as Janelas Verdes, estar escrito “S ipe”. Na realidade esteve ali antes, entre 1581 ¢ 160+ © convento de S20 Filipe dos Carmelitas Descalgos, que depois mudou para outro local, £ um dado que nos encurta o intervalo entre 1581 ¢ 1629, pois mesmo devoluto 0 local podera ter mantido a designacio. A zona do Calvario dé-nos mais alguma informacao, ou melhor, a au- séncia dela, Com efeito nota-se ali nao s6 uma hesitagao ou inseguranca que no surge em mais nenhum ponto do desenho, como a auséncia expressa de referéncias aos conjuntos religiosos que ali se ergueram por essa altura, em especial a0 convento das Flamengas fundado por Filipe 1 (1581-1598) em 1582, Por maioria de razio também nao ha qualquer referéncia ao convento do Sacramento, cujo processo no local s6 foi ini- ado em 1612, Mas € evidente a preocupacao em delimitar propriedades sobre 0 terreno alagadico onde foram implantados. Na década de 1580 © Calvario era uma frea urbana em gestacio. Ha outros elementos no desenho (que aqui me dispenso de apre- sentar), que nos permitem corroborar 0 que em termos de datagio da sua datacio atris ficou implicito. Os anos da década de 1580 foram cruciais para os destinos urbanisticos de Lisboa, pois foi ao longo deles que Filipe I encetou a realizagao de algumas obras ¢ melhoramentos que marcaram a imagem, a forma e a estrutura urbanisticas da sua capital portuguesa. Por questes de tempo nio me posso alongar mais sobre este desenho, mas é relevante chamar a atengio para o facto de em muito coincidir com © que nele € sobreponivel com 0 de 1650, desenho de apresenta ho acabado, 0 que ndo € 0 caso deste, uma genuina 1* via destinada’ a estudo € a ser reproduzida. Note-se, como exemplo relevante, 0 desenho de detalhe da Muralha Fernandina e, muito em especial, das Portas de Santa Catarina, alids portas compreensivelmente no plur: 59 CM. BRIQUET (1923), Les Filigranes. Dictionnaire Historique des Marques du Papier. 78 Admito assim, como hipétese de trabalho, que este desenho seja a me- tade de um levantamento geral da cidade ordenado na gestio urbanistica de Filipe Il. Ja € bom que possamos somar os dois, mas por certo que a metade em falta abrange mais area da cidade para norte € nascente do que a representada por Tinoco. Um ia surgira onde menos hoje nos pareca provivel. Note-se agora como este levantamento da metade ocidental de Lisboa m finais de Quinhentos nos ajuda, nao s6 a confirmar a pesquisa que sumariamente apresentei sobre 0 Bairro Alto, como também poderia wvar-me expor-vos como permite a retoma de trabalhos mais antigos nos quais se estudou o desenvolvimento da cidade sobre essa vasta érea urbana, em especial ao longo do século XVIII, Com efeito, além de dados topograficos fundamentais, dé-nos uma leitura bastante precisa do ini cio da urbanizagio desse espaco, feita essencial rente ao longo de vias, onde prevalece 0 percurso paralelo ao rio, mas a cota elevada, pois até Alcantara a margem corria alta sobre barrocal, Depois de uma quase introspecao sobre 0 que é a disciplina, foram dois exercicios simples de investigagio em Histéria do Urbanismo. © primeiro numa vertente de exploracio clissica de estrutura morfol6gica, ‘mas com 0 recurso a algumas ferramentas $6 disponiveis hé uma década, © segundo, clissico por si, pois nao € mai do que a critica e exploragio de um documento que ainda nao tinha sido chamado a contribuir para © conhecimento da hist6ria de Lisboa. Em ambos os casos muito ficou Por expor, bem mais temos ainda para investigar. Entre os casos que temos em mios escolhi Na re boa por razbes Sbvias. lidade € um prazer comemorar os 50 anos da Lisboa Pombalina ¢ 0 Huminismo, em Portugal a obra pioneira da Hist6ria da Cidade, na Presenca do seu autor, do meu mestre ¢ de muitos colegas para os quais 48 fronteiras entre as historias sio ligagdes que dinamizam os seus in- teresses © saberes

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