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PAPEL E FUNCAO DO ERRO NA AVALIACAO ESCOLAR* CLAUDIA DAVIS da PUC-SP e da Fundagdo Carlos Chagas e YARA LUCIA ESPOSITO do CENPEC e da Funda¢ao Carlos Chagas Como @ bem sabido, 08 indices de repeténcia evasdo nas escolas publicas brasiieires s8o muito elevados. Jé hd décadas, a busca de solugées para 0 fracasso escolar — {que exclul um sem ndmero de criangas do acasso & educa- ‘g40 @ 20 conhecimento sistematizado— vem dominando a produgo educacional no pais (Barretto, 1978, 1984; Cam- pos, 1962; Rosenberg, 1964; Soares, 1985; Dietzsch, 1988; Davis, 1988), sem que se observem, no entanto, modifica- {ges de vuito na forma como se configura o problema, Naturelmenta, tals estudos indicam a presenga de miitipios fetores, tanto'intra como extra-escolares, na manutencéo da catastréfica situagéo do ensino publica: a formagao precéria do professorado, salérios avitentes, descaso fis! 60 com 0 espago escolar, negligéncia com relagéo as condigses de seu funclonamento, critérios clientelstas na Indicagao de cargos-chaves, pobreza material dos alunos mm especial, a total auséncia de uma poltica publica (© setor. Face a este conjunto de fatores, 0 professora- 6b trequertamerte te sens inpoterte par eneosy, com eficécia, o papel docenta, atuando como madiador entre 0 saber escolar @ 0s alos que se encontram em suas salas de aula ‘Assustados, no entanto, com a situagéo da escola pblica, os professores tendem a privilegiar, enquanto con- ‘ribuig8o pessoal para elevar a qualidade da escolarizagéo financiada pelo Estado, critérios de avalacdo ora extrema ‘meant rigidos, ora extremamente fuidos. No primeiro caso, a justticativa 6 a de quo 6 preciso tri, com preciso, os “pons” alunos, ou seja, aqueles que, além de fazerem jus, a0 investimento piblico em educagéo, conseguem acompanhar um ensino condizente com determinadas exigéncias de qualidade.Alo segundo caso, a postura se atta, antes, na tentativa de evitar a seletividade escolar, criando-se_um ensino verdadeiramente democratico, que retenha na escola e pelo maior tempo possivel, as criangas da classe trabalhadora/ Na 6tica dos professores, portanto, o grande dilema centra-se na avaliagéo do aproveitamento escolar, questo sem dvida das mais importantes. Na verdade, 6 através da avaliagdo da apredizagom que se corporificam nfo sa * Este artigo integrou originaimenteo relatério da pesquisa A prética pedagégica na escola pablica” Cadi Pesq. (74) agosto 1990 repeténcia 6 a evasto como — @ sobretudo — a sonega- ‘go do conhecimento a considerdvels parcelas da popula- G40 brasileira. Dal a necessidade de se retomar a discus- 880 sobre a velha @ impopular questéo de como proceder no momento de decidir se 0 aluno passe, ou néo, de uma para outra série, Para tanto, faz-se necessérlo refetir sobre © papel da avaliagso @ sobre as condigdes necessérias para que esta se efetue de maneira consequete. De inicio, acredita-se que 0 concelto de avaliagso no ‘8 refere apenas ao julgamento do aproveltamento escolar {dos alunos, juigamento este que tem como finalidade est- poular quels deles podem permanecer na escola @ quals eles devern ser dela excluidos. A evaliagéo tem um sent- aprencizagem, para qui procedimentos ¢ estratégias de ensino, buscendo-se solu- cionar as dficuldades encontradas na aquisigao e constru- 40 de conhecimentos. Adicionalmente, a avaliagao deve, possam repensar os métodos, ainda, propiciar uma visio mais abrangente da realidade escolar, na medida em que, a0 desvendar entraves 8 em- Perramentos entre os abjetivos propostos @ os resultados alcangados, abrem-se novos rumos, novos erranjos no- vos fluxos de comunicagéo que articulam, de forma mals produtiva, a sala de aula © os demais espacos da escola. Para que se compreenda, pois, o significado da avalia- (go, faz-se necessario clarficar 0 que se entende pelo termo aproveltamento escolar, uma vez que 6 sobre ele que a avaliagfo incide, Aproveitamento escolar, de um lado, refere-se a construgées de conhecimentos, ou seja, & ela- bboragéo de formas de pensar @ relacionar determinados cconteddos que foram objeto de ensino. Além disso, apro- veitamento escolar implica, também, na presenga de um Certo progresso entre as construgbes jé elaboradas pelos ‘alunos @ aquelas que foram aicangadas na e através da ago da escola. Estas caracteristicas do aproveltamento escolar néo 80 casuais, A énfase na construgo do conhecimento significa que algumas fungées cognitivas devem ser cons- inanclada pelo INEP ” tiuidas 6 exerctadas sistematicamente, através das ativida- {des escolares: fazer inferéncias, generalizacées, compara (9628, andises, sinteses, crficas,ciscriminagbes, organiza- 40 0 estruturacbes l6gicas etc. Aproveliamento escolar, hasta ética,refere-se menos ao armazenamento de infor- ‘mages do que a0 uso que se faz das mesmas: fatos, situages e eventos deve propiciar ao aluno a construcao| de principios gerais, de pontos de vista, de teoras e idéias sobre a realidade que se tem, sobre a realidade que se quer tere sobre como, partindo de uma, pode-se chegar & outa. Em contraposigéo, a tOnica sobre os progressos, em rl 0 20s connecimentos jé construidos no inicio do. ano Ietivo © aqueles observados ao final do mesmo, salienta que 0 aproveltamento escolar 6 dinamico, processual, néo se podendo, desta maneica, aler-se to somente ao que corre em um dado ponto do tempo: o sluno pode ullizar letra cursiva, quando antes s6 empregava a de forma? Redige pequenas histlas, quando antes nao sabia escre- ver? Resolve a adigéo com rasorva, quando antes to so- mente dominava a nogdo de nimero? Estas questées remetem, naturalmente, aos objetivos do ensino. E evidente que a passagem pela escola $6 tem sentido quando se supe que se saird dela ciferentemente 4a forma como nela se entrou. O aproveltamento escolar, jasta maneira, nada mais 6 do que a apropriagdo que se faz daquilo que a escola pretende ensinar. Dentr® os mulios objetivos da escolarizagao e, portanto, do aproveitamento escolar, 8s 880 essenciais: 1) objetivos que se referem a obtengao de informagées sobre as conguistas das geracoes precedentes, de forma 80 apropriar de um conjunto de dados de natureza fisca, Biolégica e social sobre a realidade que se vie @ se entrenta; 2) objetivos que se referem & construgso de fungdes cogn- tivas que permitam pensar @ atuar sobre o mundo fisico @ social da maneira independent, crtica 6 cratva, estabele- ‘cendo relagées cada vez mais complexas entre as informa- (¢60s cisponiveis; 3) objetivos que se referem & elaboragdo de atitudes @ valores, de modo a se contar com cidadaos que, conhe- cendo as variedades da condigéo humana, escoiham de ‘maneira icida, consciente @ responsével sua conduta pes- soal e social Naturalmente, estes objetivos encontram-se todos mesclados, sendo dificil estabelecer limites precisos entre cada um deles: 6 na ciscusséo sobre os contedidos esco- lares que se formam as fungées cognitivas @ se valoriza a realidade. A construgéo da escita, por exemplo, contrioul do s6 para a elaboragao do pensamento simbélico, 0 ‘estabelecimento de generalizagbes, o uso da memériae do raciocinio, © emprego de andlises @ sinteses como, tam- bém, para uma forma de conhecer 0 mundo, de s@ posicio- nar frente ao mesmo, de formar opinibes sobre o ambiente clrcundante, Informagées, desenvolvimento cognitive @ aquisig&o de valores se do a um s6 tempo, ainda que, para efeitos didéticos, um objetivo possa preponderar so- bre os demal Se os objetivos do aproveitamento escolar indicam as raz6es pelas quais se aloca importancia & construggo do onhecimento, eles néo fornecem, por si mesmos, nenhu- ma pista de como proceder para alcangé-los, A forma de 7 Conduzir © processo educative, na verdade, nfo decorre dirotamente dos objetivos que se coloca para a passagem pela escola ¢, consequentemente, para o aproveitamento escolar: ela 6 derivada da concepcdo que se adote, sobre ‘9 proceso de aprendizagem @ desenvolvimento da crian- (ga. Na verdade, a depender da forma como se concebe o problema geral da aquisigéo de conhacimentos, selecio- nam-se e organizam-se os métodos @ as estratégias de fensino, Em fungéo de como se avalia a aprendizagem conquistada, aternativas s4o buscadas, seja para facliter ‘sua construgéo, seja para aprimordc-la, sola para complexi- ficd-ia. Dal a necessidade de $8 ter ciaro qual 6 a teoria de ensino-aprencizagem que s8 segue pols, sem ela, ndo & possivel nem agi, nem avaliar, de forma coerente, Em nossa experiéncia, multos dos professores que dizem seguir uma abordagem piagetiana em suas sales de aula desconhecem, de fato, @ concspgao de aprendizagem da teoria psicogenstica Como conseqdéncia, observa-se uma interagéo professor-aluno que, s¢ segue algum pa- rk, este 6 t20 somente uma caricatura grosseira da pro- posta behaviorista:repetic&o intermingvel de determinados Contetidos, sem que se tenha claro a associagao a ser btida; reforgos. dados aleatoriaments, sem se encontra rem condicionados a comportamentos desejéveis; plan mento da situagéo de ensino @ aprendizagem em termos e objetvos finals @ intermediérlos, sem que estes, de fato, Norteiem a conduta do professor @ assim por dlante, Tem-se, desta forma, uma situagéo paradoxal, bastan- te cbmica néo fosse ela séria: professores que s0 acredi- tam “piagetianos’, conhecendo apenas superfcialmente a Proposta de Piaget; que seguem, om suas atlvidades rot- neiras, um arremedo da andlise experimental do comporta- mento, sem jamais terem sido introduzidos seriamente & abordagem skinneriana. Falam, no entanto, com desenvol- tura, em termos especticos de uma @ outra teoria, néo se dando conta de que cada um deles se enceixa em um campo epistemolégico aiferente, “Reforco postive", “erro Construtivo", “estrutura cognitive’, “associacéo estimulo- resposta’, “reforgo negative", “assimilacdo* sé0 conceltos (ra utlizados erradamente, ora vazlos de sentido, no ais- ‘curso dos protessorss, Por no apreender o signficadoe a pertinéncia de tals nogdes no seio da abordagem & qual pertencem, bem como sua utlidade no processo de ensi- no-aprendizagem, a prética pedagégica ou nao as incorpo- ra 0U 0 faz de maneira totalments inapropriada, Desta for- ma, 0 que & surpreendente 6 que a formacéo recebida pelos docentes no os leve a atinarem para 0 fato de que seus pardmetros teGricos so absolutamente Inconsisten- tes, acreditando, assim, utlizé-los com propriedade na ava- liagao do aprovettamento escolar de seus alunos, Isto posto, gostarlamos de discutir a questéo da ava- llagao escolar a partir da perspectiva da teoria psicogenéti- ca, elaborada por Piaget. Para tanto, alguns pontos devem ser esclarecidos. Em primeiro lugar, 0 objetivo da obra Piagetiana nunca foi o de ser empregada na prética peda- 6gica. Ao contrério, 0 interesse do autor estava em des- vendar, com propdsitos claramente epistemol6gicos, os mecanismos subjacentes & formago de conhecimentos Em segundo lugar, existem indmeras questées na pratica edagdgica que a abordagem piagetiana nunca se propos a resolver @ para as quais, portanto, nao apresonta respos- tas: qual é © processo através do qual os alunos se apro- Papel e fungéo do erro. ptiam dos contetidos escolares? Por que, em se encon- {rando numa mesma etapa de desenvolvimento, alguns alunos aprendem @ outros néo? Como, na sala de aula, é possivel ao professor formar uma idéia clara das gstruturas de pensamento que os alunos ja construiram? E possivel aprender estruturas? Estes sao apenas alguns exemplos us evidenciam 0 quanto ainda ignoramos na érea, Fina: mente, convém sallentar que a questo educacional requer no s6 varios niveis de andlise como, tambérn, uma articu- lagdo entre os mesmos, uma vez que © ato pedagdgico envaive, como ja fol mencionado, aspectos insttucionais, sociais, afetivos e cognitivos, sendo, conseqdentemente, Improcedente a adog&o de uma tinica perspectiva (Castor. na, 1988). Por outro lado, 6 inegével que 6 possivel, a partir da teorla psicogenttica, que aborda as estrutures do conheci- mento, derivar uma concepgao de aprendizagem (Inhelder ‘t al, 197). Tal concepgao significa, em ditima andiise, dastocalzar a atengéo do desenvoWimento esponténeo para centralizé-la em procedimentos interativos, que lovern @ contites cognitivos (desequilorios, na terminologia pia- getiana) @ & subseqdente consirucéo de formas mais ela- boradas de pensamento, Colocado desta maneira, 0 pro- blema da aprencizagem na abordagem piagetiana contra- p6e-s9, frontaimente, & definigao cldssica que so da ao {ermo: a aprendizagem néo procede por associagao entre determinados estimulos e determinadas respostas e, sim, por assimilagao de estimulos a certas estruturas que Ihes Conferem significados. Neste sertido, ndo ha uma leitura direta da experiéncia: sem a integragéo dos estimulos a uma dada estrutura de pensamenio, estes ndo fazem senti- do para 0 sujeito e, portanto, néo Ines fornecem a possibi- dade de engendrar procedimentos de ago, ou seja, no produzem respostas. Na visto de Piaget, aprender, om ‘Suma, no consiste em incorporar informagées ja cons- ttuidas e, sim, em redescobrilas e reinventé-las através da prOpria atividade do sujeito (Castorina, 1988). Decorte dai que, do ponto de vista pedagdgico, a ‘conduta apropriada na situagéo de ensino-aprendzagom ‘deveria ser, em linhas gerais, a seguinte: partir dos conhe- ‘cimentos que 0s alunos j4 possuem, ou seja, de seus sistemas de significagdes; apresentar problemas que ge- rem confitos cognitivos; dar énfase & maximizagao do de- senvolvimento @ nao apenas & busca de resultados, cen- ttando-se no processo de construgao do conhecimento; aceitar solug6es “erradas" como pertinentes, desde que indicadoras ‘de progressos na atividade cognitiva; tezer com que alunos tomem consciéncia dos erros cometidos, ercebendo-os como problemas a serem enfrentados, ‘Sem que se thes imponham caminhos previamente traga- dos. Ora, se esta parece ser a proposta de ensino-aprendi- zagem dorivada da teoria psicogenética, fica de imediato Claro que, na avaliacéo do aproveitamento escolar, étarefa docente a de discernir entre os erros construtivos — isto 6, aqueles que evidenciam progressos na atvidade mental — aqueles que nao 0 $40 — isto 6, aqueles que no sinal- 7am avangos na forma da crianca pensar. No entanto, a grande maioria dos professores que ddizem seguir uma abordagem piagetiana nao separam 0 joo do trigo, ou seja, consideram todos os “erros" cometi- 0s pelos alunos como “construtivos" de estruturas cogni- tivas, Este fato, cuja gravidade ndo pode ser menospreza- da, tem sérias consequéncias para a avaliagdo escolar: significa que erros de distintas naturezas estéo sendo trata- Cad. Pesq. (74) agosto 1990 dos de forma idéntica, quando exiger, para sua eventual superagao, condutas pedagdgicas dferenciadas. Face a fais consideragbes, faz-se necessério discutir como enten- demos 0 papel ¢ a natureza dos erros na abordagem pia- etiana, visando contribuir para que a avaliagdo do apro- veitamento escolar se torne no 86 mais produtiva como, ‘também, mais conseqdente, A teoria de Piaget, ou "teoria da equilibragso majoran- te" pressupbe dois aspectos centrals: 0 estrutural@ 0 pro- cessual. O aspecto estrutural refere-se a0 conjunto de esquemas, jA construldo pola crianga Entende-se por esquema uma "coordenagéo de acéo", um “saber fazer’, por meio do qual o sujeito assimila os abjetos & sua forma ‘de pensar, ou seja, as suas estruturas de pensamento. O sistema cognitivo 6, desta manera, composto por um con- junto de estruturas, as quais, por sua vez, so formadas por Conjuntos de esquemas que, na interagao sujeito-objeto, propiciam diferentes tipos de conteddos ou agbes. O aspecto processual, de outro lado, alz respelto as altera- des que tais ag6es ou conteddos exercem sobre os esquemas, as estruturas @ os sistemas, levando a um apri- moramento da forma como antes estes se configuravam. ‘Trata-se, portanto, de processos de mudangas, da passa- {gem de uma para outra etapa de desenvolvimento, ou seja, da construgao de estruturas cognitivas novas e superiores as precedentes (Macedo, 1979). E possivel considerar, pois, que a construgao do co- inhecimento, segundo a abordagem piagetiana, implica em momentos de equilrio— ou seja, de estabiidade provis6- fia no funcionamento intelectual — e momentos de dese- quillorios, onde os esquemas disponiveis a0 sujeito n&o ‘40 suficientes para assimilar os objetos. Criam-se, desta maneira, confitos que perturbam o sujeito e que o obrigam ‘se modifcar, uma vez que desequilibram a interagéo que este mantém com o meio em que se encontra. A riqueza dos confltos — ou seja, dos desequiliorios — reside em provocar a busca de um novo estado de desequilorio, superior e melhor do que o precedente. Dai o termo “equil- bbragéo majorante” para 0 proceso de construgao do co- ‘nhecimento. Qual 6, entéo, 0 papel do erro neste proceso? Uma primeira distingao deve ser feita para se compreender a {questdo e esta distingao refere-se aos conceitos de estrutu- a @ procedimentos (Inhelder e Piaget, 1979). Face a uma situagao-problema, a crianca deve adotar uma determina- da estratégia para resolvé-la, Esta estralégia envolve, por sua vez, dois aspectos centrais: uma idéia a respeito do ‘objetivo a ser alcangado e uma nogéo acerca dos melos para atinglio. A resolugéo da tareta envolve, assim, de um lado, compreensio do problema e, de outro, procedimen- tos para resoivé-lo. O nivel estrutural fxa os limites dentro dos quais a crianga pode assimilar a situagao problema e oferece a gama de procedimentos possiveis de serem em- pregados para resolvé-a. Acontece que, dentro deste con- Junto de “possiveis’, determinado pelo nivel estrutural, ca- ‘be a crianga escolher alguns que, em seu entender, melhor resolvem a tareta. Se a crianga acerta, ou seja, se obtém &xito, cabe ao professor colocar-Ihe novas situagdes pro- blemas que provoquem desequilibrios em sua forma de ‘pensar, evando- a construir novos patamares cognitvos. Por outro lado, se a crianga erra, o que significa este e110? Tiés alternativas se colocam. 73 1) A crianga possui a estrutura de pensamento necessétia a solugdo da tarefa, mas selecionou procedimentos inade- quados para tal. Supde-se, neste caso, que a crianga jé dispde do conjunto de esquemas, do “saber fazer", que 6 necessério para obtengdo de sucesso. Este tipo de erro 1néo se refere, assim, & construgdo de conhecimentos ‘simpiesmente, 20 emprego ou aprimoramento dos conhe- ‘cimentos jé construidos. Erros de ortografia, por exemplo, no podem ser considerados “erros construtivos", quando a crianga jé elaborou a construgao da lingua escrita: s80 leros de sistematizagao do cédigo escrito, de distragao, de falta de treino ou repetigao necessarias &fxacao da arbitra. sdade da ortogratia, NAO S40 "erro construtivos", porque ‘@ estrutura alfabética jé fol alcancada. Naturalmente, esta avaliagéo depende da observagao docente da evolugéo da produgéo escrita da crianga e exige, do professor, um co- ‘Nhecimento aprofundado das etapas necessdvias A cons- trugéo da légica do sistema alfabético de representagao. 2) A crlanga errou porque a estrutura de pensamento que ossui ndo 6 suficiente para solucionar a tarefa: existom ontradigées entre as hipdteses construidas pelo proprio sujeito, que impiicam tanto em uma dificuldade para com- Preender a questéo quanto, e naturalmente, para selecionar uma estratégia de agéo. Infere-se, neste caso, que a situa- {¢80 problema néo fol resolvida de modo adequado em azo da crianga nao dispor, ainda, de todos os esquemas de agéo requeridos para tal, ou seja, existem lacunas em sua estrutura de pensamento que dificutam a assimilaggo dos dados disponivels & mesma. Neste caso, a crianga encontra-se "desequilbrada’, uma vez que a situac&o-pro- blema é percebida como geradora de perturbacées em sua forma de pensar. Desta maneira — sem um entendimento Claro do que ihe cabe realizar @, portanto, sem elementos ecessérios para optar por um determinado curso de ago — 86 resta, & crianga, proceder por tentativa ¢ erro, fezendo, corregées em suas estratégias em fungdo dos éxitos ou fracassos da agdo efetivamente realizada. Trata-se, agora ‘sim, de “ertos Construtivos", na medida em que a crianga, mocitica, neste processo, ndo s6 suas agdes como, ¢ sobretudo, sua forma de conceber o problema, Neste sen- tido, tals erros 840 construtivos porque sinalizam a forma- ‘g40 de novas estruturas, a génese de novas construgdes Cognitivas. A fonte dos erros reside, nestes casos, em desequilfoios na forma de atuar do mecanismo de assimi- lagdo dos esquemas de ago, fato que aciona o processo de equlibragdo majorante. Quando a crianga, a0 estudar adjtivos, escreve que “céu azul 6 azuiado", “céu com estrela 6 estrelado" @ “oéu com nuvens 6 nuvado" ela ‘comete um “erro construtivo" porque adotou uma "teoria® ue generalizou, para todos os casos, uma regularidade ue 86 6 valida para alguns, Esta generalizagéo inapropria dda deve ser, no entanto, avaliada posttivamente, justamente porque revela @ construgéo de um conjunto de hipdteses Sobre os adjetivos que sero, posteriormente, Incorpora- das a outro mais abrangente, que engloba 08 casos regula. 8 € 08 iregulares. De igual modo, uma crianga que cons- trulu a hipétese silébica (onde a cada silaba deve corres- onder uma gratia), ao mesmo tempo em que concebe s6 ‘ser palavra aquilo que 6 composto por pelo menos trés grafias, encontrard dificuldades para, por exemplo, escre- ‘er monossilabos. Neste caso, 0 conjunto de elementos, ‘ou “teories”, que compdem a estrutura cognitiva, nBo esto mantendo entre si uma relagéo de equilforio. Cabe ao do- 7 Cente, om tal situagao, oferecer contrapropostas que per- ‘mitam & crianga continuar avangando em suas hipdtese: tomando-as mais abrangentes. Em resumo, é importante {que © professor faca uso, em sua prética docente, dos desequilrios apresentados por seus alunos, de forma a les propiciar condig6es para construirem novas estrutures Cogntvas e chegar a novos estados de equilloros, maio- res @ superiores aos precedents, 3) A crianga errou porque néo possui a estrutura de pensa- mento necesséria & solugao da tarefa, de onde decorre uma impossibilidade de compreender 0 que ihe ¢ solcta- do. Este 6 0 caso onde se depara com os limites da estru tura cognitiva, ou seja, com erros sisteméticos, dado que sem entendimento da tarefa no hé como selecionar proce- dimentos de ago adequacos & realizagao da mesma, Em outras palavras, a crianga néo 6 capaz de assimilar 0 pro- blema enquanto perturbador, seja porque seu sistema cog- Titivo no se encontra suficientemente desenvolvido, soja Porque a tarefa no se Ihe apresenta como perturbadora. Este 6, por exemplo, 0 caso da crianga pré-silbica qu vivendo na zona urbana e deparando-se constantemente ‘com material impresso, no construiu ainda a nogdo de palavra, de letra, de frases etc. Por esta razéo, sua forma de ‘escrever nao he causa nenhuma contradig¢éo, ou soja, a manera como redige no Ine provoca nenhuma perturba- ‘go. Permanecendo ignoradas, as contradicoes entre a esorita pré-sildbica @ a alfabética no exercem Annum efeto sobre a crianga: no representam problemas para ela, Dai a sistematicidade dos “erros” cometidos, Cabx entéo, perguntar: como fazer para que as criancas perce: bam as contradig6es, desequilibrer-se @ busquem supe- ré-las ulrapassando sua antiga forma de operar? Certa- ‘mente, 0 professor ndo pode construl, pela crianga, as estruturas cognitivas que the permitam a tomada de cone- Ciénoia das contradig6es em sua forma de pensar. Por outro lado, 6 seu dever criar um ambiente de sala de aula propicio ao didlogo, que pressione a crianga a justiicar @ demonstra as raz6es pelas quais adotou um dado padréio de agdo. E fungéo, portanto, da escola, leva a crianga a rettir sobre 08 “porqués @ os comos da agéo" (Macedo, 1987), nunca através da coagao @ sim da cooperagéo entre profes: ‘80reS @ alunos @ entre os proprios alunos. Desta maneira, via cooperacéo, hipéteses individuals so discutidas de modo ‘que a troca de pansamento possibilte a apreenséo de pertur- ages, acionando o processo de equilbragéo. Paxa finalizar, a avaliagdo do aproveltamento escolar, 1a ética plagetiana, deve distinguiro tipo de erro cometido plas criangas, fomacendo-ines condi¢ées para superd. los. Estas condigdes, que se referem aos métodos, técni- cas @ procedimentos de ensino, devem ser selecionadas ‘com cuidado, em fungdo da avaliagao que se faz da natu- reza dos erros de aprendizagem. Para tanto, é tareta do professor fazer com que 0 ef70, paulatinamente, se tome lum “observavel” pela crianga, que esta tome consciéncia do mesmo (Macedo, s. d.). Na verdade, para que 0 erro seja superado e 0 sucesso alcangado, 6 preciso que o professor o transforme em algo instrutivo, Neste sentido, Concordamos com Bruner (1968), para quem “o erro prac 5a ter, como conseqdéncia, a redugéo da amplitude de atos alternativos err6neos que, posteriormente, 0 aprendiz realizerd em sitvagdes comparéveis" (p. 272), Nesta pers- pectiva, 6 importante discermir entre os aspectos estruturals ® processuais da formag4o do conhecimento, orientando Papel @ tungéo do erro. (08 alunos de maneia distinta, a depender da natureza dos ‘erros cometidos que ora incidem num, ora noutro aspecto do desenvolvimento cognitive, Defendemos, pois, que a contribuigdo pessoal dos professores para reduziro tracasso escolar consiste, certa- mente, em fazer da avaliagao algo mais produtivo, A quall- dade da escolarizagao publica ndo se tornaré melhor ado- tando-se objetivos e oritérios de ensino que estejam muito ‘além das possibilidades de assimilacao dos contetidos escolares por parte das criangas da classe trabalhadora, De igual modo, ndo se obterd uma escola mais democrat- ca mantendo-se uma postura condescendente em relagao. @ apropriagao do saber escolar. Na vordade, a escola que ‘qusremos @ a aprendizagem que visamos dependem, so- bretudo, de um professor competente e parcimonioso que, & luz de uma tgoria de ensino-aprendizagem, avalie de forma precisa 0 processo de construgao do conhecimento, reformulando os procedimentos de ensino de modo a al- ccangar 0s objetivos da escolarizagao: criangas bem infor- madas, que raciocinam com independéncia e s&o capazes, de tomar posigées. Entre outras coisas, sto s6 sera possivel reenquadran- do © papel do erro no seio da escola: se este deixar de significar derrota, néo ha porque puni-io, temé-fo ou evitd- lo. Ao contrétio, 0 erro deve ser encarado como resultado ‘de uma postura de experimentago, onde a crianga levanta hipéteses, planeja uma estratégia de ago e a poe & prova. Cabe a0 professor ajudar seus alunos a analisarem a ade- ‘quagao do procedimento selecionado, encaminhando-os na busca de condutas mais ricas, complexas e diverstica- ‘das, Em nosso entender, esta é uma alternativa de combate a0 fracasso escolar que poderia se encontrar no 6 20, alcance do professorado, como também na medida das possibilidades da acdo docente: avaliar de forma conse. {Gente para que nossas criangas ndo sejam nem excluidas, da escola, nem passem por ela inocuamente. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BARRETTO, E. S. 8. (coord) A oscola bisica de 8 anos: da Broposta devisees de us implantagi. Sho Paulo, Fux /

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